SOBRE A LEGITIMIDADE PARA GOVERNAR (TEMA A SER TRATADO TAMBÉM EM ARTIGO DE OPINIãO NO JORNAL i (assinado por mim e pelo Prof. Eurico Figueiredo)
Hoje, quem duvida que muito há a refletir sobre a questão da possível ilegitimização funcional de uma dada governação de um país. No nosso caso, uma governaçao que em certos domínios, relacionados com o bem-estar e o futuro coletivo, tem feito tudo o que prometeu não fazer, às portas de novas eleições em que o receio de novas alternativas de governação que façam o que a população de todo não quer e têm combatido.
Tivemos as medidas tomadas nestes anos de subtração de rendimentos dos trabalhadores e pensionistas. Resultaram de um mini-círculo político e logo comprometidas com a Troica, para justificar a dificuldade de outras opções por vontade interna, que não foi primeiro amplamente consultada, por maior que seja a sua gravidade e as suas consequências para o futuro do país. Os regimes ditatoriais ainda fazem falsos referendos, plebiscitos, etc. Aliás, a atual governação nem disfarça a ilegitimidade de medidas antes nunca propostas e nunca sufragadas[1].
Todos perceberam, há muito, que o que está em causa no pensamento do atual governação, alinhada com as governações europeias, de orientação neoclássica e conservadora e de velhas conceções sore estritos equilíbrios orçamentais e incomprovados benefícios de políticas de austeridade, ainda agindo na linha do velho Fundo Monetário Internacional (saído no pós-guerra da conceção coincidente com os interesses americanos, contra as propostas dos negociadores europeus, que CHURCHILL acabou por aceitar, dada a fragilidade europeia do momento) e da maioria dos atuais governos conservadores da União Europeia, é (no seguimento do chamado "Consenso de Washington" ou "anglo-norte americano"), a alteração do modelo de sociedade.
De anulação da ideia de Estado de Direito Social (conatural a um capitalismo comandado pela política em termos de desenvolvimento económico-social). E, portanto, desprezando a Constituição.
Tudo valendo para um modelo de retorno ao liberalismo novecentista, que tem irrompido nas últimas três décadas a partir do catecismo conservador do Reino Unido e dos Estados Unidos da América. De um capitalismo agora muito mais selvagem, assente no domínio do poder financeiro e de uma globalização de concorrência sem regras, com crescente aumento da riqueza de uns e empobrecimento da maioria.
Estamos face à imposição de um paradigma alheio à evolução histórica da Europa no século XX.
O “Caminho do Suicídio”, uma das célebres bíblias do ultraliberalismo do século XX, não está, como pretendia o seu autor, o jurista FREDERICK HAYEK, na incrementação da intervenção do Estado, nem a democracia-crista é socialista (como ele considerava pelo facto de seguir a orientação das Encíclicas da Igreja Católica), nem a justiça social (contra que se insurgia terrivelmente) é fonte de desperdício, pois este caminho está antes na destruição das classes médias sustentadoras da democracia e do social, na concentração de fortunas, no empobrecimento da maioria, enfim no roubo da dignidade humana, de que a (aliás, falsa ideia de) autorregulação dos mercados não conseguiria curar.
Vivemos numa Europa que abriu as suas portas ao exterior, sem exigir regulações mínimas que defendessem o seu modelo. Um paradigma que apenas tem favorecido no imediato os Estados Europeus mais fortes em termos de competitividade, numa Europa que se vem sujeitando a prazo a um destino coletivo de submissão e destruição paulatina.
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A principal preocupação presente em 1944 era o medo de nova depressão e deflação, mas, em 1947, o diagnóstico da situação apontava para a ameaça da inflação. Os Estados Unidos da América, e não só, passaram então a crer que o perigo para a estabilidade internacional poderia vir mais do excesso da procura causado pela recuperação dos países europeus e dos países subdesenvolvidos do que pela deficiência de procura agregada.
A proposta de KEYNES procurava delinear instituições internacionais com os mesmos objetivos a prosseguir pelas políticas e reformas institucionais nacionais voltadas para a defesa do nível do produto e do emprego na economia, com a conhecida proposta de criação de uma Câmara de Compensações Internacionais (International Clearing Union), que centralizaria todos os pagamentos concernentes a exportações e importações de bens, serviços e ativos, em que os bancos centrais nacionais seriam os seus membros dessa Câmara, realizando os pagamentos internacionais do mesmo modo que bancos nacionais fazem pagamentos entre si.
Na proposta keynesiana, os bancos centrais teriam contas de reservas tal como os bancos nacionais fazem em relação ao banco central. Pagamentos por exportações pagos pela transferência de depósitos de um banco central para a conta do outro banco central. Todas as entradas de recursos oriundos do estrangeiro seriam registradas como créditos e as saídas como débitos.
De acordo com o Keynes, não haveria uma moeda física internacional, tais como o ouro ou o dólar, mas apenas uma moeda escritural, registando-se nos livros da instituição internacional as operações entre os bancos centrais.
Tal implicaria a centralização do mercado de câmbio (as operações passariam pelos bancos centrais, únicos a terem acesso à Câmara de Compensações Internacionais.
Para reforçar este mecanismo, a proposta incluía também a criação de uma nova moeda, não de uso corrente mas apenas para as transações entre bancos centrais (o “bancor”, termo sugerido pelo vocábulo banco, meramente moeda de bancos centrais), uma moeda escritural, sem existência física, para uso exclusivo dos bancos centrais para suas transações com a Câmara de Compensações Internacionais e não negociável fora dela.
Por exemplo, face a uma operação de exportações, haveria o recebimento por um banco do país importador da receita da compra dos bens e a sua transferência para o banco central daquele país, responsável pela transferência do valor correspondente em “bancor” para a conta do país exportador, cujo banco central entregaria o contravalor em moeda nacional ao exportador.
O objetivo americano, expresso por HARRY DEXTER WHITE, era manter o comércio externo a funcionar e não os fluxos de capitais. Mas, apesar disso, importa destacar que a proposta americana e, sobretudo, com mais ênfase, a de KEYNES defendiam o controlo de capitais. Realisticamente compreendia-se que alguns tipos de capitais podem desestabilizar a economia internacional e as economias nacionais sem lhes trazer nenhum benefício. E, por isso, previam controlos de capital para tratar das crises da balança de pagamentos causadas por fugas de capitais.
Neste modelo financeiro de pagamentos internacionais, KEYNES queria viabilizar que, quando necessário, a moeda escritural pudesse ser criada pela Câmara, enquanto autoridade monetária.
Assim, a liquidez internacional cresceria automaticamente em simetria com as necessidades do comércio internacional, em vez de depender da disponibilidade de um bem sem relação com a atividade econômica, como o ouro. E queria que, quando um país apresentasse défice na sua balança de pagamentos (conta negativa na Câmara), o esforço de ajustamento só recaísse sobre o país deficitário se estivesse a forçar a sua economia de modo a ultrapassar os limites do pleno emprego.
Se, pelo contrário, o défice de um certo país acontecesse porque o país superavitário estivesse mantendo a sua procura, importações, em níveis inferiores ao pleno emprego, o encargo do ajustamento seria repartido entre o país deficitário (apertando o cinto em certo grau) e o país superavitário (promovendo o consumo, obrigando-o a expandir a procura para facilitar as exportações do país deficitário).
Se o Estado superavitário o não fizesse, seria aplicada pela Câmara uma multa em “bancor” sobre os seus saldos positivos.
KEYNES visava, pois, o propósito de prover à criação de liquidez automática, de acordo com as necessidades do comércio internacional e a possibilidade de ajustamento expansivo de desequilíbrios nas balanças de pagamentos, através da expansão do consumo-importações dos países superavitários, embora acompanhada de uma certa contração da procura nos países deficitários, em termos não recessivos, ou seja sem perturbações significativas na respetiva economia e pleno emprego.
KEYNES e o governo americano partiam de visões radicalmente diferentes sobre essa colaboração internacional, não só resultantes de formas diferentes de entender a economia de mercado, como sobretudo dos interesses de que ambos os países eram portadores, como os americanos querendo desviar o centro a finança internacional de Londres para a Wall Street. A oposição mais acirrada à restauração do padrão ouro no pós-guerra vinha da Inglaterra.
Já o pensamento do governo Roosevelt II dos Estados Unidos da América, expresso por WHITE, era muito menos ambicioso e eivado de outros tipo de preocupações, que não diretamente a estabilidade e a paz entre as nações. Pretendia apenas preservar a possibilidade de mudanças da taxa de câmbio apenas quando tal se justificasse pelo evoluir da economia.
As dificuldades que norte-americanos previam no pós-guerra orientava-os para preocupações relacionadas com a economia americana que quase só implicavam objetivos de restrições no comércio internacional, que, em momento de debate já do Plano Marshall de apoio ao desenvolvimento da Europa e Japão, julgavam poder vir a prejudicar sobretudo a economia dos Estados Unidos.
A ambição era endoamericana, levando-os a pugnar pela criação de uma instituição de funcionalidade dual: instância de autorização de alterações da taxa de câmbio só em situações justificáveis face à evolução das economias e de financiamento ao ajustamento no curto prazo de países com economias cujos problemas pudessem pôr em causa este sistema de pagamentos internacionais. Ou seja, como um centro de exame das condições económicas dos países associados, de modo a fugir ao dilema do câmbio fixo do padrão ouro e desvalorizações competitivas dos períodos de crise (representante da sociedade de nações e encarregado de avaliar quando as taxas de câmbio, em princípio fixas, deveriam ser corrigidas no sentido do devido ajustamento, ou seja, apenas seriam autorizadas quando um país mostrasse a necessidade de uma correção das suas taxas de câmbio face ao facto da sua economia ter passado por mudanças fundamentais.
Assim terminando as desvalorizações sem assento real na economia, digamos o “dumping cambial”, com o objetivo apenas de transferir os seus problemas para os vizinhos e parceiros, E como uma instituição que financiasse o ajustamento no curto prazo dos problemas das balanças de pagamentos dos países, para evitar pressões passageiras sobre as taxas de câmbio que inviabilizassem o mecanismo internacional em criação.
Esta instituição teria de ser um centro “financeiro” dotado com quantidades de moedas de todos os países associados, na proporção da importância das respetivas moedas no comércio internacional.
Quando um país tivesse “problemas temporários” nos seus pagamentos com um determinado parceiro, a instituição internacional poderia comprar temporariamente a moeda de que precisasse, enquanto promovia os ajustamentos necessários à sua economia.
Mas a instituição querida pelos americanos não era uma Câmara de Compensações, emitindo moeda própria, mas um mero Fundo de Estabilização, dotado de um cesto de moedas nacionais com aceitação internacional, pensando sobretudo o dólar, a destronar a libra, que continuariam como meio de pagamento nas transações internacionais, o que significa que a criação de liquidez internacional continuava a depender das políticas monetárias dos Estados que emitissem as moedas que fossem aceites no plano internacional.
O limite de apoio que o Fundo de Estabilização poderia dar era fixado pelo valor do cesto existente no Fundo, com os aumentos eventuais da sua capacidade de apoio ligados a negociações casuísticas ou periódicas que viabilizassem contar com o aumento das contribuições dos vários países membros do Fundo.
Mas este não só não criaria liquidez, como não teria autoridade para promover o ajustamento expansionista, que Keynes entendia essencial, nem teria qualquer controlo sobre as reservas dos países membros, ficando sem qualquer autoridade e sem meios para coagir os países superavitários a aumentar a sua procura.
Os erros deste modelo americano fica comprovado pelo facto de a realidade internacional revelar que ao longo da sua existência, o Fundo Monetário Internacional de estabilização se viu, sem poderes embora, na necessidade de apelar para que os membros superavitários gastassem mais para facilitar o ajustamento das economias deficitárias (v.g., o Japão, dadas as suas reservas astronómicas), mas sem capacidade nem meios de passar o seu desejo aos atos, o que só a proposta de Keynes teria permitido.
Daí, o Fundo Monetário Internacional sempre se ter identificado com a “imposição” de políticas de contração económica, como instituição sem qualquer papel estabilizador global e portanto atuando em relação aos países superavitários, mas existindo apenas para intervenções em relação aos países deficitários, os únicos que, obrigados a pedir-lhe ajuda, acabam por não poder escapar a medidas recessivas, de austeridade, de desemprego.
Ele só pode mexer num dos lados da equação em desequilíbrio, precisamente sobre a que sofre os efeitos daquela que normalmente será a culpada, os países com superavit, que assim, mesmo que feitas, sempre podem desprezar as recomendações do Fundo Monetário Internacional.
Esta é a realidade da vida de um Fundo Monetário Internacional. Hoje vemos que não só face à China e outros espaços acumuladores de balanças altamente superavitárias, mas mesmo no seio de uma União Europeia (sem sentido e esquecendo o processo de integração e de maior solidariedade de Comunidade exigido), se recorre nestas situações (que o seu próprio sistema económico e monetário cria, como já vaticinara o antiliberal e anti-marxista, Prémio Nobel da Economia em 1974, ex-aequo com o ultraliberal Frederick Hayek, GUNNAR MYRDAL), ao Fundo Monetário Internacional para poder adotar as suas políticas sem, adotar as necessárias políticas expansionistas do consumo-importações necessárias ao todo europeu.
CHURCHILL e KEYNES não poderiam impor as suas propostas, que acabariam por ser rearranjadas ao serviço dos interesses de hegemonia norte-americanas, sobre o mundo demo-capitalista, resultante do seu papel na segunda grande guerra.
Embora, para uns e para outros, se tratasse de conceber algo que afastasse o medo de que, após a destruição provocada, na Europa e não só pela guerra, em bens e homens, o mundo regressasse a uma nova grande depressão. Confiantes numa reconstrução das relações económicas, assentes primeiro em soluções de grande solidariedade interatlântica e depois na continuação de medidas de coordenação que levassem ao pleno emprego e à prosperidade dos povos.
Estavam em causa propostas de KEYNES para uma reordenação das relações económicas internacionais visando a promoção do pleno emprego. Mas a Administração americana bloqueou as pretensões inglesas.
Os debates preparatórios da conferência giraram em torno da genial proposta britânica, da autoria de Keynes, e a dos Estados Unidos, preparada por Harry Dexter White.
KEYNES foi toda sua vida muito crítico do padrão-ouro, face aos custos que impunha às economias aderentes, em termos de produto e de emprego.
Como referia, o padrão-ouro comportava dois defeitos fundamentais: a dificuldade de transações em certas situações e um ajustamento assimétrico dado que o peso do desequilíbrio, no padrão-ouro, recai todo sobre o país com balança de pagamentos deficitária, sem se tirar as conclusões em termos de ajustamento pelo facto de que todo o défice tem como contrapartida e como causa um superavit.
Por um lado, temos que o crescimento das economias exige uma oferta de moeda crescente para que as transações adicionais, correspondentes ao volume maior do produto, mas em termos que não criem dificuldades em se efetivar transações face a insuficiente oferta de moeda, ou seja, em termos que não pressionem ao aumento dos juros ou à descida dos preços de bens e serviços.
Mas, no caso do padrão-ouro, acontece que a disponibilidade de moeda, de ouro, depende de um fator exógeno, que é independente das transações económicas.
Se o ouro for escasso, poderá não haver moeda suficiente para que a economia realize as transações normais, aparecendo como meio de solução para a falta de liquidez o aumento da taxa de juros, para assim atrair ouro de outros países, o que ao fim e ao cabo acarreta prejuízo para o país que perde ouro quer para aquele que sobre os juros, leva o país perdedor de ouro a reagir da mesma maneira e para o próprio país interessado, dado que subida dos juros nacionais prejudica investidores e consumidores.
Por outro, no plano do ajustamento a fazer, ele será assimétrico. Pois, quando uma economia cresce mais do que a dos parceiros comerciais, tende a aparecer um défice nas transações comerciais, porque o rendimento crescente de um país pode fazer crescer também as suas necessidade de bens importados (matérias-primas não produzidas no país; bens de capital, bens de consumo com propensão cultural à importação). Enquanto as suas exportações dependem, em grande medida, do rendimento dos países que procuram os seus produtos. Pelo que, se um país cresce mais que os outros, a sua procura em importações cresce mais depressa que a possibilidade de exportar para os seus parceiros, criando o problema do défice comercial e do consequente pagamento internacional da diferença.
Há duas alternativas: ou o país se endivida para cobrir seus défices (o que, naturalmente, não pode ser feito indefinidamente), ou o país reduz sua procura por meio de importações. Esta redução, por sua vez, pode ser alcançada pela restrição a importações, como tarifas, proibições administrativas, etc, ou pela queda da renda doméstica.
KEYNES apontava, porém, uma terceira saída, que era fazer com que os países parceiros crescessem também eles, de modo a absorver mais exportações. Para KEYNES, o problema do padrão-ouro era exatamente o de forçar os países com défices comerciais a reduzir o seu rendimento para diminuir importações, mas não os países com superavit a aumentar sua renda de modo a absorver mais exportações.
A proposta keynesiana era a de criar regras monetárias internacionais que resolvessem os dois problemas da rigidez da oferta de liquidez e da incidência exclusiva da responsabilidade por ajustamentos das balanças de pagamentos sobre os países deficitários, sem envolver também os superavitários. Ajustamentos feitos por países deficitários que iriam ser sempre criadores de contração económica e eventualmente mesmo recessão, e, portanto, prejudiciais para a atividade económica, primeiro dos próprios e depois, a prazo, também dos excedentários: ou o país reduzia o seu rendimento para importar menos, ou prejudicava o comércio internacional, adotando restrições às importações.
O temor dos Estados Unidos era focalizado principalmente sobre a adoção de restrições ao comércio exterior. Quando o padrão-ouro foi abandonado por praticamente todos os países no início da década de 30, o “sistema” que o substituiu consistiu na liberdade de cada país determinar a taxa de câmbio que lhe fosse julgada adequada a cada instante.
Num cenário de depressão, a maioria adotou a política que ficou conhecida como transferir a miséria para seu vizinho (beggar thy neighbor): um país sofrendo de depressão e desemprego desvaloriza sua moeda de modo a impulsionar suas exportações líquidas (exportações menos importações), transferindo, assim, seus problemas para seus parceiros. Estes, naturalmente, tenderiam a fazer o mesmo, devolvendo ao primeiro país o problema, que se veria forçado a nova rodada de desvalorizações, e assim por diante.
Esse sistema, também conhecido como de desvalorizações competitivas, era obviamente instável. Com o tempo, sua eficácia acabava diminuindo (já que os parceiros reagiam cada vez mais rapidamente às tentativas de lhes tomar mercados) e as fricções do comércio cresciam.
Era inevitável que, em tal cenário, os países com problemas acabassem buscando medidas mais eficazes de defesa, restringindo o comércio, adotando medidas abertamente protecionistas, e mesmo tentando garantir, pela mão militar, o suprimento de bens e serviços que tivessem de obter no exterior. A guerra comercial poderia, assim, se transformar em guerra pura e simples.
No pós-guerra, era evidente que a nação que mais teria a lucrar com a liberdade de comércio seriam os Estados Unidos. Barreiras ao comércio, por sua vez, certamente teriam como alvo as exportações americanas.
A eventual restauração do sistema de desvalorizações competitivas causaria muito mais danos aos Estados Unidos que a qualquer outro país. A construção de um sistema de pagamentos internacionais teria como meta, do ponto de vista daquele país, eliminar a possibilidade de adoção desse regime cambial.
Deste modo, tanto Estados Unidos quanto Inglaterra preocupavam-se com o retorno às condições de operação da economia internacional prévias à segunda guerra, ainda que por razões diferentes.
À Inglaterra preocupava o eventual retorno ao padrão-ouro, aos Estados Unidos a volta ao câmbio livre (que não deve ser confundido com o câmbio flutuante que se conhece hoje em dia). Ingleses buscavam um arranjo que lhes desse liberdade para adotar políticas que permitissem alcançar e sustentar o pleno emprego.
Os norte-americanos queriam regimes cambiais organizados, que permitissem a expansão do comércio internacional e tornassem ilegal o recurso a controles administrativos contra suas exportações.
KEYNES teve de ceder aos interesses americanos, permitindo que as suas propostas inovadoras dessem corpo a instituições animadas de fins diferentes, nada restando de substancial ao genial Plano Keynes nessas instituições criadas em Bretton Woods. E, aliás, mesmo essas instituições e as regras ou práticas de relacionamento internacional aí criadas acabariam por mudar profundamente ao longo do tempo, pelo que seriam hoje relativamente irreconhecíveis para os negociadores da sua criação.
O que teria acontecido se, diferentemente da proposta americana, tivesse sido adotado o plano Keynes? Teria a economia internacional, antes como agora, evoluído de outra forma, mais satisfatória? Seguramente que sim.
Uma coisa parece certa: o Plano Keynes, permanece em grande parte atual e naos deixa de continuar a servir de inspiração para várias das propostas que, através dos anos, vêm sendo feitas de reorganização do sistema monetário internacional por keynesianos, tais como os economistas JAMES TOBIN, PAUL DAVIDSON e, recentemente, pelo e neokeynesiano JOSEPH STIGLITZ.
Seria necessário uma nova ponderação da questão dos mecanismos de estabilidade do comércio face aos desequilíbrios de balanças de pagamentos e dos mecanismos de pagamentos internacionais, a nível global e, há muito, a nível da União Europeia, cuja inexistência aqui é surrealista, para um espaço que se afirma em integração económica, de mercado, de moeda, de políticas.
Em que os mais fortes podem fazer incidir sobre os mais débeis todo o esforço de reequilíbrio, como se tal não se devesse em grande parte a eles e á lógica desequilibrada quer do comércio entre parceiro expropriadora da riqueza d eus em favor da de outros, quer não pedindo um esforço de adaptação económica comum.
Exige-se urgentemente o redesenhar de um novo sistema monetário internacional e monetário europeu. Sem o que o cataclismo surgirá.
Com o que o pensamento de KEYNES terá de regressar, pois em geral nele se contêm os pressupostos da solução que, vencida em 1944, continua pendente com prejuízo para todos os povos[2].
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Os líderes partidários são representantes dos militantes. Se eleitos, não são donos, nem da vontade destes, nem do país. Mas têm-se comportado como tal, impondo políticas claramente contrárias ao interesse do país, capaz de o destruir, aniquilando o bem-estar da maioria da população e hipotecando o seu desenvolvimento e condições de progresso futuro, por décadas. É tirania.
Não podem impor-se políticas que já provaram repetidamente, na história dos povos, estar erradas. Não podem impor governações contra a esmagadora maioria da população. Não podem impor, nos seus governos, membros autocráticos, mesmo que se julguem iluminados[3].
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Ora, quem tenha assistido às tomadas de posição dos governos nos últimos anos, não pode deixar de recolocar à reflexão velhos temas, intrinsecamente ligados à construção das democracias modernas, como o da definição do interesse geral, pressuposto natural da legitimidade funcional das governações políticas.
Não é por acaso que ele aparece invocado quase só precisamente quando a sua efetivação parece mais questionável, as soluções menos acertadas ou mais discutíveis. Ou que ele é enfatizado no momento e face a decisões afirmadas pelo governo sendo pretensamente as únicas corretas ou as únicas possíveis.
A atualidade é bem reveladora desta realidade. Embora, face a decisões tao proclamadas hoje, logo estrondosamente caídas ou alteradas amanha, se comprove que, afinal, elas não eram as únicas possíveis, nem eram inadiáveis, E se, como se tem visto, não o eram, logicamente também não tinham o dom de brindar a sociedade senão com a invocação abusiva da invocação do interesse geral. É-o as percentagens impostas do défice orçamental para este ano? Afinal, o governo nem precisou de renegociar.
Contra factos não há argumentos: a “troica” aceitou que não fosse essa percentagem, mas sim a realidade. Está renegociado! É-o a renegociação da dívida ou não? Este é um tema bem exemplificativo: não haverá, diz o Poder instalado; mas às escondidas foram-se renegociando já a flexibilização do pagamento do maior débito português, a vencer em Setembro de 2013. E assim por diante quanto aos prazos expressos no próprio Memorando.
Mesmo as renegociações que existem processam-se às escondidas, para fazer favores eleitorais ao partido conservador alemão, através de acordos e promessas clandestinas que, além de tímidas e insuficientes, o futuro eleitoral exterior pode não permitir ver realizadas.
Entretanto, afirmou-se tanta coisa como sendo de interesse público, mas fez-se outra. Onde estava, afinal, o interesse geral? E porque ter perdido tempo e dinheiro em nome de uma falácia e de meros interesses partidários e pessoais estrangeiros em vez de por logo as cartas na mesa à luz do dia, a nível interno e externo?
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A questão da governação, porque em democracia, e do interesse geral perpassa em muitas críticas que faço e permite a constatação da deriva autocrática no ambiente político das governações do presente.
A formulação da noção de interesse público, geral, aparece com o Estado Moderno, assente em sociedade fundada numa ligação contratual, implícita, tácita, entre os seus membros, que mais recentemente se viria realmente e consubstanciar na ideia contemporânea de Constituição normativa.
A Declaração de Direitos de 1789, no seu artigo 2.º, afirma que “o fim de toda a sociedade política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis”, que são “a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”, coisas que estes tempos e governantes, sem noção da história e suas lições maiores, põem em causa.
Para chegar ao interesse geral, a partir dos interesses dos indivíduos, a Revolução Francesa inventou o mandato representativo, em substituição do mandato imperativo ligado às categorias sociais com assento nas Cortes Estamentais.
Com efeito, se a soberania passa a residir no povo, o poder deve ser confiado a representantes livremente escolhidos. A estes cabe decidir sobre o que é ou não do interesse de todos, geral. Determinado pela Razão, que os deveria guiar, uma vez que o conhecimento e a confiança, base da escolha, o garantiria.
As construções sobre o mandato representativo e a soberania da lei estão ligadas à afirmação do interesse geral, definido pelo Estado, o único que teria a virtualidade de garantir a imparcialidade e independência face aos diferentes grupos sociais e seus interesses.
Embora a visão liberal anti-intervencionista pública sempre tenha tendido a defender que o interesse geral resultaria naturalmente da procura por cada um do seu interesse, pois a utilidade dos indivíduos conduziria à utilidade geral. O que é muito contrariado pela história. E, dramaticamente, por mais do que uma vez. Mas, se o interesse geral é exterior ao Poder, também não resiste à leitura liberal, que permite todo o tipo de pressões e dependências, abusos e assimetrias…
São muitas as críticas permitidas ao recurso ao conceito de interesse geral, porque hoje este está capturado pelo grupo dominante no poder e é sempre invocável para ajudar a legitimar o seu poder e decisões, por mais erradas que sejam. Sobretudo com as distorções de representatividade, face à evolução para as sociedades partidocráticas.
Nestas,o que conta é a luta pelo poder e a sua manutenção. Mero jogo entre grupos que se disputam, não a razão para o exercício do Poder, mas os lugares do Poder a qualquer preço. Não querendo representar, mas representar-se. Construindo falsamente o interesse geral, porque apenas instrumento integrador de meros interesses parcelares, próprios ou de financiadores dos partidos e de campanhas eleitorais e de seus dirigentes.
De qualquer modo, porque principio fundante, justificativo e também limitativo do poder, sendo a ideia de interesse geral que pode legitimar o seu exercício, sob pena de os atos serem ilegais e o poder ilegítimo, há que reabilitar este conceito e a sua correta aplicação. Uma coisa, desde logo, é certa: o governo e, portanto, o Estado do momento não tem o monopólio da conceção do interesse geral.
A tentativa totalitarista de o monopolizar, também possível em democracia, cria o vazio à volta do Poder. Afasta o debate. Torna impossível a colaboração eficaz. Enfraquece a sociedade. O governo que se apresente como detentor do absoluto, que julga tudo poder fazer, sacrificar, é megalómano e, por definição, não democrático, ilegítimo.
O interesse geral nunca é incontestável e definido uma vez por todas. Antes, apela à discussão e ao questionamento permanente por aqueles em nome de quem e para o bem de quem é suposto ser exercido.
A regeneração e a moralização do Estado são necessárias. A conquista da eficácia é uma obrigação.
A modernização é imprescindível. Mas esta não pode fazer-se de repente e contra tudo e todos. Embora tudo isto seja necessário, se queremos que se mantenha um modelo de Estado social e que não se ponha em causa o essencial das funções tradicionais do Estado. Mas que não se destrua, antes se reforce o cumprimento de todas as novas missões com satisfação geral, assente em princípios de grande justiça, igualdade e racionalidade.
Muitas das dificuldades vividas pelo Estado nas suas missões não são puramente técnicas ou financeiras, a resolver pela tecnocracia ou mera contabilidade.
Encontram o seu fundamento também na problemática da legitimidade perdida no período pós-eleitoral: questões de rigidez, disfunções, austeridades suicidas, ações burocráticas desumanas, flagrante incumprimento de promessas eleitorais, comportamentos imprevistos ou contra o prometido que põem em causa a boa-fé depositada pelos cidadãos, etc..
Tudo alimentando uma crise de confiança e de legitimidade, causando separações entre governo e sociedade. Esta, em mudança profunda, que os timoneiros do Estado não percebem nem acompanham.
O poder político não é o único poder social. Deve abrir-se à rediscussão dos conteúdos do interesse geral, sempre que, por seus excessos ou inadequações, outros poderes ou contrapoderes sociais o confrontem ou afrontem. Estar aberto à sociedade em permanência. Não apenas abrir-se quando não lhe resta outra alternativa, pressionado, deixando chegar ao ponto de serem outros a definir, em vez do Estado, os interesses que ao Estado cabe executar.
Ao governo cabe afirmar não a verdade absoluta de detenção da ideia de interesse geral, mas o primado da política, o que exige a definição última das coisas pelo próprio poder político.
Os governos têm de despir-se da tendência para absorver a sociedade, de se julgarem senhores do bom direito e do exclusivo do entendimento sobre o interesse geral, reconhecendo a legitimidade de quem se lhe opõe e de outras visões. E serem capazesde abandonar as suas, designadamente quando não estão corretas, desde logo porque estão a resultar ao contrário do pretendido.
Governar é dirigir a sociedade. Não sufocar, eliminar, anular a sociedade. Deve recordar-se aos governos não só o que significa a lógica da representação, mas que eles não são tudo. Que eles não estão legitimados para invertidamente provocar, em nome do Estado, todos e quaisquer sacrifícios aos cidadãos e à sociedade.
Hoje, o Estado assume muito deficientemente as funções fundamentais, tradicionais, de soberania, manutenção da ordem e justiça, com aumento do sentimento de insegurança. E aí temos as milícias privadas, o crescimento duplicado das polícias municipais, a contestação pelos justiçáveis e desautorização dos juízes, atrasos na justiça, com falhanço judiciário, etc.
Há uma crise de confiança, sendo que não há eficácia social sem crença no poder.
Com a crise dos orçamentos e receitas fiscais, por excessos de despesismos públicos não necessários, não reprodutivos e, portanto, errados, sem efeitos multiplicadores, por fraco desenvolvimento continuado e recessão económica, injustiça fiscal, corrupção, níveis de desemprego, acontece que o Estado também domina, cada vez pior, as novas funções sociais que foi assumindo. Isto impõe a procura de um novo Estado e de outra União Europeia no plano da eficácia, legitimidade e solidariedades.
Num Estado não vergado aos grandes interesses, que o corrompem e domesticam. E, na União Europeia, com um novo modelo federal, assente no respeito das soberanias europeias, iguais e em que os Estados mais desenvolvidos colaborem no fim das assimetrias e desequilíbrios económicos no todo Europeu, propiciando transitoriamente significativas transferências de rendimentos das países e territórios mais desenvolvidas para as mais débeis, contrariamente ao que tem acontecido no período da vigência da zona euro e sobretudo depois das crises subsequentes a 2008.
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Esta crise que hoje vivemos parece uma “oportunidade perdida”, naquilo que as crises em geral podem ter de provocação em termos antitéticos (e, v.g., normalmente tinham, desde logo nos avanços da construção europeia), levando a uma nova síntese reconstrutiva, numa linha de aposta simultaneamente tão cara não só a Karl MARX, no domínio social, como a SCHUMPETER, no estrito campo do pensamento económico.
Desde logo, porque, se na origem dela, está o esquecimento das lições do passado, na sua cura pensa-se apenas e mal no presente e nada no futuro.
Foi imposta uma austeridade social excessiva. Com soluções orientadas por meras imposições de cortes de despesas, em termos de empregos e prestações sociais e de rendimentos dos cidadãos. Em geral, em termos errados, fomentadores de uma economia recessiva[4].
A recessão é um fenómeno menos profundo, em consequências e perdurabilidade, do que a depressão, mas tem implicações no atraso a prazo dos diferentes países, mesmo em termos relativos.
No entanto, as crises, apesar de implicarem uma redução expressiva da atividade económica, são consideradas fases normais dos ciclos económicos, conaturais à própria economia capitalista.
A Grande Depressão de 1929-1933, uma crise de grandes proporções, levou a uma década de estagnação económica.
A recessão económica traduz-se na existência de uma fase de contração no ciclo económico. Ou seja, numa retração geral na atividade económica, por um certo período de tempo. Há uma queda no nível da produção (medida pelo Produto Interno Bruto-PIB), aumento do desemprego, queda do nível de investimento, queda no rendimento familiar, redução da taxa de lucro, aumento do número de falências e acordos de pagamentos com perdão parcial e dilatação no tempo[5].
Os especialistas têm aceitado a proposta de SHISKIN de que se deve considerar que uma economia entra em recessão após dois trimestres consecutivos de queda no PIB[6]. É uma regra prática convencional, embora errada (v.g., a recessão de 2001, com o colapso pela bolha das empresas ponto com; aliás já evidenciador do grande desastre da economia ultraliberal, hoje dominante[7].
A sua origem está, em geral, na queda generalizada nos gastos, consumo e investimentos públicos e privados. Face a erros dos agentes económicos. E consequentes incertezas da economia.
Pelo que, em geral, se exige que os Estados respondam com políticas macroeconómicas expansionistas (expansão da oferta de meios de pagamento e do gasto público, redução de impostos que abranjam a generalidade da população consumidora).
Mas, naturalmente, há que interpretar as grandes “intuições” de KEYNES e afirmar que importa não fazer gastos excessivamente endividantes e hipotecadores do futuro, investimentos públicos sem efeitos multiplicadores na economia, o que pode provocar uma nova crise (após o colapso das ponto com, uma grande expansão do crédito americano levou a à bolha das hipotecas e à crise do sub-prime, com a expansão do gasto público a criar, depois, a crise da dívida soberana, com maior repercussão mundial no caso da zona euro.
Há diferentes tipos de recessão, segundo as formas assumidas pela curva de evolução do PIB em cada caso.
A alternância de períodos de queda do PIB e do seu crescimento define recessões em forma de V (a curva em V expressa uma curta e aguda contração, seguida de recuperação acelerada e sustentada: de 1990 até 1992 ou 1993, a partir da Guerra do Golfo, com a resultante alta dos preços do petróleo, aumento da inflação, elevado desemprego, aumento do défice público e lento crescimento do PIB); de U, de recessão prolongada (esta curva vemo-la em 1973, face à guerra do Yom Kipur e ao primeiro choque do petróleo, após a Revolução Iraniana; toca quase todos os tigres asiáticos entre 1997 e 1998); de W, recessão double-dip (em 1980, durante o segundo choque do petróleo, a economia entrou em recessão, emergindo por um curto período em que houve um certo crescimento, mas rapidamente voltou a cair); e de L, recessões de "década perdida" (tipo de recessão muito severa, merecendo a designação de depressão; uma queda acentuada do PIB, desde logo à volta de 10%, por um período relativamente longo, à volta de três anos, já significa uma depressão: a economia demora muitos anos a encarrilar; recessão do Japão, em 1993-1994 e 1997-1999; Tailândia, no final década noventa).
A atual crise económica, iniciada em 2008, que é claramente uma grande recessão que tem atingido especialmente os Estados Unidos da América, a Europa Ocidental e o Japão, podendo chegar tecnicamente a uma depressão (que apenas a maciça intervenção norte-americana e europeia tem evitado, mas que a não subida de salários e prestações sociais, nem o aumento de importações por parte dos países com excedentes da Europa, v.g. Alemanha, e da Ásia, assim como as políticas impostas nas situações de resgate, pelo Fundo Monetário Internacional e União Europeia – de cariz ultraliberal, neoclássico, e viradas, não para a apoio ao desenvolvimento da economia, especialmente do crédito às empresas, mas para o pagamento de dívidas externas aos bancos dos países excedentários-, continua a não augurar nada de bom).
A orientação política geral devia serum mínimo, estritamente necessário, de austeridade e o máximo possível de estímulos à economia. Tal exigia e continua a exigir o assumir de uma “realpolitk”. Ou seja, uma política baseada nas circunstâncias, em soluções praticáveis com pragmatismo, em detrimento de ideologias e princípios pré-concebidos e de uma resposta diferente aos interesses dos credores usurários. Exigia, há muito, uma negociação mas diferente ou depois uma renegociação dos termos da Acordo com a “troica”. Em termos de eliminação de certos objetivos ultraliberais e o aumento dos montantes dos empréstimos externos, pensados não só para resolver o serviço da dívida, como para apoiar fortemente o crescimento da economia, sobretudo de bens transacionáveis, com forte capacidade exportadora, concomitante com uma revisão dos juros usurários e dos prazos globais de pagamento da dívida total e seus critérios de modulação, tendo presente experiências históricas bem-sucedidas. No entanto, temos apenas assistido a pretensas corretas soluções para a crise meramente assentes nas conceções da anancástica[8] teorização liberal, a economia mainstream.
Temos uma política globalmente desconsideradora da economia real, atual e futura, nas suas medidas desequilibradas, nas doses temporais de reduções orçamentais e da dívida externa, e medidas socialmente iníquas e injustas para a classe média e para a maioria dos trabalhadores, especialmente de entidades públicas.
Ataca-se, assim, a base essencial de sustentação da democracia e de dinamização da economia.
Tudo isto acontece em vez de soluções equilibradas entre a necessidade de reequilíbrios e reestruturações de fundo permanentes, e não meramente conjunturais, para resolver “esta crise da dívida”, face ao endividamento excessivo.
Mas esquecendo a absoluta exigência de investimentos multiplicadores, com necessidade de rápidas e eficazes políticas económicas. Sem cortes de rendimentos nem de prestações sociais. Ou desprezo pelo aumento do emprego e da formação.
Tendo em vista apenas um excessivamente acelerado e rígido equilíbrio orçamental. Ou, sobretudo, as exigências dos interesses dos credores-Estados estrangeiros no curto prazo. E não o desenvolvimento[9] do nosso país e da Europa em geral, a longo prazo.
A realidade atual é bem dura e totalmente desligada daquilo que as ideologias da moda, políticas ou económicas, nos prometem ou delas se esperaria.
As consequências do modo como o acordo com a troica se tem desenvolvido são de tal ordem que os que julgavam ter chegado a hora de cantar os bons resultados das medidas ultraliberais dessas políticas (que, como teóricos ou como capitalistas, preconizam ou, como governantes ou entidades internacionais, aplicaram), não poderiam deixar de pensar em as esquecer e alterar. Pois, mesmo que nelas tivessem mergulhado de modo convicto, não podem deixar de estar surpreendidos com os seus efeitos.
Vivemos há demasiado tempo aplicando uma utopia ultraliberal que nunca venceu nem se revelou sustentadamente. Era óbvio, para os não liberais que de tal austeridade nunca ocorreriam benefícios em período de crise e regressão económica. As razões foram sobejamente explicadas há quase 80 anos, pelo maior economista do século.
Diz KRUGMAN que “Keynes é agora ainda mais importante do que foi há 50 anos. Não sei se, em geral, os economistas se tornarão novamente keynesianos, mas passei a levar muito a sério as questões de tipo keynesiano, se assim se pode dizer. É claro que Lord Keynes não era um profeta sagrado. Ele pode ter colocado as perguntas certas, mas cabe-nos a nós, sempre, ter de encontrar as respostas adequadas”[10].
A escola keynesiana, ao contrário das teses dos neoclássicos (também designados como neoliberais), fundamenta-se no princípio de que o ciclo económico não é autorregulador. Ele é determinado pelo "espírito animal" dos empresários, pela incerteza, pela falta de confiança dos agentes económicos. Por isso e pela clara ineficiência do sistema capitalista em empregar todos os que querem trabalhar, KEYNES defende a intervenção do Estado na economia.
KEYNES nunca defendeu a transferência de défices de um ciclo económico para outro, e muito menos incontrolados orçamentos deficitários na fase expansiva dos ciclos. Ou seja, ele mostra a importância da procura agregada. Legitimou o recurso a défices fiscais, para sair de crises, e portanto apenas em momentos de recessão. Nunca defendeu défices públicos crónicos. Mas, para ele uma economia nacional equilibrada, do ponto de vista fiscal, pode e deve, num período curto de tempo, sair do equilíbrio, com o fim de restabelecer o nível de emprego. Os consumidores aplicam as proporções de seus ganhos em bens e poupança, conforme o nível de rendimento. O que significa que quanto maior este for, maior a percentagem do rendimento poupada. Se o rendimento agregado aumentar em função do aumento do emprego, a taxa de poupança aumenta simultaneamente. E como a taxa de acumulação de capital aumenta, a produtividade marginal do capital reduz-se. E o investimento é reduzido, pois a lucratividade é proporcional à produtividade marginal do capital. Então, ocorre um excesso de poupança, em relação ao investimento, o que faz com que a procura efetiva fique abaixo da oferta. E por isso o emprego reduz-se para um ponto de equilíbrio onde a poupança e o investimento fiquem iguais. Esse equilíbrio pode significar a ocorrência de desemprego involuntário em economias avançadas (onde a quantidade de capital acumulado seja grande e sua produtividade seja pequena). Por isso, as autoridades públicas devem intervir na fase recessiva dos ciclos económicos, com sua capacidade de imprimir moeda para aumentar a procura efetiva, através de défices do orçamento do Estado, para manter o pleno emprego. O Estado, para aumentar a procura efetiva, deve gastar mais do que arrecada, porque o de arrecadar impostos reduz a procura efetiva, enquanto os gastos aumentam a procura efetiva.
O ciclo de negócios ocorre porque os empresários têm "impulsos animais" psicológicos que os impedem de investir a poupança dos consumidores. O que gera desemprego e reduz a procura efetiva novamente. E, por sua vez, causa uma crise económica. A crise, para terminar, deve ter uma intervenção estatal capaz de aumentar a procura efetiva, através do aumento dos gastos públicos[11]. Pare ele, a escolha não está em saber se o Estado deve ou não estar envolvido na economia, mas apenas como ele deve envolver-se.
A questão central não é a do tamanho do Estado, mas a das atividades e dos métodos de governo na economia. E, de facto, como refere STIGLITZ, há países com economias bem-sucedidas com governos que estão envolvidos num amplo espectro de atividades[12].
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As medidas recessivas tomadas pelo atual governo provocaram danos sociais e económicos com uma forte descida do PIB, um aumento excessivo do desemprego, uma diminuição da receita fiscal, tudo obrigando, na linha das mesmas soluções, a terem de ser tomadas novas medidas de austeridade (cortes nos salários e reformas, aumento dos impostos, restrições no exercício concreto dos direitos sociais, aligeiramento dos despedimentos e indemnizações, etc.).
Quem está já e continuará a pagar o preço destas medidas são os desempregados, as classes trabalhadoras, os funcionários públicos, as classes médias, os reformados, mas o preço das consequências será pago também pelas elites e os mais abastados. A seu tempo.
Não é verdade o pressuposto do atual liberalismo reinante de que o enriquecimento de alguns leva ao enriquecimento de todos. Mas já é certa a afirmação de que o empobrecimento da maioria leva à estagnação ou mesmo ao empobrecimento de generalidade.
Com o capitalismo selvagem, o crescendo da diferença de rendimentos e a precaridade do emprego voltará a luta de classes, ultrapassada no período da Grande Moderação, face às conquistas sociais e ao crescimento económico-social dos países nessa fase histórica. Ela vai surgir face à ampliação do descontentamento e da pobreza, à destruição da classe-almofada e fonte do desenvolvimento equilibrado, a classe média, englobando a maioria da população, revestida de novas razões para se motivar e manifestar.
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Tal como as famílias, um país não pode viver permanentemente acima da riqueza criada e deve pagar as suas dívidas, públicas ou privadas. Mas os cidadãos, os contribuintes, não têm que pagar as dívidas do sistema bancário. E mesmo que tal se imponha por interesse público, não ao ponto de isso ser tão sacrificador como tem ocorrido no momento presente.
A história dá-nos ensinamentos sobre formas mais eficazes ou mais desastrosas de os Estados saldarem as suas obrigações financeiras ao exterior, desde a experiência alemã da pós-segunda guerra mundial, ao Brasil, Uruguai, Rússia, Malásia, Indonésia, Tailândia, Argentina, México, Equador, Islândia, etc..
Desejavelmente, por acordo com os credores e seus Estados e nunca por decisões ostracizantes da sociedade internacional. E se não devemos alinhar com muitas delas, a verdade é que a maneira como o governo e os organismos supranacionais estão a impor a resolução da crise nacional é aquela que, em geral, com a única exceção do caso português de 1983-1984, sempre falhou: a austeridade, sobretudo se recessiva, como é o caso atualmente, perigosamente inaceitável em termos de danos à economia, ao emprego e à sustentabilidade fiscal. Com ela, não iremos criar riqueza para pagar a dívida que já vai em mais 200 mil milhões de euros, e irá por isso crescer cada vez mais, a não haver um acordo reenquadador.
A Alemanha do pós-guerra e até a Argentina, já neste virar do século, merecem também atenção, por revelarem uma medida de apoio (que teve clara defesa do prémio Nobel JOSEPH STIGLITZ), e que se traduz em corresponsabilizar devedores e credores na solução do problema como condição para se pagarem.
Ou seja, em levar os credores internacionais a participar na reconstrução da economia como meio para cobrança mais rápida e segura do crédito. Ou seja, na adoção de uma solução de escalonamento da dívida, com a renegociação do capital e dos juros, em termos não só razoáveis, como, mais do que isso, objetivamente endossados ao ritmo real de crescimento da própria economia (o que traduz outra ideia de corresponsabilidade). Pois ela será paga, tanto mais rapidamente, quanto mais os países credores ajudarem ao crescimento económico do país devedor.
Porque hão-de, Portugal e os países do sul europeu, ter de seguir o princípio ou “lógica da culpa”, que pretende responsabilizar os Estados pelo endividamento dos governantes e banqueiros e impor sanções castigadoras ao país e aos seus cidadãos, indo ao ponto de lhe esbulhar o futuro coletivo.
Esquece-se que uma dívida exorbitante e difícil de pagar sem excessivos sacríficos já antes revelara os seus perigos ao levar ao nazismo alemão. Por este caminho, o que será da Europa?
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A construção europeia foi feita através do equilíbrio entre programas resultantes da moderação do paradigma social-democrata e do pensamento social democrata-cristão.
Foi, assim, que progrediram os Estados europeus, com crescente equilíbrio e paz social, até que, na década de oitenta, os governos de Reagan e Thatcher começaram a apontar e contagiar a Europa das teses conexas a uma conceção da economia contrária a qualquer intervenção estadual, de sentido (neo)clássico. Que já conduzira o mundo à Grande Depressão de primeiro terço do século XX. E, agora (depois de provar quão erradas era ao ser aplicada nas últimas décadas, por imposição do Fundo Monetário Internacional, nas crises asiáticas[13]), voltaria, a partir de 2008, com estrondo e com repercussões mundiais, a atirar-nos para o mesmo caminho, com especial incidência numa construção político-económica muito imperfeita, como se constata ser a da zona euro, sobretudo quando entregue a governos europeus conservadores.
Urge, rapidamente, uma encetar profunda renegociação da dívida[14]. Se possível, tendo por base, quanto à sua amortização, o diálogo com o Fundo Monetário Internacional, que nos discursos e até em Relatórios oficiais[15] tenta caminhar em termos mais realistas, e, quanto a uma linha de apoio no sentido do Plano Marshall, para o desenvolvimento económico, agora um Plano Especial da União Europeia.
Quanto aos défices orçamentais, maior flexibilidade no tempo e quanto aos débitos, tudo segundo o modelo de que beneficiou a Alemanha Ocidental depois da 2ª guerra mundial. Mas, de qualquer maneira, prevenir os mecanismos para resolver outras crises que aí venham: alteração dos Estatutos quer do Banco Central Europeu, quer do Fundo Monetário Internacional.
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Além disso, os políticos agem com medo do seu passado e do seu futuro. E, por isso, absolvem, sem mandato, o passado dos outros. Assim, mantendo todos os perigos para o futuro da Comunidade.
Em período de crise, é fundamental saber o porquê (ou seja, quais os elementos disfuncionais), quem e quê teorias e políticas tiveram a “culpa”, sem o que as mesmas causas se repetem, os mesmos responsáveis podem voltar e as mesmas teorias podem regressar e impor-se de novo.
A história ensinar-nos-ia, se a tivéssemos presente. Porque não a queremos reler, querendo reinventar mal o já inventado bem ou pelo menos, querendo reinventar sem analisar as lições dos erros passados, constatamos que ela é, muitas vezes, um cemitério de erros inutilmente repetidos, pela ousadia, incúria, nesciência ou obstinação de quem se julga senhor da verdade inquestionável ou age como senhor do poder absoluto.
O ato mais antissocial, que se pode imaginar, para com os agentes privados e os cidadãos em geral, estará no facto de uma sociedade e os seus dirigentes não quererem (quiçá tenham medo), saber quem foi quem, na provocação dos erros societários e governativos maiores, por ação pública, omissão ou pretensa correção, e de gestão empresarial pública e privada.
Assim, podendo até chegar ao ponto de deixar condenados publicamente quem a opinião publicada acusa, sem apuramento real das responsabilidades, que podem estar mais no passado, mas também podem estar mais no presente que oculta investigar o passado para deixar em neblina o esclarecimento da verdade.
Se há erros, os cidadãos, que os estão a pagar duramente, têm o direito de saber quem os provocou. E de julgar responsavelmente os reais causadores, que normalmente são até os que vivem mais na sombra. Pelo menos, politicamente, se não penalmente (não sendo o caso ou, sendo, enquanto os crimes dos agentes públicos também virem o tempo de exercício de funções de poder – de ameaçar, de nomear, de demitir, de perseguir, de caluniar, de amedrontar, de manter os seus defensores em lugar de decisão jurisdicional, etc.- contar para a sua prescrição).
Julgar os reais responsáveis, que normalmente são até os que vivem mais na sombra. Julgar rapidamente e responsavelmente. Não na mera praça pública, que condena até o inocente e esquece rapidamente o maior criminoso, que deixe de interessar, como notícia, aos donos da comunicação social. Mesmo, porque importa identificar as causas e causadores, para regular o sistema que o permitiu e os impedir que se repitam no futuro. Dos políticos, o “ato governativo”, tal como o judicial ou administrativo, não permite discricionariedades “generosas”. Aliás, vive-se sem compreender certas declarações políticas de absolvição (que só ao eleitorado ou aos tribunais caberia pronunciar), por mera declaração à imprensa ou comunicação no Parlamento. Vive-se sem debate, nem pronúncia. Ou seja, sem “mandato” explícito de quem vai pagar: os cidadãos, para com quem, antes ou agora, com erros graves, negligências, opacidades ou corrupção, governou o Estado, as autarquias, empresas públicas, bancos e quem estava ao leme de instituições privadas de especial importância social, quando em causa está o interesse público. E, mais do que isso, pesados sacrifícios impostos a toda uma população, que nada teve que ver com tais atos.
Gestão, risco e responsabilidade têm que andar juntos. Até os teóricos do ultraliberalismo austríaco clamam que, sem intervenção do Estado, tem que haver maior responsabilização dos agentes, dado que há mais liberdade. Mas não é esta utopia que a realidade confirma. Pelo contrário, a desintervenção estatal leva facilmente à irresponsabilidade.
Mesmo que haja razões sociais para suprir deficiências e fazer resgates, nenhuma justificação pode existir para apagar responsabilidades. Sobretudo, quando os erros, depois, têm de ser pagos pelos contribuintes ou depositantes. Perdão assente em base generosa para com os responsáveis porque os que governam agora têm temor pelas suas incapacidades e irregularidades futuras para serem diferentes e virem a ser eles próprios também julgados. Também querem impedir no futuro a sua chamada a responsabilidade por novos atos reprováveis de hoje. É esta a sensação que transmitem à opinião pública.
Os nossos representantes são chamados a governar-nos, não a perdoar, seja a quem for, pois para tal não lhes demos mandato. Até o indulto presidencial tem de passar pela prévia condenação. Porque podem os poderes governativos, políticos, com intuitos de condicionamento das magistraturas, “declarar” perdões sem mais? Nem isso é salutar para o futuro das sociedades. Poder sem responsabilidade é coisa do passado, não de Estado de Direito Democrático, representativo.
Os atos de generosidade ou “sentenças políticas de absolvição” são uma usurpação de outros poderes. E são uma afronta ao Estado de Direito e à cidadania. Tanto mais graves quanto os atos reprováveis, desviantes, impliquem gravames diretos para os cidadãos em geral. Entendo mesmo que estes atos de generosidade também podem e deviam ser sindicáveis jurisdicionalmente quando danosos para a coletividade, mesmo que não resultem de um crime de corrupção. São concebíveis apenas como decisões livres por parte dos agentes privados e desde que não tenham implicações para terceiros.
A democracia não funciona quando os cidadãos “inocentes” pagam e os responsáveis públicos e privados não são sancionados e são mesmo beneficiados, os banqueiros que enganaram e falsificaram informações para as entidades fiscalizadoras do sistema foram punidos devidamente? Todos? Na Europa? Mesmo que gananciosamente tenham “pecado” correndo riscos excessivos, morais? Viram o seu património pessoal pagar os danos causados à instituição e aos particulares? E não é só o saber quem deu causa. Até porque pode não merecer castigo. Mas, sobretudo, quem lucrou com as causas da crise. E, ainda, saber se estes não continuam a ser quem mais aproveita com os remédios para a crise.
Sem isso, o eleitorado tem de se motivar por palpites, em vez de conhecer com clareza as responsabilidades dos atores dos poderes administrativos, financeiros, políticos, económicos, etc.. É a democracia que está em causa. E a memória que resulta da dor não se apaga numa geração. Ela manchará a democracia em que vivemos e os políticos que usurparam as soluções devidas
Como referimos antes, o mais importante que, hoje, a grande maioria dos cidadãos esperam da democracia já não é só a liberdade, mas sobretudo um emprego, o acesso a uma habitação, a vivência com um nível de bem-estar mínimo e, em geral, uma vida digna.
Tudo isto está a ser colocado em causa para a maioria dos cidadãos, desde há cerca de três décadas e, sobretudo, aceleradamente, face às medidas tomadas pelos governos na atualidade, especialmente os mais conservadores, pressupostamente para resolver a atual crise.
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Muitas são as perguntas que pairam na cabeça dos cidadãos castigados com esta crise e políticas supranacionais e nacionais excessivamente sacrificadoras das suas vidas e perspetivas profissionais e de rendimentos conquistados com esforço ao longo da sua existência e que, por isso, mereceriam reflexão e resposta séria, a propósito desta crise económica e social que vivemos.
Nos debates políticos e nos meios de comunicação social, podemos colher a maior parte das que nos parecem pertinentes e que começaremos por elencar. A algumas teremos oportunidade de nos referirmos neste livro.
Vejamo-las. Há princípios colhidos na experiência história sempre esquecida e repetida através dos quais as crises podem ser detetadas e monotorizadas e mesmo previstas e até evitadas? Ou seja, a crise era previsível (sendo apenas um cisne branco, clássico), ou não era (tendo sido um cisne negro à Taleb)? Houve ou não quem, (recorrendo a conceitos de titularização, risco moral, alavancagem excessiva, perigoso acentuar de défices de balanças de pagamentos, perigo de corrida aos bancos, necessidade de arbitragem reguladora, deflação, contração de crédito, armadilha da liquidez) a previsse e com grande nitidez, apontando aliás com clareza os eventos que a iriam provocar, como foi sendo os casos de ROBERT SHILLER (da Universidade de Yale), WILLIAM WHITE, NASSIM NICHOLAS TALEB, MAURICE OBSTFELD, KENNETH ROGOFF, STEPHEN ROACH, DAVID ROSENBERG, RAGHURAM RAJAN (em 2005), JAMES GRAND (em 2005), NOURIEL ROUBINI (da Universidade de Nova Yorque, em 2006[16]), e quem (agarrado à defesa deste modelo anglo-saxónico de capitalismo de laissez-passer sem entraves) sociedades financeiras, políticos, ganhadoras agências de notação, hoje tão conhecidas, e comentadores neoliberais, a disfarçasse com opacidade extrema, práticas criminosas e grande falta de transparência, contrariamente aos discursos branqueadores oficiais, como o do vice-presidente de Bush, Dick Cheney, em janeiro de 2009?
O que são, de que vivem e porque prosperam tanto os mercados financeiros?
De onde vem o poder hegemónico dos mercados financeiros?
Como evitar a ditadura dos mercados na economia e na sociedade?
De onde vem este excessivo poder, não imparcial, das agências de notação americanas?
Porque têm os Estados Unidos da América tanto poder para provocarem as duas macrocrimes económicas dos últimos 100 anos?
As entidades financeiras não devem ver todos os seus produtos de risco regulados internacionalmente e ser vigiadas?
Que importância têm e que apreciação merecem os Acordos de Basileia?
São suficientes? Como puderam não ser seguidos ou ser contornados? Se os Acordos de Basileia não funcionam, são insuficientes, incoerentes ou com normação imprecisa, quais as medidas a adotar internacionalmente para impedir uma nova crise financeira?
Não urge que os governos dos países do Sul europeu, que no essencial têm vivido segundo os interesses dos do Norte, se unam e coordenem as suas posições em ordem a defender em conjunto uma decisão estratégica que possa equilibrar os vários interesses europeus em presença?
As entidades bancárias, se assistidas com dinheiro dos contribuintes não devem ser parcialmente nacionalizadas ou no mínimo devolver com juros ao Estado todo o dinheiro?
Não devem ser elas a criar um fundo, um sistema garantístico, para ocorrer a situações difíceis de qualquer banco, libertando os povosde medidas de austeridade cíclica, em sistema de inaceitável expropriação de património, pela via de imposições públicas?
Porque foram os bancos responsáveis e também vítimas da crise?
Porque acabaram por ser beneficiados com ela à custa da maioria dos cidadãos?
Porque há ameaças e até necessidade do Fundo Monetário Internacional por parte dos Estados, cujo peso global da dívida mundial é mínimo?
Porque precisa a União Europeia/União Monetária do Fundo Monetário Internacional?
Porque é que a incapacidade de pagamento de um ou outro Estado unionista pode provocar o fim da zona euro?
A situação generalizada dos Países do Sul da Europa, que estão em crise, pode pôr em perigo a estabilidade da zona euro?
Será que a EU e a Zona Euro podem continuar indiferentes ao facto, demonstrável pelas estatísticas, de que, nesta crise, as economias mais fortes do Norte europeu ganharam aquilo que inversamente as economias do sul perderam?
Perante o decréscimo da competitividade e da riqueza dos países do sul da Europa, em relação às economias mais fortes da união comercial e monetária europeia, juntamente com a muito maior taxa de crescimento do consumo interno e investimentos públicos em sentido errado, estas economias passaram a ter um défice externo em termos de conta corrente não, sustentável, face aos seus PIBs. Como reduzir ou corrigir o défice nas contas correntes dos países e face ao endividamento global acumulado?
De qualquer modo, com uma dívida pública não muito elevada ou pelo menos pouco significativa em termos europeus, porque é que os analistas afirmam que estes países são um perigo para a União Europeia?
Quais as vantagens e desvantagens da manutenção ou da saída do Euro?
Que fazer para sair do Euro ou corrigir as suas disfunções?
Nesta situação de crise global, qual o papel a jogar pelos investidores financeiros e porque agem em termos desestabilizadores?
Como compreender que a especulação financeira possa provocar uma rutura do equilíbrio de forças em sociedades desenvolvidas, permitindo que sejam pressionadas no sentido de uma mudança na propriedade das suas empresas-chave?
Porque não tem o Banco Central Europeu cumprido a sua missão, expressa no artigo 2.º do Tratado da União Europeia, de atuar no sentido de promover “um nível elevado de emprego”?
E porque tem de favorecer a usura bancária, apenas emprestando indiretamente dinheiro aos Estados, através dos bancos (com garantia das suas obrigações públicas), que a ele pagam juros muito baixos e depois o emprestam aos Estados mas cobrando juros altos?
É utópico pensar num Banco Central Europeu para todos os países da EU? E num Fundo Monetário Internacional reformulados (este, segundo o correto pensamento de KEYNES)?
Para que serve este governo da globalização nas mãos apenas dos antigos mais ricos do G20?
Como é possível que os líderes dos Estados europeus aceitem ser governados, não pelas instituições “constitucionais” da União Europeia, mas pela Chanceler alemã?
Que União Europeia, que mercado comum e que globalização estamos a construir[17]?
A democracia não está colocada em causa, ao fazer-se passar a ideia de que não há alternativa, no plano das decisões sobre assuntos económicos fundamentais, para além das receitas do pensamento económico dominante, bloqueante do poder político, cedido por isso aos seus arautos, que assim vão ocupando os lugares de primeiros-ministros e ministros de finanças dos governos em crise?
Que democracia é esta que está a obrigar, em nome de saberes bem contestáveis, até porque bem chocantes entre si, a entregar dos lugares da política, não em geral para homens inteligentes, de mérito, com capacidade representativa dos povos, mas totalmente a economistas, ou melhor a contabilistas e econometristas[18]?
Porquê a incompetência desta geração da “classe” política e a subserviência dos atuais meios de comunicação social e dos tribunais constitucionais a medidas excessivas, desequilibradas e, muitas vezes, claramente inconstitucionais, pelo menos sem o enquadramento institucional de balizas sobre a declaração de estado de emergência?
A crise está a ser gerida justamente?
Porque é que (contra as teorias que mais provaram no campo económico, assentes na problemática da procura) recaem os sacríficos sobre o trabalho, os dependentes de serviços públicos e as prestações sociais, em vez de recair sobre os beneficiários da bolha imobiliária, da na altura indevida expansão do crédito e da crise em geral?
Como conseguiram os beneficiários da crise e seus causadores terem a dominar, nos media, universidades e escolas de economia e gestão, os adeptos do ultraliberalismo, afastando todos os, liberais ou não, defensores do papel cautelar, de intervenção reguladora e fiscalizadora do Estado nos mercados financeiros e agora mais preocupados com o pagamento rápido da dívida do que com o crescimento da economia para poder pagá-la?
Porque se fala tanto e tão justamente, a propósito das causas desta crise, em desregulação do mercado financeiro[19], quando a este não lhe faltam regras legais de enquadramento; de excesso anterior de liquidez a nível mundial; de juros excessivamente baixos propiciadores do excessivo consumismo e da bolha imobiliária, do aumento para além do aceitável de créditos de alto risco; de excessivos défices públicos; de economia global desequilibrada (grande deficit comercial de uns Estados, com grandes reservas de divisas de outros)?
Esta crise não era previsível, como disseram os responsáveis de muitos países? Mas, então, porque as previram com antecedência alguns economistas distantes do pensamento neoliberal, defendendo mesmo soluções urgentes, que só não foram seguidos porque atacavam os interesses financeiros instalados?
Para lá da atual teoria económica que lhe vem dando cobertura aos interesses que estiveram na origem desta crise, que relação existe entre a demissão do Estado face às pressões desreguladoras das grandes instituições financeiras ou das empresas que beneficiaram com a política do desenvolvimento do alcatrão e cimento para além do razoável e o financiamentos dos partidos e candidaturas nas nossas atuais democracias?
Em resumo, quais as questões básicas a enquadrar e resolver na sociedade do presente e do futuro?
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Sob a atual lógica governativa, teremos a diminuição contínua e abrupta de receitas públicas e privadas, por força da recessão, com níveis assustadores de desemprego, fragilidade da banca, desempresarialização produtiva, encargos insustentáveis com a dívida pública, a perda de cérebros, investigadores e licenciados no país (tornando improdutivo o esforço formativo da anterior geração e gastos orçamentais com a educação especializada).
Estudar, ter acesso à saúde e à cultura, será cada vez mais para quem tem dinheiro. Envelhecer com dignidade será para poucos. Portugal terá recuado, quer no PIB/PNB, quer no sentido da natureza da sociedade, com um fosso assinalável de rendimentos entre os cada vez menos, cada vez mais ricos e os cada vez mais pobres, mais pobres. Com perda substancial da classe média, que aguenta o desenvolvimento pelo lado do consumo e da poupança.
É, naturalmente, o principal esteio dos regimes democráticos. Seguramente que não deverá estar em causa a democracia. Mas não poderá deixar de se questionar este modelo institucionalizado de democracia, que permite o exercício dos poderes nacionais e europeus em contexto autocrático, anulador da legitimidade real.
5.Existiam alternativas viáveis e continuam a exigir-se mudanças essenciais e inadiáveis. Se tudo não fosse pensado apenas para garantir os pagamentos rápidos aos investidores e bancos credores, levando naturalmente a esta mera austeridade reincidente e recessiva[20]-[21].
A troica, se não deparasse com um posicionamento submisso de Portugal, teria, pelo menos tendencialmente, de as aceitar, pois um “não acordo” seria impensável para a União Europeia no seu conjunto.
Desde logo, a prazo, para os próprios países mais ricos, colocando em causa não só a zona euro como o projeto europeu.
Os países dos credores e estes mesmos devem ser fortemente implicados no desenvolvimento económico, como condição de recebimento garantido e mais rápido possível dos créditos dos seus sistemas bancários.
Não só os juros reconvertidos em termos não usurários (na altura explicáveis pela hipótese do não pagamento total e o facto do Banco Central Europeu não funcionar como uma autêntica reserva da zona euro), como o prazo de pagamento endossado às taxas de crescimento da nossa economia. Isto impeliria os credores a apoiar-nos.
A questão económica futura tem sido desprezada. Ora, como referia Keynes[22], não se pode abandonar a realização de investimentos privados e públicos seletivos e reprodutivos (apesar das dificuldades atuais),com políticas de adequado relançamento orçamental.
Impõem-se políticas de promoção dos investimentos e de repartição dos rendimentos. Uma economia mais intervencionista. O mercado falha. Não se autorregula[23].
Interdite-se a especulação, por conta própria ou com dinheiros dos depósitos, aos bancos comerciais[24].Para além da regulação necessária do sistema financeiro, para evitar repetições de erros (e desvios conaturais ao “espírito animal” do capitalismo e que atiram este para uma sociedade selvagem) e a repetição, pelo sistema financeiro, de práticas de “riscos morais”; há que ultrapassar rapidamente a filosofia ultraliberal da fiscalização e regulação mínimas (light-touch regulation), com regulação pública de regras sobre o “risco”, embora sem prejudicar a normal iniciativa privada. São necessárias leis rígidas, que imponham a separação entre banca comercial e a banca de investimentos.
Sabemos aquilo a que deu origem a decisão dos Estados Unidos da América, em 1999(Gramm-Leach-Bliley Act), de revogação da Lei Glass-Steagall de 1933, que impedia os bancos comerciais de se envolverem em atividades de investimento[25]. Acumulação funcional a que importa por fim, tal como o interditar os bancos putativos ou “bancos-sombra”. Estes, hoje, não têm que respeitar as regras bancárias, mas agem como banca e, aliás, banca usurária e de alto risco[26] (não devem poder contrair empréstimos a curto prazo para cedências lucrativas a longo prazo; devem cumprir todas as exigências do sistema bancário)
Há que ultrapassar as inconsequentes regras da organização mundial de pagamentos, nos Acordos de Basileia (não demasiado vagos, permissivos, mas mais precisos e vinculativos); regular os credits-default swaps; interditar aos bancos níveis excessivos dos seus rácios de alavancagem[27]; intervenção atenta e tempestiva dos poderes públicos face ao perigo da inflação do preço dos ativos financeiros, não sendo aceitável que os bancos centrais se preocupem apenas com o controlo do nível geral dos preços ao consumidor (inflação, como dispõem os Estatutos do Banco Central Europeu[28]); retenção material financeira nos empréstimos emitidos pelas instituições geradoras de crédito hipotecário; reassunção da justiça social e da política social como ideologia do Estado; alteração das políticas fiscais, deixando de favorecer a canalização dos rendimentos do progresso, essencialmente e proporcionalmente, muito mais para os ricos e super-ricos (as políticas fiscais anti-redistributivas[29] agravam as diferenças sociais e os défices públicos); leis exigentes sobre gestão empresarial; requisitos mais exigentes quanto ao capital dos bancos e sua liquidez; obrigação da banca criar um sistema de garantia próprio, que dispense os contribuintes de garantirem cegamente os depósitos e a solvabilidade bancária.
Os mercados não têm juízes imparciais da sua avaliação. As valorações financeiras não são tarefa objetiva. Nunca são neutras. Comprometem, com toda a sua subjetividade e relatividade, o futuro da economia. Tema de extrema relevância estratégica e concorrencial económica, não pode ser deixado nas mãos de outros espaços político-económicos.
A crise financeira[30], “inexplicavelmente”, continua a conviver com a “ditadura” dos mercados, do sistema financeiro e das agências de notação financeira. Estas já demonstraram a sua ineficácia económica.
Seguiram orientações parciais e com um forte potencial destrutivo. São autodirigidas pelos seus acionistas, que também são investidores. Exigem-se, na União Europeia, instituições públicas reguladas pelos poderes europeus. Desligadas da lógica dos mercados. Funcionalmente independentes dos poderes políticos. Afirmadas responsavelmente face às agências privadas norte-americanas.
A regulação das agências de notação financeira em relação aos Estados deve assentar em regras internacionais. Com cálculos económicos transparentes e racionais quanto às empresas. O Banco Central Europeu não pode continuar moldado e blindado pelos interesses alemães. Com Estatutos inadequados à construção unionista.
As instituições da União Europeia não podem ficar reféns dos interesses programáticos e eleitorais deste ou daquele Estado[31]. É necessária uma governação económica. Um poder fiscal. Uma real “europeização”. Não só do sistema monetário, como do bancário.
O Banco Central Europeu tem de ser a Reserva da Zona Euro-União Europeia. Faça-se a reestruturação de funções do Banco Central Europeu, com a possibilidade de emissão de títulos de obrigações europeias.
O Banco Central Europeu deve poder emprestar diretamente aos Estados[32]-[33]. O direito europeu da concorrência não pode ser rígido, implicando problemas temáticos conjunturais aos Estados mais débeis.
Permitam-se derrogações conjunturais excecionais, em períodos difíceis, com processos de desequilíbrio continuado da balança comercial nacional, de pagamentos e destruição do seu aparelho produtivo (ante esta globalização ainda desregulada; e até mesmo em integração europeia), com lógicas por vezes alheias a reais vantagens comparativas; apenas possíveis por manobradas fiscais ou com dumping social[34].
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Os países europeus em geral haviam começado a progredir. No entanto, tal enriquecimento não deixa realmente de se processar sobretudo por parte de alguns países à custa dos outros, o que se acentuou a partir do Tratado de Maastricht e da evolução da globalização, efetivada sem quadros institucionais e jurídico-políticos de referência, que a todos possa servir, sem retrocessos ou endividamentos questionadores das conquistas do Estado Social.
Falta, a nível da União Europeia, um regime equilibrador do sistema, que é incapaz de se autorregular, nuns casos gerando países cada vez mais ricos, com excessos de liquidez, e noutros, défices das balanças de pagamentos e endividamentos públicos e privados, comprometedores do bem-estar social das suas populações[35].
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Quanto à problemática geral da globalização, não deixo de referir que o mundo está num processo cada vez mais acelerado de mudanças radicais. Embora não seja possível prever o futuro, é possível e necessário formular a esse nível mundial e reformular, a nível nacional, permanentemente as políticas socioeconómicas adequadas a cada uma das suas fases evolutivas. É, desde logo, cada vez mais necessário regular efetivamente o uso dos recursos ambientais, para que a dinâmica cega do espírito de lucro próprio do capitalismo não leve hoje a uma transformação dos valores ambientais em PIB à custa da qualidade de vida e bem-estar do futuro.
O crescimento exponencial dos bens oferecidos deve-se, não só à industrialização e ao ritmo de evolução científica e tecnológica e à intervenção do Estado na educação, saúde, infraestruturas, investimentos públicos em geral, superando a ficção do poder auto-organizatório das forças do mercado. Estas são incapazes, por si mesmas, de integrarem lógicas não concorrenciais (justiça social, ambiente[36]). Mas deve-se, também, em grande parte à ultrapassagem de regras elementares de conduta humana, que geram crises económicas e sanitárias na população mundial, derivadas de erros com graves consequências ambientais (água, clima, pesca e mar em geral, solos, ar) e na saúde. E não conseguem, por si, erradicar a pobreza nem quebrar a perigosa linha crescente de separação na apropriação dos recursos e rendimentos entre Estados e entre pessoas[37].
Os grandes desafios colocados à economia são de controlo preventivo e superação eficaz e com sacríficos das crises e, em geral, do reequilíbrio político-económico a nível mundial e do desenvolvimento sustentável: proteção ambiental, estabilização populacional mundial, redução paulatina entre ricos e pobres acabando com a pobreza. Isto só se consegue com cooperação global e não com competição nacionalista por balanças comerciais excedentárias, por novos mercados, pela energia e pelos recursos, designadamente pela água e matérias-primas. Urge esta cooperação global.
Como refere o Conselheiro especial do secretário-geral da ONU Ban KI-moon, do Projeto Milénio da ONU entre 2002 e 2006 e diretor do Earth Institute, professor da Universidade de Columbia JEFFREY SACHS:
“As pressões colocadas por recursos energéticos escassos, por crescentes tensões ambientais, por uma população mundial em crescendo, por migrações legais e ilegais em massa, ou mudanças no poder económico e por enormes desigualdades de rendimento são demasiado grandes para serem deixadas nas mãos de puras forças de mercado e de uma desenfreada competição geopolítica entre nações”[38].
A economia global ultraconcorrencial e desregulada procurará copiar as regras que furam a concorrência “leal”, favorecendo o retorno ao ambiente do primeiro século da industrialização: de “cruéis condições sociais, nas quais os indivíduos e as famílias foram, em grande parte, abandonadas numa corrida desenfreada no contexto da nova era industrial”[39]. A esta situação se refere sobejamente a literatura da época. FREDERICK ENGELS retrata-a bem. Ela despertara KARL MARX para as propostas da sua superação em termos de desilusão com a solução capitalista. Foram condições que “Paulatinamente e com enorme discordância política, a segurança social e o esquema de transferência para os pobres” tornaram “ferramentas de paz e prosperidade social a partir de cerca de 1880”[40].
Hoje, perdem-se no Ocidente os reais avanços lentos da evolução histórica e civilizacional que desde 1880 até 1980 vivemos com a diminuição da diferença de rendimentos. Com efeito, depois de 1980 (últimos trinta anos), voltamos a um perigoso aumento dessa diferença, em nome de axiomas e pressupostos económicos individualistas errados.
A trilogia questionadora do final do século XX e deste início do século XXI prende-se com deficiências de intervenção dos Estados na economia, no ambiente e desenvolvimento e também os recuos no Estado Social (tao penosamente construído), na linha dos axiomas neoliberais, contrariados pela análise empírica das realidades. Tal comprova que os Estados com sistemas de bem-estar social (países nórdicos europeus) eram e continuam a ser, também economicamente, muito mais eficazes (e, politicamente, mais democráticos e com cidadãos bem informados e participativos) do que os de economia mista da Europa continental ou os liberais do espaço anglo-saxónico.
A filosofia económica instalada e a falta de cooperação mundial levar-nos-ão a crises ambientais, com perdas de habitats e todos os valores ambientais, excessiva população, áreas de pobreza excessiva com riscos mundiais, face à falta de instituições orgânicas e jurídicas ou sua existência desatualizada e ineficaz. Os Estados têm de intervir e produzir adequadas políticas públicas; de cooperar eficazmente entre si; e as forças do mercado têm que ter limites.
Os próximos grandes objetivos da globalização são a desenvolvimento sustentável, a diminuição das taxas de natalidade nas partes do mundo que não têm capacidade de sustentar explosões demográficas, melhor distribuição da riqueza criada e cooperação mundial para burilar o paradoxo de um mercado mundial unificado e concomitantemente uma sociedade mundial dividida e com excessiva conflitualidade.
Face aos grandes problemas globais, que mexem com o problema económico e o papel dos Estados, temos:
A)-regular a mundialização dos mercados;
b)-proteger o ambiente, densificando devidamente o conceito de desenvolvimento sustentável;
c)-apoiar o desenvolvimento económico-social com métodos adequados de uma economia contextualizada (que chamaria “economia situada”)[41];
d)-erradicar a pobreza no mundo (fome, doença, corrupção), tendo desde já presente os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e o Plano de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD); e
e)-acabar com rendimentos extremados com uma minoria fabulosamente rica ao lado de uma grandíssima maioria em processo de depauperação contínua.
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A “economia situada” processa-se em termos de economia contextualizada (dimensão rural-florestal, estrutura urbana-indústria-serviços e infraestruturas), como meio de desenvolvimento económico-social. Trata-se de um desenvolvimento que conceba o destino de uma país ou região não em termos de sujeição a determinismos geográficos, mas à base da interpretação territorial.
Cada país tem de ter uma estratégia comum a outros e específica face às suas potencialidades e adversidades, no plano da localização geográfica e riquezas, sua demografia, nível de qualificação dos seus cidadãos, sua história e sua cultura. Trata-se de traçar uma estratégia mista e “clínica” de desenvolvimento. Tem de haver uma correta identificação das áreas prioritárias para o setor público (desde logo investimentos para bens públicos fundamentais e lideranças) e apoio ao setor privado, pois a estes setores cabe interligar as forças do mercado e as políticas públicas, sob pena não só de comprometer os ritmos de crescimento como também o setor privado não poder funcionar eficazmente como motor normal do crescimento económico.
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A tipologia de intervenções públicas (enquadradoras, incentivadoras, subsidiadoras, promocionais, planificadoras, infraestruturantes, educacionais, sanitárias, etc.), exigível como alicerce inultrapassável de qualquer desenvolvimento económico-social, de grande relevo para o desenvolvimento de qualquer país, vai desde a defesa e promoção do que podemos chamar um bom ambiente de negócios, ao desenvolvimento sustentado e sustentável até ao âmbito social. Em causa, pois, um “ambiente de negócios”, o que implica infraestruturas essenciais, legislação e jurisdição que impeça o inadimplemento ou faça tardar a sua execução jurisdicional; apoio a exportações; em situações de normalidade, a estabilidade monetária; defesa dos direitos de propriedade designadamente de autor e de patentes, sanabilidade do sistema bancário, educação, formação superior de alta qualidade, apoio à ciência e à tecnologia e promoção da sua difusão, segurança pública, etc.). Mas, também, um desenvolvimento sustentado e sustentável, que exige a qualidade de vida e defesa do ambiental natural (gestão ambiental).
No que respeita ao âmbito social, o financiamento público para cuidados de saúde, controlo de doenças infeciosas, alimentação básica adequada, abrigo, água potável, segurança social-económica, mínimo de bem-estar em períodos de crises económicas e outras necessidades essenciais. Em geral, impõe-se, pois, partir da análise geográfica, com medidas adequadas a ultrapassar as barreiras colocadas pelas dotações naturais e com aproveitamento das particularidades endógenas designadamente as distintivas.
Como referem os anti-deterministas, embora não com toda a razão, não é por acaso que os países líderes economicamente têm variado ao longo dos tempos. De facto, como refere JEFFREY SACHS, desde logo o “papel da geografia altera-se com alteração das condições tecnológicas”[42]. Claro que esta perspetiva parte do pressuposto da necessidade que em cada fase e área de desenvolvimento, o setor público e privado se devem apoiar mutuamente: “o capital público – estradas, centros de saúde, escolas, portos, reservas naturais, serviços coletivos e em muitas outras formas- é essencial para que o capital privado – fábricas, maquinaria e competências laborais- seja produtivo, na medida em que “ O desenvolvimento económico é um complexo jogo entre forças de mercado e os planos e investimentos do setor público”[43].
O modelo que tenho defendido e designado por “economia situada”[44] leva-nos a um desenvolvimento concebido “pontualmente” (isto é, ponto por ponto, negativo ou positivo, numa visão global DAFO[45], mas todos os pontos interligados de modo pertinente e permanentemente avaliados e ajustados). Em causa está a combinação da teorização económica polinómica (assente nas conceções gerais das dinâmicas do mercado) com a integração equilibrada do papel do Estado (económico, a montante, e social, a jusante; com suas políticas públicas dinamizadoras e corretoras, regulação suficiente e supervisão dos setores socialmente mais sensíveis), partindo da valorização dos fatores endógenos, positivos e negativos (contextos específicos dos territórios: países, regiões, locais), levantados e enquadrados no planeamento estratégico-territorial).
Tudo sem submissão à lógica pura da liberdade de capitais. E não acrítica a ideias de valor pretensamente global e modelos de rattrapage, pois a experiência empírica mostra que não existe uma trajetória única para o fenómeno de desenvolvimento. Ou seja, afasta-se da “economia puntiforme” (alheia às realidades físicas e sociológicas, assente em teorias descontextualizadas, em que cada problemática do desenvolvimento se insere).
Este conceito de economia situada ficaria algo próximo da expressão de “economia clínica” de JEFFREY SACHS, no seu livro O Fim da Pobreza, mas vai mesmo para além deste conceito que ele chama de “clínico”.
O regresso ao desenvolvimento, com as medidas necessárias para sair de crises, não se coaduna com as medidas estereotipadas e ultra-recessivas do Fundo Monetário Internacional ou com teorias neoliberais. Tal exige “diagnósticos diferenciados” e medidas adequadas, eventualmente adaptadas de outras experiências de êxito. Ou seja, exige um “Fundo Monetário Internacional” diferente para cada país e para cada crise e, sobretudo, que nunca se caia na “armadilha da pobreza orçamental”[46], em que os governos, endividados e com carências de acesso ao dinheiro, reduzem os investimentos públicos, reforçando o empobrecimento do setor privado e do país.
A armadilha está em só tomar medidas para pagar dívidas, sem preocupações simultâneas de forte promoção da economia, em vez de acima de tudo estimular a economia para logo poder garantir o pagamento das dívidas.
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Os países periféricos e do sul europeu são detentores de dívidas públicas significativas. Mas a dívida pública não deveria simplesmente implicar a transferência do custo dos excessos nacionais ou da crise internacionalizada para as gerações futuras ou para as classes menos favorecidas (isto, se os países credores não impusessem, através da União Europeia e Fundo Monetário Internacional, uma visão meramente contabilista, de excessiva redução orçamental e empréstimo limitados à lógica dos resgates para mero pagamento dos bancos credores).
Os Estados Europeus têm privilegiado as camadas sociais mais favorecidas, com políticas sistemáticas de redução da sua carga fiscal, com consequências anti-redistributivas criadoras de agravamento das diferenças sociais e dos défices públicos. Tudo isto, em vez de se procurar, agora e cada vez mais, a sua resolução pela via do questionamento dos direitos e regalias sociais dos funcionários públicos, dos reformados, do sistema de apoio ao desemprego e à família, e dos sistemas públicos de saúde. Ou seja, do desmantelamento do Estado Social.
Com a União Europeia, rendida ao sistema financeiro e aos tecnocratas europeus, impondo controlos dacronianos (nos montantes e nos tempos) da dívida pública, austeridade recessiva e reformas estruturais liberalizadoras em parte prejudiciais para os interesses dos Estados e classes menos favorecidas.
Não se avança para um planeamento periódico de orientações estratégicas perequativas do espaço europeu e políticas expansionistas nacionais dos Estados do Norte e Centro Europeu com grande espaço de manobra orçamental (dado terem balanças excedentes e promovido restrições salariais e restrições da procura interna), agora, com aumento dos salários e prestações sociais, despesas de investimentos públicos que possa compensar as políticas restritivas impostas ao Sul, sujeito à radicalização da aplicação das políticas neoliberais, incapacitadoras de efetivação de aumentos de gastos. Aliás, nem sequer capazes de aproveitarem fundos comunitários que exigem comparticipações difíceis de efetivar e, por isso, no atual contexto, se perdem, nem possibilidade de políticas expansionistas keynesianas (com dinheiro próprio), mesmo que selecionados para sectores com efeito com multiplicador do crescimento, ou porque o dinheiro encareceu especulativamente ou porque o Fundo Monetário Internacional-EU (CE-Banco Central Europeu) o proibiu.
Não é verdade que, a longo prazo, os investimentos e as despesas públicas reprodutivas estimulariam a economia? Não seria preciso reduzir as despesas para diminuir a dívida pública, se a política económica visar essencialmente a crescimento da economia.
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Quanto à questão das dívidas públicas e dos enormes défices orçamentais, tal não resulta só dos défices primários como da diferença entre a taxa de juro e a taxa de crescimento nominal da economia, só aumentando percentualmente quando o crescimento da economia for menor que a taxa de juro: os aumentos dos juros e o défice total (incluindo juros da dívida) são um fenómeno constatável logo na década de 80 com a política neoliberal de Thatcher e Reagan e suas políticas de taxas de juro elevadas.
Certas análises sobre a dimensão do falhanço do neoliberalismo, só poderão ser melhor efetuadas depois de se saber qual a origem da dívida pública e quais os proprietários dos títulos que a traduzem e seus montantes.
A sua subida espetacular não é resultado apenas de um excesso de despesas e poderia não existir apesar destas. E os resgates também não o são. É importante a análise da cronicidade da redução contínua da receita do Estados ao longo destas últimas décadas de ultraliberalismo.
No início da década de 90, constatam-se despesas estáveis, mas receitas aumentam porque aumenta o crescimento económico. E depois no decorrer desta década, vemos diminuir a dívida pública, a receita fiscal e o crescimento da economia. No cômputo dos últimos 30 anos, vemos aumentar a dívida e os rácios da dívida pública, na União Europeia.
O empolamento da dívida deve-se à crise do sector financeiro e bancário, iniciando-se em 2007-2008. O défice público na zona euro era, em 2007, apenas de 0.6% do PIB e já era, em 2010, de 7%, enquanto a dívida pública nesses anos era respetivamente de 6,6% e 8,4% do PIB.
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Gestão, risco e responsabilidade têm que andar juntos. Até os teóricos do ultraliberalismo austríaco clamam que, sem intervenção do Estado, tem que haver maior responsabilização dos agentes, dado que há mais liberdade. Mas não é esta utopia que a realidade confirma. Pelo contrário, a desintervenção estatal leva facilmente à irresponsabilidade.
Mesmo que haja razões sociais para suprir deficiências e fazer resgates, nenhuma justificação pode existir para apagar responsabilidades. Sobretudo, quando os erros, depois, têm de ser pagos pelos contribuintes ou depositantes. Perdão assente em base generosa para com os responsáveis porque os que governam agora têm temor pelas suas incapacidades e irregularidades futuras para serem diferentes e virem a ser eles próprios também julgados. Também querem impedir no futuro a sua chamada a responsabilidade por novos atos reprováveis de hoje. É esta a sensação que transmitem à opinião pública.
Os nossos representantes são chamados a governar-nos, não a perdoar, seja a quem for, pois para tal não lhes demos mandato. Até o indulto presidencial tem de passar pela prévia condenação. Porque podem os poderes governativos, políticos, com intuitos de condicionamento das magistraturas, “declarar” perdões sem mais? Nem isso é salutar para o futuro das sociedades. Poder sem responsabilidade é coisa do passado, não de Estado de Direito Democrático, representativo.
Os atos de generosidade ou “sentenças políticas de absolvição” são uma usurpação de outros poderes. E são uma afronta ao Estado de Direito e à cidadania. Tanto mais graves quanto os atos reprováveis, desviantes, impliquem gravames diretos para os cidadãos em geral. Entendo mesmo que estes atos de generosidade também podem e deviam ser sindicáveis jurisdicionalmente quando danosos para a coletividade, mesmo que não resultem de um crime de corrupção. São concebíveis apenas como decisões livres por parte dos agentes privados e desde que não tenham implicações para terceiros.
A democracia não funciona quando os cidadãos “inocentes” pagam e os responsáveis públicos e privados não são sancionados e são mesmo beneficiados, os banqueiros que enganaram e falsificaram informações para as entidades fiscalizadoras do sistema foram punidos devidamente? Todos? Na Europa? Mesmo que gananciosamente tenham “pecado” correndo riscos excessivos, morais? Viram o seu património pessoal pagar os danos causados à instituição e aos particulares? E não é só o saber quem deu causa. Até porque pode não merecer castigo. Mas, sobretudo, quem lucrou com as causas da crise. E, ainda, saber se estes não continuam a ser quem mais aproveita com os remédios para a crise.
Sem isso, o eleitorado tem de se motivar por palpites, em vez de conhecer com clareza as responsabilidades dos atores dos poderes administrativos, financeiros, políticos, económicos, etc.. É a democracia que está em causa. E a memória que resulta da dor não se apaga numa geração. Ela manchará a democracia em que vivemos e os políticos que usurparam as soluções devidas
Como referimos antes, o mais importante que, hoje, a grande maioria dos cidadãos esperam da democracia já não é só a liberdade, mas sobretudo um emprego, o acesso a uma habitação, a vivência com um nível de bem-estar mínimo e, em geral, uma vida digna.
Tudo isto está a ser colocado em causa para a maioria dos cidadãos, desde há cerca de três décadas e, sobretudo, aceleradamente, face às medidas tomadas pelos governos na atualidade, especialmente os mais conservadores, pressupostamente para resolver a atual crise.
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Muitas são as perguntas que pairam na cabeça dos cidadãos castigados com esta crise e políticas supranacionais e nacionais excessivamente sacrificadoras das suas vidas e perspetivas profissionais e de rendimentos conquistados com esforço ao longo da sua existência e que, por isso, mereceriam reflexão e resposta séria, a propósito desta crise económica e social que vivemos.
Nos debates políticos e nos meios de comunicação social, podemos colher a maior parte das que nos parecem pertinentes e que começaremos por elencar. A algumas teremos oportunidade de nos referirmos neste livro.
Vejamo-las. Há princípios colhidos na experiência história sempre esquecida e repetida através dos quais as crises podem ser detetadas e monotorizadas e mesmo previstas e até evitadas? Ou seja, a crise era previsível (sendo apenas um cisne branco, clássico), ou não era (tendo sido um cisne negro à Taleb)? Houve ou não quem, (recorrendo a conceitos de titularização, risco moral, alavancagem excessiva, perigoso acentuar de défices de balanças de pagamentos, perigo de corrida aos bancos, necessidade de arbitragem reguladora, deflação, contração de crédito, armadilha da liquidez) a previsse e com grande nitidez, apontando aliás com clareza os eventos que a iriam provocar, como foi sendo os casos de ROBERT SHILLER (da Universidade de Yale), WILLIAM WHITE, NASSIM NICHOLAS TALEB, MAURICE OBSTFELD, KENNETH ROGOFF, STEPHEN ROACH, DAVID ROSENBERG, RAGHURAM RAJAN (em 2005), JAMES GRAND (em 2005), NOURIEL ROUBINI (da Universidade de Nova Yorque, em 2006[47]), e quem (agarrado à defesa deste modelo anglo-saxónico de capitalismo de laissez-passer sem entraves) sociedades financeiras, políticos, ganhadoras agências de notação, hoje tão conhecidas, e comentadores neoliberais, a disfarçasse com opacidade extrema, práticas criminosas e grande falta de transparência, contrariamente aos discursos branqueadores oficiais, como o do vice-presidente de Bush, Dick Cheney, em janeiro de 2009?
O que são, de que vivem e porque prosperam tanto os mercados financeiros?
De onde vem o poder hegemónico dos mercados financeiros?
Como evitar a ditadura dos mercados na economia e na sociedade?
De onde vem este excessivo poder, não imparcial, das agências de notação americanas?
Porque têm os Estados Unidos da América tanto poder para provocarem as duas macrocrimes económicas dos últimos 100 anos?
As entidades financeiras não devem ver todos os seus produtos de risco regulados internacionalmente e ser vigiadas?
Que importância têm e que apreciação merecem os Acordos de Basileia?
São suficientes? Como puderam não ser seguidos ou ser contornados? Se os Acordos de Basileia não funcionam, são insuficientes, incoerentes ou com normação imprecisa, quais as medidas a adotar internacionalmente para impedir uma nova crise financeira?
Não urge que os governos dos países do Sul europeu, que no essencial têm vivido segundo os interesses dos do Norte, se unam e coordenem as suas posições em ordem a defender em conjunto uma decisão estratégica que possa equilibrar os vários interesses europeus em presença?
As entidades bancárias, se assistidas com dinheiro dos contribuintes não devem ser parcialmente nacionalizadas ou no mínimo devolver com juros ao Estado todo o dinheiro?
Não devem ser elas a criar um fundo, um sistema garantístico, para ocorrer a situações difíceis de qualquer banco, libertando os povosde medidas de austeridade cíclica, em sistema de inaceitável expropriação de património, pela via de imposições públicas?
Porque foram os bancos responsáveis e também vítimas da crise?
Porque acabaram por ser beneficiados com ela à custa da maioria dos cidadãos?
Porque há ameaças e até necessidade do Fundo Monetário Internacional por parte dos Estados, cujo peso global da dívida mundial é mínimo?
Porque precisa a União Europeia/União Monetária do Fundo Monetário Internacional?
Porque é que a incapacidade de pagamento de um ou outro Estado unionista pode provocar o fim da zona euro?
A situação generalizada dos Países do Sul da Europa, que estão em crise, pode pôr em perigo a estabilidade da zona euro?
Será que a EU e a Zona Euro podem continuar indiferentes ao facto, demonstrável pelas estatísticas, de que, nesta crise, as economias mais fortes do Norte europeu ganharam aquilo que inversamente as economias do sul perderam?
Perante o decréscimo da competitividade e da riqueza dos países do sul da Europa, em relação às economias mais fortes da união comercial e monetária europeia, juntamente com a muito maior taxa de crescimento do consumo interno e investimentos públicos em sentido errado, estas economias passaram a ter um défice externo em termos de conta corrente não, sustentável, face aos seus PIBs. Como reduzir ou corrigir o défice nas contas correntes dos países e face ao endividamento global acumulado?
De qualquer modo, com uma dívida pública não muito elevada ou pelo menos pouco significativa em termos europeus, porque é que os analistas afirmam que estes países são um perigo para a União Europeia?
Quais as vantagens e desvantagens da manutenção ou da saída do Euro?
Que fazer para sair do Euro ou corrigir as suas disfunções?
Nesta situação de crise global, qual o papel a jogar pelos investidores financeiros e porque agem em termos desestabilizadores?
Como compreender que a especulação financeira possa provocar uma rutura do equilíbrio de forças em sociedades desenvolvidas, permitindo que sejam pressionadas no sentido de uma mudança na propriedade das suas empresas-chave?
Porque não tem o Banco Central Europeu cumprido a sua missão, expressa no artigo 2.º do Tratado da União Europeia, de atuar no sentido de promover “um nível elevado de emprego”?
E porque tem de favorecer a usura bancária, apenas emprestando indiretamente dinheiro aos Estados, através dos bancos (com garantia das suas obrigações públicas), que a ele pagam juros muito baixos e depois o emprestam aos Estados mas cobrando juros altos?
É utópico pensar num Banco Central Europeu para todos os países da EU? E num Fundo Monetário Internacional reformulados (este, segundo o correto pensamento de KEYNES)?
Para que serve este governo da globalização nas mãos apenas dos antigos mais ricos do G20?
Como é possível que os líderes dos Estados europeus aceitem ser governados, não pelas instituições “constitucionais” da União Europeia, mas pela Chanceler alemã?
Que União Europeia, que mercado comum e que globalização estamos a construir[48]?
A democracia não está colocada em causa, ao fazer-se passar a ideia de que não há alternativa, no plano das decisões sobre assuntos económicos fundamentais, para além das receitas do pensamento económico dominante, bloqueante do poder político, cedido por isso aos seus arautos, que assim vão ocupando os lugares de primeiros-ministros e ministros de finanças dos governos em crise?
Que democracia é esta que está a obrigar, em nome de saberes bem contestáveis, até porque bem chocantes entre si, a entregar dos lugares da política, não em geral para homens inteligentes, de mérito, com capacidade representativa dos povos, mas totalmente a economistas, ou melhor a contabilistas e econometristas[49]?
Porquê a incompetência desta geração da “classe” política e a subserviência dos atuais meios de comunicação social e dos tribunais constitucionais a medidas excessivas, desequilibradas e, muitas vezes, claramente inconstitucionais, pelo menos sem o enquadramento institucional de balizas sobre a declaração de estado de emergência?
A crise está a ser gerida justamente?
Porque é que (contra as teorias que mais provaram no campo económico, assentes na problemática da procura) recaem os sacríficos sobre o trabalho, os dependentes de serviços públicos e as prestações sociais, em vez de recair sobre os beneficiários da bolha imobiliária, da na altura indevida expansão do crédito e da crise em geral?
Como conseguiram os beneficiários da crise e seus causadores terem a dominar, nos media, universidades e escolas de economia e gestão, os adeptos do ultraliberalismo, afastando todos os, liberais ou não, defensores do papel cautelar, de intervenção reguladora e fiscalizadora do Estado nos mercados financeiros e agora mais preocupados com o pagamento rápido da dívida do que com o crescimento da economia para poder pagá-la?
Porque se fala tanto e tão justamente, a propósito das causas desta crise, em desregulação do mercado financeiro[50], quando a este não lhe faltam regras legais de enquadramento; de excesso anterior de liquidez a nível mundial; de juros excessivamente baixos propiciadores do excessivo consumismo e da bolha imobiliária, do aumento para além do aceitável de créditos de alto risco; de excessivos défices públicos; de economia global desequilibrada (grande deficit comercial de uns Estados, com grandes reservas de divisas de outros)?
Esta crise não era previsível, como disseram os responsáveis de muitos países? Mas, então, porque as previram com antecedência alguns economistas distantes do pensamento neoliberal, defendendo mesmo soluções urgentes, que só não foram seguidos porque atacavam os interesses financeiros instalados?
Para lá da atual teoria económica que lhe vem dando cobertura aos interesses que estiveram na origem desta crise, que relação existe entre a demissão do Estado face às pressões desreguladoras das grandes instituições financeiras ou das empresas que beneficiaram com a política do desenvolvimento do alcatrão e cimento para além do razoável e o financiamentos dos partidos e candidaturas nas nossas atuais democracias?
Em resumo, quais as questões básicas a enquadrar e resolver na sociedade do presente e do futuro?
[1] O próprio atual primeiro-ministro, ainda antes de o ser, já tinha assumido compromissos alheios à lógica eleitoral e vontade do povo, ainda não consultado, em Bruxelas e nas capitais conservadoras europeias. Seguramente, que um governo formalmente dirigido por um Primeiro-Ministro, sem pensamento próprio para a excecionalidade do momento, que faz o que quer o seu Ministro das Finanças (que tem um pensamento teoricamente estruturado e, por isso, não só rígido no plano político da adaptação à realidade evolutivamente percecionada, como também convincente para a generalidade das pessoas, que não são especialistas, mesmo que realmente errado), não deixaria de aprovar tudo o que lhe fosse proposto.
[2] CARVALHO, Fernando J.C. -“Bretton Woods aos 60 anos”. Revista Novos Estudos. CEBRAP, novembro de 2004, N.º70, p.51-63, http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/bretton_woods_aos_60_anos.pdf.
[3] Na década de oitenta, em que vivemos também momentos com uma política de certa austeridade, gerida pelo designado Bloco Central, não podemos negar que, em Agosto de 1983, tendo o Governo assinado um Memorando de Entendimento com o Fundo Monetário Internacional, os impostos subiram, os preços dispararam, a moeda desvalorizou, complicou-se a concessão de crédito, aumentou o desemprego, alterou-se legislação laboral (ley-out) e tivemos salários em atraso. Fui disto testemunha, pois eu próprio participei e segui o processo, enquanto líder parlamentar. E, aliás, apesar de ter responsabilidades políticas, também critiquei alguns aspetos de certas medidas do então Ministro das Finanças, do êxito rápido de cujo projeto de recuperação nunca duvidei. Mas manda a verdade e a razão que se diga que, para governar, para aceitar ser Primeiro-Ministro, Mário Soares exigiu um governo de ampla coligação, real consenso programático e amplíssimo apoio parlamentar, que nunca tremeu por causa das medidas económico-financeiras (apenas houve forte polémica colegacional sobre o aborto e acerca da amnistia das FP25 de abril); e acontece ainda que o seu Ministro das Finanças, o católico HERNANI LOPES, não renegou as Encíclicas Sociais do Papado nem aceitou os excessos pretendidos pelo Fundo Monetário Internacional. Ele e o governo em geral eram social-democratas, não ultraliberais, nunca pondo em causa os princípios e conquistas do Estado Social. E as medidas foram concebidas -e cumpridas- por um ano, fazendo-se correções, sem insistir em medidas ineficazes. E nunca se avançou com total desprezo pela Constituição e por direitos subjetivos ou adquiridos (apenas, por uma vez, se tendo tomado uma medida – norma fiscal retroativa - que eu próprio, publicamente, considerarei anticonstitucional). E nunca se invocaram soluções únicas, indiscutíveis, em nome de um pretenso interesse geral. O Primeiro-Ministro da altura, o Doutor Mário Soares não podia gozar da maior popularidade, mas mesmo assim não deixou de, logo a seguir, ser eleito Presidente da República. O próprio Presidente em funções na altura, General Ramalho Eanes, se constitucionalmente pudesse recandidatar-se, tê-lo-ia conseguido sem dificuldade. Hoje, quem pode duvidar de que, quer o PM quer o PR, nunca mais seriam eleitos para qualquer dos cargos que desempenham…
[4] O vocábulo economia (οίκος, casa e νόμος, norma, costume) reporta-se à atividade económica, consistente na produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Como estudo, é uma ciência social, com dois grandes ramos: o da macroeconomia (estuda o resultado agregado dos vários comportamentos “individuais”) e o da microeconomia (estuda os comportamentos “individuais”). Vide, COSTA, C; PEREIRA, E.; CRUZ, A. –“Macroeconomia: Objecto e Grandes Problemáticas”.In Princípios de Economia. Lisboa: ISCSP, 2011, p.51-84.
[5] SANDRONI, Paulo (org.) -Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
[6]SHISKIN, Julius -"The Changing Business Cycle". New York Times, 1.7. 1974, p. 222.
[7] vide ACHUTHAN, Lakshman e BANERJI, Anirvan – “The risk of redefining recession”. CNNMoney.com, 7 de maio de 2008.
[8] Do grego antigo ανάγκη, Ananke ou ανάγκαιη, Anankaie (correspondente à palavra necessitas em latim, necessidade inalterável, destino), aparece, na mitologia, como a personificação da inevitabilidade, da compulsão, do que é inevitável ou ineludível.
[9] Ao desenvolvimento económico e social não basta o crescimento do PIB, mas correntemente, na teorização tradicional da economia, tal aparece em correspondência. O desenvolvimento é, assim, um processo em que o rendimento nacional real de uma economia vai aumentando durante um período longo de tempo. Este rendimento nacional real é tradicionalmente medido pelo produto total do país de bens e serviços finais, expresso em termos reais e não meramente em termos monetários, ou seja, a expressão monetária do rendimento nacional é objeto de correção por um índice apropriado de preço de bens e consumo e bens de capital. Quando o ritmo de crescimento é superior ao da população, o rendimento real per capita aumenta. O iter processual varia conforme as condições espaciais e temporais, mas com algumas características comuns básicas. O resultado geral do processo considerado num dado tempo é o crescimento do produto nacional da economia de um país.
[10] KRUGMAN, Paul (Professor de Economia do MIT, Doutor HC pelas Universidades de Lisboa), entrevista de Jorge Nascimento Rodrigues, com o apoio de Hélder Martins, jornalista do Expresso, http://www.janelanaweb.com/crise/entrevkrug.html.
[11] http://www.thinkfn.com/wikibolsa/Escola_Keynesiana.
[12] STIGLITZ, Joseph –“More Instruments and Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus”. The 1998 WIDER Annual Lecture. Helsinki, 7.1.1998
[13] O projeto de KEYNES apresentado em Bretton Woods (preservando a autonomia do Estado em dificuldades para a resolução dos problemas económicos, cujo maior objetivo deveria ser a promoção do pleno emprego) aos países a necessitar de ajustamentos não incluía nenhuma condição para o automático apoio em financiamentos em ordem a resolverem os problemas da balança de pagamentos, através da Câmara de Compensações (cuja utilidade, juntamente com o sua moeda escritural, o “bancor”, nas conceções de Keynes, ao evitar atribuir ao dolar a função de moeda internacional, poderia ter evitado os problemas da década de setenta, de 19971 e 1973, que levariam ao fim do período de ouro da Grande Moderação), dados os seus objetivos e a obrigação de intervenção simultânea dos países “causadores”-beneficiadores do excessivo défice em causa. V.g., Joseph STRIGLITZ, Jeffrey SACHS, Fernando CARVALHO (Carvalho, F. C. –“Brettom Woods aos 60 anos”. Novos Estudos, n.º70, novembro de 2004, Pp.51-63), documentos de Center of Economic Justice, Bretton Woods Project, 50 Years is Enough Network (www.50years.org/s28/demands.html; http://www.brettonwoodsproject.org/2001/09/art-15948/).
[14] CONDESSO, F. –“Portugal, o governo português, o FMI, o BCE e a UE: abordagem politológica da anatomia e anomia do desenrolar da crise. In Troika Ano II. Eduardo Paz Ferreira (Coord.). Lisboa: Faculdade de Direito de Lisboa. No prelo (apresentação pública na Reitoria da Universidade de Lisboa, em 20 de maio de 2013).
[15] Vide a recente análise do FMI: International Monetary Fund -Global Financial.Stability Report: Old Risks, New Challenges. Washington, October, 2013.
[16] Discurso silenciado no FMI em Washington, em 7 de setembro de 2006.
[17] WILLIAMSON, Jeffrey G. -“Globalization and the Great Divergence: Terms of Trade Booms and Volatility in the Poor Periphery, 1782–1913”. NBER Working Paper 13841. , Cambridge MA; National Bureau of Economic Research, 2008; STIGLITZ, Joseph E. -Making Globalization Work. New York, : W. W. Norton, 2006; -“Capital-Market Liberalization, Globalization, and the IMF”. Oxford Review of Economic Policy 20, (1), 2004, p.57–71; CRAFTS, Nicholas -“Globalization and Economic Growth: A Historical Perspective”. World Economy 27, (1), 2004, p.45–58; VVAA -Globalization in World History, ed. In A G Hopkins. ed. . New York, : W. W. Norton, 2002; HITCHNER, R Bruce -“Globalization Avant la Lettre: Globalization and the History of the Roman Empire”. New Global Studies 2, (2), 2008; O’ROURKE, Kevin H.; WILLIAMSON, Jeffrey G. -Globalization and History. Cambridge, MA: MIT Press, 2001; OSTERHAMMEL, Jürgen; PETERSSON, Niels P.. Globalization: A Short History. Princeton, NJ, : Princeton University Press, 2005; PRASAD, Eswar; Rogoff, Kenneth; Wei, Shang-Jin; Kose, M Ayhan - “Effects of Financial Globalization on Developing Countries: Some Empirical Evidence”. IMF Occasional Paper 220. Washington DC: International Monetary Fund, 2003; LUCAS, Robert et alteri -Comment on “British Imperialism Revisited: The Costs and Benefits of‘Anglobalization”. by Niall Ferguson. http://home.uchicago.edu/~sogrodow/homepage/Niall_Ferguson.pdf, 2003.
[18] Sobre a econometria e seus limites, dizia KEYNES: “empregar a análise regressiva para obter parâmetros e, em seguida, tratá-los como se fossem constantes é um erro essencial” (Skidelsky –o.c., p.130) e critica a natureza ad hoc de certos modelos quantitativos (“não podemos usá-la, justificando as ocorrências em que isso é possível, pois há insuficiências de tal forma importantes que nao podem ser reduzidas à forma de estatística (Keynes, citado em Skidelsky –o.c., p.130-131”). A sua utilidade está limitada a relações mais simples e menos abstratas , v.g., os ciclos de crédito pela sua complexidade excessiva não se podem analisar estatisticamente, nem todos os aspetos da atuação humana, mesmo que económica, pode ser reduzida a números..
[19] V.g., no Reino Unido, os dados disponíveis permitem concluir que os ativos bancários em percentagem do PIB, tinham permanecido constantes à volta de 70%, desde a década de 1880 até ao início da de 1970; mas, em 2005, já ultrapassavam os 500%; e, à medida que crescia a riqueza nacional agregada, aumentava a pobreza da maioria das regiões. ITO, Takatoshi; Krueger, Anne O (eds). -Governance, Regulation, and Privatization in the Asia-Pacific Region. Chicago: University of Chicago Press, 2004; JALILIAN, Hossein; KIRKPATRICK, Colin; PARKER, David -“The Impact of Regulation on Economic Growth in Developing Countries: A Cross-Country Analysis”, World Development 35, (1), 2007, p.87–103; ARMSTRONG, Mark; SAPPINGTON, David E. M. -“Regulation, Competition, and Liberalization”. Journal of Economic Literature 44, (2), 2006, p.325–366.
FENG, Yi. -Democracy, Governance, and Economic Performance. Cambridge, MA: MIT Press, 2003.
[20] Vide, em 2011, Derecho a la Informação: Crisis del Sistema Político. Transparencia de los Poderes Públicos. Madrid: Dykinson), Portugal em Crise: Pela Reforma Global do Sistema Político e das Políticas Públicas. Proposta de Reformas Institucionais em Momento de Debate Anti-Crise situadas no âmbito das conceções do Estado Constitucional Democrático Social de Direito .Editora Livros do Brasil; e, em 2012, “Sociedad anémica y desinformada en economia polinómica: Cuestión financiera y económico-social en la situación actual. Disfunciones y crítica de las no sufragadas europeas”. In Derecho de acceso de los ciudadanos a la información. Cuestiones y fundamentos politológicos, económico-financieros, comunicacionales y ambientales. Tomo I (EUA, RU: Lambert Academic Publishing GMBH & CO. KG, -EAE, de Saarbrücken, página 277 a 331) e Europa em Cris: (…).Lisboa:Caleidoscópio.
[21] Sobre medidas concretas, vide o Manifesto dos Economistas Aterrados, Crise e dívida na Europa, 10 falsas evidências, 22 medidas para sair do impasse. Prefácio de João Rodrigues e Nuno Serra. Lisboa: Ed. Actual, Março 2011, p.30.
[22] A adaptar à nova realidade da abolição de fronteiras económicas, tendo presentes designadamente a doutrina myrdaliana.
[23] Como defendem os liberais e alguns autores de sínteses. Vide, economistas generalistas “neokeynesianos”, V.G., SAMUELSON.
[24] E efetive-se um dado controlo de movimentos de capital. Lancem-se taxas às transações financeiras (limitadas às necessidades da economia real). Com tetos para remunerações dos operadores dos mercados financeiros.
[25]"Como a subscrição e venda de títulos; investimentos com o dinheiro dos depósitos mantidos na banca comercial. Vide Sold Out: How Wall Street and Washington Betrayed America”, March 2009, Consumer Education Foundation", www.wallstreetwatch.org.
[26] Sobre o tema da falsidade da teoria das espectativas racionais, da eficiência dos mercados financeiros desregulados e o enquadramento da teoria dos ciclos reais de negócios, as três hipóteses em que assenta o liberalismo atual, vide, v.g., CONDESSO, F. -Europa em Crise: Renegociação da Dívida. Solução Federal. Lisboa: Caleidoscópio, 2012.Foram estas premissas que levaram à desregulamentação profunda: revogação da interdição da acumulação da atividade financeira com a comercial; aceitação da auto-avaliação do risco por parte dos bancos; incapacidade de regular o mercado de derivados; defesa de orçamentos equilibrados e rácios entre dívida e PIB estabilizados (para não aumentar a taxa de juro, retirando eficiência à atividade privada); bancos centrais independentes de todo o poder político (apenas preocupados com a inflação: regra de Taylor de 1933: relacionar a taxa de juro com as previsões relativamente à inflação); prioridade à política monetária (tida como suficiente para estabelecer os preços dos produtos de consumo), secundarizando-se a estabilidade financeira e preocupações com os preços do crédito, da banca e dos ativos, permitindo que o sistema financeiro transforme o investimento em especulação (v.g., póskeynesiano Hyman Philip Minsky; Stabilizing an Unstable Economy).
[27] Acabando com orientações na linha da US Securities and Exchange Commission de 2004, que permitiu altos níveis do grau de alavancagem operacional, com rácio entre o passivo total e a situação líquida de um banco, a passar de 10:1 para 10:3. Os Acordos de Basileia de 1992 e 2004 (limitações de rácio de alavancagem máxima para os bancos mundiais) foram muito vagos. Não evitaram as consequências da desregulação financeira, com as suas regras a ser contornadas pelo sistema bancário.
[28] A legitimação e autoridade do BCE devem derivar do PE. Este deve confirmar todos os membros propostos pelo Conselho, sujeito à supervisão parlamentar e com obrigação de: fiscalização dos BC membros; produção de relatórios periódicos frequentes e públicos sobre a situação económica da Europa e dos Estados; regular e supervisionar o sistema bancário, formular e executar a política monetária (compra, venda de títulos europeus, aumento ou redução da taxa de desconto; taxa de juros dos empréstimos feitos aos bancos e Estados).
[29] Em ordem à reconstrução da uma forte e disseminada classe média forte, com real capacidade de um equilibrado poupança e consumo, sem o que não há desenvolvimento do país.
[30] Ela tornou-se visível a partir de 2007/2008, com a crise do sub-prime, e défices públicos na União Europeia de 7% e nos EUA de 11% dos seus PIB.
[31] Sem acordo prévio, os membros dos órgãos não diretamente eleitos, v.g., presidente do Eurogrupo, presidente do BCE, membros individuais do Conselho (ainda os próprios líderes dos Estados, diferentemente do Bundesrat), devem deixar de se servir do palco da União para fazer política interna (substituindo-se aos órgãos próprios e seus porta-vozes, no parlamento, Conselho e Comissão). Frequentemente, com afirmações desestabilizadoras da União e dos seus interesses específicos e coletivos.
[32] E não apenas ao sistema bancário, para este depois jogar com as margens de lucro bem mais altas e assim tapar os buracos dos seus erros, fazendo repercutir para os Estados e contribuintes as dificuldades que criaram.
[33] Emprestar diretamente e a preços baixos (que não apenas empréstimos baratos aos bancos com a garantia de títulos estaduais comprados usurariamente por esses mesmos bancos).
[34] Os países da União Europeia mais débeis têm de poder recorrer a cláusulas flexibilizadoras, em momentos de risco destrutivo de setores fundamentais da sua economia e balanças de pagamentos internacionais. E todos, em situações normais, na globalização e na União Europeia têm que se promover com técnicas alternativas às tradicionais políticas cambiais e de livre subsidiação ou taxação às importações.
[35] Em estudo recente de economistas do banco central inglês, Bianca De Paoli, Glenn Hoggarth e Victoria Saporta, que analisaram 40 crises na balança de pagamentos desde os anos 70, na sua maioria em economias não desenvolvidas, referem que elas duraram, em média, 10 anos. As crises na balança de pagamentos provocaram em geral crises bancárias ou cambiais, o que potencia o impacto negativo de uma situação deste tipo. As crises de dívida duraram entre 8 a 11 anos e, neste período, o PIB das economias afectadas é cerca de 5% inferior ao que se seria sem a crise. Estas crises normalmente andam associadas a crises bancárias e cambiais. É “o cocktail de crises triplas que causam os maiores impactos no PIB”. Perante uma crise de pagamentos, em 77% dos casos houve também crises cambiais, em 64% houve crises bancárias e em metade dos casos, uma “crise tripla”: DE PAOLI, Bianca; Hoggarth, Glenn; SAPORTA, Victoria -“Output costs of sovereign crises: some empirical estimates”, http://e.conomia.info/artigos/914/crises-na-balanca-de-pagamentos-retiram-cerca-de-5-ao-pib-anual.
[36] Como preparação para a próxima Cimeira do Ambiente 2012, no Rio de Janeiro, a ONU promoveu a elaboração de uma grande reflexão e de um Relatório, como base atualizada para o atual debate ambiental, a que se deu o título “Resilient People, Resilient Planet: A Future Worth Choosing“[36]. O Relatório “Pessoas Resilientes, Planeta Resiliente” defende a integração dos custos sociais e ambientais nos preços a nível mundial e nas medidas relacionadas com as atividades económicas. Exige, também, um conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável, que vão além da abordagem tradicional do Produto Interno Bruto (PIB) e recomenda que os governos desenvolvam e apliquem um conjunto de objetivos de desenvolvimento sustentável que possam motorizar a ação global e ajudar a monitorizar de forma mais racional o progresso. Partindo de certas constatações consensuais, apresenta um significativo conjunto de recomendações. As ideias essenciais a reter são as seguintes: a)- a aspiração universal de se conseguir o desenvolvimento sustentável, pelo que, devido aos problemas existentes e ao facto de o planeta sofrer um ataque sem precedentes no plano ambiental, é urgente tomar medidas para seguir os princípios da agenda do desenvolvimento sustentável; b)- a intervenção pública para o desenvolvimento sustentável tem que ter em conta a diversidade de circunstâncias nacionais e de desafios sociais, económicos e ambientais, peloque é necessário criar um processo capaz de levar à aplicação do conceito de equidade em relação com o desenvolvimento sustentável e, consequentemente. A desigualdade entre os ricos e os pobres é cada vez maior[36]. Em muitos países, levantam-se protestos que refletem aspirações universais a um mundo, não só mais próspero, como mais justo e mais sustentável; c)- o “nosso futuro comum” depende, não apenas das opções quotidianas das pessoas e das empresas, mas também da correta ação dos governos, quer na sua atividade própria, quer sobretudo na necessária regulação das opções dos particulares, afastando as teorias da economia ultraliberal; d)- urge que os Estados intervenham fortemente na economia, procedendo à integração o mais rapidamente possível dos princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas económicas, quer diretamente para a defesa do ambiente quer para inverter os processos que têm conduzido à desigualdade crescente entre países e pessoas ricos e pobres. Para isso, são dirigidas muitas recomendações à governança institucional. Exige-se, pois, o fim destas últimas décadas de aplicação das teorizações ditas neoclássicas. Pelo contrário, impõe-se um forte intervencionismo público, estatal e interestatal, para levar avante uma verdadeira ação pública mundial, de molde a que os Mercados, personas e empresas, e os próprios governos escolham e imponham opções sustentáveis. Impõe-se a integração das dimensiones económica, social e ambiental do desenvolvimento para conseguir a sustentabilidade, que, apesar de definida claramente há um quarto de século, está muito longe de ter sido levada a sério, face à defesa das teses liberais do Estado mínimo e uma economia de livre mercado. Os nossos governantes, se devem representar os interesses dos cidadãos, não podem permitir que sejamos “vítimas passivas e indefesas, nem das forças impessoais e deterministas da história”, nem dos meros interesses egoístas do capitalismo cada vez mais selvagem, que tem feito caminho nas nossas sociedades. O Relatório defende a transformação da economia mundial, questionando naturalmente o desempenho da atual governança económica mundial, exigindo reformas fundamentais. Há que orientar, de maneira decisiva, as economias para um “crescimento verde, não só no sistema financeiro, mas na economia real”. São necessárias políticas, em muitas áreas fundamentais, tais como da incorporação dos custos sociais e ambientais na regulação e no estabelecimento dos preços dos bens e serviços, assim como impedir os falhanços conaturais às lógicas do Mercado; criar incentivos que valorizem, cada vez mais, o desenvolvimento sustentável a longo prazo nas transações de investimentos e financeiras; aumentar o financiamento para o desenvolvimento sustentável, incluindo financiamento público e privado; promover as associações para movimentarem grandes volumes de fundos novos; alterar o modo de medir os progressos para o desenvolvimento dos países, criando um índice ou um conjunto de indicadores de desenvolvimento sustentável. Tudo isto exige novamente o fortalecimento da Política, da governança institucional, construindo um marco eficaz de instituições e de processos de tomada de decisões a nível local, nacional, regional e mundial. Gente resiliente, num planeta resiliente: Um futuro que vale a pena escolher). O Grupo de Alto Nível do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre a Sustentabilidade Mundial foi criado em agosto de 2010, e o Relatório do Grupo foi apresentado ao Secretário-Geral em 30 de janeiro de 2012. Contém 56 recomendações. Resiliente (do latim, resiliens, entis; relativo a resiliência, aquilo que possui elasticidade) aponta para o conceito de flexível. (http://www.un.org/gsp/sites/default/files/attachments/GSP_Report_web_final.pdf).
[37] WILSON, Edward O. – “Prefácio”. In Common Wealth, a. e o.c., p.12.
[38] SACHS –o.c., p.18.
[39] Idem
[40] Idem.
[41] Sobre o tema, numa perspetiva de construção de políticas infra-nacionais, e designadamente iniciadas ao nível local e teorização pertinente, trataremos em capítulo mais abaixo, relacionado com o desenvolvimento regional e as políticas de ordenamento do território.
[42] Retiram vantagens a uns e eliminam barreiras a outros (v.g., carvão, petróleo, carga aérea, internet):a. e o.c., p. 230.
[43] O.c., p.231.
[44] Vide, v.g., CONDESSO, Fernando dos Reis -Ordenamento do Território: Administração e Políticas Públicas, Direito Administrativo e Desenvolvimento Regional. Lisboa: ISCSP, UTL, 2005, 964 páginas; -El desarrollo armónico de la Península Ibérica: El problema de la ordenación territorial. Barcelona: Erasmus Ediciones, 2010; -O Ordenamento do Território da Península Ibérica e o novo contexto da Estratégia Territorial Europeia. Tese doutoral. Reg. UNL, Lisboa, 2002.
[45] DAFO: por um lado, elementos que são debilidades ou mesmo ameaças e, por outro, elementos favoráveis e mesmo oportunidades a agarrar em certo momento.
[46] SACHS –o.c., p.235.
[47] Discurso silenciado no FMI em Washington, em 7 de setembro de 2006.
[48] WILLIAMSON, Jeffrey G. -“Globalization and the Great Divergence: Terms of Trade Booms and Volatility in the Poor Periphery, 1782–1913”. NBER Working Paper 13841. , Cambridge MA; National Bureau of Economic Research, 2008; STIGLITZ, Joseph E. -Making Globalization Work. New York, : W. W. Norton, 2006; -“Capital-Market Liberalization, Globalization, and the IMF”. Oxford Review of Economic Policy 20, (1), 2004, p.57–71; CRAFTS, Nicholas -“Globalization and Economic Growth: A Historical Perspective”. World Economy 27, (1), 2004, p.45–58; VVAA -Globalization in World History, ed. In A G Hopkins. ed. . New York, : W. W. Norton, 2002; HITCHNER, R Bruce -“Globalization Avant la Lettre: Globalization and the History of the Roman Empire”. New Global Studies 2, (2), 2008; O’ROURKE, Kevin H.; WILLIAMSON, Jeffrey G. -Globalization and History. Cambridge, MA: MIT Press, 2001; OSTERHAMMEL, Jürgen; PETERSSON, Niels P.. Globalization: A Short History. Princeton, NJ, : Princeton University Press, 2005; PRASAD, Eswar; Rogoff, Kenneth; Wei, Shang-Jin; Kose, M Ayhan - “Effects of Financial Globalization on Developing Countries: Some Empirical Evidence”. IMF Occasional Paper 220. Washington DC: International Monetary Fund, 2003; LUCAS, Robert et alteri -Comment on “British Imperialism Revisited: The Costs and Benefits of‘Anglobalization”. by Niall Ferguson. http://home.uchicago.edu/~sogrodow/homepage/Niall_Ferguson.pdf, 2003.
[49] Sobre a econometria e seus limites, dizia KEYNES: “empregar a análise regressiva para obter parâmetros e, em seguida, tratá-los como se fossem constantes é um erro essencial” (Skidelsky –o.c., p.130) e critica a natureza ad hoc de certos modelos quantitativos (“não podemos usá-la, justificando as ocorrências em que isso é possível, pois há insuficiências de tal forma importantes que nao podem ser reduzidas à forma de estatística (Keynes, citado em Skidelsky –o.c., p.130-131”). A sua utilidade está limitada a relações mais simples e menos abstratas , v.g., os ciclos de crédito pela sua complexidade excessiva não se podem analisar estatisticamente, nem todos os aspetos da atuação humana, mesmo que económica, pode ser reduzida a números..
[50] V.g., no Reino Unido, os dados disponíveis permitem concluir que os ativos bancários em percentagem do PIB, tinham permanecido constantes à volta de 70%, desde a década de 1880 até ao início da de 1970; mas, em 2005, já ultrapassavam os 500%; e, à medida que crescia a riqueza nacional agregada, aumentava a pobreza da maioria das regiões. ITO, Takatoshi; Krueger, Anne O (eds). -Governance, Regulation, and Privatization in the Asia-Pacific Region. Chicago: University of Chicago Press, 2004; JALILIAN, Hossein; KIRKPATRICK, Colin; PARKER, David -“The Impact of Regulation on Economic Growth in Developing Countries: A Cross-Country Analysis”, World Development 35, (1), 2007, p.87–103; ARMSTRONG, Mark; SAPPINGTON, David E. M. -“Regulation, Competition, and Liberalization”. Journal of Economic Literature 44, (2), 2006, p.325–366.
FENG, Yi. -Democracy, Governance, and Economic Performance. Cambridge, MA: MIT Press, 2003.