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Autonomia universitária

Autonomia universitária

A AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA NO DIREITO ESPANHOL E PORTUGUÊS

Fernando Condesso

 Introdução

 A ideia de Universidade constrói-se e tem sido repensada, na sua substância, ligada àquilo que a afirmou na sua origem: «Univer­sitas libera magistrorum discipulorumque con­sociatio» (Irnério).

E se a questão da autonomia nem sempre recebeu a melhor solução ao longo da história, esta não poderia deixar de vencer porque, como dizia Karl Jaspers, «Como Universidade, nós encontramo­‑nos sempre sem poder perante os poderes polí­ticos. Connosco temos, no entanto, o poder do Espírito e da Verdade ‑ e esse triunfará, embora precise de tempo para poder triunfar».

E, por isso, hoje, por toda a parte se reconhece que «A Universidade é uma instituição autóno­ma que, de forma crítica, produz e transmite a cultura através da investigação e do ensino» (Magna Carta das Universidades Europeias, de 18 de Setembro de 1988).

2. Por quê este estudo sobre a autonomia universitária?

A razão da escolha do tema, com que se pretende cumprir as obrigações académicas de elaboração de um trabalho no âmbito do «Curso de Autonomia Universitaria (...)», da responsabilidade do Professor Doutor Don Manuel Beato Espejo, inserido no Curso de Doutoramento de Direito Público, do biénio 1997/1999, prende-se com o facto de sermos motivados a reflectir sobre uma matéria em que os manuais, em Portugal, se limitarem a fazer puras classificações em termos do direito da organização administrativa.

A classificação mais recente figura na última edição do 1.º volume, de 1996, das lições do prof. Freitas do Amaral (e, portanto, publicado já muito depois da entrada em vigor da Lei da Autonomia Universitária), considerando a Universidade como uma nova espécie de instituto público, o «estabelecimento público», sub-categoria dos Institutos Públicos, por si proposta, ao lado dos clássicos «Serviços Personalizados do Estado» e das «Fundações Públicas» (onde a doutrina tradicional incluía também as «Empresas Públicas»), tudo entidades da Administração indirecta do Estado, isto é, entidades com personalidade jurídica, com certa autonomia em face da Administração estadual, cujos fins daquela realizam, com sujeição não só à sua tutela de legalidade e de mérito, mas à sua própria orientação (fenómeno de descentralização, com superintendência governamental).

E, com efeito, para a doutrina dominante, as Universidades são apenas formas de Administração indirecta do Estado, apesar do que aparece consagrado na Constituição e na Lei da Autonomia Universitária. Simples forma de descentralização de uma atribuição estatal, que sobre elas manteria poderes tutelares de legalidade e de mérito, e mais do que isso, poderes de superintendência, de orientação.

A verdade é que não é esta a configuração dada pelo ordenamento jurídico, com a Constituição da República Portuguesa (CRP) exigindo a sua existência e a sua autonomia, expressamente referida nos seus vários domínios essenciais e com a lei fazendo-a funcionar, vg. em moldes associativos, o que retira ao governo a nomeação dos órgãos dirigentes, etc.

Será aceitável manter esta posição tradicional? Pensamos que tal é inadmíssivel, uma vez que conduzia a uma classificação orgânica que, no fundo, visaria robustecer os poderes da Administração estatal, enfraquecendo interpretativamente a densificação de raíz constitucional dos vários elementos componentes da autonomia, consagrados no n.º 2 do artigo 76.º.

Portanto, há hoje um debate por fazer na doutrina portuguesa contra a posição instalada sobre a natureza da instituição universitária à face da actual Constituição da República Portuguesa e da restante legislação autonómica universitária, em ordem a demonstrar que as Universidades são fórmulas organizacionais dotadas de personalidade jurídica e sujeitas apenas à tutela do Estado (e já não às suas instruções).

E esta, não o prevendo expressamente a lei, pode estender a formas substitutivas, indo ao ponto de permitir-se que os poderes públicos alterem regulamentos universitários, desde logo, os Estatutos, como acontece em Espanha, com o beneplácito do Conselho de Estado e do Tribunal Constitucional, com fundamento em ilegalidade da solução, aprovados pelo órgão universitário competente, em vez de os devolverem sem aprovação, para a devida reformulação?

O Estado faz ministrar o ensino universitário em institutos politécnicos (ensino superior não universitário, onde as exigências relativamente ao corpo docente são menores), muitas vezes, dando cursos copiados pelos de natureza e matéria universitária (generalizadamente, as licenciaturas em gestão e engenharias, além de outros) e continua a criar e manter institutos universitários, públicos e privados, fora de Universidades, isolados, uns e outros concedendo licenciaturas e outros graus universitários, o mestrado e o doutoramento.

A garantia institucional da Universidade não veda que o ensino universitário possa ser ministrado fora das universidades?

E quanto às graduações e pós-graduações universitárias, como o mestrado e o doutoramento, é de admitir que possam ser atribuídas fora de estabelecimentos integrados em Universidades?

A garantia institucionalda Universidade não exige que o ensino universitário só possa ser ministrado em Universidades?

E quanto às graduações e pós-graduações universitárias, como o mestrado e o doutoramento, é de admitir que possam ser atribuídas fora de estabelecimentos integrados em Universidades?

A garantia institucionalda Universidade não exige que o ensino universitário só possa ser ministrado em Universidades?

 

Neste momento, a instituição universitária particular aparece rodeada em polémica, em grande parte devido à confusão entre a instituição cooperativa a que pertence e que a gere financeiramente e os órgãos académicos que dirigem a Universidade, que cumulam os cargos numa e noutra organização.

Será que o princípio da autonomia universitária, constitucionalmente consagrado, não impõe uma dade separação entre qualquer Universidade e qualquer entidade exterior à mesma, seja ela pública, cooperativa ou capitalista?

Se as Universidades particulares são apenas fiscalizadas pelo Estado, nos termos precisados por lei, como compreender que o Ministério da Educação, em Portugal, numa postura estatista, devolva Estatutos para emenda, solicitando alterações que copiem modelos organizacionais das Universidades públicas, contra o que está ou sem que tal esteja previsto na lei?

 

Os textos legais básicos são claros, mas depois outras normas e as práticas não os seguem, aparecendo actos da administração e normações que são ilegais e até inconstitucionais, por acção ou por omissão.

 

Este debate sobre a instituição universitária não só tem importância em vários planos, desde o científico, ao pedagógico, legislativo e doutrinal, como é também um debate cheio de pertinência.

E é-o, desde logo, porque Portugal viveu no final da anterior década uma sensível mudança legislativa em matéria de autonomia universitária e do chamado estatuto do ensino superior particular e cooperativo.

 

Importa perguntar:

Qual a natureza da Universidade? Da Pública e da privada?

E qual a natureza e âmbito subjectivo de abrangência institucional da autonomia constitucionalmente imposta às Universidades em geral?

Isto impõe que se comece pela análise da Função Administrativa do Estado‑colectividade ou Administração pública em sentido material. E também se estude as Universidades como entidades muito específicas, que agem numa área dessa função, que também a desempenham, e por isso qualificáveis de Administração Pública em sentido orgânico, dado que as Universidades, em Portugal, como em diversos Estados contemporâneos, ou se integram na Administração Pública em sentido orgânico ou, quando de criação em regime jurídico privado, por ela são estritamente fiscalizadas, porque estão sempre a prestar um serviço público, o da educação, como tal assumido pelo Estado.

 

Portanto, é um debate importante, em termos científicos, desde logo, em primeiro lugar, porque permite equacionar questões teóricas das mais relevantes, em termos de direito universitário, mas também de direito administrativo em geral, de que destacamos:

- O conceito de pessoa colectiva pública, as classificações de pessoas colectivas públicas, a categorização das Universidades e os concomitantes limites relacionais com os poderes tutelares;

- As relações entre os conceitos de personalidade jurídica, capacidade de gozo e capacidade de exercício;

- O princípio da autonomia constitucional na organizaçção e funcionamento das Universidades particulares;

 

- O poder estatutário e o papel dos governos na aprovação dos estatutos das Universidades públicas e particulares;

 

- a participação dos professores e alunos na gestão das Universidades particulares;

 

- O regime das universidades privadas e o seu tratamento diferenciado;

 

- As diferentes formas de estruturação interna das pessoas integrantes da Administração Pública e a autonomia das diferentes partes constitutivas das universidades.

 

E o debate é também importante em termos pedagógicos, porque permite exemplificar questões básicas de um ramo da ciência do Direito, com a realidade que todos, alunos e docentes, conhecem do seu quotidiano e reputam sua casa e tantas vezes sua matriz cultural.

Mas se o tópico é científica e pedagogicamente importante, ele reveste‑se de especial pertinência num trabalho realizado numa Universidade, porque mexe com o seu próprio ser.

 

3. Neste debate, os fundamentos conceptuais de que se parte são alicerces incontornáveis. E em termos da importância da autonomia universitária e da sua natureza, basta referir que o conceito de autonomia é a base da configuração do novo regime universitário, quer em Espanha quer em Portugal, quer na sua vertente de direito quer de garantia institucional, configuração retirada ou oferecida pelo texto constitucional, de uma instituição jurídico-pública, na linha da concepção da autonomia dos entes locais (Smend e C. Schmitt), embora distante da sua significação originária, que traduzia um âmbito de indisponibilidade do legislador ordinário sobre os direitos fundamentais, no seu enquadramento na Constituição Weimariana de 1919, depois redensificada como garante estrita do conteúdo essencial (Wesensgehalt) das liberdades públicas, o que implica uma protecção reforçada (vg. 53.1 CE; L Parejo Afonso, garantia institucional y autonomias locales, IEAL, Madrid, 1981, p. 17;J. L. Carro, Polémica y Reforma Universitária en Alamania- Libertad Científica, Cogestión, numerus clausus, Ed. Civitas, Madrid, 1976, pág. 45 e segs; Libertad Científica y Organización Universitaria, REDA, n.º 13, 1977, pág.213-219; A. Embid Irujo, Autonomia Municipal y Constitución: Aproximación al concepto y significado de la declaración constitucional de autonomia municipal, REDA, n.º30, 1981, pág.437 e segs).

A construção dogmática original das garantias institucionais efectuada por C. Schmitt tinha uma estrutura que não integrava o direito subjectivo nem a via judicial. Era uma instituição em sentido objectivo, em si mesma, preservada na sua existência em face do legislador, aparecendo eventualmente o direito individual como algo adicional, acessório e não consubstancial ao conceito, sem prejuízo da aceitação da sua incorporação na doutrina alemã anterior à Grundgesatz (vg., quanto à garantia da liberdade científica). Entretanto, o conceito evoluiu.

E a sua aplicação ao direito universitário, embora ainda não explorada em toda sua potencialidade, sobretudo no que se refere a Portugal, revela a riqueza e a importância da sua consagração.

A questão de que se parte é, pois, a do entendimento a dar ao princípio da autonomia universitária.

 

4. No que se refere a Portugal, a Lei da Autonomia Universitária (que aparece cinco anos depois da reforma universitária espanhola, apesar de tal atrazo constituir um inadimplemento de comando constitucional de 1975), foi aprovada no ano em que ocorria o 7.º centenário da súplica, dirigida em 12 de Novembro de 1288, ao Papa Nicolau IV pelo Abade do Mosteiro de Alcobaça, pelos priores de Santa Cruz de Coimbra e de S. Vicente de Fora e pelos reitores de 24 Igrejas, pedindo o patrocínio papal para a criação de um Estudo Geral, que já havia sido anteriormente autorizado pelo penúltimo rei da primeira dinastia portuguesa D. Dinis: «hu estudo jeeral em que todallas sciençias se leam», na expressão do cronista Rui de Pina.

 

A Lei n.º 108/88 marca uma mudança na vida universitária em Portugal na esteira de outras mudanças também vividas noutros Estados, desde as 6 reformas alemãs pós‑1984 e as reformas austríacas de 1975 a 1988, ao britânico «Education Reform Act» de 1988, à já referida Lei da Reforma Universitária espanhola de 1983 e à reforma italiana desencadeada pela proposta governamental de Outubro de 1988.

 

Entretanto, ao longo das duas décadas anteriores à aprovação da Lei da Autonomia Universitária, as universidades portuguesas conheceram enormes transformações.

Criaram‑se mais universidades, institutos e escolas, pri­vadas e públicas, de ensino superior, politécnico e para-universitário, a população estudantil mais do que duplicou e o número de docentes ainda cresceu mais.

Mas muito do que se fez, casuisticamente, ocorreu «ao sabor dos acontecimentos», como referiu o deputado António Barreto no debate parlamentar sobre a lei da autonomia universitária.

As Universidades foram cres­cendo e os poderes públicos foram respondendo, em geral tarde e mal, aos problemas que iam surgindo, sem que se perceba quais os princípios ins­piradores desta evolução não programada, não orientada por objectivos de interesse público, em que não há fios condutores (ligados quer à justiça social e à igualdade de opor­tunidades, à modernização da gestão), resposta às necessi­dades da economia e do mercado de trabalho, ou voca­ções científicas nacionais ou regionais.

Sem dúvida que, neste mesmo período, cresceu um pouco a auto­nomia universitária, por força da instalação do regime democrático (e da ingovernabilidade concentrada de um sector em expansão acelerada), que foi inviabilizando que o poder político interferisse na vida universitária, tal como ocorrera durante o re­gime corporativo anterior. Nalguns aspectos, como o da elei­ção do reitor, gestão democrática e recrutamento de pessoal do­cente principiante, haviam já ocorrido certos progressos significativos.

Mas a velha aspiração da comunida­de académica ia muito mais longe, bebendo a autonomia universitária a sua inspiração no estatuto que é único no nosso direi­to constitucional.

Com efeito, a Constituição descentralizadora  admite explicitamente três autonomias, a das regiões, a das autarquias e a das universidades. E às universidades é reservado um tratamento específico, especial e singular, não compa­rável a nenhum outro instituto público, empresa, fundação, adminis­tração ou direcção‑geral.

«As razões por que se deve outorgar a autonomia às universidades não são o bem‑estar dos professores e dos estudantes, nem as regalias dos universitários, nem o estatuto social dos académicos. Essas razões são essencialmente os deveres que as universidades devem cumprir para com a sociedade, as suas funções no desenvolvimento da comu­nidade e a eficácia com que devem desempenhar o seu papel. A autonomia universitária é um direito paradoxal, pois traz consi­go mais obrigações, mais deveres e mais responsabilidades do que regalias e faculdades». A autonomia universitária não é «um fim em si própria, ou antes, não é só um objectivo. É também e sobretudo um instrumento. Primeiro, da liberdade e do espírito crítico (...), uma procura mais viva da excelência, uma maior eficácia da instituição, uma superior com­petição que revele o mérito e a criatividade. Autónomas, as universi­dades terão de viver mais da ciência, da qualidade, da imaginação, do espírito crítico e do seu contributo para a sociedade. (...) autónomas, as universidades responderão pela sua própria existência, livres de ingerências do poder político, livres das hipotecas das potências económicas, livres da ameaça da orientação dou­trinária. Doutrina, dinheiro e política podem ser os três grandes inimigos da ciência. 0 século XX é farto em ex­periências reveladoras. Alarguemos os horizontes: a autonomia universitária não se justifi­ca apenas por razões universitárias e científicas. Há também motivos de carácter mais geral, próprios de uma visão do mundo e das socie­dades. A autonomia das comunidades, dos agrupamentos humanos, das empresas e das instituições, nos planos local, regional, nacional e internacional, é cada vez mais um factor de liberdade e de humaniza­ção. Neste sentido, a autonomia aparece como parceira da autodeter­minação e do autogovemo, todos como variantes do que é vulgar de­signar‑se como «cuidar do seu próprio destino», dizia o mesmo parlamentar. E acrescentava, acerca da responsabilidade que a autonomia implica, que em causa está «uma relação permanente e con­tratual de reciprocidade com todas as instâncias da sociedade, a come­çar pelo Estado e passando pelo Governo, pelas comunidades e pelos múltiplos interesses organizados. Autónomas, as universidades não terão a possibilidade de se refugiarem, de se transformarem ou de per­manecerem feudos independentes ou corporações fechadas». A universidade moderna nu­ma sociedade aberta, terá de demonstrar a sua «capacidade de cooperação, de empenhamento e de criatividade».

 

Mas apesar da nossa legislação universitária moderna levar já mais de 10 anos de vigência, não tem merecido a devida reflexão da doutrina nem suscitado intervenções jurisprudências, contrariamente ao que tem ocorrido em Espanha, antes e depois da Lei de Reforma Universitária, de 1983, em grande parte devido ao fenómeno da afirmação das Comunidades Autónomas, que dá ao debate uma dimensão que ele não atinge num Estado não regionalizado, como Portugal, que apenas tem duas Regiões Autónomas, geograficamente e institucionalmente periféricas, nas suas ilhas atlânticas (Estado unitário, com  2 regiões).

 

5. É, pois, pertinente e urgente uma reflexão sobre o tema.

Temos, por conseguinte, assente o objecto do estudo, fundamentada a escolha feita e justificados os principais temas a abordar.

A exposição que se segue começa por uma breve referencia ao conceito, génese e evolução da instituição Universidade.

Na exposição escrita referi inicialmente os traços essenciais da história da Universi­dade quer em Espanha quer em Portugal e, finalmente, dei especial atenção ao cerne do tema escolhido, a autonomia, a propósito da qual critiquei algumas soluções ou a sua ausência e explanei algumas teses que entendo deverem enformar a doutrina sobre a matéria.

 

Nesta breve exposição oral, previligiarei as considerações que considero  mais pertinentes em quatro planos:

-                   da autonomia constitucional na organizaçção e funcionamento das Universidades particulares, o que vai ligado ao enquadramento sobre a natureza orgânica das Universidades (pág. 37);

-                   do poder estatutário e do papel dos governos na aprovação dos estatutos das Universidades públicas e particulares;

-                   do regime das universidades privadas (especialmente das cooperativas, as únicas que pelo ordenamento jurídico poderiam ter tratamento diferenciado, em comparação  com o estatuto das universidades detidas por empresas capitalistas ou mesmo da Universidade Católica, neste caso em face dos princípios constitucionais da igualdade e até da separação das igrejas em relação ao Estado); e

-                   das diferentes formas de estruturação interna das pessoas integrantes da Administração Pública e a autonomia das diferentes partes constitutivas das universidades. Quanto a esta matéria, parece óbvio que uma questão importante é a de saber se o princípio da autonomia universitária abrange ape­nas cada universidade como escola global ou se se aplica também, dentro de cada uni­versidade, a cada uma das suas partes integrantes (faculdades, departamentos, institutos, etc.). As razões que justificam constitucionalmente a autonomia da universidade face ao exterior (especialmente face ao Estado) devem compreender também uma certa medida de autonomia intra‑universitária? Por isso, a lei avança nesse sentido. Em termos irrevisíveis? E generalizáveis?

 

Não sem antes introduzir conceptualmente o princípio da autonomia.[1.1, 3.1 e 3.2.]

 

1. Conceito, génese e evolução da instituição universitária

 

1.1. O conceito de Universidade

O que é uma Universidade?

É a comunidade de professores  e estudantes, apoiados nos funcionários, que enformam uma instituição que exerce a docência, a investigação e o estudo, com «liberdade académica».

É esta comunidade académica que, segundo a jurisprudência constitucional espanhola, constitui a Universidade, e é titular de um direito fundamental. Assim se processa uma identificação entre Universidade como instituição e os elementos pessoais que a enformam, no conjunto compondo a comunidade académica.

A Universidade como elemento abstracto é uma instituição dotada de personalidade jurídica que materialmente é a comunidade universitária.

Neste sentido, a administração da Universidade contará com a «representação dos vários sectores da comunidade universitária» (art.º 4.º da LORU espanhola), portanto, da Universidade, e o seu Conselho Social contará com a presença de membros que nãio podem pertencer á comunidade universitária, isto é, agentes universitários, pessoas funcionalmente integradas na universidade (art.º 14.º da LORU).

Digamos que, embora a Universidade como instituição não se reduza aos elementos humanos que a integram, para efeitos da construção do direito à autonomia, é a posição deles em face dos poderes políticos e administrativos alheios que importa enquadrar, aparecendo por isso comunidade académica e Universidade identificados, desta se predicando a autonomia, daqueles os direitos defensores  de interesses diversos que traduzem no conjunto essa autonomia, cabendo a legitimação para efectivar este direito à autonomia «a quem, de acordo com o disposto nos estatutos, ostente a representação da Universidade» (J. Leguina, o. c., pág.1202).

 

 

1.2. Génese e evolução da Universidade

 

1.2.1. As duas matrizes universitárias

A Universidade, tal como a conhecemos hoje, teve por antepassadas duas matrizes diver­sas:

-       uma laica, de ensino avulso do Direito e das instituições romanas que perdurou na Idade Média, e teve em Bolonha a sua alma mater; e

-       ou­tra, confessional, descendente espontânea das escolas monacais, claustrais e episcopais, da responsabilidade da Igreja, que floresceram por toda a Europa entre 430 ‑ data da morte de Odoacro ‑ e 910 ‑ data da criação de Cluny, ma­triz esta que teve em Paris a sua primeira ex­pressão.

 

Será de uma e outra raiz que nascerão os «Estudos Gerais», tendo no seu seio as «Universitates», isto é, «os conjuntos de mestres e de escolares que em determinado local se reúnem com vontade e en­tendimento de aprender os saberes» («Sete Partidas» de Afonso, o Sábio).

 

Entre os séculos XI e XIII, os Estudos Gerais atingiram quase a meia dezena, sendo normalmente dotados de individualidade jurídica própria, autonomia estatutária, gestão adminis­trativa e financeira específica, e até isenção tri­butária e foro académico.

 

 

1.2.2. As querelas com a Igreja e a sua secularização

 

Leibniz dizia: «Dêem‑me a instrução pública um sé­culo e eu mudarei o mundo.»

Pois, os princípes percebiam isso e irão aproveitar as querelas com a Igreja para intervir nesta área institucional.

Com efeito, na grande maioria dos casos de iniciativa eclesiástica, com subsequente aval régio e papal (como em Montpellier, Toulouse e Salamanca), ou fruto de emigração de docentes (como em Ox­ford e em Pádua), os Estudos Gerais tornaram-se palco de querelas com a autoridade reli­giosa, propiciando intervenções dos monarcas interessados na centralização do poder político, que os letrados iriam depois legitimar.

E foi as­sim que os Estudos Gerais, entre os séculos XIII e XV, se começaram a converter em instrumentos poderosos para a afirmação posterior da construção da monarquia absoluta.

No fundo, já então se perfilava a luta pelo po­der universitário, sempre tentadora dentro do domínio do ensino geral.

 

 

 

1.2.3. Os modelos da Escola de Bolonha e da Escola Teológica de Paris

 

Quanto à existência histórica da autonomia, deparamos com duas tradições ao longo dos séculos que chegam e perduram neste século: a tradição medieval, autonómica, que com adaptações continua na universidade humboldtiana e a tradição anti-autonómica, oposta, claramente afirmada na reforma e da contra-reforma, com a sua manifestação extrema nos reinados de D. João II de Aústria e Napoleão, e que segue linha também já experimentada, com um dado passado.

 

Com efeito, já na fase inicial e ainda no segundo momento de avanço da intervenção do poder po­lítico e da secularização, os Estudos Gerais podiam considerar-se divi­didos, quanto à sua estrutura interna, em dois grandes grupos:

-       o da Escola de Bolonha, essencialmente jurídica, de marcado cunho estudantil, cabendo aos discentes a elaboração dos esta­tutos, a designação dos reitores, conselheiros, bedel e até dos professores; e

-       o da Escola Teológica de Paris, com poder concentrado em responsáveis da escolha dos mestres e designação formal da hierarquia da Igreja, e, mais tarde, escolhidos por cooptação ou por contratação dos Municípios tutelares.

 

1.2.4. A perda da autonomia

 

Nos séculos XVI, XVII e XVIII, em toda a Europa e qualquer dos modelos de Univer­sidades ‑ expressão que, começando apenas por abranger a comunidade de docentes e discentes, se foi identificando com a de Estudos Gerais e acabou por absorvê‑la ‑, operou-se uma evolução que apontou para uma progressiva dependência do Estado, que as vai sujeitar a uma rígida regulamenta­ção administrativa, que as priva de autonomia e sacrifica os seus privilégios ancestrais.

Esta evolução foi mais rápida e acentuada nas Universidades do tipo francês do que nas do tipo italiano, in­cluindo as anglo‑saxónicas.

No entanto, verificou-se sempre a mesma propensão centralizadora para con­verter as Universidades em forma de administração do Estado, embora frequentemente com resultados desastrosos.

Basta recordar que, no fim da Idade Moderna, e depois de reforma imposta por Luís XVI, de vinte e quatro institui­ções universitárias francesas prestigiadas restavam cinco, isto é, apenas cerca de 20%, que poderiam considerar-se dotadas de um mínimo de credibilidade científica.

 

1.2.5. O centralismo da Universidade continental no século XIX

 

A Revolução Francesa, hostil a todos os corpos intermédios e aos remanescentes Privilégios do Antigo Regime, levou longe a senda do absolutismo, não só publicizando todo o ensino como «suprimindo», pela lei de 15 de Setembro de 1793, «de toda a superfície da República os co­légios de pleno exercicio, as Faculdades de Teo­logia, de Medicina, das Artes e do Direito».

 

Caberia a Napoleão recriar a Universidade em França, numa complexa simbiose, que in­fluenciaria boa parte da Europa Continental, entre a herança do Antigo Regime e as promessas da Revolução. Em 10 de Maio de 1806, nascia a Universidade Imperial, unitária, centrali­zada, profissionalizante e monopolisticamente pública na linha da Revolução, dotada de corpo docente próprio e formada de Faculdades, e es­tas por cátedras, como sucedera antes da Revo­lução. Toda ela dependente do Grão‑Mestre, es­colhido pelo imperador, com as suas autonomias jurisdicional, administrativa e financeira tolhi­das, apesar, de o próprio Napoleão reconhecer em abstracto: «É preciso que disponha de alguns pri­vilégios e não dependa excessivamente dos Mi­nistros e do Imperador».

No entanto, esta preocupação não se imporia, tendo pelo contrário triunfado o centralismo na administração universitária em toda a Europa Continental durante todo o século XIX (em contraste com a autonomia de muitas Universidades anglo‑saxónicas).

 

1.2.6. A tipologia universitária do Século XX

 

No século XX, di­versificam-se os tipos de organização da instituição, devido à grande explosão universitária, que permitiria vá­rias ópticas de enquadramento.

 

Importa pela sua importância referir os três mais relevantes de Universidades: a Universidade Cultural, a Universidade Científica e a Universidade Técnica.

Esta tipologia parte de um critério distintivo de natureza teleológico, isto é, tendo presentes os fins prosseguidos pela Universidade (enciclopédico norte‑americano Abraham Flexner, Viktor Naumann, Guilherme Braga da Cruz e Ino­cêncio Galvão Telles).

A Universidade cultural ou forma­tiva será aquela em que a formação cultural é a sua principal finalidade (certas velhas Universidades inglesas e algumas das primeiras Universidades norte‑americanas).

A Universidade científica é aquela em que a preocupação e objectivo predominante  é a investiga­ção científica (elevado número de Universidades alemãs).

E a Universidade técnica é aquela em que se menospreza a formação cultural e a investigação científica a favor da transmissão do saber e até da prepara­ção de profissionais (um pouco por toda a parte, mais recentemente, e com espe­cial incidência nas Universidades portuguesas).

 

1.2.7. O enquadramento jurídico‑insti­tucional

 

Quanto ao enquadramento jurídico‑insti­tucional, o leque de tipos legais tem sido amplís­simo, indo desde a supressão da personalidade jurídica da Universidade, integrada como servi­ço administrativo num determinado Ministério (vg. República da Guiné‑Bissau), passando pela atribuição de personalidade jurí­dica, mas limitando o elenco de Universidades às meras entidades públicas (como na República Popular da China), admitindo a coexistência de entidades públicas e privadas, dando às públicas quer um tratamento associativo (como na Áustria) quer fundacional (como em certos casos nos EUA), ampliando a sua autonomia até for­mas de auto‑governo (como na Austrália), e mantendo o vínculo umbilical de administração indirecta do Estado (como em França) ou que­brando‑o, com novos laços jurídicos com outras pessoas colectivas públicas territoriais (como na Alemanha, RFA, e mesmo em Itália), estabele­cendo um regime administrativo para to­das as Universidades privadas (como sucede em Espanha) ou dando liberdade constitutiva e de regime jurídico (vg. Grã‑Bretanha), ou, em situação‑limite, entregando ao domínio privado a iniciativa exclusiva da criação e gestão do ensino universitário (como aconteceu em Sin­gapura).

 

As opções político‑legislativas dependem de vários factores, desde a forma do Estado ‑complexo ou unitário, regiona­lizado ou não ‑, do regime político ‑ ditatoral ou democrático ‑, do regime económico ‑ socia­lista, capitalista ou de transição ‑, do sistema administrativo ‑ centralizado ou descentrali­zado ‑ e em todo o caso, sempre, das condicionantes históricas e culturais das diferentes sociedades em que se inserem.

 

1.2.8. A estrutura in­terna das Universidades

 

Uma terceira óptica permite distinguir as Universidades, quanto à respectiva estrutura in­terna, da seguinte forma:

-       Universidades de Colégios, do tipo Oxford, formativos, comunitários, socráticos, tutoriais;

-       Universidades de Faculdades, agru­pando cátedras, na linha da Universidade Napo­leónica;

-       Universidades de Institutos Científicos, independentes, do tipo alemão, tendo por padrão a Universidade de Berlim, fundada por Humbolt, com a influência de SchIeiermacher e Fichte; e

-       Universidades de Departamentos, como algu­mas das norte‑americanas mais recentes, her­deiras das tradições britânicas e receptoras da influência germânica, mas de umas e outras in­dividualizadas e em que departamentos autó­nomos servem interdisciplinarmente cursos de licenciatura e pós‑graduação.

 

1.2.9. As tendências comuns da Universidade Actual

 

Como pano de fundo global de Direito Comparado, três tendências comuns condicio­nam a Universidade contemporânea:

- o aparecimento de novas instituições de ensino superior não universitário: politécnico, curto, ou junior colleges;

- a redefinição da Universidade com base na confluência entre o ensino no seu grau mais elevado e a investigação científica (na expressão do Acórdão n.º 14, de 1983, do Tribunal Constitucional italiano);

- os desafios à autonomia universitária sob a invocação de valores colectivos, nomeadamente nos planos do pessoal, financeiro e da investigação desenvol­vida, atingindo o domínio de entidades externas na sua própria gestão corren­te, em realidades tão diversas quanto a alemã‑federal, a italiana ou a inglesa.

 

Numa síntese da evolução, quanto aos fundamentos históricos e materiais da autonomia universitária, desde o corporativismo medieval ao centralismo imperial, há que referir que, no período medieval, em que nascem as primeiras Universidades laicas, em certos locais protegidos contra a intromissão dos poderes políticos, a Universidade aparecia como uma espécie de «feira das ideias», com o «clerc», o sábio, como actor fundamental da instituição, conduzindo do alto da sua cátedra, um «combate intelectual em nome de um ideal de verdade», formando-se o sistema universitário à volta de «centros de excelência», com uma configuração multinacional.

E a Universidade ganhará rapidamente importância entre as corporações medievais, sendo o 13.º século, o século das corporações, também o século das Universidade.

De qualquer modo, seráo fenómeno da corporatização universitária medieval que fará germinar as causas da futura decadência das Universidades, seguida naturalmente pela sua absorção pelo Estado. As liberdades académicas não garantias suficientes de renovação em face dos hábitos escolásticos, sentindo-se dificuldades em a orientar para matérias importantes no renascimento, o que levou os Estados, muitas vezes, a criarem fora delas outras instituições (vg. em França, o Colégio de França, e já nos tempos mais próximos, a Escola Prática de Altos Estudos, em 1868, e o Centro Nacional da Investigação Científica, em 1937 (G. Amestoy, Les universités françaises, éd. Education et Gestion, Paris, 1968).

O clima que presidiu ao aparecimento da ciência experimental, com o difícil divórcio entre a fé e a razão, a concorrência desleal, levaram os monarcas a apossar-se da corporação universitária (B. Girod de L’Ain, La Corporation universitaire et l’État: le monopole et le territoire, sociologie du travail, n.º 4, 1989; J. Verger, C. Viulliez e alt., histoire des Universités en France, Éd. Privat, Toulouse, 1986; J. de Golf, Les intelectuels au Moyen-Age, Le Seuil, Paris, 1957).

Luis XIV regulamentou as inscrições, a duração dos estudos, a sua organizaçãom interna, designadamente os encargos da escolaridade, regime de recrutamento e assiduidade dos professores, etc.. Com o centralismo napoleónico,a corporação universitária ao serviço do Estado, formando os quadros profissionais, passa a ter regras uniformizadoras: divisão em cinco faculdades, monopólio da atribuição de graus, homogeneidade dos programas e uniformização da administração territorial pelos académicos (J. Drèze e J. Debelle, conceptions de l’université, éditions Universitaires, Paris, 1968; Alan Bienaymé, the French Higher Education, International Encyclopedia of comparative higher Education, Editor Philip Altbach, Éditions Garland Buffalo, 1990).

O Estado, efectuando a ligação superiormente da universidade e da sociedade, regulamenta os programas de estudos e as condições de atribuição de graus, pagando quase exclusivamente o equipamento e o funcionamento da instituição.

 

É entre 1968 e 1990 que, desde logo, em França, se efectiva a transição para a autonomia, numa caminhada que se pretendia sem um retorno ou o reforço do corporativismo (Philipe d’Iribarne, La logique de l’ honneur, Le Seuil, Paris, 1957), dando-lhe uma maior liberdade para definir a sua vocação, missões, obkectivos de formação e de investigação, mais orientador para as necessidades da sua região de implantação, passando os agentes académicos a depender mais directamente dos dirigentes da universidade, com o Estado a transferir uma grande parte dos seus poderes aos presidentes das universidades e elevando a seus parceiros priviligiados, os representantes dos meios económicos e dos poderes territoriais infra-estatais, integrando as universidades estreitamente no conjunto da sociedade, pela criação de laços novos entre as universidades, a economia regional e as autarquias.

 

A autonomia das universidades tem um conteúdo que difere de país para país.

Em frança, desde 1968, pretende-se que as universidades concebam a sua própria política de acordo com os grandes objectivos do ensino do estado, a executar com o concurso activo dos seus agentes.

Em Espanha, foi-se mais longe com mais atribuições de poderes às Comunidades autónomas. Nos Estados de estrutura federal, o Estado mantém funções de regulador e coordenador , designadamente no domínio da investigação (H. Peisert et G. framlein, Systems of Higher Education: Federal Republic of Germany, ICED, NeW York, 1978).

No direito português, os aspectos da autonomia com assento no texto constitucional, desenvolvidos na Lei da Autonomia das Universidades, são cinco, a autonomia estatutária, a científica, a pedagógica, a administrativa e a financeira (art.º 76.2 CRP e art.º 5.º a 8.º da LAU, que acrescenta um artigo específico sobre a autonomia disciplinar), sem prejuízo do princípio da colaboração entre Estado e Universidades na formulação da política de educação, ciência e cultura (art.º4.º, n.º1 da LAU) e da coordenação interuniversitária (art.º 4, n.º2 da LAU).

A Constituição portuguesa, desde 1976, que insere as Universidades públicas na Administração Pública Autónoma em relação ao Estado, sem sequer haver necessidade de in­ferir a autonomia de conceitos como a liberdade de ciência, de investigação ou de cátedra, como tiveram de fazer as jurisprudências e as doutri­nas alemã‑federal, italiana, austríaca e espa­nhola.

Dada esta visão da evolução institucional na Europa em geral e sendo a Universidade espanhola conhecida no âmbito da Universidade de Extremadura, antes de avançar na temática da autonomia, permitir-me-ei destacar algumas considerações sobre a Universidade em Portugal.

Vejamos, pois, agora sinteticamente a história da Universidade em Portugal

 

 

2. A História da Universidade em Portugal

 

2.1. Origens dos Estudos Gerais em Portugal

 

Também em Portugal, o Estudo Geral mergulhou as suas raízes nas Escolas existentes nas Sés e nasceu, tudo o indica, em 1288, pois cartulário desse ano já menciona um escolar seu.

Em Março de 1290 era confirmado por D. Dinis, dotando‑o de doutores e concedendo‑lhe diversos privilégios atinentes à «segurança de pessoas e bens», e, em 9 de Agosto do mesmo ano, Nicolau IV dirigia‑lhe a Bula «De Statu regni Portuga­liae», a quarta conhecida, logo após as de Paris, Bolonha e Oxford.

 

Durante os primeiros 3 séculos, como se sabe, o Estudo Geral viveu dividido entre Lisboa e Coimbra. Conflitos com os habitantes da capital, problemas de recrutamento de professores e até questões de financiamento explicaram esta mi­gração nada original, já que outras Universida­des a experimentaram, como Paris para Orleans e Bolonha para Pádua.

 

O Estudo Geral, compreendendo de início Filosofia, Medicina, Cânones e Leis, seguiu tendencialmente o modelo bolonhês ‑ os estu­dantes já graduados elaboravam os estatutos, elegiam anualmente os dois reitores de entre ba­chareis ou mestres em Artes que frequentassem Cânones e Leis, designavam os conselheiros, be­déis e até professores.

Externamente, o Estudo Geral era uma corporação dotada de completa autono­mia administrativa, financeira e mesmo jurisdi­cional.

 

Estes traços vigorariam até ao final do século XV, embora também entre nós seja possível dis­tinguir duas fases:

- a da criação, ligada à Igreja e com maior distanciamento do poder políti­co do Estado (séculos XIII e XIV);

- a da afirmação da tutela pelo poder monárquico, sobretudo a partir da crise de 1383‑1385, em que se acentua a preocupação da Casa de Aviz pela Uni­versidade (demonstrada pelas cartas de Bruges do Infante D. Pedro, louvan­do os méritos dos Colégios de Oxford e de Paris); nesta fase acentua‑se o pa­pel dos letrados na legitimação da rea­leza, entra em vigor o novo Regimento de 16 de Julho de 1431 e são designa­dos os protectores ou defensores do Estudo Geral (entre os quais o filho de D. Juão I, o Infante D. Hen­rique, e o futuro Rei D. Afonso V).

 

Com D. Manuel I e o estatuto universitá­rio que decreta entre 1505 e 1508, desaparece a feição de corporação e são suprimidos ou esva­ziados de conteúdo o foro académico, a isenção de justiça comum, a livre eleição do reitor (então só um) pelos estudantes, passando a caber tal com­petência aos deputados e conselheiros do Rei, de entre nomes propostos pela Universidade.

Estava‑se no início do século XVI. Transferida definitivamente a Universidade por D. João III para Coimbra em 1537, logo em 1544 se abre uma 4.ª fase, marca­da pelos novos Estatutos da Universidade, pela separação do ensino universitário e preparató­rio, pela criação do Colégio das Artes e sobretudo pela entrada em

 

2.2. A Universidade Privada de Évora nos Séculos XVI a XVIII

 

A entrada em Portugal da Companhia de Jesus veio permitir a criação, em 1559, da Universidade de Évora, entidade privada que exerceu poderes pú­blicos, sobre a qual, nos termos da Bula do Papa Paulo V, «o rei de Portugal não pode ter alguma superioridade, jurisdição, correcção ou visitação, ou gozar do direito de visitar ou corri­gir».

A primeira presença jesuíta na Universidade portuguesa durou duzentos anos, perdurando até 12 de Janeiro de 1759. A segunda ocorrerá já, neste século, com a Faculdade de Filosofia, em Braga, cujos docentes foram embrião no final da década de sessenta da futura Universidade Católica Portuguesa, com o seu director a assumir a reitoria desta.

Entre meados do século XVI e do século XVIII coexistiam, em Portugal, duas Universidades, a Universidade pública em Coimbra, reformada pelos Filipes, e a Uni­versidade de Évora, da Companhia de Jesus, com poderes similares, mas uma em estreita dependência real e outra autónoma do Estado.

 

2.3. A Reforma Pombalina do ensino univer­sitário

 

A Reforma do Marquês de Pombal do ensino univer­sitário faz simultaneamente extinguir a Universidade de Évora, expulsos que foram os Jesuítas do território português, e alterar substancialmente os conteú­dos e métodos de ensino.

Além do desaparecimento da Universidade de Évora, há a divisão da Universidade de Coimbra em seis Facul­dades (nova divisão estrutural): a de Teologia, Cânones, Leis, Medicina, Matemática e Filosofia.

Em maté­ria de autonomia e estruturas, mantém–se a velha ma­triz manuelina, apenas se processando a substituição a direcção da Universidade das mãos do monarca para as do governo.

 

2.4. A importância do legado manuelino‑pomba­lino

 

No fundo, foi o legado manuelino‑pomba­lino que veio a marear mais a Universidade do que a tantas vezes invocada influência napoleó­nica: na sua unidade, na concentração de pode­res, na natureza pública exclusiva, na estrutura das Faculdades, na composição curricular, na sujeição à prevalência do Estado, exercida por variados Ministérios, desde o do Reino ao da Ins­trução Pública.

Entretanto, a Universidade Portuguesa, ape­sar de 22 tentativas de reforma no século XIX, ao mesmo tempo que não lograva incluir novas ciências e saberes técnicos (preferindo o poder político a irradiação de Grandes Escolas Supe­riores autónomas), foi ela própria acusada de ser exemplo de Universidade técnica, avessa à for­mação e à investigação científica, preocupada com a preparação de técnicos de domínios consi­derados nobres do conhecimento.

 

2.5. A evolução para a Autonomia

 

É um Decreto monárquico, com força de lei, de 19 de Agosto de 1907, que dá um primeiro sinal da vontade do poder político de ponderar a questão da autonomia universitária, que seria acolhida depois pela 1.ª República, que escolheu a Universidade como terreno privilegiado de acção legislativa.

Embora não rompendo decisivamente com a herança manue­lino‑pombalina quanto à visão publicista e cen­tralizadora, consagrando‑a como «estabeleci­mento público de carácter nacional» sob a «de­pendência e inspecção do Ministro do Interior», a 1.ª República inovou ao multiplicar as Univer­sidades públicas, com a criação das de Lisboa e Porto, em 22 de Março de 1911 (ambas constituídas por Faculdades) e ao alargar a sua autonomia pela Constituição Universitária de 19 de Abril de 1911 e pela Lei n.º 616, de 16 de Julho de 1916.

Passamos pois a ter três Universidades, públicas. Em Coimbra, Lisboa e Porto. De resto, outras tentativas para se avançar mais neste domínio, embora tenham existido, não chegaram ao fim ou a ser aplicados, merecendo destaque os seguintes projectos:

- projecto de Estatuto da Educação Pública de Camoesas, apoiado por Jaime Cortesão e Antônio Sérgio, em 1923;

- os Estatutos Uni­versitários, aprovados pelo Decreto com força de lei n.º 4554, de 6 de Julho de 1918, do Governo de Sidónio Pais; e

- o Decreto n.º 12426, de 2 de Outubro de 1926, do Governo de Carmona, que previa não só a personalização jurídica das Fa­culdades e Escolas integradas nas Universida­des como a alargada autonomia administrativa e financeira de umas e outras.

 

2.6. A Universidade no «Estado Novo» de Salazar

 

De 1929 até aos nossos dias, importa re­ferir três fases.

A primeira fase, de cerca de quase 40 anos, que vai até 1970, repre­senta o agravamento da linha estatizante e publicística, mau grado os debates suscitados desde 1950 e o anteprojecto do professor Cabral de Moncada, de 1956. Nela, a Universidade era encarada como serviço público personalizado, com muito mais acentuadas restrições à autono­mia universitária e das Faculdades singular­mente consideradas, verificando‑se, em 1930­‑1931, a criação de uma quarta Universidade Pública, de estrutura interna descentralizada ‑ a Universidade Técnica de Lisboa ‑ e a instala­ção, nos anos 60 dos Estudos Gerais, depois Universidades públicas, de Luanda e Lourenço Marques. Apesar da sua integração nominal nas instituições corporativas, o corporativismo do Estado privava as Universidades de efectiva autonomia.

A segunda fase, de 1970 a 1976, foi assinalada pela criação das Universidades Nova de Lisboa, de Aveiro e do Minho, de início departamenta­lizadas. Nesta fase ocorre também a proliferação de escolas universi­tárias não integradas em Universidades e de institutos politécnicos, e sobretudo o reconhecimento da Universidade Católica Portuguesa (Universidade com estatuto diverso).

A terceira fase, da reimplantação do regime democrático, e da entrada em vigor da nova Constitui­ção da República Portuguesa, que vai de 1976 até ao presente, e é caracterizada pela multiplicação de Universida­des públicas e privadas, ao abrigo da Constitui­ção e pela elaboração de nova legislação universitária, abrangendo, desde 1988, a matéria da autono­mia da Universidade.

 

2.7. Síntese da evolução da instituição universitária em Portugal

 

A História da Universidade em Portugal é, desde muito cedo, a história da conversão da Universidade em monopólio público e em Administração dependente do Estado, com períodos de excepção nos primórdios do Estudo Geral e com a Univer­sidade de Évora,

Esta tendência com o enquadramento manuelino-pombalino durou até ao fim do século XX. Só em 1911, a única Universidade pública portuguesa durante mais de seiscentos anos, dará lugar a um número múltiplo de Universida­des.

E após 1759, fim da Universidade de Évora, não voltará a haver Universidades não públicas.

Só a partir de 1971, com a Universidade Católica, surgem de novo no nosso País Universidades de origem não estadual.

Em geral, pode dizer-se que quer os regimes políticos com contornos monocráti­cos e autocráticos quer o sistema administrativo centralizador tenderam para uma secular afirmação da preponderância do poder político do Estado na sociedade civil, com uma preocupação de controlo po­lítico da Universidade e também o receio da influência do múnus universitário, ou seja, da liberdade de cátedra. Como contraponto, exer­ceu‑se a influência da Igreja Católica, com uma presença duradoura na Idade Média e en­tre os séculos XVI e XVIII, a qual viria pioneiramente a acabar com o monopólio da Universidade pública há cerca de quase três dácadas, a que se seguiu o reconhecimento e explosão das Universidades Privadas e cooperativas.

 

 

3. O debate da autonomia

 

3.1. O princípio da autonomia universitária

 

O conceito de autonomia reporta-se às «relações entre elementos e um conjunto que se situa a igual distância da independência das partes e da sua total subordinação» (Alain Bienaymé, La mesure du problème universitaire, Chroniques de la SEDEIS, 15 Mai 1987; La demande d’enseignement supérieure, Révue d’économie politique, n.º 1, 1998).

A autonomia aparece como um «princípio estrutural básico» do ordenamento constitucional sobre os assuntos que envolvem interesses próprios da comunidade académica, isto é, matérias que afectem aos interesses próprios ou peculiares da Universidade (Jesús Leguina Villa, Luís Ortega Alvarez, in «Algunas reflexiones sobre la autonomía universitária», Civitas, REDA, n.º 35, Octobre/Dicembre, 1982, pág. 549). Para haver autonomia, os «órgãos do Estado não podem exercer a titularidade de poder público».

 

Qual o conteúdo essencial da autonomia iniversitária que não fica na disponibilidade do legislador, por integrar o conteúdo perceptivo constitucional? Em Portugal, a CRP define-o.

Mas, de qualquer maneira, sempre há que entender que esse conteúdo é funcional, e assim que esse direito é ofendido quando o legislador mexer com regras universitárias que asseguram a liberdade académica (Leguina, o .c., pág.1202-1203), tudo o mais aparecendo com elementos de configuração legal, segundo critérios de mérito, de oportunidade, para que a instituição possa realizar adequadamente, em cada época, objectivos sociais de carácter geral, e que explicam as tipologias organizatórias diacrónicas, e que hoje, constitucionalmente, têm de coexistir com o respeito das faculdades integrantes da autonomia, orientadas à satisfação do «círculo específico e concreto de necessidades peculiares» que traduzem a sua singularidade e justificam a sua existência.

 

O poder normativo de que, ex constitucione, as Universidades gozam, situa-se, tal como no que se refere às corporações locais, no plano regulamentar, subordinado às leis, isto é, é uma autonomia administrativa, traduzindo um «princípio organizativo em que se sintetiza uma fórmula singular de articulação das relações entre o poder político e administrativo e as instituições universitárias», que ficam com uma margem ampla de liberdade para a configuração da sua  organização e o desenvolvimento da sua actividade.

 

 

3.2. A autonomia organizacional

 

A autonomia é o direito de uma organização se auto-administrar, mas a autonomia universitária não é independência, pelo que não afasta relações com o Estado ou com poderes regionais de natureza tutelar (ou, segundo certa doutrina mais conservadora, em certos aspectos, até de superintendência, a considerar-se que as Universidades são entidades de Administração indirecta do Estado ou de outros poderes territoriais infra-estatais). Portanto, a autonomia não se confunde com ausência de todo o controlo sobre a instituição. E não existe nem pode ser entendida como um privilégio dos docentes, estando a sua razão de ser ligada à sua função social, a uma necessidade intrínseca para melhor desempenhar a sua missão.

 

Quanto à essência da autonomia, seguindo Hector Hethering e a Associação Internacional das Universidades, há que considerar como elementares ao bom desempenho da missão universitária, designadamente de direito, e que por isso em geral a doutrina comparada considera uma base indispensável para a realização da autonomia: a organização da investigação e do ensino deve depender de decisões da universidade, para que possa caber aos investigadores a determinação das investigações que em cada momento devem realizar, as condições de aprovamento de conhecimentos, etc.; a escolha de quem está ou não apto para ser docente e estudante, porquanto são os investigadores os mais aptos a decidir sobre a capacidade dos futuros investigadores e docentes e dos futuros aprendizes da ciência que aí se ministra; a escolha livre dos seus dirigentes e representantes, sem imposição de dirigentes exteriores nem qualquer aprovação exterior dos mesmos; a gestão dos seus próprios meios e dos que lhe são disponibilizados pelos poderes públicos, afastando qualquer interferência no modo da sua utilização, no plano do mérito.

No fundo, «não há autonomia se qualquer poder exterior à universidade exerce direitos da universidade, decide em questões da organização da investigação, condições de exame, nomeia os professores e fixa as regras de inserção dos alunos, nomeia ou se reserva o direito de confirmar os dirigentes dos diferentes órgão académicos, prescreve o modo de gastar os recursos financeiros disponibilizados ou interfere na organização interna dos estudos» (J. Bochenski, Discurso no Dies Academicus, Friburgo, 1965).

E assim devia ser, na pureza dos princípios, embora tal possa e deva ser temperado com concessões, em termos de colaboração que a Universidade deve aceitar para evitar o isolamento, a separação da sociedade ou a frustação de objectivos públicos globais, cuja promoção cabe aos poderes representativos dessa sociedade.

Daí que a autonomia venha a ser reconstruída nos vários países de modo a permitir a realização da democracia académica, num ambiente reaculturador que procura potenciar o papel de todos os agentes universitários, sem marginalizar de todo o poder público veiculador do interesse geral.

 

Essencialmente, são cinco os aspectos constitucionais da autonomia universitária: estatutário, científico, pedagógico, administrativo, financeiro e disciplinar.

 

A autonomia estatutária significa o poder de definir a sua própria «constituição» (organização interna, forma de governo, número e características das faculdades e cursos, planos de estudo, graus acadêmicos, sequência de estudos, formas de recrutamento de docentes, acesso de alunos, etc.) dentro dos limites da lei, independentemente de qualquer sancionamento governamental.

A auto­nomia científica é um corolário da própria liberdade de criação cientí­fica (art. 42.º‑1) e traduz‑se no direito de autodeterminação e auto‑organização das universidades em matéria científica (selecção de áreas de investigação, organização da investigação, etc.).

A autonomia pedagógica está também conexionada com a liber­dade de ensino (art. 4311) e consiste na capacidade de autodefinição, através de órgãos universitários competentes, das formas de ensino e de avaliação, da organização das disciplinas e da distribuição do serviço docente, etc.

A autonomia administrativa consiste na autoadministração ou autogovemo, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária (gestão dos seus próprios assuntos, prática de actos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.).

A autonomia financeira abrange designada­mente o orçamento próprio, a capacidade para arrecadar receitas próprias, etc., sem prejuízo das verbas transferidas do Orçamento do Estado.

A autonomia disciplinar prende-se com a apreciação e punição de comportamentos desviantes às regras de funcionamento institucional.

 

Mas a autonomia não sendo independência, é acompanhada da tutela governamental, matéria de extrema importância, para evitar a erosão pela via dos poderes relacionais, das competências próprias do estatuto da autonomia.

Os poderes supra-universitários deverão agir no plano da aprovação dos estatutos mas sem os poder indeferir expressa ou tacitamente (com a aprovação concedida se até 60 dias após a sua recepção no Ministério da Educação não for recusada), sem fundamento legal. E não só não podem recusá-la sem fundamento legal, como não podem introduzir nos estatutos qualquer modificação à revelia do órgão universitário competente. A tutela não pode permitir que um dado governo, estadual ou regional, altere o conteúdo dos Estatutos de uma Universidade, pública ou privada, ao apreciá-los, para homologação, ou aprovação tutelar, por discordar de qualquer das suas normas, que considere ilegal, e qualquer que seja o argumento invocado para tentar legitimar a remessa dos mesmos para reapreciação pela instituição autora, na falta de consagração expressa na lei de poderes de tutela «substitutiva» (mesmo o argumento de uma pretensa mecanicidade correctora, o que dificilmente será totalmente exacto; o fundamento de que o texto, de qualquer norma, não corresponde à lei, e a sua construção conforme, exige apenas uma pura redacção legalizadora).

A autonomia universitária, implicando a autodotação de normas de funcionamento subordinadas, vai levar à consagração da técnica da tutela aprovativa. Os Estatutos são o ordenamento partricular e diferenciado, mas subordinado e coordenado com outros ordenamentos, traduzindo a aprovação um controlo prévio da legalidade. No caso espenhol, os Estatutos são aprovados pelo Conselho de Governo Autónomo (art.º 12.º da LRU), no prazo de 3 meses, findos os quais a aprovação é tácita. E entram em vigor a partir da sua publicação no Boletim Oficial da CA, embora também sejam publicados no Boletim Oficial do Estado.

 

A autonomia institucional das Universidades e a natureza dos Estatutos é função da intensidade dos poderes de intervenção governamental.

Quais as questões fundamentais que se levantam?

 

Há um parecer do Conselho de Estado espanhol (n.º 47.785, de 28.5.85, Universidade Cantábrica), importante para a caracterização das Universidades. Ele encara a questão do regime de aprovação dos Estatutos (reduzindo-o a um mero controlo de legalidade), a questão do marco e limites à autonormação e a questão do lugar hierárquico das normas estatutárias, assim como a da impugnabilidade dos órgãos universitários.

Quanto à aprovação dos Estatutos, não são legítimas apreciações de mérito, oportunidade ou conveniência ou de mera perfeição técnica. Em caso de ilegalidade de qualquer norma, à não aprovação dos Estatutos corresponde a entrada em vigor de estatutos provisórios da Universidade.

A questão que se coloca é se o governo pode apenas negar-se a aprovar os Estatutos ou pode efectivar alterações e a concomitante aprovação?

Se não pode efectivar alterações, formula observações e devolve o texto para reapreciação e correcção pelo cláustro universitário. Neste caso, o Conselho de Estado coloca a questão de aprovação, desde logo, condicionada à aceitação universitária das modificações propostas.

Obviamente que a aprovação condicionada não impede que a universidade siga outros caminhos de conformação legal com reapreciação e aprovação governamental posterior. Dois caminhos ficam ao dispor da universidade sem perda da sua autonomia estatutária se, de qualquer modo, introduzir um texto não agressivo para a lei.

No caso de não aprovação e não podendo o conteúdo dos Estatutos diferir nada do proposto pelo governo, é defensável que este tenha a faculdade de modificar automaticamente aqueles aspectos estatutários desconformes com a lei, dado que não pode haver outra vontade normadora que a estritamente coberta pela lei.

O Conselho de Estado considera que se o «mero ajuste de legalidade» não requer, segundo juízo do governo, a concorrência da vostade da universidade, pode proceder à «simples adaptação do texto à legalidade», deslocando para a Universidade o direito de impugnação do acto de aprovação, quando discorde da alteração governamental. E considera que se do Estatuto se deduzir que certas normas consagram soluções que aparecem para a universidade como «elementos essenciais da sua vontade constituinte» deve devolver os estatutos para as devidas alterações em face das modificações propostas.

 

O direito espanhol aceitou os poderes modificativos directos do governo com a razão de que a complexidade procedimental da modificação pelo cláustro universitário, órgão de composição e funcionamento complexo, pesado, aconselha a uma remissão residual sem prejuízo de as modificações governamentais imprescindíveis deverem pautar-se sempre pelo respeito da proximidade à vontade universitária incorporada no texto.

De qualquer modo, o texto  estatutário da universidade não é uma proposta, mas texto aprovado, necessitando apenas de aprovação definitiva pelo Estado, o que impede a introdução de modificações para melhorar a redacção técnica ou soluções de mera oportunidade.

 

*

 

 

3.3. Quanto à argumentação à volta da autonomia, importa referir as razões que têm sido avançadas, em várias latitudes, a favor e contra essa autonomia.

 

Comecemos pelos principais argumentos contrários à autonomia.

A Universidade é uma instituição importante em termos do interesse geral. Logo não poderá deixar de ser dirigida poe quem represente esse interesse colectivo.

A Universidade actual vive quase exclusivamente do Orçamento do Estado (e não dos seus próprios recursos como acontecia na Idade Média). Logo não poderá deixar de se aceitar a sua direcção por quem suporta os encargos.

A Universidade é constituída por professores, que são teóricos. E os teóricos, em princípio, são por natureza maus organizadores e gestores. Logo, se se quer uma instituição tão importante e complexa, como a Universidade de hoje, com um funcionamento eficaz, não se pode aceitar que seja auto-governada, em vez de ser administrada por gestores competentes do Estado.

 

Quanto aos argumentos favoráveis, costuma referir-se que nenhum argumento contrário, anteriormente apontado, é decisivo.

Não é correcto pretender que numa instituição tão complexa e diversificada, não há docentes com capacidade de organização e gestão, sendo certo que, pelo contrário, as vivências autonómicas, onde têm existido desmentem o raciocínio, comprovando que de facto essa é uma falsa questão.

 Não é acitável ter o Orçamento do estado como algo que lhe pertence, como se não adviesse do rendimento dos contribuintes, ou seja, da sociedade, sendo o estado colector, gestor e distribuidor dessas receitas, que se destinam à satisfação das várias necessidades colectivas, entre as quais está a educação.

A Universidade não deixa de prosseguir o interesse público educacional pelo facto de não ser dirigia nem orientada pelo poder do Estado ou das Regiões, mas no respeito pelas leis do país e sob o controlo daquelas poderes, desempenhar não com independência, mas com autonomia, as suas tarefas educacionais concretas.

Pelo contrário, é o interesse público que, em face da sua missão, exige a aplicação à Universidade do princípio da autonomia, dado que é consagrada à investigação pura e ao saber teórico, sendo na sociedade a «única instituição da teoria, que é um valor absoluto, a que em boa verdade se deve a modificação da face da terra, mais profunda e radical que qualquer outra coisa e que a continuará a modificar no futuro» (J.Bolchenski, L’autonomie de l’université, Révue Universitaire Suisse, pág. 71).

Logo, convém deixar o caminho livre à investigação pura, especulativa, teórica, não permitindo que nenhuma autoridade controle a investigação, confiando-se a sua gestão e organização aos próprios investigadores. Isto é, há que dotar a Universidade de autonomia, perante todos os poderes estranhos.

 

 

4. Os fundamentos jurídicos da autonomia universitária

 

4.1. A base constitucional

 

O princípio da autonomia universitária é reconhecido nos artigos 27.10 da CE e 76.2. da CRP.

 

O artigo 27.10 da CE diz que «Se reconhece a autonomia das Universidades, nos termos que a lei estabeleça».

E o artigo 76.2 da CRP diz que «As Universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira».

 

A legislação que concretiza este preceito é, em Espanha, desde logo, a Lei n.º11/1983, de 25 de Agosto, Lei da Reforma Universitária.

E em Portugal, é a Lei n.º108/88, de 24.9, Lei da Autonomia das Universidades, e Decreto‑Lei n.º16/94, de 22 de Janeiro, alterado pela  Lei n.º 37/94, de 11 de Novembro (Estatuto do ensino superior particular e cooperativo), a que nos referiremos mais abaixo.

 

 

4.1.1. A Constituição Espanhola

 

A Constituição Espanhola vem consagrar, pela primeira vez, na história do constitucionalismo, o princípio da autonomia universitária, o que não resolveu todos os problemas e polémicas que a rodeiam, designadamente a da sua natureza.

 

Acontece que não só a expressão se foi degradando, como o seu significado exacto se perdeu no abuso da sua invocação com variadíssimos objectivos (Tomás-Ramon Fernández, in «La Autonomía universitaria: ambito y limites», Madrid, Civitas, 1982).

No entanto, mesmo em Espanha, onde o texto constitucional se limita a reconhecer o direito institucional à autonomia e a remeter o preenchimento do seu conteúdo para a legislação infra-constitucional, se entende que, quanto a esse significado, ele não pode deixar de integrar os elementos mínimos de autonomia que permitam que a instituição possa ser «sede de liberdade intelectual e investigação científica» (Alfonso Fernández-Miranda Campoamor e Angel J. Sánchez Navarro, in Comentários a la Constitución Española de 1978, dirigidos por Óscar Alzaga Villaamil, tomo III, artigo 27.º, pág 263).

A autonomia universitária está ligada a uma «função crítica e formativa» (Eduardo García de Enterría, La Autonomía universitária, RAP, n.º 17, 1988, pág.12), essencial para fazer de uma determinada organização uma Universidade.

 

 

4.1.2. A Constituição Portuguesa

 

Quanto à Constituição da República Portuguesa, ela esclarece que os direitos culturais dos cidadãos são o direito à educação e o direito ao ensino, como garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (art.º 73.º, n.ºs 1 e 2, e 74.º, n.º 1), cabendo ao Estado-­Administração garantir a sua efectivação nos termos previstos no n.º 2 do mesmo Art.º 74.º e no n.º 1 do Art.º 75.º.

E a CRP especifica que a li­berdade de ensinar compreende a criação de es­tabelecimentos de ensino não público sujeitos a fiscalização estadual (art.º 75.º, n.º 2), sem que o texto constitucional exclua dessa faculdade o en­sino universitário.

Da leitura conjugada destas normas se conclui que o ensino em geral, e portanto também o ensino universitário, é declarado simultaneamente como uma «necessidade colectiva de obrigatória satisfação colectiva básica, ou se­ja, pela Administração Pública», e também como uma necessidade colectiva de facultativa satisfação privada, sujeita a fiscalização admi­nistrativa. No fundo, um serviço público que não dispensa em parte a sua satisfação pelas entidades de gestão pública (pode criar-se ou eliminar-se certas Universidades públicas, mas não o ensino universitário público na sua totalidade, porque a CRP impõe a existência do ensino universitário público, independentemente de o serviço público universitário também poder ser desenvolvido por estabelecimentos de gestão privada autorizados e fiscalizados pelo Estado).

Para além disso, a Constituição refere-se ao regime de acesso à Universidade e consagra expressamente a autonomia universitária. «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia: estatutária, científica, pedagó­gica, administrativa e financeira» (art.º 76.2º).

Este texto resulta da revisão de 1989, tendo o texto originário sido já alterado anteriormente pela Lei Constitucional n.º 1/82, que modificou o seu n.º 1 e acrescentou o actual n.º 2.

 

 

4.2. A legislação infraconstitucional

 

4.2.1. A legislação espanhola

 

Vamos começar por traçar em termos sintéticos os aspectos essenciais da Lei Orgânica n.º 11/1983, de 25.8, de Reforma Universitária.

No seu título preliminar, a LORU refere que cabe à Universidade realizar, através da docência, estudo e investigação, o serviço público da educação (art.º 1.1), explicitando de seguida as suas funções, que são «a criação, desenvolvimento, transmissão e crítica da ciência, da técnica e da cultura» (al. a,1.2.), «a preparação para o exercício de actividades profissionais que exijam a aplicação de conhecimentos e métodos científicos ou para a criação artística» (al.b), «o apoio científico e técnico ao desenvolvimento cultural, social e económico», tanto do país como das suas Comunidades Autónomas (al.c) e a «extensão da cultura universitária» (al.d).

As Universidades têm personalidade jurídica (art.º 3.1,1.ª parte) e desenvolvem a sua actividade em «regime de autonomia e de coordenação entre todas elas» (art.º 3.1, 2.ª parte). Aliás, dupla coordenação, isto é, coordenação a efectivar quer pelo Conselho de Universidades, a nível nacional, quer pelas Comunidades Autónomas, no seu âmbito territorial (Título III e art.º3.3.).

A questão da sua autonomia é enqudrada, em geral, logo nos n.º 2 e 3, que começa  por afirmar que a sua activiade e autonomia se fundamenta no «princípio da liberdade académica, que se manifesta nas liberdades de cátedra, de investigação e de estudo» (2.1.) e acrescenta que a autonomia «exige e possibilita que os docentes, investigadores e estudantes cumpram com as suas responsabilidades para lograrem a satisfação das necessidades educativas, científicas e profissionais da sociedade».

A autonomia universitária compreende o poder de elaboração dos estatutos e outras normas de funcionamento interno (3.2, al.a e 12), sendo os estutos aprovados pelo Conselho de Governo da Comunidade Autónoma, no prazo de 3 meses, e entrando em vigor na data da sua publicação no BOCA (12.3); a eleição ou designação e renovação dos órgãos de governo com a representação em si e nos seus centros, dos diferentes sectores da comunidade universitária e dos interesses sociais (art.º4 e Título II), e de administração (al.b), a elaboração de planos de estudo e de investigação (al.f),, o estabelecimento e alteração das suas plantillas (al.d), a criação de estruturas específicas de suporte à investigação e docência (al.g), a selecção, formação e promoção do pessoal docente e investigador e da administração e serviços e determinação das condições em que se desenvolvem as suas activiades (al. e), a admissão, regime de permanência e verificação de conhecimentos dos estudantes (al.h), a expedição de títulos e diplomas (al.i), o estabelecimento de relações com outras instituições académicas, científicas e culturais, nacionais e estrangeiras (al.j), e ainda qualquer outra competência necessária ao desempenho das suas funções (al.k do art.º 3.2 e 1.2), que exprime a idaeia de poderes implícitos (não expressos, previstos, mas exercíveis, na medida em que as funções-missões da universidade não possam ser prosseguidas sem recurso a eles: quem tem as atribuições não pode deixar de ter os meios para o efeito; a normação sobre aqueles cobrindo a legalidade destes).

 

Quanto à repartição de atribuições em relação ao ensino universitário entre o Estado e Administrações regionais, as «Comunidades Autónomas», há que referir que, no caso espanhol, esta matéria é enquadrada na Constituição, na Lei Orgânica da Reforma Universitária, Lei 11/1983, de 25.8 (LORU), que transfere competências sobre o ensino universitário para as Comunidades autónomas de autonomia inicial ampla (atribuição de faculdades legislativas no âmbito de atribuições estatais e no «respeito pelos princípios, bases e directrizes traçadas por lei estatal»), e a Lei Orgânica de Transferência de Competências (reforma estatutária de 1994, consequente aos acordos autonómicos de 1992, em face do art.º 150.2 CE. Esta trata da transferência ou delegação de faculdades de titularidade estatal, por lei orgânica quando susceptíveis de tal pela sua natureza. Tudo sem prejuízo do controlo e dos princípios legais de harmonização normativa, em nome do interesse geral, cujo fundamento é apreciado, por maioria absoluta das câmaras legislativas (art.º 150 da CE).

Em Espanha, o Estado perdeu o seu poder directo sobre as Universidades de ensino presencial (portanto, não em relação à Universidade à distância (reserva da disposição adicional 1.ª do LORU) e excepto sobre a Universidade Internacional Menéndez Pelayo (reserva da disposição adicional 2.ª da LORU), com a trnsferência generalizada das Universidades para as Comunidades Autónomas entre 1095 e 1996, e além disso as Comunidades que ficaram com o poder de criar novas Universidades, embora o fundamental do poder legislativo se situe nas mãos do Estado. Em geral, pese embora a qualificação como plena, de ensino em toda a sua extensão, a interpretação restritiva para as competências  das Comunidades tem aumentado os poderes quer do Estado quer das Universidades. A doutrina tem-se pronunciado qualificando as competências das comunidades Autónomas como «pouco significativas, quase inexistentes no plano normativo e, além disso, reduzida através do mecanismo interpretatívo da sua extensão, quando intervém o TC (António Embid Irujo, RAP, CEJC, n.º 146, Mayo-Agosto, Madrid, 1998, pág.14, La transferencia de competencias a las Comunidades Autonomas en materia de enseñanza, in Regime Jurídico de Castilla-La Mancha, n.º 21. 1994). Estamos perante uma competência muito exígua no plano da autonomia das Comunidades, «compromida como está entre a legislação estatal e a autonomia das Universidades» (Loperena Rota, El marco de la autonomia universitária tras la STC 26/1997, de 27 de Febrero, in RVAP, n.º21, 1988, pág.24, apud A. Embid Irujo, o . e local c.), considerações partilhadas entre outros, por M. Vives Cornellis, M.López Matos e E. Ribera  Garijo, in «Los limites de la legislación de las Comunidades Autónomas en relación com las Universidades públicas», Relatório policopiado apresentado no segundo seminário sobre aspectos jurídicos da gestão universitária, Murcia, Dez. de 1996; J. Reynes Vives, in «Comunuidades Autónomas y competencias sobre as Universidades. Una visión de conjunto», Relatório apresentado al seminário sobre aspectos jurídicos da gestão universitária, Ed. Universidade de Castilla-La Mancha, Cuidad Real, 1994; Lasagabaster, «Enseñanza y estado de las autonomías», in «Autonomies», n.º 17, 1993, pág. 38 e segs).

De qualquer modo, a partilha de atribuições entre as entidades públicas territoriais, o Estado e as Comunidades Autónomas não aparece efectivada directamente na CE, que menciona apenas expressamente a Universidade para afirmar a sua autonomia (art.º 27.10), pelo que a questão tem de ser enquadrada a partir do tratamento em geral da matéria referente ao ensino, em que se destacam os art.º149.1.30; 149.1.18; 149.1.15 e 149.1.1 da CE. O art.º 149.1.30 aparece a regular as «condições de obtenção, emissão e homologação de títulos académicos e profissionais e normas básicas para o desenvolvimento do art.º 27 da CE, a fim de garantir o cumprimento das obrigações educacionais dos poderes públicos.

Face a esta atribuição exclusiva do Estado, as Comunidades podem ter apenas poderes de desenvolvimento legislativo e de execução da legislação elaborada pelo Estado, que , atentos os artigos 20.º e 27.º da CE tem de usar a forma de lei orgânica (81.1. da CE), para enquagrar o desenvolvimento dos direitos fundamentais de liberdade de cátedra, direito à educação, liberdade de ensino e o próprio direito da autonomia das Universidades.

Em relação ao corpo docente, temos a competência estatal de fixar a legislação básica do regime jurídico das administrações públicas e o estatuto dos funcionários, portanto desde logo dos professores (§ 18, n.º 1 do art.º 149.º). Em relação com a investigação científica, temos a competência estatal para regular o seu fomento e coordenação geral (§ 15 do n.1 do mesmo artigo). Em relação ao exercício por todos os espanhóis dos direitos e cumprimento dos deveres constitucionais, temos a competência estatal de criar legislação básica que garanta a igualdade de condições (§ 1 do n.º 1 do art. 149.º). Em relação ao imperativo da existência e subsistência de um sistema educativo nacional, existe o poder público para controlar e homologar o sistema educativo, que legitima a intervenção do Estado em aspectos fundamentais (27.8., 149.1.30 e jurisprudência do Tribunal Constitucional) e a prestação de informação qualitativa e quantitativa ao Estado por parte das Comunidades e sua colaboração no acompanhamento e avaliação (reforma estatutária de 1994, para propiciar a coordenação do sistema, garantindo uma prestação homogénea  e eficaz do serviço público de educação, que permita corrigir as desigualdades ou desiquilíbrios).

E se a LORU traz uma regulação da matéria formalmente autonomista, a «sua regulação material não o é na mesma medida» (A. E. Irujo, o.c., pág.21), aquela falando na criação de Universidades por lei autonómica, na aprovação dos estatutos ou na coordenação das Universidades instaladas nos seus respectivos territórios, mas remetendo para a assumpção das competências nos termos dos Estatutos da Autonomia (disposição final 2.ª), portanto, para a reforma dos Estatutos ou aprovação de leis orgânicas de transferências de competências nos termos do art.º 150.2 CE (habilitação constitucional para a transferência ou delegação nas Comunidades), de tarefas e poderes atribuídos ao Estado, mas que sejam susceptíveis de regionalização, com a condição da concomitante transferência de meios financeiros e a continuação de uma intervenção fiscalizadora do Estado, que garantam a continuação e a continuidade do exercício das faculdades cuja titularidade ao Estado cabia e deixem de ser retidas. Neste caso, em relação a um serviço público- o da educação superior- cuja prestação está directamente nas mãos «da Universidade que o realiza mediante a docência, o estudo e a investigação» (art.º1.1 LORU).

As Comunidades têm a competência fundamental de determinar o orçamento fixado à Universidade, uma vez que pagam para elas decidindo sobre a subvenção anual às Universidades, autorizando as operações de crédito e as transferências de despesas de capital (art.ºs. 54.3 e 55.3); e, quanto à vida da instituição, interferem exiguamente na aprovação dos estatutos, a nomeação do reitor eleito pelo cláustro universitário (art.º 18.2.), dos componentes do Conselho Social, regulando legalmente a sua organização e funcionamento e nomeando o seu presidente (art.º 14),  e as taxas académicas em termos condicionados. E  no regime do professorado e do pessoal da Administração e dos serviços, desenvolvendo o seu regime jurídico (44.1. e 49.3). Participam no Conselho de Universidades. Interferem na autorização do começo de actividades (5.4 LORU). Cooperam mediante a sua actividade normativa na formulação do regime jurídico aplicável às Universidades (art.º 6.º). Aprovam a criação e e supressão de faculdades e outros centros, sob prévio parecer do Conselho de Universidades (9.2 e 10.2). Cabe-lhes integrar centros de ensino superior nas Universidades públicas (10.3 LORU), criando Universidades públicas reconhecendo Universidades privadas (58.1), praticando, conjuntamente com o Estado, uma política de bolsas, ajudas e créditos aos estudantes e de isenção total ou parcial do pagamento de taxas académicas (26.3.). Estabelecer protocolos de acordo com a UNED e participar em protocolos de colaboração entre Universidades e instituições sanitárias (disposição adicional 1.ª e 6.ª).

 

Tudo isto tem sido considerado pouco pela doutrina espanhola, que no entanto não deixa de destacar as inovações recentes nalguns aspectos ligados a normas das Comunidades da Catalunha, Valência e Astúrias, apreciadas pelo Tribunal Constitucional e que, embora não mexam com questões centrais da Universidade, traduzem a procura de caminhos próprios a ressaltar (objecto de análise de António E. Irujo, exposta ao quarto curso sobre «regime das Universidades públicas», na Universidade da Extremadura, em Outubro de 1997, e publicada no n.º146, Mayo-Agosto de 1998 da RAP).

Esta enumeração revela certas competências em geral a exercer no âmbito de poderes não discricionários, sem qualquer margem conformadora da solução (vg. nomeação do reitor regularmente eleito, aprovação dos estatutos legalmente conformados, etc.). E outras muito subordinadas à posição prevalecente do Estado (A .E.Irujo, o .c., pág 221), não tendo as Comunidades Autónomas poderes decisivos no plano do governo e financiamento das suas Universidades (vg. regime dos órgãos docentes, planos de estudo, etc.).

 

Quanto à defesa da autonomia no processo constitucional, têm legitimidade num recurso de inconstitucionalidade para a defesa da autonomia de uma dada Universidade não só ela como o próprio Estado em face das Comunidades Autónomas, a exemplo do que acontece quanto à autonomia municipal face às extra-limitações das Comunidades (vg. STC 259/1998, etc.). Ou estas, em face do Estado (STC 26/1987, Fj 1.º), ao mesmo tempo que o Estado ou a Comunidade defendam as suas próprias atribuições em face de outro ente público territorial, sem prejuízo de qualquer um deles poder agir contra a Universidade quando esta extravase as competências legalmente fixadas e estatutariamente enquadradas ou a Universidade poder agir contra qulaquer deles por desrespeito das suas faculades de administração universitária. O Estado ou as Comunidades Autónomas (STC 235/1991, Fj 1.º) só não podem naturalmente posicionar-se judicialmente num conflito positivo de competência perante o Tribunal Constitucional, invocando a defesa das competências da instituição, pois  em tal âmbito lhe compete só a defesa do seu próprio ãmbito competencial na contenda entre os poderes territoriais.

 

Quanto ao regime jurídico dos docentes, ele é regido pela LORU e suas normas de desenvolvimento, pelas normas vigentes dos funcionários quando aplicáveis e outras da autoria da Comunidades Autónomas e da Universidade (estatutos). Embora as Comunidades Autónomas possam produzir normas de desenvolvimento da legislação estatal referente aos funcionários (44.1. LORU), a verdade é que o Tribunal Constitucional tem negado a aplicação da LORU (caracterizando-os como «funcionários interuniversitários ou comunicáveis»; STC 26/1987, exigindo um regime uniforme de acesso e selecção do professorado em todas as Universidades, Fj-12.3), no fundo operando com o princípio da competência estatal exclusiva na matéria, o que o levará finalmente a considerá-los como «funcionários estatais».

Não dependentes nem das Comunidades Autónomas nem das Universidades (STC 235/1991). Quanto à legitimidade da legislação básica estadual, embora devendo ser deixado um «espaço substantivo» de normação às Comunidades Autónomas, justifica-se, vg. no regime estatutário enquadrador das incompatibilidades (STC 131/1996), a eleição do director de departamento (STC 26/1987, Fj 7.º), na medida em que aparece como um denominador comum mínimo que marca a imagem da Universidade espanhola (STC 131/1996, Fj 4.º), a exigência da representação dual na composição dos Conselhos Sociais assente na invocação de uma «homogeneidade» que respeite a representação simultânea dos interesses intra-universitários e externos à Universidade, «a concretizar no plano da composiçaõ concreta pelas Comunidades Autónomas, a consagração da divisão depertamental das unidades orgânicas e suas normas básicas com fundamento no poder estatal das homologação do sistema educativo (art.º 27.8 CE). Tal como a regulação da exigência de um número mínimo de doutores, professores em exclusividade, e pertencentes aos corpos de funcionários (STC 131/1996), a existência de biblioteca, etc., se funda na qualidade do sistema educativo universitário (art.º 149.1.30 da CE, segundo o TC).

Quanto ao calendário académico, o Tribunal Constitucional deixa às Comunidades Autónomas um pequeno espaço de interferência na autonomia, considerado como integrando a competência sobre o ensino (Fj. 4.º do aresto citado).

 

 

4.2.2. A legislação portuguesa

 

A concretização do artigo 76.º no seu conjunto foi efectuada pela Lei n.º108/88, de 24.9 (Autonomia das Universidades), o Decreto­‑Lei n.º 189/92, de 3.9 (acesso ao ensino superior), a Lei n.º54/90, de 5.9 (Estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico) e o Decreto‑Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro (que veio revogar o Decreto-Lei n.° 271/89, de 19 de Agosto), alterado, por ratificação, pela  Lei n.º 37/94, de 11 de Novembro (Estatuto do ensino superior particular e cooperativo).

 

Começo por me referir à lei da autonomia universitária.

 

A lei que vem regular a organização e funcionamento das Universidades públicas é a Lei n.º108/88, de 24 de Setembro, Lei da Autonomia das Universidades, baseada na proposta de lei n.º 62/V, cuja exposição de motivos rezava que ela vinha concretizar o princípio da autonomia universitária, que o artigo 76.º da Constituição e mais recentemente o artigo 45.º da Lei de Bases do Sistema Educativo haviam consagrado expressa­mente. Princípio fundamental há muito reclamado pelas Universidades que, tendo usufruído de ampla autonomia ao abrigo da legislação do início da 1.ª República, de 1911, dela se viram progressivamente despo­jadas, ao mesmo tempo que lhes eram impostos controles burocrático­‑administrativo rígidos.

Só com a reforma universitária de 1973, começou a inversão desta situação, através da criação de novas universidades, dotadas de um grau de autonomia significativamente mais alargado.

Posteriormente, na vigên­cia dos primeiros governos constitucionais do pós-25 de Abril criou-se um ordenamento jurídico conducente à institucionalização de uma verdadeira autonomia universitária.

Através de legislação avulsa ou de práticas inovadoras, foram‑se reafirmando e concretizando alguns dos normativos e comportamentos associados à autonomia universitária, designadamente no que con­cerne à ligação entre a universidade e a Administração e o poder tute­lar do Estado, experiência  que vem confirmar as vantagens decorrentes de uma plena assumpção pelas universidades do binómio autonomia-responsabilidade e o potencial que o mesmo encer­ra com vista ao pleno exercício das missões cometidas à universidade. A autonomia universitária não aparece aqui, em si mes­ma, como um fim, mas antes como uma condição importante para a construção de uma universidade moderna, crítica, participativa e responsável. Como se lê na exposição de motivos da proposta de lei n.º 62/VI, a autonomia faz antever «um marco de renovação das insti­tuições, um repensar das suas estruturas, um reordenamento da sua vi­da académica, um acrescido compromisso com o desenvolvimento do País e um inalienável contributo para a plena afirmação das nossas raízes culturais». Estamos perante uma autono­mia, que é única no quadro das instituições públicas, em ordem a propiciar que o ensino, a investiga­ção e o serviço à comunidade, missão fundamental da universidade, possam dar um salto qualitativo e ter um papel ainda mais im­portante no progresso científico e cultural da sociedade e das suas ins­tituições, no enriquecimento intelectual dos Portugueses e no desen­volvimento regional e nacional.

E a lei procura efectivar o aprofundamento dos critérios de financia­mento, de gestão de recursos humanos, de captação de receitas pró­prias, dos regimes que regularão a inserção das instituições nos planos nacionais de educação, ciência e cultura e da cooperação inter‑institu­cional, etc..

A lei aproveitou muito do debate  e do projecto elaborado ao longo de vários anos no Conselho de Reito­res das Universidades Portuguesas, constituindo, nessa medida, um texto de consenso que se pretendeu enquadrante das grandes bases da autonomia e no qual se pressupõe uma simultânea e acrescida respon­sabilidade das universidades, particularmente dos seus órgãos máxi­mos. Ela remete para legislação ordinária, designadamente para os esta­tutos das instituições, a regulamentação do quadro geral previsto na lei. Ao Ministério da Educação  ficaram sobretudo reservadas as funções de coordenação, planeamento e controle.

Recentemente foi efectivada uma alteração (Decreto-Lei n.º 170/96, de 19 de Setembro), em que se transferem para as universidades poderes cuja permanência na esfera de competência do Governo se tem revelado desconforme com os parâmetros balizadores da autonomia consagrada na Lei da Autonomia das Universidades (Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro). Passa a competir a cada universidade, pelo órgão e nos demais termos constantes dos respectivos estatutos conhecer e decidir das incompatibilidades e suspeições em exames, provas e concursos de natureza académica, definir o regime de prescrições a praticar relativamente ao direito à matrícula e inscrição nos cursos nela ministrados, e fixar o número máximo de vice-reitores e de pró-reitores que podem estar simultaneamente em exercício.

 

Vejamos os dispositivos da lei:

 

Quanto à missão das Universidades, elas são centros de criação, trans­missão e difusão da cultura, da ciência e da tecnolo­gia, que, através da articulação do estudo, da docên­cia e da investigação, se integram na vida da sociedade (n.º 1 do artigo 1.º). Têm como fins a formação humana, cultural, científica e téc­nica, a realização de investigação fundamental e aplicada, a prestação de serviços à comunidade, numa perspectiva de valorização recíproca, o intercâmbio cultural, científico e técnico com instituições congéneres nacionais e estrangeiras e a contribuição, no seu âmbito de actividade, para a cooperação internacional e para a apro­ximação entre os povos.

Às universidades compete a concessão de graus e títulos académicos e honoríficos, de outros certifica­dos e diplomas, bem como a concessão de equivalên­cia e o reconhecimento de graus e habilitações acadé­micos.

 

As Universidades devem garantir a liberdade de cria­ção científica, cultural e tecnológica, assegurar a plu­ralidade e livre expressão de orientações e opiniões, pro­mover a participação de todos os corpos universitários na vida acadêmica comum e assegurar métodos de ges­tão democrática (princípio da democraticidade e participação: artigo 2.º).

 

Quanto à natureza jurídica da instituição universitária, o art.º 3.º da LAU refere-se quer à Universidade quer às suas unidades orgânicas, que gozam também de auto­nomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, nos termos dos estatutos da respectiva universidade.

As universidades são pessoas colectivas de direito público e gozam de autonomia estatutária, científica, pe­dagógica, administrativa, financeira e disciplinar (3.1.), sendo a cada universidade é reconhecido o direito de elaborar os seus estatutos, com observância do disposto na lei.

 

Os estabelecimentos de ensino superior univer­sitário não integrados em universidades aplicam‑se os princípios e as regras de autonomia consagrados na lei relativos às faculdades e estabelecimentos equivalentes, dependendo a sua eficácia da aprovação ministerial dos estatutos, de­vendo adaptar às suas condições específicas as normas gerais definidas na lei, nomeadamente as re­lativas aos órgãos de governo da universidade e as que dizem respeito à concessão de títulos e graus.

 

Quanto à homologação, os estatutos são homologados, no prazo de 60 dias, por despacho do membro do Governo com tutela sobre o sector da edu­cação (e publicados no Diário da República), só podendo a recusa da homologação fundar‑se na inobservância da Constituição ou das leis, ou na inconformidade do processo da sua elaboração com o disposto na lei. Decorrido o prazo, o reitor, ouvido o senado universitário, manda publicar os es­tatutos no Diário da República, dando-lhe plena vigência.

 

Cabe ao Conselho de Reitores das Universidades Por­tuguesas assegurar a coordenação e a representação glo­bal das universidades, sem prejuízo da autonomia de cada uma delas. As universidades são ouvidas no processo de criação pelo Estado de novas  universidades.

A LAU consagra matéria de reserva de estatuto, que é prevista no artigo 5.º:

1.º - A definição das faculdades, estabelecimentos equipa­rados e restantes unida­des orgânicas da universidade;

2.º – As normas fundamentais da sua organização interna, nos planos científico, pedagógico, financeiro e administra­tivo, e o regime das autonomias das respecti­vas unidades orgânicas.

 

Quanto à autonomia científica, ela confere às universidades a capacidade de livremente definir, programar e exe­cutar a investigação e demais actividades científicas e culturais, tendo em conta as grandes linhas da política nacional, designadamente em matérias de educação, ciência e cul­tura e relações internacionais.

Em termos de autonomia pedagógica, as universidades gozam da faculdade de criação, suspensão e extinção de cursos, de harmonia com o planeamento das políticas nacionais de educação, ciência e cultura, mas com autonomia na elaboração dos planos de estudo e programas das disciplinas, de­finição dos métodos de ensino, escolha dos processos de avaliação de conhecimentos e ensaio de novas ex­periências pedagógicas, assegurando a pluralidade de doutrinas e mé­todos que garanta a liberdade de ensinar e aprender.

 

As universidades exercem a autonomia adminis­trativa no quadro da legislação geral aplicável e estão dispensadas de visto prévio do Tribunal de Contas, ex­cepto nos casos de recrutamento de pessoal com vín­culo à função pública (8.1).

No âmbito da autonomia financeira, as univer­sidades dispõem do seu património, sem outras limita­ções além das estabelecidas por lei, gerem livremente as verbas anuais que lhes são atribuídas nos orçamen­tos do Estado, têm a capacidade de transferir verbas entre as diferentes rubricas e capítulos orçamentais, ela­boram os seus programas plurianuais, têm capacidade para obter receitas próprias a gerir anualmente através de orçamentos privativos, conforme critérios por si es­tabelecidos, e podem arrendar directamente edifícios in­dispensáveis ao seu funcionamento.

 

As universidades dispõem do poder de punir (autonomia disciplinar), nos termos da lei, as infracções disciplinares praticadas por docentes, investigadores e demais funcionários e agentes.

 

As universidades e as respectivas uni­dades orgânicas devem elaborar obrigatoriamente um relatório anual circunstanciado das respectivas activi­dades, do qual devem constar, designadamente, a referência aos planos de desenvolvimento e à sua execução; a análise de gerência administrativa e financeira; a indicação dos objectivos prosseguidos pela ge­rência e da medida em que foram alcançados; a inventariação dos fundos disponíveis e referên­cia ao modo como foram utilizados; a descrição dos movimentos de pessoal docente e não docente e os elementos sobre a admissão, a frequência e o sucesso escolares.

A estes relatórios deve ser assegurada a devida publicidade.

Quanto aos meios necessários ao exercício da autonomia, cabe às universidades o recrutamento e promo­ção dos seus docentes e investigadores, bem como do restante pessoal, nos termos da lei. Para além do pessoal referido no estatuto das carreiras docente universitária e de investigação e nos quadros anexos às respectivas leis orgânicas, as univer­sidades podem contratar, em termos a definir por lei e nos respectivos estatutos, individualidades nacionais e estrangeiras para o exercício de funções docentes ou de investigação, bem como outro pessoal para o desem­penho de actividades necessárias ao seu funcionamento. As universidades e as unidades orgânicas dotadas de autonomia podem alterar os respectivos quadros de pessoal, desde que tal alteração não se traduza em aumento dos valores totais globais, e estes podem ser periodicamente revistos, só carecendo de aprovação governamental, desde que impliquem aumento dos quantitativos globais.

 

Quanto aos órgãos de governo das universidades, estes são a assembleia da universidade, o reitor, o senado universitário, conselho administrativo e, facultativamente, o conselho consultivo. Os estatutos das universidades podem prever a constituição de órgãos que repartam as funções do se­nado universitário e do conselho administrativo.

Ao senado universitário e aos outros órgãos que repartam as suas compe­tências, podem ser agregadas, em condições a definir pelos estatutos, individualidades de sectores da socie­dade relacionadas com a universidade. Os estatutos das universidades e das respectivas unidades orgânicas podem prever a existência de um conselho consultivo ou equivalente que assegure uma relação permanente com a comunidade, definindo a res­pectiva composição e competência.

 

Composição da assembleia de universidade é definida pelos respectivos estatutos, com os seguintes limites em termos de representação dos diferentes corpos na assem­bleia da universidade: representação, por eleição, dos professores, dos restantes docentes, dos investigadores, dos es­tudantes e dos funcionários; paridade entre os docentes e os estudantes eleitos; e equilíbrio na representação das unidades orgâ­nicas, independentemente da sua dimensão.

São membros da assembleia, por inerência, o reitor, os vice‑reitores, os pró‑reitores (caso existam), as individualidades que presidirem aos órgãos de gestão das unidades orgânicas definidas pe­los estatutos, as individualidades que presidirem aos órgãos de governo de outros estabelecimentos integrados, o presidente de cada associação de estudantes ou, nas universidades em que haja apenas uma associação, um representante desta por cada unidade orgânica, o administrador ou funcionário administrativo de categoria mais elevada, e o vice‑presidente dos serviços sociais.

 

Quanto às competéncias da assembida da universidade, pertence-lhe, designadamente, discutir e aprovar, por maioria absoluta dos votos expressos, os estatutos da universidade, aprovar, por maioria de dois terços dos votos expressos, as alterações aos estatutos, eleger o reitor, dar‑lhe posse e decidir sobre a sua destituição (art.º 18.º).

O reitor é eleito pela assembleia da universidade, em escrutínio secreto, de entre os professores catedrá­ticos de nomeação definitiva, nos termos estabelecidos pelos estatutos de cada universidade. Cabe ao reitor cessante comunicar, no prazo de cinco dias, o resultado do acto eleitoral ao membro do Go­verno com tutela sobre o sector da educação, para este pro­ceder à nomeação do reitor eleito no prazo máximo de 30 dias. O Ministro da Educação só pode recusar a no­meação do reitor com base em vício de forma do pro­cesso eleitoral.

 

O mandato do reitor e dos vice‑reitores tem a de quatro anos, podendo ser renovado nos ter­mos dos estatutos.

Quanto à sua competência, ele representa e dirige a universidade, incumbindo‑lhe, designadamente, propor ao senado as linhas gerais de orienta­ção da vida universitária; homologar a constituição e empossar os mem­bros dos órgãos de gestão das faculdades ou unidades orgânicas que constituem a universi­dade, só o podendo recusar com base em vício de forma do processo eleitoral; presidir, com voto de qualidade, ao senado e demais órgãos colegiais da universidade e asse­gurar o cumprimento das deliberações por eles tomadas; velar pela observância das leis e dos regula­mentos; superintender na gestão acadêmica, administra­tiva e financeira, mormente no que respeita a contratação e provimento do pessoal, a júris de provas acadêmicas, a atribuição de regências, remunerações, abonos, licenças e dispensas de serviço, sem prejuízo da capacidade de delega­ção, nos termos dos estatutos; comunicar ao membro do Governo com res­ponsabilidade pelo sector da educação todos os dados indispensáveis ao exercício da tutela, de­signadamente os planos de desenvolvimento e relatórios de actividade; definir e orientar o apoio a conceder aos estu­dantes no quadro dos serviços sociais e das ac­tividades circum‑escolares; e reconhecer, em todas as circunstâncias previs­tas na lei, a urgente conveniência de serviço no provimento de pessoal.

Cabe‑lhe ainda poderes residuais, isto é, o desempenho de todas as competências que, por lei ou pelos estatutos, não sejam atribuídas a outras en­tidades da universidade. De acordo com os estatutos e ouvido o senado, o reitor pode delegar nos órgãos de gestão das unida­des orgânicas as competências que se tornem necessá­rias a uma gestão mais eficiente (art.º21.º).

 

Quanto à composição e competência do senado universitário, há que referir que a composição é definida pelos estatutos de cada universidade, respeitando-se os princípios gerais de representação dos diferentes corpos no senado universitário. E podem ainda integrar o senado universitário reresentantes dos interesses culturais, sociais e econó­micos da comunidade, designados pela forma prevista nos estatutos, em número não superior a 15% da to­talidade dos seus membros.

Compete-lhe aprovar as linhas gerais de orientação da uniersidade; aprovar os planos de desenvolvimento e apre­ciar e aprovar o relatório anual das activida­des da universidade; aprovar os projectos orçamentais e apreciar as contas; aprovar a criação, suspensão e extinção dos cursos; aprovar as propostas de criação, integração, modificação ou extinçâo de estabelecimentos ou estruturas da universidade; definir as medidas adequadas ao funciona­mento das unidades orgânicas e serviços da uni­versidade; pronunciar‑se sobre a concessão de graus aca­démicos honoríficos; instituir prêmios escolares; exercer o poder disciplinar; fixar, nos termos da lei, as propinas devidas pelos alunos dos vários cursos ministrados na universidade, assim como as propinas suple­mentares relativas a inscrições, realização ou re­petição de exames e outros actos de prestação de serviços aos alunos; e ocupar‑se dos restantes assuntos que lhe forem cometidos por lei, pelos estatutos ou apresen­tados pelo reitor 8art.º 25.º).

A composição do conselho administrativo é es­tabelecida nos estatutos da universidade, sendo obri­gatória a participação do reitor, de um vice‑reitor , do administrador ou do funcionário administrativo de ca­tegoria mais elevada e de um representante dos estu­dantes, competindo-lhe a gestão administrativa, patrimonial e financeira da universi­dade, sendo‑lhe aplicável a legislação em vigor para os organismos públicos dotados de autonomia administra­tiva e financeira e o disposto na lei. De acordo com os estatutos e ouvido o senado, o conselho administrativo pode delegar nos órgãos pró­prios das faculdades, unidades orgânicas equivalentes ou outros estabelecimentos as competências considera­das necessárias a uma gestão mais eficiente.

 

As actividades dos órgãos de gestão das facul­dades ou unidades orgânicas equivalentes devem decor­rer corri plena transparência e dernocraticidade, de modo a assegurar a todos os seus membros uma parti­cipação real nas tomadas de decisão e um acompanha­mento eficaz da gestão, bem como a sua fiscalização. Sem prejuízo do disposto nos estatutos das uni­versidades, os órgãos de gestão das faculdades ou das unidades orgânicas equivalentes incluem obrigatoria­mente a assembleia de representantes; o conselho directivo; o conselho pedagógico e o conselho científico, ou o conselho pedagógico‑científico.

 

Quanto à tutela(art.º 28.º), o legislador dispos que o poder de tutela sobre as universidades é exer­cido pelo departamento governamental com responsa­bilidade pelo sector da educação, tendo em vista, fun­damentalmente, a garantia da integração de cada universidade no sistema educativo e a articulação com as políticas nacionais de educação, ciência e cultura. Compete, designadamente, à instância tutelar homologar os estatutos de cada universidade e as suas alterações, nos termos do disposto na presente lei; aprovar, tendo em vista a respectiva adequa­ção à política educativa, quando tal se justifi­que, o número máximo de matrículas anuais, sob proposta das universidades; autorizar a criação, integração, modificação ou extinção de estabelecimentos ou unidades orgâ­nicas das universidades; aprovar as propostas de orçamento dependen­tes do Orçamento do Estado; apreciar os projectos de orçamentos plurianuais e de planos de desenvolvimento a médio prazo, bem como o balanço e o relatório de activida­des dos anos económicos findos, na perspectiva da atribuição dos meios de financiamento pú­blico; autorizar a alienação de bens imóveis; autorizar o arrendamento, a transferência ou a aplicação a fim diverso dos imóveis do Es­tado que estejam na posse ou usufruto das uni­versidades ou dos seus estabelecimentos; autorizar a aceitação de liberalidades sujeitas a modos ou condições que envolvam acções es­tranhas às atribuições e objectivos dos estabe­lecimentos universitários; e conhecer e decidir dos recursos cuja interposi­ção esteja prevista em disposição legal expressa.

 

Quanto ao ensino privado, cabe ao Estado a tarefa, constitucionalmente prevista, do reconhecimento deste sector de ensino. O Decreto-Lei n.°16/94 de 22 de Janeiro, que aprova o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, começando por referir que a Constituição da República reconhece a liberdade de  aprender e a liberdade de ensinar como direitos fundamentais do cidadão, e que o texto constitucional atribui ao Estado a tarefa de garantir a liberdade de acesso dos cidadãos a todos os graus de ensino e, em especial, à universidade e demais instituições de ensino superior, afirma que o pleno exercício das liberdades fundamentais de aprender e de ensinar postula e exige, como condição instrumental, o direito a fundar escolas e de aí ministrar ensino. Ora, a garantia da liberdade de criação de escolas particulares e cooperativas, como conteúdo indispensável da liberdade de aprender e ensinar, não é dissociável da responsabilidade de fiscalização estatal em relação ao ensino particular e cooperativo, o que a lei naturalmente consagra. Para o feito, fixam-se os critérios de apreciação.

O reconhecimento do  ensino  particular  e  cooperativo, dado o interesse público  que subjaz à existência do ensino superior particular e cooperativo, manifesta-se de modo inequívoco no valor normativo conferido pelo Estado aos graus atribuídos por estes estabelecimentos de ensino,  ou seja, no paralelismo de regimes com o ensino superior público. Este valor normativo dos graus, independentemente das escolas que os concedam, permite um enquadramento global do sistema de ensino superior. O interesse público que justifica o reconhecimento deste secor do ensino, justifica também a opção de tornar paralelo, com as adaptações que a natureza das instituições exige, o regime de criação de escolas, e de cursos superiores, públicas ou particulares e cooperativas. O legislador precisa o  âmbito de aplicação do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, que é constituído pelas escolas fundadas por entidades particulares ou cooperativas a que seja reconhecido interesse público, com implicações quanto ao regime destas escolas, que são inseridas na rede escolar nacional, conceito em que necessariamente se devem  integrar os estabelecimentos de ensino superior, públicos ou privados, designadamente a Universidade Católica.

De acordo com esta configuração normativa, os estabelecimentos de ensino de interesse público podem requerer autorização para ministrar cursos superiores e conceder os graus inerentes a esse tipo de  ensino: os graus de bacharel, licenciado, mestre e doutor. Este interesse público documenta-se, também, no projecto científico e pedagógico que cada escola deve prestar, como dimensão específica da natureza do tipo de ensino ministrado.

A apreciação dos pedidos de reconhecimento de interesse público das escolas e de criação de cursos conferentes de grau é  deferida a comissões de peritos, de modo a reforçar as garantias de imparcialidade da Administração e a assegurar altos padrões de competência técnica nessa apreciação. O interesse público na  existência de  cursos conferentes  de grau  e o  respectivo valor normativo, conjugado com a protecção de legítimas expectativas geradas nos estudantes deste tipo de ensino, justificam que o funcionamento destes cursos dependa de prévia autorização e de prévio reconhecimento de graus, assim se assegurando que o investimento de confiança dos estudantes nos cursos ministrados nos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo se possa esclarecidamente fundar no valor normativo que lhes é conferido pelo Estado e no seu reconhecimento social. Por outro lado, o funcionamento  das instituições de ensino superior fundadas por entidades particulares e cooperativas igualmente supõe paralelismo com o ensino público  no domínio fundamental da composição do corpo docente e do respectivo regime de docência. As opções agora vertidas buscam alcançar a veracidade quanto à efectiva composição e disponibilidade dos docentes do ensino superior particular e cooperativo através do recurso a critério de igualdade de exigência com o ensino superior público: a  razão entre o número de alunos e o número de docentes habilitados com os graus de mestre ou doutor. Este critério, firmado como regra geral, conjuga-se ainda com parâmetros mais rigorosos para a criação dos estabelecimentos de ensino superior particular e cooperativo como   universidade ou instituto superior politécnico. No diploma legal, para além das finalidades próprias do ensino  universitário e do ensino politécnico, sobressaem particulares exigências quanto à dignidade das instalações (em que se incluem os laboratórios e salas de aula), o número e natureza dos cursos ministrados e a composição do corpo  docente. A previsão da existência de universidades e institutos superiores politécnicos em instalação constitui igualmente inovação de importância assinalável. A lei estabelece-se que as instituições de ensino superior particular e cooperativo são objecto de avaliação da qualidade científica e pedagógica em termos comuns ao ensino superior público. Orientados também nesta matéria por um critério de exigibilidade igual com o ensino superior  público, o sistema de avaliação a concretizar, de âmbito nacional e de aplicação  universal, pode constituir instrumento poderoso e decisivo de informação da comunidade educativa quanto à qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior particular e cooperativo. Neste  sentido, o caminho a seguir futuramente terá de ser baseado em critérios comuns a todo o ensino superior, independentemente da natureza da entidade titulardo estabelecimento de ensino. A harmonização prática entre o  princípio da liberdade de aprender e de ensinar e as incumbências colocadas ao Estado em matéria de ensino superior determinam e justificam a intervenção legislativa  para assegurar que os estabelecimentos de ensino superior  particular alcancem padrões de qualidade científica e pedagógica indispensáveis para manter o respeito público, que é o suporte da sua autonomia e da sua liberdade.

Em síntese, o fundamento da política a definir para o ensino superior particular e cooperativo assenta em critérios científicos e pedagógicos paralelos ao ensino superior público e justifica-se pela exigência de qualidade do ensino superior particular e cooperativo, preocupação que perpassa em todo o enquadramento legislativo efectuado.

 

Posto isto, a primeira questão a colocar é se a Universidade em geral desenvolve um serviço público.

Importa saber se a sua actividade se integra na Função Administrativa enquanto função secundária do Estado em sentido amplo, Estado‑Comunidade, Estado-colectividade, função que consiste na aplicação dos actos políticos stricto sensu e dos actos legislati­vos, nomeadamente mediante a produção de bens e a prestação de serviços destinados a satis­fazer necessidades colectivas que, por prévia opção constitucional ou político‑legislativa, foi considerado deverem ser satisfeitas ou directamente pela própria colectividade ou segundo regras de direito público que tenham em conta superiores interesses da colectividade?.

Refira-se que a amplitude da função administra­tiva e o grau da sua intervenção na vida económi­ca e social, num fenómeno de hiperbolização, que se foi acentuando com as exigências naturais ao Estado de direito social, originaram quer a expansão dos serviços na dependência directa das administrações territoriais, sobretudo da estadual, mais ou menos desconcentrados, quer a personificação jurídica de um sem‑número de entidades encarregadas de a exercer, multiplicando-se as pessoas colectivas públi­cas. Outras vezes, uma dada actividade pública é exercida por entidades privadas, ou seja, de forma mediata ou indirectamente, por iniciativa das pessoas colectivas públicas mas através de pessoas colectivas privadas em regime jurídico ad­ministrativo. Todas estas entidades integram a Administração Pú­blica em sentido orgânico. As primeiras formam o seu núcleo essencial. As segundas cooperando com este núcleo, na prossecução de actividades que legalmente são suas tarefas, suas atribuições, inserem‑se na sua constelação funcional, na sua orla orgânica, mas não deixam de ser Administra­ção Pública, pois também exercem a Função Admi­nistrativa do Estado‑Comunidade, embora sem perderem a natureza de pessoas colectivas pri­vadas. Isto é, a fórmula constitutiva usada, de direito publico ou privado, não tem relevância ma sua caracterização em termos de teoria da Administração pública, pois o que é decisivo é a função exercida.

E se o ensino é um serviço público, então a liberdade de criação e a existência de Universidades privadas e cooperativas não mexe com a natureza geral de serviço público do ensino universitário ministrado.

 

Ora se, como dissemos, cabe às funções consti­tuintes, política e legislativa definir quais as necessi­dades colectivas que devem ser satisfeitas pela Função Administrativa, há que indagar o que dizem a Constituição, os actos polí­ticos stricto sensu e as leis, em Portugal, sobre o ensino universitário.

 

Destes actos e desde logo claramente do n.º 2 do art.º 76.º da CRP, se conclui que são cinco os aspectos constitucionais da autonomia universitária: estatutário, científico, pedagógico, administrativo e financeiro.

A autonomia estatutária significa o poder de definir a sua própria «constituição» (organização interna, forma de governo, número e características das faculdades e cursos, planos de estudo, graus acadêmicos, sequência de estudos, formas de recrutamento de docentes, acesso de alunos, etc.) dentro dos limites da lei, independentemente de qualquer sancionamento governamental.

A auto­nomia científica é um corolário da própria liberdade de criação cientí­fica (art. 42.º‑1) e traduz‑se no direito de autodeterminação e auto‑organização das universidades em matéria científica (selecção de áreas de investigação, organização da investigação, etc.).

A autonomia pedagógica está também conexionada com a liber­dade de ensino (art. 4311) e consiste na capacidade de autodefinição, através de órgãos universitários competentes, das formas de ensino e de avaliação, da organização das disciplinas e da distribuição do serviço docente, etc.

A autonomia administrativa consiste na autoadministração ou autogovemo, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária (gestão dos seus próprios assuntos, prática de actos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.).

Finalmente, a autonomia financeira abrange designada­mente o orçamento próprio, a capacidade para arrecadar receitas próprias, etc., sem prejuízo das verbas transferidas do Orçamento do Estado.

 

A autonomia universitária, nos seus vários aspectos, está expressamente sujeita a reserva de lei (concretizadora e restritiva). Desenvolve‑se no âmbito das leis básicas referentes ao sistema de ensino. A competência organizatória (nas suas várias dimensões: material, pessoal e económica) é, em grande medida, objecto de disciplina legal. Os membros da Universidade estão vinculados ao direito de ordenação e ao direito disciplinar constante de diplomas legais. A carreira acadêmica, a contratação e cooptação de pessoal científico estão legalmente regulamentados.

Todavia, cabendo à lei definir os limites da autonomia universitária, não pode ela deixar de garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a salva­guardar‑se o «núcleo essencial» da autonomia universitária. Constitucionalmente, as universidades não podem pertencer à administração directa do Estado, integrando antes a administração pública autónoma, estando sujeitas, portanto, à tutela governamental. Para a doutrina dominante, ela integra a administração indirecta do Estado, sujeita à sua superintendência, isto é, às suas orientações na sua actividade corrente. De qualquer modo, numa ou noutra tese, nunca estaria sujeita à sua direcção (alínea d) do art. 202.º).

 

No que diz respeito a esta questão, há que recordar que o facto de a Lei Fundamental só se reportar individualizadamente à autonomia administrativa das autarquias locais e das Uni­versidades, a par da autonomia que reconhece implicita­mente, por exemplo, as associações públicas e or­ganizações populares de base (art.º 267.º, n.º 1). E além disso, há que destacar que é relevante neste debate a conexão estabelecida entre essa auto­nomia administrativa e a científica e pedagógi­ca. A liberdade de criação cultural sob a forma de criação científica, acoplada à liberdade de ensino, «postula a autonomia universitária, a científica e a pedagógica, como verdadeira di­mensão atributiva, de que depende a autonomia na sua dimensão funcional: a administrativa e a financeira» (Wroblewsky), na esteira da Magna Carta das Universidades Europeias, de 18 de Setembro de 1988, que declara que «a Universidade é uma instituição autóno­ma que, de forma crítica, produz e transmite a cultura através da investigação e do ensino»..

Assim sendo, embora os interesses próprios da Universidade coexistam nas suas atribuições com os do Estado‑Administração, a realização de uns e de outros só pode ser feita autonoma­mente de poderes subordinantes, do Estado.

 

A autonomia universitária não se compadece pois com poderes subordinantes de superintendência governamental. Ela cabe na categoria de Administração Pública Autónoma, isto é, naquele elenco de pes­soas colectivas públicas sobre as quais o Estado­‑Administração não pode exercer nem poder de direcção nem poder de superintendência, mas apenas um poder de tutela.

E esta autonomia em Portugal é mesmo oponível ao Estado­‑Administração, como direito das Universidades, em termos similares aos defi­nidos pelo Tribunal Constitucional espanhol em acórdãos já atrás citados, de 1981 e 1987.

 

 

 

4.3. Princípios enformadores da Administração universitária

 

4.3.1. A Administração universitária em Espanha

 

As atribuições, segundo os diplomas reguladores da vida universitária, estão dispostas do seguinte modo:         - O legislador, através de lei orgânica, concretiza, delimita, o âmbito da autonomia universitária, respeitando sempre um mínimo de poderes institucionais que correspondem ao conteúdo essencial do direito à autonomia;

- As matérias não incluídas no âmbito da autonomia universitária são passíveis de intervenção legislativa posterior, tanto do legislador nacional como do regional (Comunidades Autónomas), de acordo com a distribuição constitucional-estatutária de atribuições na matéria;

-                   A Universidade tem plena capacidade de conformação, nos seus estatutos, aos aspectos não regulados por lei, inerentes à sua autonomia (Fj.2 da STC 55/1089, Universidade de Santiago de Compostela contra Xunta de Galícia), embora sujeitos a ratificação da respectiva Comunidade Autonóma (art.º 12.º da LRU).

 

O poder regulador estatutário das Universidades está enquadrado pela teoria dos limites dos direitos fundamentais, a saber:

-                   o princípio da igualdade de tratamento dos agentes universitários, no acesso à discência, à docência e à investigação, e outros direitos fundamentais de terceiros;

-                   o princípio da coordenação interuniversitária, que salvaguarda a unidade do sistema de educação universitária, traduzindo a legitimação de um órgão da Administração universitária com «funções de ordenação, coordenação eplanificação, proposta e acessoria», atribuídas pelo art.º 23 da LRU (Conselho de Universidades, cujo regulamento foi aprovado pelo R.D. 552/1085, de 2.4);

-                   o princípio da validade nacional das habilitações académicas, que justificam a fixação pelo Estado dos títulos académicos, validos em todo o território do Estado, sem prejuízo das atribuições universitárias de regulação e organização do ensino que ministra nas diferentes matérias (STC 187/1991, Fj. 3.º e 4.º);

-                   o princípio da sujeição do ensino a um enquadramento ligado à sua natureza substantiva de serviço público, independentemente da sua prestação por entidades públicas ou privadas. A ideia de serviço público funciona como limite à autonomia. Como qualquer direito subjectivo, a autonomia é um direito limitado, neste caso pela consideração social e jurídica da algo a ssegurar do modo mais eficaz possível pelos poderes públicos para promoverem as condições de igualdade efectiva entre os cidadãos (art.º 9.2 da CE), o direito à educação, que por isso homologam a totalidade do sistema educativo (art.º 27.8 da CE) e fazem a programação geral (art.º 27.5 da CE). Esta dimensão colectiva do ensino em geral apela a responsabilidades do poder público, criando exigências e limites implicados pelos interesses gerais na sua configuração como serviço público. Estamos perante uma auto-gestão de interesses específicos, institucionais, compatíveis com os interesses gerais da sociedade, derivados da sua qualidade de serviço público, numa articulação e delimitação que cabe à lei fazer.

-                   A adopção do sistema funcionarial para o pessoal docente (art.º 33.1 da LRU), de que resultam os poderes estaduais exclusivos de regulação das bases do seu regime estatutário e do regime de acesso, como os princípios de igualdade, mérito e capacidade (art.º 41 da LRU, 23.2. e 103.2 da CE).

 

No respeito dos princípios limitadores da sua autonomia, as Universidades têm os seguintes poderes:

-                   o poder de autonormação (art.º 3.2 LRU), que compreende a elaboração dos Estatutos e outros regulamentos autónomos de funcionamento, não aparecendo como normação conformada, secundum legis, mas sendo a legislação ou norma de habilitação, um limite externo ilagalizador apenas das normas estatutárias que a contradigam frontalmente (normação praeter legem). Este poder está sujeito a verificação, pelo Conselho de governo da Comunidade Autónoma, da sua legalidade, em face da LRU, ratificando os Estatutos, com ou sem modificações que se prendem apenas com o controlo da legalidade (STC 55/1989, Fj.5.º), ou com a adição normativa que clarifique o alcance das factualidades atribuídas aos órgãos, ou seja, no fundo, alterações que designaria de intervenções normativas sem carácter inovador e sem qualquer controlo de mérito (oportunidade ou conveniência),pois neste caso, contrariando ou ultrapassando a vontade da Universidade abre-lhe a via impugnatória jurisdicional.

-                   o poder de auto-estruturação orgânica secundária, isto é, o poder de auto-organização no plano das conformação ddas estruturas não consideradas básicas pelo legislador (a quem compete a fixação da estrutura organizativa mínima, a departamental, a respeitar pelos Estatutos e porque traduzem a garantia da existência e subsistência das universidades públicas (art.º 27.8 e 149.1.15 da CE)), sem prejuízo da flexibilidade e adaptabilidade consentânea com as características e culturas académicas de cada Universidade (STC 26/1987, Fj 5.º e STC 156/1994, Fj 2.º e 3.º).

-                   o poder de autoconformação orçamental, isto é, da elaboração e gestão do seu orçamento, assim como dos seus bens, embora sem capacidade para decidir sobre as receitas provenientes do orçamento do Estado e sem poder fixar por si as propinas.

-                   outros poderes académicos referentes a planos de estudos, verificação de conhecimentos, organização do ensino, selecção dos docentes, admissão de alunos, regulamentação disciplinar, etc..

 

 

4.3.2. A Administração universitária em Portugal

 

A primeira questão a colocar é se a Universidade em geral desenvolve um serviço público.

Ora a sua actividade se integra na Função Administrativa enquanto função secundária do Estado em sentido amplo, Estado‑Comunidade, Estado-colectividade, função que consiste na aplicação dos actos políticos stricto sensu e dos actos legislati­vos, nomeadamente mediante a produção de bens e a prestação de serviços destinados a satis­fazer necessidades colectivas que, por prévia opção constitucional ou político‑legislativa, foi considerado deverem ser satisfeitas ou directamente pela própria colectividade ou segundo regras de direito público que tenham em conta superiores interesses da colectividade?.

Refira-se que a amplitude da função administra­tiva e o grau da sua intervenção na vida económi­ca e social, num fenómeno de hiperbolização, que se foi acentuando com as exigências naturais ao Estado de direito social, originaram quer a expansão dos serviços na dependência directa das administrações territoriais, sobretudo da estadual, mais ou menos desconcentrados, quer a personificação jurídica de um sem‑número de entidades encarregadas de a exercer, multiplicando-se as pessoas colectivas públi­cas. Outras vezes, uma dada actividade pública é exercida por entidades privadas, ou seja, de forma mediata ou indirectamente, por iniciativa das pessoas colectivas públicas mas através de pessoas colectivas privadas em regime jurídico ad­ministrativo. Todas estas entidades integram a Administração Pú­blica em sentido orgânico. As primeiras formam o seu núcleo essencial. As segundas cooperando com este núcleo, na prossecução de actividades que legalmente são suas tarefas, suas atribuições, inserem‑se na sua constelação funcional, na sua orla orgânica, mas não deixam de ser Administra­ção Pública, pois também exercem a Função Admi­nistrativa do Estado‑Comunidade, embora sem perderem a natureza de pessoas colectivas pri­vadas. Isto é, a fórmula constitutiva usada, de direito publico ou privado, não tem relevância ma sua caracterização em termos de teoria da Administração pública, pois o que é decisivo é a função exercida.

E se o ensino é um serviço público, então a liberdade de criação e a existência de Universidades privadas e cooperativas não mexe com a natureza geral de serviço público do ensino universitário ministrado.

 

Ora se, como dissemos, cabe às funções consti­tuintes, política e legislativa definir quais as necessi­dades colectivas que devem ser satisfeitas pela Função Administrativa, há que indagar o que dizem a Constituição, os actos polí­ticos stricto sensu e as leis, em Portugal, sobre o ensino universitário.

 

A resposta está contida genericamente logo na Constituição da República Portuguesa. Com efeito, esta esclarece que os direitos culturais dos cidadãos são o direito à educação e o direito ao ensino, com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (art.º 73.º, n.ºs 1 e 2, e 74.º, n.º 1), cabendo ao Estado-­Administração garantir a sua efectivação nos termos previstos no n.º 2 do mesmo Art.º 74.º e no n.º 1 do Art.º 75.º. E especifica que a li­berdade de ensinar compreende a criação de es­tabelecimentos de ensino não público sujeitos a fiscalização estadual (art.º 75.º, n.º 2), sem que o texto constitucional exclua dessa faculdade o en­sino universitário.

Da leitura conjugada destas normas se conclui que o ensino em geral, e portanto também o ensino universitário, é declarado simultaneamente como uma «necessidade colectiva de obrigatória satisfação colectiva básica, ou se­ja, pela Administração Pública», e também como uma necessidade colectiva de facultativa satisfação privada, sujeita a fiscalização admi­nistrativa.

Para além disso, a Constituição refere-se ao regime de acesso à Universidade e consagra expressamente a autonomia universitária. «As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia: estatutária, científica, pedagó­gica, administrativa e financeira» (art.º 76.2º).

Este texto resulta da revisão de 1989, tendo o texto originário sido já alterado anteriormente pela Lei Constitucional n.º 1/82, que modificou o seu n.º 1 e acrescentou o actual n.º 2.

E a concretização deste artigo 76.º no seu conjunto foi efectuada pela Lei n.º108/88, de 24.9 (Autonomia das Universidades), o Decreto­‑Lei n.º 189/92, de 3.9 (acesso ao ensino superior), a Lei n.º54/90, de 5.9 (Estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico) e o Decreto‑Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro (que veio revogar o Decreto-Lei n.° 271/89, de 19 de Agosto), alterado, por ratificação, pela  Lei n.º 37/94, de 11 de Novembro (Estatuto do ensino superior particular e cooperativo).

 

 

A autonomia universitária, nos seus vários aspectos, está expressamente sujeita a reserva de lei (concretizadora e restritiva). Desenvolve‑se no âmbito das leis básicas referentes ao sistema de ensino. A competência organizatória (nas suas várias dimensões: material, pessoal e económica) é, em grande medida, objecto de disciplina legal. Os membros da Universidade estão vinculados ao direito de ordenação e ao direito disciplinar constante de diplomas legais. A carreira acadêmica, a contratação e cooptação de pessoal científico estão legalmente regulamentados.

Todavia, cabendo à lei definir os limites da autonomia universitária, não pode ela deixar de garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a salva­guardar‑se o «núcleo essencial» da autonomia universitária. Constitucionalmente, as universidades não podem pertencer à administração directa do Estado, integrando antes a administração pública autónoma, estando sujeitas, portanto, à tutela governamental. Para a doutrina dominante, ela integra a administração indirecta do Estado, sujeita à sua superintendência, isto é, às suas orientações na sua actividade corrente. De qualquer modo, numa ou noutra tese, nunca estaria sujeita à sua direcção (alínea d) do art. 202.º).

 

No que diz respeito a esta questão, há que recordar que o facto de a Lei Fundamental só se reportar individualizadamente à autonomia administrativa das autarquias locais e das Uni­versidades, a par da autonomia que reconhece implicita­mente, por exemplo, as associações públicas e or­ganizações populares de base (art.º 267.º, n.º 1). E além disso, há que destacar que é relevante neste debate a conexão estabelecida entre essa auto­nomia administrativa e a científica e pedagógi­ca. A liberdade de criação cultural sob a forma de criação científica, acoplada à liberdade de ensino, «postula a autonomia universitária, a científica e a pedagógica, como verdadeira di­mensão atributiva, de que depende a autonomia na sua dimensão funcional: a administrativa e a financeira» (Wroblewsky), na esteira da Magna Carta das Universidades Europeias, de 18 de Setembro de 1988, que declara que «a Universidade é uma instituição autóno­ma que, de forma crítica, produz e transmite a cultura através da investigação e do ensino»..

Assim sendo, embora os interesses próprios da Universidade coexistam nas suas atribuições com os do Estado‑Administração, a realização de uns e de outros só pode ser feita autonoma­mente de poderes subordinantes, do Estado.

 

A autonomia universitária não se compadece pois com poderes subordinantes de superintendência governamental. Ela cabe na categoria de Administração Pública Autónoma, isto é, naquele elenco de pes­soas colectivas públicas sobre as quais o Estado­‑Administração não pode exercer nem poder de direcção nem poder de superintendência, mas apenas um poder de tutela.

E esta autonomia em Portugal é mesmo oponível ao Estado­‑Administração, como direito das Universidades, em termos similares aos defi­nidos pelo Tribunal Constitucional espanhol em acórdãos já atrás citados, de 1981 e 1987.

Mas vejamos  mais detalhadamente a matéria referente à teoria da organização universitária e as implicações práticas resultantes da concepção sobre a natureza jurídica da universidade.

 

A Constituição de 1976 criou um quadro constitucional que define com clareza os princípios que regulam a matéria, o insuficiente desenvolvimento dele acaba por fazer vigorar um quadro legal e mesmo administrativo, quando não inconstitucional, pelo  menos, cheio de dúvidas, que a doutrina não tem esclarecido.

De qualquer modo, o regime jurídico actual permite a existência e o funcionamento quer de Universidades públicas quer de não públicas.

 

Comecemos por separar as questões da natureza jurídica de três tipos de entidades uni­versitárias, abordando primeiro a questão da natureza ju­rídica das Universidades públicas, depois a natureza jurídica das Universida­des privadas em geral e finalmente a natureza jurí­dica da Universidade Católica Portuguesa.

 

 

5. A natureza jurídica da autonomia universitária

 

5.1. As três teses

 

A autonomia universitária pode ser concebida como direito fundamental, o que A. Nieto classifica de insólito, in Autonomía política y autonomía universitaria, RDP, UNED,m.º 5, pág.79), ou como garantia institucional, tal como pode sê-lo ecleticamente como manifestação de uma dimensão individual-institucional.

Numa posição distinta se colocam aqueles que sem pretender negar a especificidade da posição jurídica ligada á autonomia universitária, não aceitando uma construção dogmática consubstancializadora da existência de direitos fundamentais de pessoas colectivas públicas, de direito público subjectivo, afirmam a tese de garantia institucional mas aditam-lhe um conteúdo superior, ao que corresponderia a um mero princípio organizativo convencional, eventualmente aproximado com oo dos direitos fundamentais.

Desde logo, em face da Constituição espanhola, invocar-se-ia que o que ela faz é «reconhecer explicitamente uma das consequências necessárias da liberdade científica, o da liberdade de cátedra como garantia institucional» (Alfonso Fernández-Miranda y Campoamor, in Comentários a las leyes políticas, Constitución española de 1978, dirigidos por Óscar Alzaga Villaamil, artigo 27.º, tomo III, EDERSA, Madrid, 1983, pág.197, que desenvolve esta concepção de autonomia universitária como garantia institucional da liberdade científica).

 

Tomas R. Fernández sustentou, nesta linha e na esteira da doutrina alemã de entre as duas guerras, que «a autonomia da Universidade é (...) a autonomia para a ciência e não outra coisa», exigindo a exclusão de ingerências no estabelecimento científico e a atribuição de poderes institucionais para a prossecução do fim institucional típico, que é a liberdade científica (in La autonomía universitaria: ambito y limites, Ed. Civitas, Colección Cuadernos, Madrid, 1982, pág 50).

Com efeito, a questão da ligação e redução da autonomia à garantia da liberdade científica prosperou na doutrina alemã em face do artigo 142.º da Constituição de Weimar, que garantia a liberdade científica, e que acabaria por levar à tese de que aí se preconizava no plano organizacional e competencial uma concepção de autonomia como modelo institucional, autonomia que estava ligada à liberdade científica, acabando por efectuar a confusão entre os dois conceitos (J.L.Carro, Libertad cientifica y organización universitaria, o.c., pág 218).

Acontece que o art.º 27.10 vai claramente para além da garantia da liberdade científica, para o que bastaria o artigo 20.1, alínea c), que reconhece e protege a liberdade de cátedra que se estende a todos a todos os níveis educativos e tem uma especial justificação no ensino universitário (STC de 13.2.82, Fj 9 e A . Embud Irujo, Las libertades en la enseñanza, ed. Tecnos, madrid, 1983, págs 284 e segs).

Sem dúvida, que a autonomia universitária cobre antes de tudo a liberdade científica e em geral a liberdade académica (englobando a liberdade dede cátedra, de investigação e de estudo), mas para além do que se passa em geral na Europa a nível do ensino não universitário, exige um modelo de administração descentralizador, «com uma ampla margem de liberdade na configuração da sua organização e no desenvolvimento da sua actividade» (E. Linde Paniagua, La autonomia universitaria, RTDA, n.º14, 1977, pág.368; V.J. Prieto de Pablo, Sobre la autonomia da las universidades para la selección de su profesorado, REDA, n.º 27, 1980, pág.641), o que explica a aplicação dos elementos dop núcleo básico do conceito de garantia institucional dos entes locais, distinguindo a autonomnia universitária da pura autonomia das entidades da Administração indirecta, com descentralização funcional, que se traduz numa intervenção orientadora, subordinante, por parte dos poderes públicos, o que a autonomia universitária não permite.

 

Quanto à relação da autonomia com a liberdade de ensinar, importa referir que a liberdade de ensino ou de cátedra consiste essencialmente na liberdade de o professor universitário ensinar o que considerar «verdadeiro e correcto no respeito das leis e da moral vigentes». A liberdade de cátedra ou independência em relação aos poderes públicos realiza o ideal tradicional da ciência que exige que o investigador e o professor ajam livremente, o que implica elementarmente, tal como no caso dos magistrados, que uma vez nomeados sejam inamovíveis, para não ficarem sujeitos a pressões em condições como condição de manutenção do cargo.

Mas a autonomia da instituição universitária não se compadece com a autonomia individual, com a liberdade de ministrar e receber ensinamentos. São conceitos distintos.

Poderia haver autonomia da instituição perante o poder político que a tutela ou até total indepência e não haver liberdade de cátedra, vg. se um órgão superior da Universidade, mesmo funcionando democraticamente, por deliberação maioritária, orientasse os professores no ensino e na investigação. E no campo do ensino não público, apenas enquadrado por lei e fiscalizado pelos poderes públicos, pode ou não haver liberdade académica. Será que não se impões uma separação entre a entidade proprietária, capitalista ou cooperativa e a Universidade, como comunidade académica, que garanta os princípios característicos da academia e da liberdade individual?

 

 

5.2. A natureza da autonomia universitária

 

Em Espanha, a questão da natureza da autonomia dividiu a doutrina em duas correntes: uma considerando-a como garantia institucional e outra como um dos direitos fundamentais (Jean Oliver Araújo, Alcance y significado de la autonomía universitaria según la doutrina del Tribunal Constitucional, RDP, 33, 1991, pág. 81).

Sobre a possível configuração da autonomia como um direito estamos perante uma linha de reflexão discutível que alguns, mesmo antes da jusrisprudência constitucional, já consideravam inultrapassável «como ponto de partida na exegese do seu conteúdo e alcance» (Jesús Leguina e Luis Ortega Alvarez, algunas reflexiones sobre la autonomía universitaria, REDA, n.º 35. 1982, pág.550).

Em 1987, o TC aproximando as posições e encurtando as fiferenças doutrinais viria tentar uma solução pacificadora relativamente conseguida (Acórdão n.º 26/1987, de 27.2, caso Governo Vasco contra Estado).

O enfrentamento tinha óbvias implicações práticas em termos de constitucionalidade de alguns preceitos da lei da regforma Universitária, com o governo vasco a defender a tese da natureza da autonomia como direito fundamental, exigindo que a lei respeite o seu conteúdo essencial e o estado a defender a tese da garantia institucional, permitindo um poder legislativo mais amplo na conformação as normas reguladoras da vida universitária, cuja autonomia é respeitada se se  respeitar as própria existência da organização e certos princípios organizativos desta («núcleo resistente» ao legislador ou «conteúdo indisponível»).

Para o TC (STC de 26/1987; 75/1997. de 21.4; 130/1991, de 6.6, etc.).

A autonomia é constitucionalmente configurável como um direito fundamental (Fj. 4) e as razões aduzidas são as seguintes:

-                   localização das norma (al. 10 do art.º 27) na secção 19 do capítulo 2.º do Título I da CE );

-                   o uso da expressão «se reconhece», como fórmula «mais própria da proclamação de um direito do que do estabelecimento de uma garantia»;

-                   o confronto da exegese desta expressão passou mesmo por uma interpretação jusnaturalista sobre a sua pré-existência à Constituição ou ao próprio poder que se limita a reconhecê-la, fazendo lembrar em certos aspectos o debate sobre a instituição municipal na Europa ou numa tentativa de absorção da expressão, numa interpretação escatológica entendendo esse reconhecimento constitucional como algo conatural e necessário á liberdade científica ou à liberdade de cátedra ou seja, como garantia institucional.

-                   a interpretação histórica, ligada aos trabalhos parlamentares, que revela a rejeição de uma redacção original que se limitava a declarar que «a lei regulará a autonomia das Universidades» (correspondente à afirmação de Jesús Leguina Villa, que via nisto uma deliberada orientação de estabelecer um direito cuja titularidade se reconhece às Universidades; La autonomía universitaria en la jurisprudência del Tribunal Constitucional, in Estudios sobre la Constitución Española, Homenaje ao Profesor Eduardo garcía de Enterría, Civitas, 1991, vol. II, pág.1201).

-                   a interpretação teleológica, ligada ao fundamento e o sentido da autonomia universitária, que é assegurar o respeito da «liberdade académica» (liberdade de ensino e de investigação), pelo que, a autonomia aparace como a dimensão institrucional da liberdade de ensino e de investigação, que «garante e completa a sua dimensão individual, constituída pela liberdade de cátedra», conjugadas na definição de espaço de liberdade intelectual ínsito à vida universitária (na esteira do art.º 2.1 da LRU, que proclama que a actividade da Universidade, assim como a sua autonomia se fundamenta no princípio da liberdade académica, que se manifesta nas liberdades de cátedra, de investigação e de estudo).

Neste acórdão, o TC procura ultrapassar a argumentação dicotómica das correntes doutrinais e mantendo a interpretação tardicional do conceito de autonomia como protector da garantia institucional (vg. STC 32/1981,de 28.7), ligada à ideia de defesa do «núcleo básico da instituição», em face das ingerências do poder legislativo que possam desvirtuar a sua «imagem» de narca social e simultaneamente como protector de um direito fundamenat, que «não é substancialmente diferente», ao exigir que o legislador não desconheça nem diminua a autonomia no seu sentido de «conteúdo essencial« do direito, «núcleo» ou «conteúdo indisponível» da garantia institucional.

Dito isto, conclui-se que a posição da jurisprudência apontta para duas categorias jurídicas constitucionais que comungam no âmbito da autonomia universitária da mesma função e finalidades idênticas, ao visarem, no fundo, preservar o cinjunto de poderes próprios das universidades em face das intromissões ou limitações externas, o que é reconhecido e, assim, simultaneamente garantido (Jesús Leguina Villa, La autonomia (...), in Estudios (...), pág. 1200).

Colhendo inspiração nesta sentença do Tribunal Constitucional Espanhol, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed. Revista, Coimbra Editora, 1993, pág.373, referindo-se à garantia constitucional da garantia universitária (art.º 76.2) desdobram-na em duas componentes, uma pessoal e outra institucional, a primeira garantindo «à comunidade académica e aos seus membros a liberdade de ensinar e de criação, confundindo-se com direitos e garantias no plano da criação intelectual e de ensino (dimensão da autonomia como garantia de direitos, liberdades e garntias individuais), a outra consistindo num «direito fundamental da própria Universidade à autonomia», o que perante a questão da titularidade dos direitos fundamentais por parte de pessoas colectivas de  direito público, em que Gomes Canotilho e Vital Moreira ( o. c., comentário do art.º 12.º CRP. Pág.123), aceitam que mesmo «considerando os direitos fundamentais apenas como direitos subjectivos de defesa ainda assim paraece que o campo de aplicação dos direios fundamentais se poderá alargar a pessoas colectivas públicas, quando se trate de defender os direitos das pessoas colectivas públicas infra-estaduais perante o Estado própriamente dito», o que é aplicável, quer ao direito de uma autarquia e região autónoma, quer de uma Universidade face ao Estado.

Portanto, a tese mais adequada ao enquadramento no direito português é também a eclética, fazendo coexistir o direito e a garantia da instituição.

 

Para alguns, a defesa da tese da autonomia como direito fundamental converte-a no conceito veiculador de um novo direito não objectivado na Universidade enquanto pessoa jurídica colectiva, mas o direito de liberdade académica titulado na  «comunidade universitária», como algo distinto da Universidade (o que retira rigor à elaboração teórica sobre o tema, vg. Francisco Rúbio Llorente y Eugénio Díaz Eimil, em declaração de voto discordante).

De qualquer modo, à questão teórica não é alheio o desejo de ver o legislador agir com mais liberdade do que se se limitasse a regular o exercício dos direitos fundamenatis e das liberdades públicas, o que os leva a regular a dificuldade de identificar a autonomia enquanto conjunto de regras organizacionais de uma pessoa colectiva de dierito público (vg. Luis Díaz Picazo).

A questão central do STC, pese aos seus méritos, não deixa para alguns sectores doutrinais de colocar questões teóricas, que sintetizaria na manifestação de estranheza pela construção de um direito fundamental não reconhecido explicitamente na Constituição, o direito fundamenatl à autonomia universitária, por não ser um direito individual mas institucional, funcionalmente instrumental de um outro «supraconceito», o de «direito à liberdade académica», o que pareceria coadunar-se melhor com um princípio estrutural da organização iniversitária, ligado à liberdade de ensino e de cátedra, a identificar com o conceito de garantia institucional (Alfonso Fernández-Miranda e Angel Sánchez, o .c., pág. 266).

 

5.3. Consequências da tese adoptada

 

Em Espanha, no plano do direito constitucional, a vitória da tese da autonomia como direito fundamental leva a quatro consequências de relevo, quais sejam a reserva da lei orgânica (art.º 81.1), a exigência de desenvolvimento legislativo por lei orgânica e portanto interdição de legislação delegada e por Decreto-Lei, por labor apenas do Congresso (art.º 82.1. e 86.1. da CE), um preechimento especial mais exigente quanto às alterações do texto constitucionalizado sobre a matéria (art.º 168.º) e apossibilidade de uso de recurso de amparo ordinário e constitucional (art.º 53.2).

 

Em Portugal,  o regime juríco dos direitos, liberdades e garantias implica que uma vez regulada pelo legislador ordinário a matéria, passa a ser inconstitucional a pura revogação da referida legislação.  Quanto ao direito em causa, a sua regulação através de lei, com reserva legislativa do Parlamento, embora relativa, só pode, nos termos constitucionalmente previstos, ser restringida em termos que não ofendam a extensão e o alcance do conteúdo essencial do n.2 do art.º 76.º, e que devem ater-se ao estritamente necessário para a protecção de interesses globais ligados a valores que ao Estado caiba constitucionalmente prosseguir.

 

 

5.4. A titularidade da autonomia

 

Posto isto, sobre a natureza da autonomia universitária, importa dilucidar a questão da titularidade desta autonomia, referindo-a o artigo 27.10  da CE às Universidades. Universidades no conjunro ou a todas e, portanto, ao conjunto das Universidades, ou seja, a cada uma das Universidades?

E apenas às Universidades  ou também às suas unidade orgânicas, faculdades, centros ou departamentos?

E apenas às Universidades públicas ou também às particulares sejam elas capitalistas ou cooperativas?

Desde logo, ao referir-se às Universidades e não à Universidade em abstracto, não se aponta para um sujeito unitário do direito à autonomia, com o que veio concordar o art.º 3.1 da LRU, que fala em autonomia de cada Universidade, dotada de personalidade jurídica e coordenação entre todas.

A autonomia universitária, sem pôr em causa a coordenação interuniversitária, é um direito fundamental titulado em cada Universidade.

 

 

6. A natureza orgânica das Universidades

 

A Constituição de 1976 criou um quadro constitucional que define com clareza os princípios que regulam a matéria, e o insuficiente desenvolvimento dele acaba por fazer vigorar um quadro legal e mesmo administrativo, quando não inconstitucional, pelo  menos, cheio de dúvidas, que a doutrina não tem esclarecido.

De qualquer modo, o regime jurídico actual permite a existência e o funcionamento quer de Universidades públicas quer de não públicas.

 

Comecemos por separar as questões da natureza jurídica de três tipos de entidades uni­versitárias, abordando primeiro a questão da natureza ju­rídica das Universidades públicas, depois a natureza jurídica das Universida­des privadas em geral e finalmente a natureza jurí­dica da Universidade Católica Portuguesa.

 

 

6.1. A natureza jurídica das uni­versidades públicas

 

6.1.1. Considerações preliminares

 

As Universidades públicas, que são hoje catorze, treze das quais de criação estadual, po­dem ser, todas elas, caracterizadas como pessoas colectivas públicas. Mas como integrá‑las dentro das diversas categorias elaboradas no Direito Português?

 

Desde há décadas, que o Professor Marcello Caetano as vinha consideradando como instituto público, da espécie dos «serviços públicos personali­zados». Isto é, a Universidade integrava-se naquele tipo de pessoas colectivas públicas integrantes da Administração indirec­ta do Estado, que mais intensamente sofriam uma interferência deste, aparecendo como uma espécie de direcção-geral do Ministério da Educação embora personalizada, portanto uma entidade de feição institucional do tipo mais de­pendente do próprio Estado.

Os Institutos Públicos, correspondendo ao «établissement públique» francês, eram consideradas aquelas pessoas colectivas que não tinham fins lucrativos (empresas públicas), nem se erigiam à base de um património (fundação pública) ou de uma associação de pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, exercendo uma tarefa de Administração pública (associações públicas, como as Ordens profissionais ou associações de municípios), tendo apenas uma base institucional. E a Administração indi­recta do Estado é aquela que é constituída por entida­des públicas personalizadas, mas funcionando como mero desdobramento do Estado‑Adminis­tração, ao prosseguir fins deste, sob a sua depen­dência.

E Marcelo Caetano integrava-as nos serviços públicos personalizados, porque, dentro dos institutos públicos, elas pertenceriam à modalidade mais sujeita ao controlo estadual, diversamente das empresas públicas e das fun­dações públicas.

Em meados da década de oitenta, o Professor Diogo Freitas do Amaral começa a ensinar (alterando o seu ensino anterior, em que seguia de perto o Professor Marcello Caetano) que a Universidade é uma entidade que não se integra em qualquer das categorias tradicionais de instituto público, propondo a qualificação de «estabe­lecimento público» como uma quarta categoria de institutos públicos, a par dos serviços públicos personalizados, das empresas públicas (que ele considerou durante muito tempo u«integradas nos institutos públicos) e das fundações públicas. Seria uma nova categoria especializada por dispor de serviços abertos ao público e por efectuar presta­ções sociais ou culturais individuais à generali­dade dos cidadãos que delas careçam. Com isto, quer o Professor Diogo Freitas do Amaral quer o Professor Jorge Miranda rejeitavam a hi­pótese de as Universidades serem associações públicas. E esta posição tem dominado a escola pública de direito de Lisboa.

Pessoalmente, há muito que defendo uma categorização diferente, distinguindo em função de razões substantivas sobre a natureza e o regime jurídico, a existência, no plano orgânico das Administrações indirectas, de uma Administração institucional (com duas espécies que designo por «serviços departamentais personalizados», vg. uma diracção-geral de um ministério com personalidade jurídica, mantendo-se no organigrama do  ministério de origem, como o Instituto de Conservação da Natureza ou a Junta Autónoma das Estradas, e «serviços sociais personalizados», vg. um hospital público, com personalidade jurídica, como o Hospital de Santa Maria, em Lisboa), de uma Administração fundacional (Fundações públicas), de uma Administração empresarial (aqui integrando a doutrina portuguesa apenas, mas todas, as Empresas Públicas, enquanto pessoalmente discorde da inclusão de muitas empresas apesar de constituídas sob a forma de direito público  porquanto não desempenham qualquer actividade classificável como serviço público, sendo meras empresas sujeitas à concorrência e por isso não podendo ter qualquer estatuto de privilégio em face do direito comunitário; são empresas propriedade de uma entitade pública mas não Administração pública, vg a Sociedade Nacional de Cervejas, quando era empresa pública; tal como discordo da doutrina nacional da não inclusão na Administração em sentido orgânico de empresas que desempenham um serviço público só pelo facto de a sua fórmula constitutiva ser de direito privado, técnica que o governo tem usado nas suas empresas para fugir à aplicação dos controlos do direito administrativo).

 

A doutrina foi efectuando certas classificações de pessoas colectivas públicas, mui­tas vezes justapondo categorias avulsamente criadas pela lei ‑ primeiro a distinção entre pes­soas colectivas de base territorial, corporacionais e institucionais; nestas, os serviços públicos per­sonalizados, depois as empresas públicas e os fundos públicos; já mais recentemente, as asso­claçoes públicas e, com a nova ordem constitucio­nal, o Poder Local autónomo. Somando estas realidades e misturando critérios classificativos, ela separou administração indirecta e adminis­tração autónoma, com base nas relações mantidas com outras pessoas colectivas, designadamente o Estado‑Administração; distinguiu na admi­nistração indirecta institutos públicos e associa­ções públicas, com base no elemento patrimonial ou pessoal predominante; e, finalmente, separou dentro dos institutos públicos os serviços públicos personalizados, as empresas públicas, as funda­ções públicas e os estabelecimentos públicos, com base num critério heterogéneo composto de intuito lucrativo, prestação de serviços indivi­dualizados à colectividade e grau de vinculação do Estado‑Administração.

Importaria talvez apartar critérios em vez de os confundir, distinguindo o critério do elemento determinante, o critério do fim personalizado, o critério da estrutura interna, o critério da deli­mitação espacial de poderes e o critério do rela­cionamento entre os fins personalizados e os do Estado‑Administração. Admitindo que a sua aplicação é cumulável, mas não há, nem deve ha­ver, necessária identificação ou confusão entre eles.

 

 

6.1.2. Aplicação da doutrina às Universidades públicas

 

Quanto às Universidades públicas, há que referir que o elemento determinante do seu substracto orgânico é o elemento pessoal, o que ressalta desde logo da própria lógica da orgânica universitária e da forma associativa de designação dos res­pectivos titulares. Esta é a realidade que se verifica em geral ,sem prejuízo da existência de duas excepções, a Universi­dade da Ásia Oriental (englobada na Fundação Macau, desde 1988), e a Universidade Aberta (criada pelo Decreto‑Lei n.º 444/88, de 2 de Dezem­bro), ambas de natureza institucional, que aliás in­tegram também estruturas de ensino politécnico e secun­dário.

Mas, em geral, o elemento pessoal é preponderante, embora isso não queira dizer que a Universidade possa dispôr livremente de si mesma. Ela não pode por-se em causa, designadamente em termos de suspensão ou dissolução porque isso significaria questionar a essência pública de tal entidade, que supõe a necessidade da sua existência. Mas, dentro dos limites previstos na lei, nomeada­mente na lei que as criou, cabe às comunidades que as integram definir o modo de prossecução das atribuições e a forma de afectação dos patri­mónios e de gestão financeira, tendo em vista a realização dos interesses humanos envolvidos.

 

As Universidades públicas possuem, naturalmente, também uma componente patrimonial, mas o que tende a prevalecer não é a afectação desse património a um fim não relacionado com as pessoas singulares que a integram, mas o papel determinante destas na actividade científica e escolar. Portanto, as Universidades «não con­sistem basicamente num património, nem a sua missão essencial é gerir financeiramente os res­pectivos bens» (reconhece Freitas do Amaral).

 

As Universidades públicas hoje existentes em Portugal são, na sua esmagadora maioria, pes­soas colectivas públicas de natureza corporativa ou associativa e não de natureza institucional ou fundacional, neste particular aproximando‑se das autarquias locais e das associações públicas.

 

Quanto ao fim prosseguido, ele traduz‑se num desígnio especí­fico ‑ a formação mediante o ensino e a investi­gação ‑, depois na sua realização sem objectivo lucrativo, e finalmente na prestação de um serviço que implica a satisfação de uma necessidade colectiva mas de forma individualizada, dela be­neficiando, separada e personificadamente, alu­nos e docentes.

 

Distinguem‑se, por conseguinte, as Universi­dades das pessoas colectivas públicas de fins ge­rais, como o são as autarquias locais.

E, dentro das pessoas colectivas públicas de fins específicos, têm fim não lucrativo, diferentemente das em­presas públicas.

Além disso, afastam‑se das pessoas colectivas encarregadas de satisfazer necessidades colectivas de modo colectivo, isto é, sem que seja possível individualizar os destina­tários da sua actuação (vg. a Junta Autónoma das Estradas, o Instituto de Investimento Estrangeiro, o Instituto Portu­guês do Património Cultural), se designarmos as pessoas colectivas públicas não lucrativas rela­tivamente às quais é possível falar em processo individualizado de satisfação de necessidades colectivas por estabelecimentos públicos.

 

As Universidades públicas são, quanto às suas atribuições, pessoas colectivas de fim es­pecífico não lucrativo, da categoria que a doutrina portuguesa actual vai qualificando como «estabeleci­mento público» (socorrendo-se agora da tradução de um termo francês, para qualificar uma parte de um todo - em geral as entidades da Administração indirecta do Estado-, que a geração doutrinal anterior não quis usar).

 

E quanto à sua estrutura interna, como classificar as Universidades públicas? Neste plano não houve, até ao presente homogeneidade no concernente às diversas Universidades.

 

Algumas universidades são pessoas colec­tivas complexas ou federativas, ao integrarem outras pessoas colectivas públicas, sendo federações de Faculdades, Institutos e, excepcionalmente, de centros ou fi­guras análogas, todos eles personalizados (Frederick Ridley, Bernd Rüthers, Antonio Loiodice e Jean Boulouis). Ou­tras são pessoas colectivas simples ou unitárias, dado que as unidades que as in­tegram não têm persona­lidade jurídica.

As Universidades federativas podem ser pessoas colectivas federativas integrais ou parciais, conforme todas as unidades administrativas essenciais nelas inseridas se encontrem personalizadas ou apenas uma parte delas tenha autonomia jurídica. E podem ser pessoas colectivas federativas perfeitas ou imper­feitas, conforme a personalidade jurídica das en­tidades que as integram é, em regra, acompanhada ou não de capacidade de gozo e de exercício, embora esta questão se coloque, em termos Direito Público, a título excepcional, uma vez que a atribuição de personalidade jurídica a uma entidade pública é, por princípio, acompanhada do reconhecimento da capacidade que justifica precisamente a própria personalidade jurídica.  Acontece que, depois de 1952 foi retirada às universidades de Coimbra, de Lisboa e do Porto a automomia administrativa e financeira, conferida desde 1 de Abril de 1911, sem a correspondente supressão da respectiva personalidade jurídi­ca, o que originou a estranha situação de as Faculdades e Escolas das Universidades de Lisboa e Porto chegaram a ser pessoas colec­tivas públicas sem capacidade de gozo e de exer­cício. Mais tarde veio a ser-lhes reco­nhecida a capacidade para actos de direito privado e para certos actos administrativos (Parecer da Procuradoria‑Geral da República, de 14 de Janeiro de 1988, homologado em 11 de Fevereiro de 1988). E, ainda, a capacidade (segundo uma prática heterodoxa ava­lizada pelo Governo e pelos tribunais adminis­trativos) para o exercício do poder disciplinar em certas condições. Já quanto à capacidade para a comissão da gene­ralidade dos actos de eficácia externa, nomeada­mente administrativos, e à personalidade judi­ciária, é doutrina e jurisprudência constante que delas não gozam tais Faculdades, apenas a Universidade em que se integram dispõe dessa capacidade, embora os órgãos da Universidade actuem  normalmente vinculada por actos administrativos das Esco­las.

Vemos, assim, que a pessoa colectiva complexa ou federativa age, ultrapassando o regime da tutela adminis­trativa integrativa, já que não se limita a autorizar ou a aprovar actos de uma entidade tutelada, mas actua sob proposta de uma outra entidade pública.

Em Portugal, há Universidades públicas simples (vg. as dos Açores, do Algarve ou Trás‑os‑Montes e Alto‑Douro), Universidades públicas complexas ou federativas totais (vg. a Universidade Nova de Lisboa), e parciais (vg. a Universidade do Porto), Universidades públicas complexas ou federativas perfeitas (vg. a Universidade Téc­nica de Lisboa) e imperfeitas (vg. as Universidades de Coim­bra, de Lisboa e do Porto).

 

A Lei da Autonomia Universitária, a Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro, permite que as Universidades públicas complexas ou federativas possam passar a ter uma estrutura federativas perfeita.

 

Quanto à delimitação espacial de poderes, as Universidades não são, neste momento, pessoas colectivas de população e território, ao contrário das autarquias locais. Mas podem vir a sê-lo, tal como algumas associações públicas ou até fundações públicas.

 

Quanto à comunhão ou não das atribuições com o Estado, as pessoas colectivas públicas, atendendo a este critério do relacionamento entre os seus fins e os do Estado‑Administração, há que considerar o seguinte:

A fronteira, com interesse no enquadramento teórico da temática da autonomia,  estabelece‑se entre, por um lado, as pes­soas colectivas com fins que consagram, exclusiva ou predominantemente, interesses próprios, que são diver­sos dos do Estado‑Administração, ou as pessoas colectivas com fins que, atendendo à sua componente específica, mesmo que não predominante, exigem para sua realização au­tonomia do Estado‑Administração (Administração autónoma en sentido próprio, constituída por entidades autónomas do Estado‑Admi­nistração, que apenas podem estar sujeitas à sua tutela), e, por um lado, as entidades que, pelas suas funções, aparecem submetidas a vários graus de subordinação (alínea d) do art.º 202.º da Constituição), que pode ir desde o poder de direcção (que define a Administração pública directa­mente dependente do Estado, quando não são personalizadas), ao poder de supe­rintendência (que perfila a Administração Públi­ca indirecta, ou seja, mediatamente dependente do Estado, necessariamente orientada, superintendida pelo Estado-Administração, como um fenómeno descentralizador de mero desdobramento deste).

 

As Universidades públicas foram, até à CRP, de 1976, consideradas pelo ordenamento jurídico como pessoas colectivas com tarefas decorrentes dos fins do Estado‑Administra­ção, e sujeitas ao poder de direcção (envolvendo  poder de supervisão), ao poder de superintendên­cia e à tutela de mérito e de legalidade. Ou seja, enquadradas numa das formas de Administração directamente dependente do Es­tado.

De 1976 até à entrada em vigor da Lei n.º 108/ 88, continuaram em face da vigente legislação ordinária, apesar da inconstitucionalidade por omissão, a regular-se por um regime que as considerava desprovidas de interesses próprios, sujeitando-as ao poder de direcção do governo (que se atenuou a partir do Decreto‑Lei n.º 188/82, de 17 de Maio), patente em matéria de estatuto e gestão de pessoal docente e de poder disciplinar, e sujeitando-as também à sua superintendência. Isto é, continuaram a integrar a administração direc­tamente dependente do Estado (Parecer da Procuradoria‑Geral da República, de 12 de Janeiro de 1988).

 

A autonomia constitucional da Universidade é a tese dominante nos estudos monográficos europeus continen­tais das últimas duas décadas (Günther Winkler, na Austria, Jean‑Jacques Chevallier e Marie José Guédon, em França, Nicola Occiochupo e Umberto Pototclinig, em Itália, Bernd Rüthers, Erhard Denninger e Peter Rumme, na Alemanha), em Portugal a própria Cons­tituição declara-o expressamente. Ela é clara ao prever a Universidade de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira (art.º 76.2), devendo entender‑se que a autonomia estatutária, científica e pedagógica implicam a autonomia disciplinar, o que a lei posteriormente veio expressar. E todas exigem a autonomia «axiológica ou dos va­lores assumidos», o que integra a Universidade constitucionalmente na Administração Autóno­ma (Marcelo Rebelo de Sousa, in A natureza jurídica da Universidade, Lisboa, 1992; com dúvidas sobre a sua natureza, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada).

 

Em suma, desde 1976, a Constituição con­siderava as Universidades públicas integradas na Administração Autónoma (embora até 1998, a lei as tratasse como Administração directamente dependente do Estado), sem prejuízo da sua natureza associativa e da sua qualificação como estabele­cimento público, sendo certo que as três classificações não são exclusivas umas das outras, mas cumuláveis, ao cor­responderem a critérios que visam finalidades di­versas (no mesmo sentido, vg. na Alemanha, Franz Mayer, Knemeyer, HendIer e Christian Roll­mann e Marcelo Rebelo de Sousa). Com efeito, em Portugal, nem os conceitos de estabeleci­mento público e de Administração directamente dependente do Estado se excluem, nem as pes­soas colectivas públicas com natureza associativa são necessariamente Associações Públicas. Tal como nada impede, no Direito Português, que haja fundações públicas que apareçam integradas na Adminis­tração Autónoma do Estado (quando cria­das por Regiões Autónomas, municípios ou Associações Públicas, embora em relações a estas entidades possam ser consideradas formas da sua Administração indirecta).

 

 

6.1.3. A Autonomia Universitária Pública

 

A Lei n.º 108/88 veio regu­lar a matéria da autonomia universitária, pre­vendo, não só a tutela da legalidade (artigo 28.º), que é bastante exigente em matéria de estruturas e em matéria curri­cular, mas também a tutela de mérito em matéria financeira (art.ºs 11.º e 13.º) e em matéria de avaliação das Universida­des, a exercer pelo Governo, em termos a definir por lei parlamentar (art.º 32.º).

No entanto, apesar da Lei n.º 108/88, continuam ainda em vigor outros diplomas legais restritivos da autonomia (vg. em matéria de esta­tuto do pessoal docente, regime da Universidade Aberta e Decreto‑Lei n.º 38/89, de 1 de Fevereiro, que sujeitou a Faculdade de Arquitectura no Porto a poder de superinten­dência estadual), mas que não podem deixar de se considerar feridos de inconstitucionalidade por acção.

 

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa (o.c., in fine:pág.47), depois da Lei n.º 108/88, as «Universidades pú­blicas podem e devem passar a ser cumulativa­mente associações, estabelecimentos públicos e Administração Autónoma», desde que a «evolução le­gislativa o permita, consagrando plenamente a autonomia constitucional. E, ao fazê‑lo, nem por isso irá implicar a identificação entre a autonomia das Universidades, das associações públicas ou das autarquias locais.

E que a Administração Autónoma em Portugal compreende constitucionalmente vários graus, que atendem à maior ou menor incidência da es­pecificidade dos interesses envolvidos em rela­ção ao Estado‑Administração:

1.º O das autarquias locais «que prosse­guem exclusivamente interesses pró­prios das populações respectivas» (art.º 237.º da Constituição);

2.º O das associações públicas, que são uma forma de representação democrá­tica de interesses próprios que predo­minam sobre os do Estado‑Adminis­tração (art.º 267.º, n.º1);

3.º O das Universidades e, por exemplo, o das entidades públicas proprietárias de órgãos de comunicação cujos inte­resses próprios existem, não dominam os do Estado‑Administração, mas uns e outros supõem autonomia axiológica e jurídica. As duas primeiras encontram‑se sujeitas a tutela de legalidade, enquanto as terceiras tam­bém podem encontrar‑se subordinadas a tutela de mérito».

Concordamos com esta doutrina.

 

 

6.2. A natureza jurídica das uni­versidades particulares em geral

 

Ao lado das Universidades públicas, após a entrada em vigor da actual CRP passaram a poder existir, no Direito Português, Universidades privadas, o que para além da Universidade Católica, a que nos reportaremos especificamente mais abaixo, deu origem ao seu aparecimento e afirmação há cerca de duas décadas. São entidades de iniciativa e natureza jurídica privada que, pela Constituição, sofrem a fiscalização do Estado‑Administração (Ministério da Educação)).

 

Nos termos da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, e do Decreto‑Lei n.º 553/80, de 21 de Novembro, as escolas não públicas que ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do Sistema Nacional de Educação são consideradas pessoas colectivas de utilidade pública. De acordo com esta interpretação estatizante da Constituição, e ao abrigo do Decreto‑Lei n.º 100‑B/85, de 8 de Abril, as quatro Universidades privadas existentes, propriedade de cooperati­vas, e uma de sociedade anónima têm sido trata­das como pessoas colectivas privadas de regime administrativo.

 

A sua natureza privada aparece no regime da sua criação, modificação e extinção, e ainda na maior amplitude da autonomia administrativa e económico‑financeira (vivendo quase exclusivamente das receitas escolares). A submissão a estatuto administrativo e designadamente à lei do Estatuto do Ensino Universitário Privado e Cooperativo (em cuja elaboração o signatário participou) sobressai em matéria científica e pedagógica e ainda quanto à auto­rização da criação e do funcionamento de cursos, à definição de numerus clausus da matrícula no 1.º ano e do número total de alunos, à intrans­missibilidade, à fiscalização, ao encerramento de estabelecimentos de ensino, ao regime fiscal e ao da segurança social.

 

 

6.3. A natureza jurídica da Uni­versidades Católica Portuguesa

 

Aqui, tenho posição distinta da doutrina portuguesa.

Quanto à questão da natureza jurídica da Universidade Católica, instituição  criada em 1 de Outubro de 1971, pelo Decreto «Humanum Eruditionem» da Sagrada Congregação da Educação Católica, e que é uma Universidade confessional, nos termos do Cânone 1376.º do Codex Juris Canonici, não há na doutrina consenso.

 

Vejamos o problema.

 

O Decreto‑Lei n.º 307/71, de 15 de Julho, que a veio reco­nhecer, qualifica‑a de «pes­soa colectiva de utilidade pública» (art.º 1.2), de carácter federativo, distinguindo os seus estabeleci­mentos destinados ao ensino eclesiástico (com o reconhecimento da autonomia muito ampla, em todos os domínios, da Igreja em face do Estado, nos termos do art.º XX da Concordata) dos outros estabelecimentos análogos aos das Universidades públicas existentes, e que deveriam observar o regime legal destas, quanto a autorização de criação dos cursos, es­quemas de avaliação e de atribuição de títulos e diplomas, recrutamento do pessoal docente, ní­vel do ensino ministrado, habilitações de ingres­so, actividades circum‑escolares, serviços médi­co‑sociais universitários e, em geral, quanto a todos os aspectos pedagógicos.  No mais, seria aplicável, su­plectivamente, a legislação sobre o ensino particular.

Em 1971, António Sousa Franco, actual Ministro das Finanças e seu docente, qualificou-a de «Universidade par­ticular com regime específico», considerando contrário aos art.ºs III e IV da Concordata (não lhe aplica o art.º XX) o poder governa­mental de autorização da criação e reforma de Faculdades e Institutos de ensino não eclesiástico, na esteira de um parecer de Manuel Gomes da Silva, também seu docente. 

Posteriormente, na vigência da Constituição de 1976, em 1985 e 1986, sobre este tema viriam a pronunciar-se Afonso Queiró e Almeida Costa, da Universiddae de Coimbra, e Sousa Franco e Jorge Miranda, também da Católica, no sentido de que a Universidade Católica Portuguesa se regeria pelo Art.º XX da Concordata (entretanto incorporada no Direito interno português, ao abrigo da cláusula da recepção plena do Direito Internacional convencional, por força do art.º 8.º, n.º 2 da Constituição; em geral, sobre a aplicação do DIP no direito interrno, Fernando Condesso, Lições policopiadas, 2.º ano da licenciatura de Direito, ano 1992/93, Universidade Moderna de Lisboa), o que dispensaria a autorização do Governo para a instituição e reforma de Fa­culdades e Institutos de ensino não eclesiástico nela integrados, havendo apenas o dever de par­ticipação prévia.

Ainda em 1986, Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa, igualmente docentes desta Universidade, subscrevem um parecer onde sustentam o direito concordatário da Igreja Católica de criar e man­ter livremente escolas particulares universitá­rias sem dependência de intervenção prévia do Estado‑Administração.

 

De qualquer modo, a Universidade Católica Portuguesa, contrariamente a algumas teses (vg. pessoa colectiva de direito inter­nacional, o que é inaceitável) que pretendem justificar o regime de especial favorecimento de que goza. Esse estatuto não pode ser justificado com argumentos que são eles mesmos injustificáveis. Talvés que a reflexão deva passar mesmo pela questão pura e simples da aceitabilidade de um estatuto diferente entre as pessoas colectivas de génese não estadual, questão que abordaremos mais tarde.

Com efeito, a influência determi­nante da Concordata, na sua génese e estatuto, não permitem inventar um tertium genus entre as pessoas colectivas públicas e privadas, sendo certo que estamos claramente perante uma pessoa colectiva portuguesa, tal como é definida pelos art.­33.º, n.2º e 159.º do Código Civil.

Ela é uma pessoa colectiva privada, pois não exerce de forma directa, imediata e necessária a função administrativa educativa do nosso Estado­‑colectividade.

A especificidade do estatuto da Universidade Católica Portuguesa, pela sua génese jusinter­nacionalista, não a pode converter em pessoa colectiva pública, sujeita à Lei n.º108/88, embora de facto lhe tenha permitido a criação de um regime jurídico diferente das outras pessoas colectivas privadas de regime administrativo (art.º 36.º do Decreto‑Lei n.º 100‑13/85, de 8 de Abril, e disposição final do Estatuto de Ensino Superior Parti­cular e Cooperativo).

O que a distingue essencialmente das demais Universidades privadas não é uma razão ôntica mas genética, ao ser criada por impulso de uma acto externo das Igraja católica de Roma, prevista através de um acto político stricto sensu bilateral, um tratado solene, a Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé e como tal reconhecida pelo Estado português.

E é desta génese diferente que decorre o seu regime jurídico‑administrativo excepcional den­tro das «pessoas colectivas de utilidade pública» portuguesas, na expressão do Decreto‑Lei n.º 307/71 e dos Estatutos, aprovados pela Congregação da Edu­cação Católica, em 19 de Março de 1979, que é um regime, em certos aspectos, mais privatista (vg. criação e reforma de escolas e cursos, prevendo a Concordata apenas a fiscalização estadual a posteriori) e noutros mais administrativizado do que o vigente para as restantes Universidades privadas (vg. equiparação às Universidades públicas quanto à concessão de graus académicos de mestre e de doutor, situação que posteriormente viria também a favorecer os graduados em estudos universitários de Florença, ministrados sob a égide da Comissão Europeia, por virtude de acordos com as instituições comunitárias).

 

Mas por isso mesmo há que perguntar se esse regime específico não é inconstitucional ao violar o princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição?

Pensamos que sim, embora discordantemente da doutrina nacional, que não vê nos seus privilégios nem ataque ao princípio da igualdade nem ao da separação das Igrejas do Estado nos termos do art.º 41.2 da CRP.

Diz Marcelo Rebelo de Sousa que tal não viola o princípio da igualdade, pois «não existe si­tuação idêntica à mencionada e que se traduz na vigência de um tratado solene celebrado entre o Estado Português e outro qualquer sujeito de Direito Internacional acolhendo um regime es­pecífico em matéria de ensino».

Só poderia duvidar-se do não respeito de tal princípio se, para justificar os privilégios, como alguns fazem, se invocasse «o argumento retirado da maior relevância da religião e da Igreja Católica em Portugal.

Ele poderia levar a que, a pretexto do respeito do princípio da igualdade (tratando di­versamente o que é diverso) se violasse aberta­mente o princípio da separação das Igrejas do Estado, atendendo à natureza confessional da Universidade Católica Portuguesa, de acordo com os Cânones 807.º e 810.º do Codex Juris Canonici vigente». Ora, segundo ele, também não se viola o princípio da separação das Igrejas do Estado, «visto que está salvaguardada a auto­nomia da Universidade Católica Portuguesa em relação a uma ingerência ideológica estadual e, simultaneamente, o Estado não se confessiona­liza, não sendo obrigado a assumir os conteúdos do ensino ministrado naquela Universidade».

Isto é, o argumento da relevância ímpar (da importância desigual) da Igreja Católica em relação às outras confissões não deve ser usado, porque salva o princípio da igualdade mas condena à inconstitucionalidade o regime especial em face do princípio da separação das igrejas.

Mas o argumento da génese desigual é suficiente para permitir a desigualdade de tratamento interdita pela Constituição. No fundo, isto significa que basta que uma Universidade, uma entidade particular  portuguesa se associe a uma entidade estrangeira de um Estado que negocei com o estado português um tratado que consagre um qualquer regime de desigualdade em relação a qualquer regime público, privado ou da Universidade Católica, para que a questão já não seja discutível em face do princípio constitucional da igualdade. A substância das coisas identifica as universidades não públicas, sendo perigoso o precedente da tese da desigualdade de génese contra a igualdade de ser.

Por isso, consideramos que desde que nada impeça a criação de um dado regime pela via convencional do direito internacional, uma vez imposto este na ordem jurídica em face da supremacia do DIP, as entidades com a mesma natureza existentes ou que venham a existir não podem ter um regime desfavorecido em face daquele.

Não é o princípio da igualdade a obrigar a imcumprir o DIP, são as obrigações voluntariamente assumidas e na medida em que imponham na ordem jurísdica interna que obrigam, em nome do oprincípio da igualdade, a estender esse regime às entidades com natureza e funções similares.

Não vejo inconstitucionalidade no regime da Universidade católica. Vejo é a inconstitucionalidade no das outras Universidades não públicas, porque lhes é imposto um regime desigual para o ministrar de um mesmo ensino em relação ao de uma entidade igualmente não pública.

 

 

 

 

Conclusão

 

 

É altura de tecer considerações finais e efectivar a síntese das teses que expandimos, essencialmente acerca do direito universitário português, tendo presente tudo quanto se disse, com a ajuda da visão comparada da realidade jurídico-universitária espanhola.

 

Jorge Sampaio, actual Presidente da República, em declaração de voto, sobre a Lei da Autonomia Universitária, proferida no Parlamento, em 1988, dizia que a reforma autonómica da universidade vai «no sentido da modernização e este (o diploma sobre a autonomia) é um instrumento importante», pois «contribui para o progresso do país» e  «o progresso geral da vida portuguesa»

Ainda é relativamente cedo para uma análise histórica sobre a real influência deste texto concreto, em termos do seu contributo para a modernização e progresso de Portugal, mas, pelo menos, há já alguma experiência na sua aplicação, suficiente para dizer que chegou o momento de aperfeiçoar o estatuto das Universidades portuguesas em geral, quer das públicas, quer das particulares.

 

Por quê? Por um lado, é importante clarificar questões que parecem dever ter um enquadramento diferente em face da Constituição. Por outro, há que inovar onde a experiência e o direito comparado aconselharem mudanças.

Com efeito, mais de uma década decorrida após a publicação da Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro, é preciso efectivar a sua revisão, acolhendo essa expe­riência e as exigências entretanto evidenciadas no desenvolvimento do sis­tema educativo superior português, desde logo, devido ao seu extraordinário crescimento e peso social, a um nível geral do território nacional.

 

Como referia Jorge Miranda, num anteprojecto de lei de autonomia das universidades, elaborado em 1993, a pedido do então Ministro da Educação, que não chegou a ter seguimento, e no «Anteprojecto de lei de bases das Universidades», publicado na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXVIII, «a autonomia das Universidades ‑ com garantia constitucional ampliada em 1989 ‑ tem dado provas positivas, como se verifica pelo impulso recebido das actividades académicas, pela abertura a novas tarefas, pela participação assumida pelos diversos cor­pos ‑ de docentes, de estudantes e de funcionários não docentes ‑, por um maior sentido de ligação à comunidade e ainda pela própria consciência dos problemas (que ninguém ignora, continuam a ser muitos e muito graves)».

 

Neste momento, constata-se uma deficiência de enquadra­mento das Universidades, a nível nacional, a que há que pôr cobro, em ordem a acabar com o desaproveitamento de recursos e potenciar a competitividade colocada pelo exterior.

Sem prejuízo da identidade própria de cada Universidade e do con­teúdo essencial da sua autonomia, torna‑se necessário reforçar e alargar as estruturas de enquadramento e de cooperação, quer de carácter geral, quer de carácter sectorial, até porque a autonomia de cada Universidade  e das suas unidades orgânicas não impede, e até exige, a autonomia das Universidades no seu conjunto.

 

Devem ser regulados os parâmetros de exercício da tutela governamental relativa às Universidades públicas, por vezes sujeitas a dúvidas, apesar da aceitação geral da sua legitimidade, seja ela o exercício dos poderes de controlo de legalidade ou de mérito, que possam exprimir adequadamente a vontade geral do Estado, que deve con­tinuar a suportar a parte maior das despesas universitárias.

No tocante às Uni­versidades não públicas, a fiscalização deve ser exercida de forma transpa­rente e participada.

Em geral, deve ser propiciada a coordenação do ensino universitário, acabando com os mundos separados em que têm vivido as Universidades públicas e privadas, e fomentada uma acrescida solidariedade e respon­sabilidade de todas as entidades componentes do sistema educativo.

 

Há que flexibilizar os quadros dos órgãos das Universidades e das suas unidades orgânicas (que são as Faculda­des ou unidades equivalentes), procurando favorecer a diversidade das instituições e a coerência com o princí­pio da autonomia estatutária.

 

Haveria que tratar ou melhorar o enquadramento de matérias referentes à estrutura das Universidades, à criação de novas Universidades e das suas unidades orgânicas, fixar critérios de composição de órgãos das unidades orgânicas, das comissões científicas interuniversitárias e do Conselho Nacio­nal do Ensino Superior (estes últimos a regular em diploma especial).

 

Actualmente, a Lei n.º 108/88 aplica‑se exclusivamente às Universidades públicas, embora o país tenha vindo a assistir não só à criação de muitas universidades públicas, como ao aparecimento de universidades privadas, tendo-se acantonado totalmente estas para uma lei que consagra os grandes pincípios do Estatuto geral do ensino particular, privado e cooperativo, a que acresce o Estatuto especial da Universidade Católica, a todas devendo por igual ser exigidas regras de qualidade e direitos iguais às das universidades públicas, sem quaisquer privilégios ou discriminações.

 

Uma futura lei sobre as Universidades portuguesas deve abranger todas as instituições, ao jeito da Lei de Reforma Universitária espanhola, sem prejuízo da existência de algumas normas específicas estritamente justificadas pela sua natureza, que não se prenderão com a vida académica, mas apenas com aspectos administrativos e financeiros.

E desde logo, a começar pela obrigação da constituição nas universidades particulares e nas suas faculdades, de conselhos científicos, directivos e pedagógicos, com as mesmas funções  que têm nas universidades públicas.

 

Quanto à estrutura das Universidades, ela deve processar-se em Faculdades ou em unida­des orgânicas equivalentes. E as Faculdades podem estruturar‑se por departamentos. As unidades orgânicas devem também gozar em todos os casos de autonomia estatutá­ria, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar, nos termos a concretizar pelos respectivos estatutos. As Universidades devem ter ainda centros de estudo e de investigação, institutos e outros estabelecimentos, que poderão centrar-se tanto a nível central como a nível das unidades orgânicas.

 

Deve clarificar-se que todas Universidades se inserem na formação e na execução das políticas nacionais de educação, ciência, cultura e tecnologia, tendo o direito de ser ouvidas acerca da legis­lação que lhes diga respeito.

Deve permitir-se livremente a colaboração inter-universitária, de modo que as Universidades e as suas unidades orgânicas possam associar‑se para uma melhor prossecução das suas actividades.

As Universidades e as suas unidades orgânicas têm de poder realizar livremente actividades em colaboração com outras entidades, públicas ou priva­das, nacionais, estrangeiras ou internacionais.

No importante plano da avaliação,  as Universidades e as suas unidades orgânicas devem ser submetidas a avaliação das suas actividades científicas e pedagógicas, nos termos de lei especial.

Quanto à criação de novas Universidades públicas e suas unidades orgânicas, a criação de novas Universidades públicas e de novas unida­des orgânicas dentro das Universidades públicas deve competir  ao Governo, no segundo caso sob proposta do respectivo senado.

A criação de novas Universidades privadas e cooperativas e a de unidades orgânicas dentro de Universidades privadas e cooperati­vas deve ser claramente regulada pela lei do ensino superior particular e cooperativo, com critérios muito exigentes em termos de qualidade dos cursos a ministrar e que eliminem a excessiva discricionariedade, e até arbitariedade, vigente

Basta recordar a recente criação da «Universitas» ou, há uns três anos, da «Universidade Atlântica» (que não tem mais do que estudos de gestão, pois as várias licenciaturas são em áreas especializadas dentro deste ramo do saber, sem que o conjunto dos cursos constituam «estudos gerais», sendo, designadamente, participantes no seu capital social institutos universitários, que nem sequer foram levados a integrar-se na nova Universidade que fundaram).

 

Em qualquer caso, deverá haver um critério objectivo para o efeito, que retire excessivas margens de discricionariedade, atendendo‑se ao número de alunos previsível, cobertura equilibrada do País e inserção regional, possibilidades de recrutamento de pessoal docente e investigador, alargamento a diferentes áreas científicas e culturais e  inovação pedagógica.

 

Quanto aos órgãos das Universidades públicas, deve realçar-se, como princípios de governo e gestão, que o governo e a gestão das Universidades assentam nos princípios do pluralismo, da separação e interdependência dos órgãos, da participa­ção de todos os corpos universitários na vida acadêmica comum e na gestão democrática e responsável.

Ao conselho científico deve caber emitir parecer sobre a criação de novas Faculdades e sobre a criação de novos cursos de licenciatura e de mestrado nas res­pectivas áreas científicas. E, em geral, contribuir para a colaboração no ensino e na inves­tigação, nas respectivas áreas científicas, entre as diversas Uni­versidades.

 

Questão ainda não bem enquadrada reporta-se à participação democrática no ensino ods professores e alunos. Nos termos do artigo 77.º, eles têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei, a qual regula as formas de participação das associações de profes­sores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carác­ter científico na definição da política de ensino.

Desde logo, a Constituição da República Portuguesa eleva à dignidade de direito constitucional cultural o direito de participação de professores e alunos na gestão das escolas, naturalmente ligado com outros direitos ou princípios constitucionais, de que é uma especificação: o princípio da demo­cratização do Estado e da sociedade através da realização da democracia cultural e aprofundamento da democracia participativa, o princípio da democrati­zação da educação e da cultura, o direito de participação na vida pública  e o princípio da auto-administração de certas categorias de escolas.

Em si, a participação de professores e alunos na gestão das escolas justifica‑se em ter­mos de legitimidade democrática e de auto-administração, quer porque grande parte dos assuntos e problemas das escolas se situam no âmbito de acção e de competência de decisão dos vários elementos da escola (professores, alunos, trabalhadores científicos e restantes trabalhadores), quer porque as estruturas de domínio nas escolas (órgãos directi­vos) devem legitimar‑se democraticamente, de forma a acolher o pluralismo de inte­resses e opções dos elementos constituintes da comunidade escolar, quer finalmente, porque a gestão das escolas deve ser um elemento potenciador de legitimidade através da mobi­lização e participação dos interessados directos num funcionamento aberto, eficaz e transparente das instituições.

A gestão democrática das escolas pressupõe que a gestão escolar não compete, no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar (Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a órgãos próprios da escola, eleitos pela colectivi­dade escolar, com participação de professores e alunos, competindo à lei definir os termos do exercício deste direito, com uma grande margem de conformação (desde que não lhe confira um conteúdo insignificante, cabendo grande margem de diferenciação entre os tipos de escolas ‑ não tem de haver propriamente identidade de soluções entre uma escola primária e uma universidade ‑ e entre a dimensão da intervenção dos dois grupos da colectividade escolar mencionados na Constituição (os professores e os alunos), não estando a lei obrigada a um princípio de paridade, nem lhe estando vedada a possibilidade de fazer participar também outros gru­pos (v. g., pessoal não docente, representantes da comunidade em que a escola se insere, embora esta não seja imposta).

Neste domínio, importa saber se o direito de participação de professores e alunos abarca não só as escolas públicas como as particulares e cooperativas?

Ora, não só o preceito constitucional não distingue, como não há razão para qualquer distinção ou interpretação res­tritiva da norma, dado que valem para elas as mesmas razões que justificam a sua existência nas escolas públicas e o carácter parapúblico de todo o ensino (cuja configuração legal ultrapassa, aliás, o puro reconhecimento administrativo e fiscalização dos Estados, nos termos do artigo 75.º da Constituição da República Portuguesa).

E a natureza «poligrupal» da escola em geral exige, de igual modo, uma dada autonomização dessas escolas em relação aos titulares do estabeleci­mento, embora sem a exigência de uma interven­ção participativa nos mesmos termos das escolas públicas.

 

A Constituição da República Portuguesa consagra o direito de participação de certas entidades na definição da política do ensino. A justificação deste direito radica igualmente nas ideias constitucionais de democratização do Estado e da sociedade, de democratização da educação e da cultura e de aprofundamento da democracia participativa, considerando Gomes Canotilho que os objectivos deste direito de participação colectiva são fundamentalmente a inserção das escolas nas comunidades que servem, a interligação do ensino com as actividades económicas, sociais e culturais e o alargamento da ideia de participação para além da participação de grupos profissionais, fazendo intervir todas as categorias sociais ligadas à escola, de modo a transformá‑la em factor de integração.

A ideia sub­jacente a esta dimensão participativa é a de garantir direitos colectivos e não direitos individuais, pois a legitimidade participativa é reconhecida apenas às associações (sin­dicatos de professores, associações de estudantes e de pais), às comunidades (designa­damente, as locais) e às instituições (de carácter científico, cultural, etc.).

Entre as formas de participação a regular pela lei hão‑de seguramente contar‑se a representação nos órgãos estaduais de consulta e concertação quanto à definição da política do ensino, bem como a consulta e a discussão de projectos de lei ou de deci­são política nesse domínio.

 

Quanto ao programa educacional, deve prver-se que o Conselho Nacional do Ensino Superior é o órgão específico de análise, consulta e programação no domínio do ensino superior, público e não público. A criação de novas Universidades depende de parecer favorá­vel do Conselho Nacional do Ensino Superior. É assegurada a participação no Conselho de representantes das Universidades públicas e não públicas.

 

A legislação básica, de regulação estatal (normas de âmbito nacional), deve ser constituída pelo conjunto de leis e regulamentos de âmbito nacional sobre o ingresso de estudantes nas Universidades, a acção social escolar, o regime das propinas, o financiamento das instituições, os graus académicos, as provas para progressão na carreira académica e o estatuto das carreiras docente e de investigação, cujo respeito se impõe às Administrações territoriais regionais e à Administração Universitária.

Em Portugal, cabe ao Estado a tutela do ensino oficial e a fiscalização do privado. Ao Ministro da tutela (Educação), deve continuar a caber a homologar os estatutos das Universidades e das suas altera­ções. Há que referir que a tutela sobre as Universidades públicas e a fiscalização das Uni­versidades não públicas devem ter em vista a articulação das suas activida­des com as políticas nacionais de educação, ciência, cultura e  tecno­logia, bem como a garantia da legalidade.

Competindo ao Governo, por meio do Ministro da Educação, este, no exercício dos seus poderes, deve ser assistido pelo Conselho Nacional do Ensino Superior e ouvir o Con­selho de Reitores das Universidades Portuguesas.

No exercício da tutela, compete ao Ministro da Educação aprovar as propostas de orçamento das Universidades públi­cas, apreciar os projectos de orçamentos plurianuais e de planos de desenvolvimento a médio prazo, o balanço e o relatório de actividades dos anos econórnicos findos, na pers­pectiva da atribuição dos meios de financiamento público, autorizar a alienação de bens imóveis; autorizar o arrendamento, a transferência ou a aplicação a fim diverso dos imóveis do Estado que estejam na posse ou no usufruto das Universidades ou das suas unidades orgânicas; autorizar a aceitação de liberalidades sujeitas a modos ou condições que envolvam acções estranhas às atribuições e aos objectivos das instituições universitárias, e conhecer e decidir dos recursos cuja interposição esteja pre­vista em disposição legal expressa.

 

Deve-se clarificar que a tutela se exerce ainda por meio de inspecção, inquéritos e sindicâncias, e por meio da recolha e da análise de informa­ções e esclarecimentos com interesse para a verificação do respeito da legalidade. Sobre este aspecto há práticas em Portugal e na orientação do Conselho de Estado e da jurisprudência constitucional espanhola que importa comentar.

Não se consideram aceitáveis nem os poderes de correcção governamental em Espanha com argumentação de que apenas havendo problemas de legalidade, não há margem de conformação essencial que possa escapar à universidade. Nem as práticas de devolução de Estatutos de Universiddaes privadas para para criarem estrutura copiados do regime das Universidades públicas, quando a legislação das particulares deu liberdade de opção. Se algumas soluções do estatuto das públicas, forem consideradas importantes em geral, altere-se a legislação referente ao regime estatutário das particulares, impondo-o.

 

Cabe ao governo, ainda, autorizar a criação, a integração, a modificação ou a extinção de Faculdades ou unidades orgânicas, homologar a criação de cursos de licenciatura e aprovar, mas tudo isto norteado pelo interesse público universitário que limita a discricionariedade goevernamental à leitura da adequação ou não das iniciativas em causa à política educativa. E, quando tal se justifique, deve continuar a caber-lhe a fizaxão do número máximo de matrículas anuais, sob proposta das Universidades.

Quanto à homologação de novos cursos de licenciatura, os dedidos devem considerar­-se tacitamente deferidos, se até 180 dias após a recepção da deli­beração correspondente da instituição, no Ministério da Educação, não for recusada. E a recusa de homologação apenas pode fundar‑se em ilegaIi­dade ou em inadequação com as políticas nacionais de educação, ciência, cultura e tecnologia. A homologação pode ser concedida na condição de todas as despesas decorrentes do novo curso serem suportadas à margem do financiamento do Estado.

 

Dito isto, é altura de finalizar com um tema importante do direito universitário, que a doutrina portuguesa não tem delucidado.

As categorias de Universidades são públicas e não públicas. As Universidades públicas são pessoas colectivas de direito público criadas e mantidas pelo Estado, nos termos da lei de autonomia e das respectivas normas de desenvolvimento. As Universidades não públicas são a Universidade Católica Portuguesa, criada ao abrigo da Concordata entre a Santa Sé e Portu­gal, e as Universidades privadas e cooperativas, reguladas em aspectos específicos, pela lei do ensino superior privado e cooperativo e normas de avaliação, sem privilégios, dependendo as diferenças de tratamento do seu fundamento em situações objectivas ligadas ao seu empenhamento,  e que possam obedecer a um critério transparente, acessível a todas independentemente do berço de nascimento, sem o que continuará em causa o princípio constitucional da igualdade.

Oras, este Estatuto das Universidades privadas deve ser revisto para consagrar adequadamente o princípio da sua autonomia (com um núcleo essencial aplicável a qualquer Universidade) e o princípio da democraticidade (impondo uma maior ligação simultaneamente à comunidade académica e ao meio em que se insere e que é sua razão de ser, o mundo exterior, a sociedade).

 

A autonomia não se põe só em face do Estado, que apenas as fiscaliza, mas deve entender-se como autonomia dos poderes das administrações proprietárias, resultantes de correlações de força ligadas à distribuição do capital ou aos cooperantes, muitos dos quais nem são professores, a cuja lógica devem poder escapar, para além das relações referentes aos meios financeiros e humanos e de nomeação ou aprovação dos titulares dos órgãos de governos eleitos pela comunidade académica, alheios a toda a problemática da gestão financeira, os quais, depois, uma vez enquadrada, devem poder exercer em liberdade académica total, em mandato temporalmente fixado, não revogável a não ser com base em ilegalidade constatada pelo controlo governamental ou jurisdicional.A autonomia universitária é uma exigência constitucional também em relação às Universidades privadas e cooperativas em face das entidades a que perten­cem. A Constituição da República Portuguesa garante o direito à sua criação (43.4), que ao Estado cabe reconhecer e fiscalizar (75.2).  A letra do preceito abrange‑as e as razões da autonomia universitária obrigam a aplicar às Universidades privadas os conteúdos mínimos dos conceitos de autonomia estatutária, pedagógica, científica e administrativa (no que respeita ao âmbito da pura administração da vida académica). Embora a gestão financeira possa deixar de passar por uma autonomia tão intensa como a da pública, a favor de práticas de colaboração articuladoras com a entidade cooperativa e capitalista, a que a Universidade pertença, desde que tal esteja adequadamente densificado nos Estatutos sem prejudicar a realização dos outros  aspectos da autonomia, da autonomia substancial.

 

As atribuições regionais no âmbito universitário

 

Quanto à Região Autónoma da Madeira, a Lei n.°13/91 de 5 de Junho, que consagra o seu Estatuto Político-Administrativo, declara que sem prejuízo das obrigações assumidas por Portugal, enquanto Estado-membro das Comunidades Europeias, constituem matérias de interesse específico para a Região, designadamente: Educação pré-escolar. ensino básico, secundário, superior e especial (alínea o do artigo 30.º). Também na Região Autónoma dos Açores, o Estatuto Político-Administrativo consagra no artigo 8.º(matérias de interesse específico) que, para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região, bem como das matérias de consulta obrigatória pelos órgãos de soberania, nos termos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição, constituem matérias de interesse específico a educação pré-escolar, educação escolar e educação extra-escolar (alínea v.).

 

Em termos de poderes dos Governos Regionais sobre as Universidades, referir-me-ia à evolução da Universidade dos Açores, que sofreu um maior desenvolvimento.  A História da Universidade dos Açores é curta: criada como Instituto universitário dos Açores pelo Decreto-Lei nº 5/76, de 9 de Janeiro, é provida à sua dignidade actual pelo Decreto-Lei nº 252/80, de 25 de Julho; foi criada no período da Junta de Governo presidida pelo General Altino Pinto de Magalhães e foi designado o primeiro Reitor. Primeiro dá-se a fundação do Instituto Universitário dos Açores e depois a sua elevação a Universidade.

O Decreto-Lei Nº 5/76, de 9 de Janeiro refere a importância da regionalização do ensino superior, destinada a dotar as diversas zonas do País de unidades de ensino, investigação, extensão cultural e prestação de serviços à comunidade, capazes de responder às necessidades da democratização do País e de um desenvolvimento regional equilibrado. Por isso, se cria o Instituto Universitário dos Açores, tendo presente que o carácter de insularidade da região implica soluções particulares que o ajustem às realidades geográficas, económicas e sociais do arquipélago.

O Instituto Universitário dos Açores tem por fim promover no arquipélago o ensino de nível superior, a investigação científica e tarefas de extensão cultural e de prestação de serviços à comunidade.

O reitor é livremente nomeado pelo Ministro da Educação e Investigação Científica, por períodos de dois anos renováveis.

O reitor designará, de entre os membros da comissão instaladora, aquele que o substituirá nas suas faltas e impedimentos.

Sem prejuízo da sua autonomia pedagógica e científica, o Instituto orientar-se-á pelas normas gerais dimanadas do Ministério de Educação e Investigação

Científica, que, durante o período de instalação, fixará os cursos a iniciar e

homologará os respectivos planos de estudo.

Desde já, enquanto não forem afixados os quadros a que se refere o nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 402/73, de 11 de Agosto, é atribuído ao Instituto o contingente de pessoal constante do mapa anexo ao presente diploma legal.

O pessoal técnico, administrativo e auxiliar a que se refere o mapa anexo, ou seus aditamentos, é nomeado pelo Ministério da Educação e Investigação Científica, por proposta da comissão instaladora, podendo ser precedida de concurso.

Os requisitos de provimento das categorias incluídas no mapa anexo serão definidos no prazo de trinta dias, por decreto dos Ministros da Administração Interna e da Educação e Investigação Científica.

O contingente de pessoal a que se referem os artigos anteriores poderá ser alterado por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Educação e

Investigação Científica, sob proposta da comissão instaladora.

O administrador e os directores de serviços académicos, técnicos e de documentação serão nomeados pelo Ministro da Educação e Investigação Científica, a título eventual durante o período de instalação, de entre diplomados com curso superior adequado, propostos pela comissão instaladora. No caso de serem funcionários, a nomeação será em regime de comissão de serviço.

Em tudo quanto não contrariar o disposto neste diploma será aplicado ao Instituto o regime de instalação previsto no Decreto-Lei nº 402/73 para as novas Universidades.

Durante o período de instalação, os encargos financeiros do Instituto serão suportados pelas dotações do orçamento do Ministério da Educação e Investigação Científica para os estabelecimentos de ensino superior. Poderá, ainda, o Instituto receber dotações que lhe sejam atribuídas pela Junta Regional dos Açores.

 

Decreto-Lei Nº 252/80, de 25 de Julho

No quadro da autonomia político-administrativa previsto na alínea b) do nº1 do artigo 229º da Constituição Política compete a cada Região Autónoma superintender nos institutos públicos que exerçam a actividade exclusivamente na região e nos casos que o interesse regional o justifique.

A transformação do Instituto Universitário dos Açores em Universidade, como instituto público, sem prejuízo da relevância do interesse nacional globalmente considerado, tem em vista satisfazer anseios legítimos das respectivas populações.

No seu âmbito, mostra-se desde já possível e desejável a transferência para o Governo da Região Autónoma dos Açores de poderes próprios de tutela e

superintendência no domínio do ensino pós- secundário, sem afectar a unidade do sistema educativo nacional e as suas traves mestras.

 

Assim:

O Governo, ouvido o Governo da Região Autónoma dos Açores, decreta nos termos da

alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, o seguinte:

 

1º O Instituto Universitário dos Açores passa a designar-se por Universidade dos Açores.

2º Na Universidade dos Açores desenvolver-se-á o ensino pós-secundário de âmbito nacional, tendo presente que o carácter da insularidade da Região implica soluções particulares que o ajustem às realidades geográficas, económicas e sociais do arquipélago, no quadro do seu regime político- administrativo.

3º A Universidade dos Açores é um instituto público com personalidade jurídica e autonomia científica, pedagógica, administrativa e com património próprio. A Universidade dos Açores, através dos seus órgãos próprios, coordenará todas as actividades de investigação científica realizadas na Região.

4º A Universidade dos Açores ministra o ensino superior e o ensino graduado, integrados no sistema nacional do ensino professado nas restantes Universidades do País, desde que se verifiquem as seguintes condições:

a) Possam ser asseguradas por pessoal docente qualificado;

b) Contribuam para a formação dos quadros científicos e técnicos necessários à Universidade e a outras entidades públicas e privadas da Região Autónoma dos Açores e do País.

2. Poderão ainda ser ministrados na Universidade dos Açores cursos cujos planos de estudo se adaptem às particularidades da Região e ao seu desenvolvimento sócio-económico.

5º A Universidade dos Açores poderá celebrar convénios com outras Universidades e instituições no âmbito do sistema nacional de ensino e investigação, com vista à leccionação de disciplinas dos seus cursos, bem como para a formação dos seus quadros docentes e de investigação.

6º Os planos de estudo dos cursos professados na Universidade dos Açores serão fixados, sob proposta da sua comissão instaladora, por portaria do Ministério da Educação e Ciência, verificadas as necessárias condições de funcionamento.

7º Ao Governo da República, sob proposta do Ministério da Educação e Ciência, quanto à Universidade dos Açores, competirá definir, por via legislativa, o seguinte:

a) A aplicação dos estatutos da carreira docente e de investigação;

b) Os graus académicos e os respectivos diplomas, respeitada a estrutura

nacional;

c) O quadro orgânico para o estabelecimento de equivalências de habilitações e a correspondência dos graus académicos;

d) As condições gerais de acesso ao ensino e os modos de avaliação dos

conhecimentos;

e) As estruturas orgânicas dos estabelecimentos de ensino pós-secundário.

8º São atribuições próprias dos órgãos da Região Autónoma dos Açores, no domínio do ensino pós- secundário:

a) Proporcionar os meios humanos e materiais necessários à manutenção e ao desenvolvimento da Universidade dos Açores;

b) Apoiar o estabelecimento na Região de outros estabelecimentos de ensino pós-secundário públicos ou privados;

c) Garantir os meios necessários às actividades de acção social escolar de forma a garantir a todos os alunos da Região a igualdade de direitos de acesso e fruição relativamente ao sistema educativo em condições de igualdade de oportunidades, que não podendo prosseguir os seus estudos nos Açores se desloquem para os estabelecimentos de ensino congéneres do continente;

d) Apoiar e incentivar as actividades gimnodesportivas no seio da Universidade dos Açores;

e) Incentivar a fixação de docentes na Região e estimular o ingresso na carreira docente dos seus diplomados;

f) Exercer a tutela administrativa relativamente à Universidade dos Açores, sem prejuízo da sua autonomia e da competência mencionada no artigo anterior.

9º Ao Governo da República e aos órgãos do Governo da Região no que concerne à Universidade dos Açores, compete:

a) A aprovação do estatuto da Universidade dos Açores;b) A criação, reestruturação e extinção de cursos de âmbito nacional;

c) A criação e alteração dos quadros de pessoal dirigente, docente, investigador e técnico superior;

d) A aprovação dos planos anuais e plurianuais de desenvolvimento da Universidade, com salvaguarda da autonomia própria da Universidade;

e) A fixação do número de ingressos de alunos nos cursos de âmbito nacional;

f) A nomeação do reitor, do vice-reitor e dos demais vogais da comissão instaladora da Universidade, durante o período de instalação.

10º É da competência exclusiva dos órgãos do Governo da Região, no que respeita à Universidade dos Açores:a) Aprovar os orçamentos e superintender e fiscalizar a respectiva gestão

financeira;

b) Nomear e exonerar o pessoal dos quadros técnico, técnico-profissional,

técnico auxiliar, administrativo, operário e auxiliar;

c) Proporcionar as instalações e o equipamento necessários ao regular funcionamento da Universidade e ao seu desenvolvimento, de acordo com os planos anuais e plurianuais aprovados nos termos da alínea d) do artigo 9º.

d) Superintender nos Serviços Sociais da Universidade dos Açores, bem como proceder ao seu equipamento.

11º Compete aos órgãos do Governo da Região o financiamento decorrente das acções previstas nas alíneas a) e e) do artigo 8º.  Os encargos relativos à Universidade dos Açores serão inscritos no orçamento da Região para 1981, continuando até ao final do presente ano económico a ser suportados pelas verbas inscritas no orçamento do Ministério da Educação e Ciência.

12º No prazo de seis meses, a contar da data da publicação do presente diploma, deverá ser aprovado o estatuto provisório da Universidade dos Açores. Até à aprovação do estatuto definitivo manter-se-á em vigor o regime de instalação legalmente estabelecido para as restantes Universidades.

13º As dúvidas suscitadas pela aplicação do presente diploma serão resolvidas por despacho conjunto do Primeiro-Ministro, Ministro da República para a Região Autónoma e do Ministro da Educação e da Ciência, quando se tratar de assuntos que não sejam da competência própria dos órgãos daquela Região Autónoma.

14º O presente diploma entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.