ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBL

ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBL

§8.ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

No que diz respeito ao enquadramento constitucional da Administração Pública, importa essencialmente, nesta fase do estudo, saber situar a Administração Pública na Constituição instrumental.

Quais as normas que dela tratam?

Quais os temas que mereceram do legislador constitucional a consagração na Lei Fundamental? E porquê?

Algumas considerações se impõem, ainda, especificamente, sobre o enquadramento constitucional da Administração Pública, na óptica do interesse público e dos interesses dos cidadãos.

 

Diz o n.º 1 do artigo 288.º da CRP que «A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos».

A norma constitucional sobre o tema implica uma leitura, não estritamente literal, do artigo 4º Código do Procedimento Administrativo, na medida em que o prosseguimento do interesse público no respeito dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos não pode colocar-se numa perspectiva puramente competencial, porque este enquadramento teleológico da Administração Pública envolve e legitima toda a sua actuação, mesmo em gestão privada, quer se trate de actos jurídicos, quer de operações materiais, enformando assim a própria densificação do princípio da legalidade.

 

Os interesse sociais, qualificados pelo legislador como públicos ou que o legislador habilitou a Administração a prosseguir, mesmo que se esteja no âmbito do exercício discricionário do poder administrativo (em que este tem uma maior margem de conformação das situações face às circunstâncias concretas), devem ser executados dentro de balizas que implicam a limitação da actuação da Administração em face da obrigatória ponderação das decisões a tomar, ou seja, da procura da realização mais adequada do interesse público, tendo presente todos os interesses envolvidos (princípio da justa ponderação dos interesses decorrente da cláusula do Estado de Direito; imparcialidade, interdição de excesso, etc.), de modo a atingir o interesse público sem sacrifícios desnecessários ou desproporcionados dos interesses dos particulares, titulares de posições materiais legalmente protegidas.

 

E isto quer estas posições jurídicas se traduzam em direitos subjectivos, em que a pretensão da posição traduz um interesse específico num determinado bem (coisa, conduta ou utilidade), previsto na norma legal criada para o proteger directamente, em termos que lhe atribuam o poder de exigir da Administração Pública condutas em conformidade com ele, pois ele está dentro das condições legais vinculadas à sua satisfação, quer ainda quando estas posições traduzam «só» interesses legalmente protegidos de que um particular é titular, quando a norma o faz beneficiar de uma tutela ou protecção jurídica indirecta, na medida em que se por um lado a norma invocada a favor da existência de tal interesse, tutela directamente interesses e não a sua própria posição jurídica concreta envolvida na decisão a tomar, por isto mesmo também lhe são conferidos poderes jurídicos instrumentais que lhe permitem, caso se realize o interesse público pretendido, ver reflexamente satisfeito o seu próprio interesse.

Não podendo exigir directamente da Administração a conduta que realiza o seu interesse, pode exigir que ela respeite a legalidade em ordem à realização prevista do interesse público, quando tal for o meio adequado a poder esperar também do seu interesse próprio.

Abrange todas as posições jurídicas dos particulares merecedoras de protecção, todas as situações de vantagem derivadas do ordenamento jurídico, que não apenas as protegidas individualmente por uma dada norma, como as inseridas em relações jurídicas poligonais ou multipolares (vg. interesses na fixação de planos urbanísticos, interesses ambientais, etc.), que colocam certas pessoas em situações diferentes da generalidade dos administrados, de modo a merecer especial protecção, dado estarem ligadas a interesses públicos latentes, serem titulares de interesses difusos[1].

 

Impõe-se também a ponderação dos interesses de certos círculos de cidadãos, cujos interesses ou direitos podem não estar especialmente personalizados, mas que merecem acolhimento (e devem mesmo contar com a atribuição ao cidadão uti cives de meios de defesa preventiva ou sucessiva, do tipo procedimental e jurisdicional), na medida em que traduz a incorporação em cada um dos indivíduos desse círculo de interesses comunitários a preservar.



[1]   Em toda esta matéria, seguimos, hoje, a doutrina expressa nos manuais de VIEIRA DE ANDRADE e FREITAS DO AMARAL, respectivamente, Justiça Administrativa (Lições). 6.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2004, e Curso de Direito Administrativo. Vol. II, Coimbra: Almedina, 2001, p.61-73.