federalismo e federalismos

federalismo e federalismos

"Federalismo e federalismos": artigo de opiniao publicado, em conjunto com Eurico Figueiredo, no Jornal PÚBLICO de 8 de outubro de 2012

A discussão sobre o federalismo, velha na Europa, urgente depois da segunda guerra mundial, inevitável face à crise do euro, vai obrigar a um debate em Portugal, uma das principais vítimas do actual impasse na construção europeia.

Se estamos atentos ao que se passa na comunicação social, a problemática do federalismo entrou na ordem do dia num país que tem andado alheado deste tipo de debates: é enorme o número de artigos de opinião que propõem, como medida de fundo para se ultrapassar a atual crise do euro, que se avance resolutamente para a criação de uma Europa Federal.

No passado, a generalidade da classe política portuguesa apenas se preocupava com as vantagens da integração, indiferente aos interesses nacionais a longo prazo, quando se deviam manifestar na defesa do modelo de integração mais adequado para esta Europa plurinacional e pluricultural, sendo nota do oportunismo reinante o uso de expressões como a de “estar no pelotão da frente”.

Para participarmos neste debate, sobretudo por estarmos filiados em partidos diferentes (sempre se manifestaram a favor do federalismo europeu correntes liberais, conservadoras, democratas-cristãs, socialistas e comunistas), vamos referir-nos a tomadas de posição, discutíveis (como são todas), neste domínio, de líderes políticos portugueses.

A atual crise do euro traduz-se em movimentos de sentido oposto. Por um lado, estimulando as tentações nacionalistas. Por outro, fomentando a adesão ao federalismo.

A primeira tendência conduzirá à desagregação da União Europeia, com repercussões dramáticas também a nível mundial. O reforço da componente federal dar-nos-á garantias de que, no futuro, não haverá exigências impostas aos Estados que não sejam compensadas com soluções e medidas de solidariedade federal, garantidas constitucional e judicialmente. Um pacto de estabilidade será compensado com a assunção federal da dívida dos Estados nacionais, em termos que partam do estatuto e da experiência da Reserva Federal americana. Numa Europa Federal, não teria havido a crise relacionada com a dívida soberana. Eventualmente, não teria mesmo havido, a montante, descontrolo neste domínio. Retrospectivamente surpreende a pressa em entrarmos no euro sem um enquadramento federal.

Vamos discutir, para dar vida ao debate, opiniões manifestadas por importantes políticos da atualidade. Como já o referimos noutro artigo aqui publicado, Francisco Louçã, ao mesmo tempo que se afirma antifederalista, defende a construção europeia segundo o modelo de duas câmaras, uma representando os Estados em absoluta igualdade, outra os cidadãos segundo o modelo da proporcionalidade.

Concordamos. Mas isto é federalismo democrático puro e duro. Foi esta a proposta avançada por Alexander Hamilton, o pacto federal, aprovado na Convenção de Filadélfia de 1787, criando-se assim os EUA.

Recentemente, também Paulo Rengel, federalista, principal “chalanger” de Passos Coelho, em artigo de opinião neste jornal, defendeu, compreensivelmente, um Monti preocupado com a lentidão da ultrapassagem da actual crise do euro dependente de decisões parlamentares, especialmente do Parlamento Alemão, mas avançando com a noção de que a construção europeia é um problema de política externa da exclusiva competência dos governos.

Discordamos. Não é, nem a opinião pública europeia o vai consentir em mudanças profundas na arquitectura europeia sem debates nacionais, votações parlamentares e referendos. É o preço da democracia e da transparência, sem o que falhará a adesão popular. A exigência participativa agravou-se pela crise do euro que aumentou a desconfiança em relação à classe política.

Várias vezes, no século passado, os avanços federais foram inviabilizados, sobretudo pela França. A consequência foi, como muito bem referiu Viriato Soromenho Marques, (Federalismo, Ed. Esfera do Caos) o reforço da influência dos “funcionalistas” agora esgotada: “de forma insegura, atabalhoada e ziguezagueante, os acontecimentos da última década da construção europeia têm revelado que o funcionalismo tem limites evidentes. À tecnocracia falta essencialmente o suplemento de alma e legitimidade que permite encontrar e vencer os momentos de crise e angústia”. Importa reconhecer que o funcionalismo, sem prejuízo de ter permitido avanços significativos no processo unificador, revela hoje limites inultrapassáveis.

Havendo componentes federais na União Europeia (traduzidos, desde logo, em muitas matérias sujeitas a voto por maioria e aprovação simultânea dos representantes dos Governos e do Parlamento Europeu e na própria eleição direta deste), surpreende que um deputado europeu queira entregar apenas aos governos nacionais a definição das políticas europeias e sobretudo da futura organização constitucional da Europa. O tal “suplemento de alma e legitimidade” só pode vir da discussão democrática sobre a construção europeia, debates e votações parlamentares, de referendos nacionais ou europeu, ou de uma convenção europeia exclusivamente com esse fim, com delegados eleitos por todos os Estado membros da União Europeia, que legitime os avanços federais e o seu enquadramento.

Também António José Seguro propõe, como medida federal, a eleição por sufrágio directo do Presidente da Europa.

Discordamos. Embora bem-intencionada, não deixa de ser uma proposta ingénua.

Não se pode avançar com este tipo de propostas, sem comparar os diferentes modelos de Federações Democráticas (e discutir o que mais convêm a Portugal e à maioria dos Estados integrados na EU): alemã, americana, austríaca, brasileira, canadiana, helvética, indiana, etc.

Duvidamos, seriamente, que o modelo presidencialista, seja o mais adaptado para a Europa. Além de não parecer o mais adequado a uma UE composta por tantas antiquíssimas nações e Estados, constituída por, entre outros, eslavos, anglo-saxões, latinos, com referências culturais diferentes, línguas e tradições religiosas diversas. Dificilmente a generalidade dos cidadãos se poderia identificar com um presidente que encarne uma nacionalidade, eleito por sufrágio direto. Julgamos mais plausível uma solução “soft”: a de reforçar a legitimidade de um governo europeu exercido pela comissão europeia em regime parlamentarista, investida por um parlamento europeu remodelado na sua constituição e competências.

O mais importante, que a tradição federal americana e suíça, as mais antigas, nos aportam, é a existência de duas câmaras parlamentares, uma representando em absoluta igualdade os Estados ou Cantões, a outra, os cidadãos segundo o modelo proporcional, com a necessária votação das leis nas duas câmaras.

Mas, em geral, devíamos estar mais atentos à constituição da, ainda erroneamente chamada Confederação Helvética. O modelo americano e suíço são modelos que já deram provas. Mas o modelo helvético, não presidencialista, mas parlamentarista, que tem um colégio presidencial (concelho federal) como órgão supremo da federação, num país que reúne diversos povos, culturas, línguas e religiões, parece-nos ser o mais adaptado à construção europeia. A Suíça é uma miniatura da Europa. Deseje a Europa ser uma grande Suíça!