IDEOLOGIAS POLÍTICAS, ESTADO E POLÍTICAS ECONÓMICA

IDEOLOGIAS POLÍTICAS, ESTADO E POLÍTICAS ECONÓMICA

IV.IDEOLOGIAS POLÍTICAS E ECONOMIA. LIBERALISMO ECONÓMICO E REFLEXÃO IDEOLÓGICA À VOLTA DO MODELO DE SOCIEDADE. O COMPROMISSO DA DEMOCRACIA COM ECONOMIA SOCIAL DE MERCADO

IV.1. Origem, função e valor das ideologias Todo o Estado apresenta uma vertente ideológica, combinando a realizaçao de orientações fundamentais e outras de natureza estável (ideologia de Estado) e orientações apenas impostas pela sede momentânea do Poder (ideologia de Governo). A ideologia flui, quer da opção jurídico-constitucional e das correlações e equilíbrios dos órgãos que formalmente detêm o poder político. As ideologias dos Estados aparecem nas Constituições, sob uma forma explícita, patente em expressões conotadas com doutrinas políticas, ou sob uma forma implícita , deduzida da consagração de soluções sem carga ideológica a priori, mas que são opções politicamente comprometidas: tipo de sufrágio, forma de organização e distribuição de competências políticas, escolha do semipresidencialismo, o número e duração dos mandatos parlamentares e dimensão dos círculos eleitorais, mecanismos de travão, etc.. As ideologias de governo perpassam nos programas governativos elaborados para a gestão imediata do poder político. As matérias reguladas de modo estável, sem mudança mesmo na alternância, constituem ideologia de Estado. Umas e outras traduzem-se em políticas, umas mais vinculadas e outras mais descricionárias, ligadas às opçoes dos governantes. A análise política implica a apreciação do fenómeno do poder na sua forma, na sua sede e na sua ideologia (perspectiva tridimensional). O Poder, analisado na perspectiva da forma que assume ou estrutura aparente da sociedade política pertence ao campo usual do Direito (direito constitucional, direito administrativo e áreas afins do direito internacional púbico). O Poder analisado na perspectiva do seu detentor, da estrutura latente, diz sobretudo respeito à Sociologia Política, tratando a natureza do regime ou sistema político, desde o tipo de sufrágio, os eleitorados, o acesso e organização da classe política: os órgãos de soberania e os directórios partidários. O Poder analisado na perspectiva das ideologias que o enformam tem por objecto referências ligadas à forma e à sede do Poder. Nas Constituições programáticas, com metas políticas de carácter intervencionista, o programa político constitucional é uma ideologia subjacente à Constituição, de carácter expresso. E em qualquer constituição há uma ideologia implícita, mesmo que encoberta em soluções técnicas. A mais enxuta constituição de tipo liberal, como a dos EUA, que na formulação não editada tem sete artigos, consagra uma ideologia de Estado. Quanto à origem das ideologias, temos várias conceções: a)-a conceção idealista A formação ideológica começa por uma conceção filosófica não se destinando à prática, como um sistema teórico de análise incidindo sobre os factos políticos. Da fase da Teoria Política passa-se ao momento da interpretação em face de uma conjuntura concreta, visando aplicá-la à prática. E temos a doutrina política, ou seja, um modelo político de ação.A ideologia traduz a socialização da doutrina numa dada conjuntura, ou seja, a sua aplicação em concreto. b)-a conceção materialista No marxismo, a formação das ideias resulta do princípio materialista, segundo o qual a infraestrutura determina a superestrutura, na medida em que esta é a representação teórica do equilíbrio dialético refletindo as tensões ao nível da infraestrutura. No entanto, o fenómeno “ideologia” tem uma origem assente quer em bens ideais quer materiais. A realidade resulta da verificação das duas conceções, tendo a matriz ideal maior importância no aparecimento das ideologias mais transcendentes, como no fundamentalismo islâmico e a matriz hedonista, material, os interesses materiais, uma importância relevante, como acontece no capitalismo, etc.. No que se refere à estrutura das Ideologias, elas, como veículos de interesses materiais e ideais, são compostas por elementos de carácter ideal, lógicos e alógicos, isto é, não demonstráveis nem passíveis de verificação, como o instinto e sentimentos, a fé, os mitos, e valores abstratos e supremos escalonados de modos diferentes. Na medida em que em todas as ideologias há sempre elementos extra lógicos, elas são indemonstráveis. Por outro lado, elas revelam-se inevitáveis ou, pelo menos, inultrapassáveis, sendo certo que qualquer atuação política ou social é passível de ser reconduzida a um esquema ideológico. Não há sociedades organizadas sem ideologias. Quanto à função das ideologias, elas têm a função específica de fundamentar e justificar as motivações materiais da ação ou da missão de âmbito político Reportando-nos às ideologias na atualidade, referirei que, após uma época em que face à importância da ideologia era assumida com relevância nas Constituições por onde perpassa o liberalismo ou o socialismo, aparece-nos, na sociedade pós-industrial, o critério tecnocrático da otimização dos recursos, da eficiência, da rentabilidade, pretendendo-se como substituto da ideologia.

Confunde-se a crise das doutrinas com o fenómeno ideológico. A anti-ideologia da tecnocracia é uma ideologia, visando apoiar o novo capitalismo pós-industrial. Como o é o ecologismo ou o fundamentalismo, que são conceções integrais, abrangendo todos os sectores da vida social, e expansionistas, internacionalizando-se cada vez mais. Em termos de correntes de pensamento, podemos destacar: a)- Teoria dos ídolos, de Francis Bacon: As ideologias correspondem a ídolos, a falácias e são preversas porque distorcem o racicionio humano. Não são necessárias e portanto estão sempre desactualizadas. b)- Teoria marxista: As ideologias são epifenómenos das relações de produção, dependendo e resultando das relações económico-sociais. c)-Teoria da significação filosófica, de Gonzalo La Morka A Ideologia é uma filosofia política simplificada e generalizada. É uma filosofia política simplificada e generalizada. É uma filosofia apta a ser facilmente compreendida e consumida pelas massas. A ideologia gera um fenómeno de fé, alimentando-se de sistemas filosóficos, distorcem-se, acabando em utopias, que tendem a desaparecer progressivamente. Devido ao desencanto coletivo face às destruições hiperbólicas das guerras deste século, entramos numa época de consenso, do primado da diplomacia sobre o conflito, criando uma ética social baseada já não numa lógica transcendente, jus-naturalista ou imanente, mas na paz possível. d)-Teorias sobre o declínio ideológico, de Raymond Aron, John Galbraith e Maurice Duverger: A partir do fim da II Guerra Mundial teria começado a perder sentido a oposição clássica entre esquerda e direita em termos de incompatibilidade tradicional. O marxismo e o capitalismo extremos atenuaram-se, podendo inclusivamente vir a conciliar-se, o que trouxe o desinteresse das massas pelas lutas políticas, em vias de ceder primazia às preocupações de ordem técnica e económica. Segundo Raymond ARON, as esquerdas e as direitas do Ocidente têm mais identidades do que diferenças, pelo que acabou a época da controvérsia ideológica, desde que as sociedades que atinjam um certo nível de desenvolvimento tendem também para a convergência ideológica. E. SHILS, em " O Fim da Ideologia?", aponta o suicídio das ideologias atuais ao atacarem o doutrinismo, o fanatismo que lhes é inerente. John K. GALBRAITH justifica o apaziguamento ideológico pelo facto de se ter conseguido um maior nivelamento das classes económico-sociais através de uma maior redistribuição do rendimento nacional. Em jeito de comentário às teses de apaziguamento ideológico, direi que esta tese do declínio das ideologias foi construída com base em dados referentes a democracias estabilizadas, o que não permite generalizações a outras regiões do Mundo, v.g. ao Magreb, África Austral, etc.. Além de que, mesmo dentro do Bloco ocidental continuam os conflitos político-ideológicos com novos fundamentos, sejam eles nacionalistas, culturais e religiosos como em Espanha ou Reino Unido, rácicos como nos EUA, ecológicos como na França, criando novas expressões ideológicas para fazer divergência entre os membros das diferentes sociedades políticas. O pós-guerra revelou a utopia quer da uniformização ideológica das nações cuja crença fora difundida pelos regimes totalitários quer do apaziguamento ideológico que a divisão do mundo em dois fortes blocos ideológicos, num equilíbrio de impotência, não comprovava. Com a reinstalação do pluralismo político em diversas formas, vai-se caminhando para uma "unidade" do mundo através do pluralismo. O que começou a ocorrer foi uma «ambiguidade ideológica, devido à complexidade crescente da vida internacional». No se concerne ao valor das ideologias, elas têm um valor relativo, devendo ser apreciadas quer através de um ponto de vista do seu valor intrínseco quer através de um critério funcional. Numa perspetiva de valor intrínseco, as ideologias são opções subjetivas relativas e indemonstráveis que não podem servir de guia nem de diretriz para o conhecimento científico sem que este incorra este incorra em vícios de parcialidade e portanto perca o carácter de Ciência. Numa perspetiva de valor funcional, não releva a sua conformidade maior ou menor a uma dada realidade das coisas, mas as consequências factuais em termos de comportamento de pessoas e órgãos, ou seja, a sua operacionalidade na vida política.

IV.2. Do liberalismo aos socialismos e aos liberalismos. Estado Democrático Social

IV.2.1.Pensamento liberal. Tradicionalismo e neoliberalismo O primeiro texto o ficial a usar a palavra liberal foi um regime autoritário, com a Proclamação de 19 do Brumário. O primeiro teórico geral do liberalismo político foi BENJAMIM CONSTANT, com doutrinação que, posteriormente, receberá os contributos de TOCQUEVILLE, em “De la démocratie en Amérique” e outros. Constant, afastando-se de Rousseau, estabele a distinção entre liberdade dos antigos (direito de votar e exercer funções de soberania; de legislar) e liberdade dos modernos (a liberdade-autonomia, ligada à segurança: submissão apenas às leis; sem prisões, detenções, condenação à morte ou quaisquer outros maus tratos, por vontade arbitrária seja de quem for; as liberdades individuais: liberdade de opinião, reunião, propriedade, etc.).Além disso acantonará bastante as funções do Estado. Historicamente, o liberalismo é a primeira das grandes ideologias, que terá a hegemonia da crítica aos poderes até ao fim do primero terço do século XIX, de tal maneira que Bonaparte apelidava os liberais meramente por ideólogos, confundindo-se com todo o pensamento defensor de reformas do sistema político.É a “esquerda” da altura. Mas existem várias conceções dentro da matriz-base do liberalismo. E também podemos falar de conceções protoliberais ou paraliberais, em tempos recuados, desde logo claramente em certos autores e movimentos já na Idade Média. Na linha da abordagem do pensamento liberal, várias doutrinas políticas se afirmam na doutrinação político-social europeia desde finais do século XVII e sobretudo no XVIII e inícios do XIX. O liberalismo, em germe, no perído das monarquias absolutistas, confunde-se com as atitudes de contestação em relação a todos os poderes, tendo entrado no mundo como crítica (fundada na Razao Crítica, como afirmação do direito natural contra o direito divino, que justificava o absolutismo real), a uma certa organização dos poderes políticos e religiosos desta época . Com invocaçao no direito natural, caminha-se para a afirmaçao da liberdade do indivíduo em relação a todos os poderes. Como referia John Locke, um direito que legitima o absolutismo é contra-natura. A razão fundada no direito natural recusa a justificação quer do poder político absoluto quer da autoridade divina de que a Igreja se pretende investida para o afirmar. A liberdade, como defende MONTESQUIEU en L’Esprit des lois, Livre XII, cap.II, deve ser associada à segurança. Outro aspeto essenial do liberalismo com base no direito natural é o direito de propriedade, cuja apropriação individual com base no trabalho, Locke já havia justificado, considerando mesmo, no seu Deuxième Traité du Gouvernement Civil, que o “fim capital e principal, em ordem à prossecução do qual os homens se associam em ‘repúblicas’ e se submetem aos governos, é a conservação da sua propriedade”. Não é pois de estranhar que a Revoluçao Francesa de 1789 tenha associado o individualismo, fruto de ideias pré-revolucionárias, ao próprio liberalismo, embora o homem a quem se quer outorgar a liberdade em 1789 não seja o indivíduo isolado ou a mera jsutaposiçao de indíviduos isolados, mas a ‘pessoa humana’, membro da família, e primeiro fundamento da sociedade liberal . Portanto, quer a Revoluçao de 1789, quer a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, vêm traduzir estas ideias liberais. Hoje, não é possível definir a filosofia do liberalismo pela sua ligação às liberdades ou ao individualismo e nem sequer pensar nele como uma só e única conceção social. Desde logo, liberalismo articula-se à volta de dois grandes pólos doutrinais, o liberalismo político e o liberalismo económico, tendo pois perdido o chapéu global integrantes desta duas análises, como acontecia no início do século XIX, em que a defesa das liberdades individuais estavam conexionadas com a liberdade de comércio e de indústria. No final deste século e no século XX, os liberais vão dividir-se apropósito do papel do Estado na economia. Para uns deve ser limitado ao máximo, mas para outros ele pode e deve desempenhar um papel social essencial. Para os ultraliberais, estamos (sem concessões e esquecendo que a história sempre nos revelou intervenções estaduais na economia, desde logo, com regulamentações, subvenções, quotas, etc., além de nos revelar a existência regimes ditatoriais com liberalismo económico), face a um bloco ideológico insindível, pelo que, quem defender as liberdades sem aceitar os princípios do liberalismo económico, do laissez-faire, laissez-passer, não é liberal. Portanto, importa considerar que um Estado pode ser liberal, sendo simultaneamente intervencionista. Quando muito, teria que saber até onde o Estado liberal politicamente pode ir na intervenção económica, pois não o seria, ou estaria nesta âmbito em crise, se interditasse a liberdade de escolha de profissão e a montante de formação-educação distorçora dessa vontade de escolha, a liberdade de iniciativa económico-empresarial. Os liberais moderados aceitam a intervenção do Estado no campo económico, considerada mesmo como garantia do liberarismo económico, desde que não ponha em causa estas liberdades de escolha e iniciativa dos particulares. Os EUA, tidos como pátria dileta do liberalismo, convivem com várias posições doutrinais neste campo, devendo aliás distinguir-se entre a abordagem conservadora, com várias fações, e a propiamente liberal. Os conservadores em geral, sendo liberais namedida emq eu comungam da mesmma tradição intelectual e política, assentam as suas posições essencialmente na defesa de um capitalismo com valões tradicionais, designadamente morais, e orçamentos equilibrados, além do mínimo de regulamentação económica. Aqui importa distinguir entre os conservadores tradicionais (matéria fiscal, mas abertos a políticas sociais) os radicais (luta anti-comunista de meados do século XX), a nova direita (mulheres no lar, política de natalidade sem aborto, religião nas escolas, controlo local do ensino) e o neoconservadorismo (matéria familiar, mas abertos nas questões sociais, acreditando que o crescimento económico pode regular as dificuldades na sociedade). Tal como os defensores do liberalismo político americano são defensores de uma grande liberdade de escolha (mulheres, filhos, ensino, minorias), emboara distinguindo-se entre os liberais tradicionais e os neoliberais, desde logo nas questões económico-sociais . De certo modo, no campo político, o liberalismo vai-se revelando umas vezes em termos mais de conservadorismo, outras de libertarismo. Para os primeiros, conqusitadas a s liberaddes e limitado o poder, há que controlar as necessárias reformas para manter o essencial.Sao conservadores porque só querem mudar o estritamente necessário, o menos possível do que existe nas instituições, na doutrina, na política. Enquanto os libertaristas pretendem levar a lógica da liberdade ao extremo possível, no caminho de uma sociedade alternativa e de “novos homens”, autónomos (“la revolution será ontologique ou ne será pás”) .

IV.2.2.Pensamento socialista e socialismos No entanto, o desencanto de certas elites intelectuais, face às condições de vida dos trabalhadores, criadas pelo sistema capitalista, tal como existia e era acalentado por teorizações liberais, que se afirmavam sem regras, vai levar, no novo ambiente da revolução industrail e de livre exploração humana, a uma explosão de natureza ideológica, com o objetivo da defesa de uma sociedade mais justa e igualitária. É neste período que emergem as doutrinas de índole socialista, e mesmo de readoção do já clássico vocábulo “comunismo” (v.g., Platão) e aliás também da época moderna (“repúblicas” de criação jusuítica nas comunidades índigenas sulamericanas de administração portuguesa), propagando os excessos do capitalismo e explicitando uma nova perspetiva social alternativa da sociedade que ele ia construindo, em ordem a evitar as suas inerentes consequências sociais negativas. Neste debate, desde o seu início, marcado por uma riquíssima pluralidade de correntes, o socialismo, diferentemente do que ocorre no capitalismo, onde se constatam fatualmente imensas desigualdades sociais, constitui-se de um modo geral como um modelo de organização social e política no qual a sociedade proporcionaria a todos os indivíduos a igualdade real de oportunidades e condições de vida, por meio da supressão da propriedade privada e consequente socialização da estrutura económica. O liberalismo deixara o indivíduo sem defesa face às novas forças económicas. Afinal, o homem é com ele mais oprimido do que o fora no Ancien Régime, que o liberalismo combatera e destruiram O socialismo, primeiro, e depois o marxismo irão mostrar as deformações do pensamento liberal, de ambite de afvorecimento luta incontrolada de cada um por si e o Estado de facto pelos mais fortes, acusando-o de provocar a alienação do homem, sendo o mercado livre dos liberais a expressão da lei do mais forte e portanto do aniquilamento e opressão dos mais fracos e, para destruir o liberalismo económico, passando a atacar o seu pilar principal, o direito de propriedade, a apropriação individual. O pensamento socialista, enquanto movimento social, político e económico, que pretendia transformar profundamente a sociedade, surgido no dealbar do século XIX, tornar-se-ia um dos principais movimentos políticos e ideológicos do século XIX e XX, até ao seu desmoronar em vários países, quer democráticos, v.g, a França de FRANÇOIS MITTERRAND no decorrer da sua governação, quer países de ditadura, como a URSS e seus Estados satélites europeus e extraeuropeus, ou está em crise de morte lenta e dolorosa, como na Cuba atual. Mas, de fato, desde o século XIX, potenciado pela situação económico-social vivida, só já na parte final do século XX será vítima do curso natural de um processo evolutivo que procura ultrapassar-se enquanto pensamento e assente na urgência da procura da sua aceitação ativa, para um modelo de sociedade alternativa. No entanto, a ideia socialista e de construção de uma sociedade socialista foi-se desdobrando em várias correntes diferentes, numa variedade de expressões doutrinárias e ideológico-económicas cujo assento essencial era a socialização da propriedade e dos recursos e fundamentação era a injustiça social e má distribuição da riqueza, propiciada pela concretização do liberalismo económico, o que colocava em causa as democracias vigentes que favoreciam tal estado de coisas. Estas diferentes doutrinas estão relacionadas e foram aceleradas sobretudo com cisões teóricas, que, ao longo dos tempos, foram surgindo no seio do movimento socialista internacional. Há uma pluralidade dos contributos teóricos, que contribuíram para essa evolução e multiplicação das construções concretas e consequentes propostas de socialismos e, mais tarde, mesmo de modelos de comunismo. Isto é, mais do que uma única corrente de pensamento teórico, o socialismo, aparecendo no início como um movimento utopista, vai diversificar-se, depois da época dos fundadores transformistas, que acreditavam ser possível, apenas com propostas do seu pensamento de sociedade alternativa, acabar por contagiar e modificar a sociedade existente, de acordo com um modelo de maior justiça e equidade social. Acabou por evoluir doutrinariamente de modo a passar desta fase para um movimento com vocação de ação. Seja através da ação revolucionária, liderada pelo proletariado, ínsita ao chamado socialismo científico de Marx, seja da atividade reformista, protagonizada pelos partidos políticos socialistas de inícios do século XX e não só. Antes de mais, importa esclarecer que papel os socialismos pretendem ou não atribuir ao Estado. Este tema permite melhor compreender as diferenças com os liberais, embora certas correntes destes reconheçam o interesse do papel intervencionsita, desde logo, regulador do Estado na economia. Embora, como diz P. Manent, a lógica social-democrata, tenha vindo posteriormente modificar profundamente “o funcionamento e mesmo o sentido do regime liberal”. E não podendo esquecer que Tocqueville, teórico da democracia, sendo um liberal político, prezava a promoção da dignidade humana sendo mesmo, para ele, a democracia sinónimo de igualdade, temendo que o individuo em vez de cidado pudesse tornar-se um mero “sujeito”. Para os socialistas em geral, o Estado tem um papel salvador, indispensável, ao ser o único capaz de suprimir ou reduzir as desigualdades sociais resultantes do mercado. As doutrinas igualitaristas, tal como as liberais, são muito antigas. Acontece que o socialismo é algo de reativo e em geral militante, definindo-se por uma vontade política de mudar a sociedade, se não mesmo os homens, com alterações para a totnar masi justa, no sentido de impedir que uma minoria dos seus membros explore a maioria dos homens São vários os fatores que levaram à sua diferenciação, sendo desde logo derto que não existe uma única posição face ao Estado. Para certas correntes, ele é um instrumento necessário de mudança, de progersso e bem-estar geral e não propriamente um instrumento de uma classe (v.g., Louis Blanc, Lassale), mas para outros é-o de opressão do indivíduo (anarquismo, pretendendo o fim do Estado e a renovação moralmente do mundo). Para o marxismo, é desnecessário, logo que esteja realizada a sociedade comunista. Com efeito, PROUDHON, STIRNER, BAKOUNINE e KROPOTKINE propugnam por um socialismo libertário e anarquista, que visa uma ordem social diferente, com o desaparecimento do Estado, tido como responsável por dar cobertura ao capitalismo selvagem da altura, e uma organização social construída «de baixo para cima», de acordo com os princípios de municipalismo, da mutualidade e do federalismo. PROUDHON defende, como fórmula viável o contrato de sociedade com um mínimo de organização, o princípio federativo, assente nos grupos naturais (família, cidade, província). Bakounine defende a “sociedade natural”, no sentido de espontânea, sem autoridade constituída, meio social “organizado” pelas comunidades naturais, conduzindo também à sua federação (mas sem qualquerr contrato), considerando o Estado, esse “imenso cemitério onde vêem sacrificar-se, morrer, enterrar, todas as manifestações da vida individual e local, todos os interesses das partes de que se constitui a sociedade”. Krapotkine funda o sistema social na “lei” da solidariedade, assente no quadro do município, proprietário coletivo de todos os meios de produção. Há também um socialismo cristão, escola católica-revolucionária francesa de Buchez e seu jornal L’Atelier, defendendo uma associação obreira de produção. Em Inglaterra, temos os Christian Socialists. Uma versão de raiz solidarista temo-la em Pierre Leroux defendendo o socialismo democrático solidário, considerando a solidarieddae humana como a “lei moral do homem, o princípio da organização que deve regular as relações com os seus semelhantes” IV.2.3. Pensamento marxista-leninista KARL MARX, ENGELS, LENINE e GEORGE SOREL, posteriormente, defendem a destruição do próprio sistema capitalista e do Estado capitalista-burguês, através da luta do proletariado revolucionário, para acabar com a sua exploração e efetivar a implementação de uma sociedade sem classes. MARX pugna por essa destruição do capitalismo, através da revolução do proletariado. Algo que estava inscrito na própria matriz genética da sua doutrinação. Só era necessário esperar pela maturação das condições históricas necessárias à sua consumação. Passar-se-ia por uma fase intermédia de ditadura, a ditadura do proletariado. Esta, de qualquer modo, na sua conceção, seria um mero ponto de transição para a sociedade comunista. No entanto, à falta de adesão popular real, os regimes que se implantaram, invocando a sua base, marxistas-leninistas-estalinistas-maoístas, instalaram-se sem a preocupação de apontar ao fim da fase transitória. Mantiveram, de geração em geração, as populações eternamente no “purgatório” e sem confiança de, alguma vez, nas suas vidas, chegarem ao “céu”.

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SOREL apercebe-se já da capacidade do desenvolvimento do processo capitalista poder vir a propiciar que o capitalismo se viesse a adaptar aos novos tempos e produzir o aburguesamento da própria classe operária, através de concessões estratégicas, que o Estado Social acabaria por efetivamente vir a propiciar. Teme, por isso, a dissolução definitiva do espírito revolucionário da classe trabalhadora. Tal justifica que passe a considerar fundamental entrar na ação direta. Nomeadamente, através do recurso à violência e à greve geral. Para assim forçar a burguesia a desempenhar o seu papel de classe, ínsito às ideias do liberalismo económico e consequente capitalismo antissocial (o que nas últimas décadas, esquecidos os erros do passado, volta a acontecer), e levar a que o proletariado pudesse concretizar o seu destino, ou seja, a revolução. Deste modo, afirmam-se os pensamentos ativistas de KARL MARX, como o pai principal, embora não único, do denominado «marxismo», independentemente dos desvios interpretativos que ele sofreria na sua aplicação concreta no século XX, sempre em seu nome, e SOREL, o principal teórico do anarquismo sindical. O marxismo, corrente predominante do socialismo e, desde logo, no século XX, do socialismo aplicado, teve um dos seus expoentes máximos em KAUTSKY. Numa fase inicial, KAUTSKY, parece afirmar-se como um dos guardiães da ortodoxia marxista, do seu carácter absolutista e dogmático, enquanto construção de esperança cientificamente assente, segundo a qual bastava esperar pela concretização das condições necessárias para a destruição do capitalismo. Mas, depois, acabaria por ultrapassar esta visão passiva. Numa segunda fase da sua vida, ele retrata-se e passa a defender a aplicação do socialismo através de uma participação ativa no próprio sistema político democrático-burguês, acabando mesmo por aceitar, no final da sua vida, integrar um gabinete ministerial. A mudança de paradigma ideológico e objetivo resultam em grande parte da ascensão ao poder dos Bolcheviques de Lenine, em 1917, na Rússia, e da crítica que elaborou às teses marxistas do desenvolvimento do capitalismo na sua concretização política.

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IV.2.4.Socialismo democrático. Fabianismo. Social-democracia (...) Um homem fundamental na evolução seguinte deste pensamento preocupado com a questão social foi BERNSTEIN. Ele nasce em Berlim, em meados do século XIX, tal como Marx, no seio de uma família judaica. Tendo estudado economia, ingressou no SPD alemão aos 22 anos, sendo, por isso mesmo, obrigado a emigrar para a Suíça, por via das leis antissocialistas de BISMARK, o grande construtor do II Reich. Mais tarde, viria a mudar-se para Londres, onde permanece até ao início do século XX, sendo amigo íntimo de FREDERICK ENGELS. Isto, apesar das divergências políticas que os separavam . Com efeito, a ele se deve, no seio do movimento socialista, as primeiras críticas devidamente estruturadas e fundamentadas às teses centrais do marxismo, sendo por isso um dos principais precursores daquilo a que se viria a chamar por revisionismo ou reformismo. Importa referir que, “embora a análise do marxismo, efetivada por BERNSTEIN, se revista de grande amplitude, a sua contribuição fundamental está na atribuição de relevo à atuação parlamentar” . Assim contribui, do ponto de vista teórico, para o enriquecimento das propostas mais pragmáticas, provenientes de algumas associações políticas ligadas ao socialismo (v.g., Sociedade Fabiana). Contra o dogmatismo marxista, BERNSTEIN surge a defender um outro modelo de socialismo, mais próximo do criticismo de Kant, o socialismo crítico . A expressão socialismo democrático irá fazer o seu caminho para descrever, simultaneamente, a defesa do empenho na edificação do socialismo, e, de igual modo, a sua implementação concreta não revolucionária, mas segundo um modelo de vivência política com configuração de regime político democrático . Ao aperceber-se de que as previsões marxistas e seus postulados científicos, estavam incorretos, ele propôs-se a desenvolver uma revisão da teoria socialista mais moderada nos fins e pragmática nos meios. Em causa a humanização do capitalismo, na defesa da dignidade da pessoa humana em geral, criando-se um Estado democrático-social, capaz de distribuir melhor a riqueza criada na sociedade. Apesar de sentir um apreço especial pela contribuição marxista, ele sentia-se, todavia, compelido a desafiar a importância que o determinismo económico assumia no seio da mesma, determinismo esse que obrigava os socialistas ortodoxos a pautarem a sua ação política pela inflexibilidade e dogmatismo . O revisionismo Bernsteiniano implica, em larga medida, a crítica e abandono de uma boa parte das teses marxistas. Isto apesar de, no entanto, atribuir mérito a MARX, pelo facto de “haver trazido o movimento socialista para o duro solo da realidade, forçando-o a abandonar a dedução especulativa e a adotar a indução realista” . Mas, “Para BERNSTEIN, não basta constatar que muitas das teses ditas científicas se tenham revelado falsas” . Ele enumera os erros: uma das primeiras críticas de BERNSTEIN em relação ao marxismo prende-se com a pretensão de MARX e ENGELS apresentarem as suas teorias como conclusões puramente científicas, e de, por via desse facto, estas serem absolutamente inquestionáveis. Com efeito, BERNSTEIN, ao analisar os dados estatísticos relativos à evolução das sociedades industriais, viria realçar que “muitas das teses ditas científicas” de K. MARX E F. ENGELS se tinham revelado falsas . A começar pela hipótese de que o socialismo seria o estádio final da evolução das sociedades. Aquele que viria substituir inexoravelmente o capitalismo e as suas falhas perniciosas. Bernstein entende que, mesmo que tal seja possível, de acordo com o que os dados indicavam, tal apenas ocorreria num futuro ainda distante. Refuta o carácter absoluto do socialismo científico e do materialismo histórico , bebido no panidealismo hegeliano. BERNSTEIN considera que era preferível optar por uma política de mitigação dos vícios do sistema capitalista, através de pequenas-grandes reformas a efetivar democraticamente dentro do quadro institucional existente, do que ficar simplesmente à espera da maturação das condições históricas necessárias para o advento da revolução marxista. Outros determinismos marxistas, que também são criticados, são: “a ideia da depauperização crescente da classe trabalhadora; a do paralelismo entre o desenvolvimento da indústria e da agricultura; da fusão da classe capitalista; do desaparecimento das diferenças entre as ocupações” , e incluindo, como dissemos, “a própria conceção materialista da história” . Para BERNSTEIN, o socialismo, na medida em que fixa um destino pré-determinado como meta, tem necessariamente uma natureza utópica, mesmo que tenha como meta um objetivo teoricamente possível. Mas contém em si próprio um carácter de idealismo especulativo, que não é demonstrável cientificamente, como ele pretende. De fato, na medida em se assume como uma teoria do fim da história, teleológica, o socialismo marxista não é cientificamente verificável. Não se pode prever, desta forma, se as suas previsões irão algum dia tornar-se realidade levando inexoravelmente a uma sociedade socialista. Está ao nível da expetativas dos terrenos de um dia chegarem ao céu prometido. Não passa de uma crença, que, mesmo que não possa negar-se como possível, de fato ninguém pode garantir. Ao analisar os dados estatísticos acerca da evolução da sociedade industrial, Bernstein apercebe-se que não se tinha concretizado a profecia de Marx relativamente à concentração do poder político nas mãos da “elite representativa do grande capital” . De acordo com o mesmo, isso podia-se facilmente verificar através de uma análise dos resultados eleitorais do próprio SPD, que no tempo que mediou os anos de 1890 e 1912 havia passado de 1, 4 milhões de votos para 4, 2 milhões, o que em termos de representação parlamentar correspondia a um aumento do número de deputados de 35 para 110 . Era para ele evidente que a luta pela instauração de uma sociedade socialista se deveria proceder no âmbito do sistema parlamentar democrático e de acordo com os trâmites legais, uma vez que este caminho se afigurava como o mais eficaz, e ao mesmo tempo o mais célere, para a prossecução dos objetivos socialistas. Bernstein entendia, então, que a ideia democracia incluía, “no conceito contemporâneo, uma noção de justiça – uma igualdade de direitos e real para todos os membros da comunidade. E, nesse princípio, teríamos um governo da maioria, para o qual, em todos os casos concretos, a vontade da maioria se vai estender e encontrar os seus imites” . Os sociais-democratas deviam lutar principalmente pelo alargamento do corpo eleitoral, o que é o mesmo que dizer, pela adoção do sufrágio universal, pois a adoção deste levaria a que, indubitavelmente e por via do crescimento progressivo da classe operária, o SPD viesse no futuro a conquistar o poder político. BERNSTEIN ia ainda mais longe ao afirmar: “Ainda mais: o socialismo somente pode realizar-se de modo autêntico nos marcos do sistema democrático-representativo” . Mostra-se, portanto, totalmente contra a ideia da ditadura do proletariado, classificando-a como “pertencente a um nível de civilização mais atrasado” - . Apercebe-se também que, por via do crescimento exponencial da produção e da internacionalização, a grande indústria se tinha tornado impossível de nacionalizar. Incansavelmente, luta contra a implementação do socialismo por via da revolução e contra a ditadura do proletariado. Assume-se como um defensor do aprimoramento do sistema democrático, condição sine qua non para a vitória da social-democracia e da classe operária. Mais ainda: defendeu que “No que respeita ao liberalismo como movimento histórico universal, o socialismo é seu herdeiro legítimo, não apenas do ponto de vista cronológico como também do ponto de vista do conteúdo social” . Contudo, ao contrário de MARX, chega á conclusão que tal também não se lhe afigurava necessário ou útil, dado que as empresas presentes neste novo mercado global, ao estarem cada vez mais sujeitas aos mecanismos de competição e às virtudes associadas a este mesmo processo económico, contribuíam, assim, para a crescente melhoria da qualidade de vida da classe operária. Num dos escritos dedicados a esta análise pergunta: “pode o Estado encarregar-se de empresas que se apresentam como competidores no mercado mundial, com seus produtos e possibilidades de exportação e que desenvolvem todas as boas qualidades da competição moderna em sua luta por vendas e encomendas?” . O desenvolvimento das sociedades industriais permitia a penetração crescente dos artigos de consumo, outrora reservado às elites, em todas as classes, tornando mais justa a sociedade capitalista. Na agricultura, constata-se também que as teses de MARX se começavam a revelar erradas. Apesar do aumento extraordinário da fortuna de uma classe alta diminuta, verificou-se também um aumento muito grande no número de minifundiários e de proprietários de terrenos de média dimensão. Tal contrariava as previsões de MARX, quando este tinha vaticinado a crescente concentração da propriedade agrícola nas mãos de uma elite privilegiada cada vez mais restrita. Ao contrário da polarização da sociedade em duas classes principais e antagónicas, a burguesia capitalista e o proletariado, aquilo que se assistia em todos os domínios (quer na indústria, quer na agricultura, evidenciava antes uma organização social cada vez mais diversificada no que diz respeito à pertença a uma determinada classe social. E, para além destas áreas, BERNSTEIN ocupou-se também da tese marxista referente às crises cíclicas inerentes ao capitalismo, das quais se dizia que “seriam cada vez mais amplas e devastadoras” . Contudo, “também aqui o curso histórico viria a não comprovar essa expectativa. A crise de 1873/74 durou seis anos, e novo ciclo ascendente inicia-se em 1881, que, entretanto, durou muito pouco, iniciando-se nova depressão em 1884, que também durou menos (três anos). Em 1888, começa novo ciclo de expansão que resiste três anos. A crise de 1891, em contrapartida, dura apenas dois anos. Segue-se uma fase de expansão que leva a economia alemã a patamares sem precedentes, fase esta que dura de 1894 a 1900 (sete anos). Seguindo-se uma crise de curta duração (dois anos), ao que se sucede cinco anos de crescimento” . Não desaparecendo “a insegurança entre os trabalhadores e o receio do desemprego” , era, contudo, evidente que se estavam a verificar significativos incrementos na riqueza de toda a sociedade. Ao contrário das previsões de Marx, cada vez mais governos se vergavam às exigências da classe trabalhadora, a riqueza tendia no sentido de uma repartição mais equitativa e as condições de vida do proletariado melhorava ao invés de piorar. Ao contrário de se encaminhar para o fim, o capitalismo tinha-se tornado menos explorador e ajustava-se à nova realidade social, económica e política. Cabia, então, ao socialismo mudar também de paradigma e adaptar-se à nova situação. Perante estes dados irrefutáveis, BERNSTEIN defende que a social-democracia se devia adaptar à realidade do sistema capitalista, lutando pela implementação de medidas que visassem a proteção e a melhoria concreta das condições de trabalho e de vida da classe operária. O SPD não deveria, então, furtar-se a exercer o poder político no seio da sociedade industrial capitalista. Já no seio do Partido Social-Democrata Alemão, a crença na necessidade inevitável da maturação do capitalismo como o prelúdio indispensável para a vitória do proletariado, servia um modelo de ação pouco útil. Ela produzia antes um sentimento de imobilismo, uma espera passiva pela concretização das condições anunciadas, que acentuava ainda mais a clivagem interna entre a doutrina partidária de natureza revolucionária e a sua prática política real. Alguns social-democratas, ao formularam a sua crítica ao marxismo, fazem-no no intuito de o despir de parte do carácter científico e dogmático de alguns dos seus postulados (como a polarização da sociedade, a pauperização crescente do proletariado, e a inevitabilidade do colapso do capitalismo). Apesar de aceitarem, em termos gerais, a centralidade da teoria económica de Marx e da luta de classes na explicação do desenvolvimento histórico e das principais estruturas das sociedades, negavam também o seu determinismo. Esta nova corrente do socialismo exigia uma maior liberdade e independência em termos de políticas, valores e enquadramento ideológico. Percebendo que o capitalismo, ao invés de caminhar para o colapso eminente, se estava adaptar às novas exigências estruturais da sociedade, os revisionistas advogavam, inversamente à revolução, a transformação da sociedade por intermédio de reformas graduais erigidas no quadro político-constitucional capitalista . Este é, portanto, a implicação política maior do revisionismo, porquanto advogava um método de ação totalmente oposto ao defendido pela ortodoxia marxista. BERNSTEIN reclamava por uma nova maneira de encarar o socialismo, não como um objetivo final, mas como um movimento continuamente em marcha . Assim, argumentava que se devia ter uma visão do socialismo como um processo que já se encontrava em curso nas sociedades industriais da época e que podia ir sendo implementado indefinidamente através do reformismo democrático. Foi, neste sentido, que ele proclamaria então que, para si, o objetivo derradeiro do socialismo não lhe dizia nada, mas o movimento significava tudo. “A construção do socialismo era um processo contínuo e não um trágico cataclismo” . Refira-se que F. ENGELS, antes da sua morte, no prefácio da edição de 1895 de “A luta de classes em França”, de MARX, admitia também que o fortalecimento do poder político da classe operária se vislumbrava já mais fácil, espontânea e consistente, através da luta partidária inscrita no quadro legal e constitucional do regime capitalista, do que por métodos revolucionários . Esta afirmação marca o reconhecimento, por parte de ENGELS, do papel crescentemente preponderante que os partidos de massas começavam já a desempenhar no contexto político sociedade da Europa Ocidental nos finais do século XIX . Tal como acontece praticamente a todos os visionários que ousam enfrentar os dogmas da ortodoxia das lideranças instaladas, BERNSTEIN foi alvo de duras críticas, por parte dos seus detratores. Desde logo, daqueles que se afirmavam guardiães da tradição socialista . Só com o decorrer do tempo, eles acabaram por dar-se por vencidos, face às evidências e à necessidade de uma “realpolitik” por parte do partido. Isto deve-se ao facto de se constatar que a sociedade industrial podia comportar uma «razoável distribuição do rendimento, respeitadas as garantias fundamentais dos cidadãos». Graças à coragem e clarividência de homens, como Bernstein, as lideranças «sentiram-se à vontade para renunciar à utopia socialista e apostar no sucessivo aprimoramento da sociedade existente» . Esta transformação fundamental no pensamento dos líderes do SPD teve de esperar pelo Congresso do SPD em 1921. Aqui se consagram as ideias de BERNSTEIN no Programa de Gorlitz. Posteriormente, em 1959, elas vão enformar o Programa de Bad Godsberg, em que o SPD alemão abandona oficial e definitivamente o socialismo utópico. O Programa de Bad Godsberg surgiu aliás como resposta à nova realidade alemã, agora divida em duas comunidades políticas (RFA e RDA), em virtude dos “acordos” do pós-guerra e da partilha dos territórios ocupados pelos países Aliados. Neste contexto, quando na RDA os partidos políticos eram somente marionetas ao serviço da União Soviética, na RFA, o SPD via-se obrigado a deixar cair as referências revolucionárias e marxistas que atemorizavam os novos potenciais eleitores de que o partido carecia para ganhar as eleições para o Parlamento (Bundestag), contra uma CDU em quem os eleitores cada vez mais depositavam a sua confiança no que diz respeito ao restabelecimento da economia e da independência da sua política externa. Os novos líderes emergentes do partido, entre os quais os grandes estadistas WILLY BRANDT (Chanceler de 1969 a 1974) e HELMUT SCHIMDT (Chanceler de 1974 a 1982), defendiam então uma renovação do velho partido, de acordo com uma visão reformista mais pragmática e liberal aberta também às classes médias. Entre as novidades do novo programa do SPD, surge a referência à ética cristã, como uma das bases do socialismo, assim como a renúncia a um fundamento filosófico único (o materialismo histórico), sendo assim criadas as pontes necessárias para a conquista de votos junto do eleitorado cristão. Do mesmo modo, desapareciam todas as referências às nacionalizações e primava-se pelo reconhecimento do direito à propriedade privada e da importância positiva da concorrência operada num mercado regulado, mas de livre iniciativa. Contudo, emergiam do mesmo várias contradições (que em ultima análise refletiam igualmente as contradições existentes entre as várias fações no seio do partido), como a defesa do domínio do poder da macroeconomia como uma tarefa central de uma política economia de liberdade, ou o início de uma nova ordem económica que se tornaria a base de uma constituição democrática das empresas da macroeconomia. Mas a verdade é que o programa de Bad Godsberg impressionou, na altura e durante muito tempo, pela audácia da rutura encetada, pela rejeição do marxismo ideológico, sobretudo da luta de classes, e pela amplitude das concessões feitas à economia de mercado . BERNSTEIN acabaria também por constatar a capacidade do capitalismo em ganhar espaço de manobra para se moldar às novas circunstâncias sociais e políticas. Ao contrário de SOREL e de MARX, ele defende que, face ao facto da destruição do capitalismo não se afigurar viável a curto prazo, o socialismo devia seguir as pegadas do capitalismo. Devia adaptar-se também às novas condições, defendendo que, face aos dados empíricos recolhidos nas sociedades mais industrializadas da época, os social-democratas deviam deixar de esperar pela revolução e começar a participar ativamente na definição da ação governativa dos seus países, passando a ser agentes cativos da promoção da transformação da sociedade de dentro para fora, através de um processo de reformas graduais, operados no seio do próprio sistema legal e institucional democrático na economia de mercado. A posição de BERNSTEIN levou à adoção de uma postura reformista e legalista por parte da generalidade dos partidos socialistas europeus, no início do século XX, em especial no período posterior à I Guerra Mundial, o que lhes permitiu conquistas fundamentais e decisivas na melhoria significativa das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. No século XX e sobretudo depois da segunda guerra mundial, o espírito essencial da social-democracia já não é o de um partido, mas, independentemente das suas designações, de todos os partidos dos arcos das governações, inspirados nas suas ideias e no entusiasmo pelos êxitos da macroeconomia keynesiana, pese as diferenças de execução e noutros aspetos, sociais-cristãos, sociais-democratas, democratas-cristãos, e mais tarde mesmo os partidos socialistas com programas coletivistas, irão construir ou mover-se em regimes democráticos em economia de mercado social. Assim, este movimento reformista, de raiz intelectual, mas com poder governante, conseguiu a consolidação dos valores defendidos pelo “socialismo”, batizado de democrático, com ou sem a designação de social-democracia, ou seja, qualquer que tenham sido os nomes das forças políticas que, com componentes diferentes, o seguem, por vezes, várias no mesmo país (como é o caso de Portugal). Assim, marcaria decisivamente o curso da história europeia. Mesmo a nível mundial, até às últimas décadas do século XX. Só na atualidade se começou a perceber que o regresso das teorias liberais e das políticas dos governos conservadores anglo-saxónicos promoveram, começava a provocar, com exceção dos Estados Escandinavos, um recuo, possivelmente irreversível ou seja paulatinamente destrutivo, do Estado Social em Economia de Mercado, rumo a um novo período de capitalismo diferente. Isto, quer na sua base económica construtiva, muito mais assente na força dos mercados financeiros e na ausência em aspetos essências das autoridades públicas do que nos setores de produtividade real de bens, quer nas suas consequências sociais, com forte concentração e valorização do poder económico e desvalorização do trabalho, do bem-estar da população em geral e das atuais prestações sociais.