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Da inevitável renegociação da dívida

Da inevitável renegociação da dívida

"Da inevitável renegociação da dívida": artigo em conjunto com Eurico Figueiredo, publicado no Jornal Público, 2011 

 A realidade é bem mais dura do que as ideologias.

As consequências do acordo com a troika são de tal ordem que os que enfim julgavam ter chegado a hora de porem em prática as tão almejadas medidas ultra-liberais começam a mostrar-se surpreendidos com os efeitos das políticas que preconizam.

Aparentemente só os mais utópicos ultraliberais acreditavam no que nunca aconteceu, e era evidente que nunca aconteceria: nos benefícios da austeridade em período de regressão económica.

Mas o que verdadeiramente conta é que o desaire das medidas tomadas pelo actual governo provocaram uma forte descida do PIB, um dramático aumento do desemprego e a diminuição da receita, o que obrigará a terem que ser tomadas novas medidas de austeridade (cortes nos salários, nas reformas, nos direitos sociais, despedimentos, subida dos impostos…).

Quem está a pagar o maior preço são os desempregados, as classes trabalhadoras, os funcionários públicos, as classes médias, os reformados. Surgindo inevitavelmente o que há décadas desaparecera em Portugal: a luta de classes. Esquecida, dadas as conquistas sociais e o crescimento do país até 2000, ela vai surgir como uma ampla frente de descontentamento englobando a maioria da população e apresentará as mais díspares formas de se manifestar.

Não duvidamos ser uma verdade indiscutível o não podermos viver acima das nossas possibilidades e que devemos pagar as nossas dívidas públicas ou privadas.

Mas a história recente é rica em ensinamentos sobre as formas eficazes ou desastrosas de o fazer: desde a Alemã depois da segunda guerra mundial, ao Brasil, Uruguai, Rússia, Malásia, Indonésia, Tailândia, Argentina, México, Equador, Islândia etc. Infelizmente, as nossas actuais desgraças têm tocado a muitos estados!

A maneira como nós estamos a tentar resolver a nossa crise é aquela que, aparentemente, sempre falhou: austeridade, mais austeridade, até se entrar numa espiral recessiva incontrolável. Esta situação, intolerável, não nos ajudará a pagar a dívida, mas sim a endividarmo-nos cada vez mais.

É legítimo ficarmos escandalizados com a diferença entre as medidas aplicadas à Alemanha depois da segunda guerra mundial, completamente destruída por sua exclusiva “culpa”,e as que a UE nos procura impor, sendo a Alemanha o país mais determinado a querer obrigar-nos a beber o cálice de cicuta.

No que diz respeito “à Alemanha, do pós-guerra e da Argentina, já neste virar do século, merecem também atenção, por revelarem uma medida de apoio (que teve clara defesa do prémio Nobel JOSEPH STIGLITZ),       que se traduz no escalonamento da dívida com a sua renegociação e dos juros, em termos, não só razoáveis, como, mais do que isso, objectivamente endossados ao ritmo de crescimento da própria economia (o que traduz outra ideia de corresponsabilidade. Pois ela será paga, tanto mais rapidamente, quanto mais os países credores ajudarem ao crescimento económico do país devedor)”( Europa em Crise, Fernando Condesso, no prelo).

Nós também gostaríamos de ser tratados da mesma maneira! Já imaginaram, segundo a lógica da culpa, que responsabiliza os estados da incúria dos governantes, como é que os aliados teriam tratado a Alemanha depois da 2ª guerra mundial? A Alemanha também sabe ao que conduziu a dívida exorbitante que lhe foi imposta após a primeira guerra mundial: ao nazismo. O actual governo alemão, nem com a sua própria história aprendeu: parece que é um fatalismo histórico.

A aprovação do Tratado Orçamental Europeu pelo CDS, PSD e PS veio ajudar à festa, impossibilitando ainda mais os países endividados de crescerem e poderem assim pagar as suas dívidas. Começam a surgir vozes de descontentamento dentro do PS e PSD (e a oposição frontal do BE e PCP) contra as investidas para nos imporem, até constitucionalmente, o pensamento único saído do consenso de Washington.

A construção europeia foi feita através do equilíbrio entre o peso do paradigma social-democrata e do democrata-cristão, com preocupações sociais. Assim cresceram os estados europeus, com grande equilíbrio, até que o duo Reagan e Thatscher nos levaram para um caminho que conduziu à depressão mundial de 2008, com repercussões na actual crise do euro.

Esperamos que muito rapidamente os portugueses e os seus partidos obriguem a troika a uma profunda renegociação da dívida: se possível segundo o modelo de que beneficiou a Alemanha Ocidental depois da 2ª guerra mundial.