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Lições iniciais - FUNDAMENTOS CONCETUAIS

Lições iniciais - FUNDAMENTOS CONCETUAIS

 

LIÇÃO 1-5: OS FUNDAMENTOS CONCEPTUAIS DO DIREITO DO URBANISMO
 
1.1.Introdução
 
As problemáticas do ambiente, ordenamento do território e do urbanismo têm sofrido um tratamento de complexificação crescente, à medida que se vai processando a hiperbolização da factualidade que lhes subjaz, com a concentração da radicação da população no espaço físico e a integração das preocupações ambientais, o que transforma os regimes jurídicos ligados à Administração do território nas mais importantes áreas de ação pública, em ordem a, no futuro, garantir a qualidade de vida do Homem.
 
Após toda uma época em que o direito do urbanismo de 2.ª geração esteve associado, e em muitos aspetos vivendo de um intervencionismo que respondia às conceções do Estado de Direito Social, sobretudo no pós-guerra, hoje avança-se no caminho de uma reconstrução geradora daquilo que designaria por um novo direito do urbanismo, um direito do urbanismo da 3.ª geração, intimamente inspirado pelas conceções do nascente Estado de Direito Ambiental, que, partindo sobretudo da anterior década de setenta, dominarão o século XXI.
 
O novo direito urbanístico, criador de um urbanismo sustentável, não dispensando o papel de arquitetos e engenheiros, que hegemonizaram a fase tecnocrática em que temos vivido, fará acentuar o peso de planificadores e juristas, ao serviço de uma Administração pública antecipadora, corretora e circunscritiva, na defesa de valores ordenamentais e ambientais ligados ao território. A expressão que utilizo, «urbanismo sustentável», serve para mostrar que a nova dinâmica social atira o fenómeno do urbanismo para o interior de outras problemáticas, a do ambiente e do ordenamento do território, que hoje, tendo em si também autonomia de tratamento, perpassa no entanto todos os sectores da atividade humana no cumprimento de uma vocação pan-integradora, que combina as ideias de «desenvolvimento sustentável» e a incorporação da abordagem ecológico-ambientalista no domínio do urbanismo e em geral da defesa dos solos, do território.
 
Depois da hora do despertar, procurou acelerar-se o tempo perdido. Estamos apenas na fase de um proto-urbanismo sustentável, mas que marca já o rumo das grandes opções. Embora, em si, a procura da sustentabilidade do urbanismo e do modelo de vida que ele cria não seja uma opção, pois a nomogénese urbanística não pode viver desligada da nomologia comunitária, em que as exigências da irrenunciável vocação imperialista do ambiente, na sua vertente preventiva, implica fortemente o ordenamento dos solos (ou melhor, a organização do espaço, onde se devem inserir as atuações humanas, porque o solo, o território, não se ordena, apenas as atividades a exercer sobre ele) e, na sua vertente corretora, tem que levar à reconstrução da ideia de urbanismo, impedindo que se crie fora da cidade o que nela deve ser combatido e perdendo a convicção isolacionista de que essa «reconstrução» da cidade se pode fazer deixando ao acaso o seu hinterland global, o planeamento territorial em geral
 
Vivemos uma época em que os valores ambientais ganham uma importância decisiva no enquadramento e exploração dos territórios, nas dinâmicas do desenvolvimento económico-social e do bem-estar, e que, por isso, todas as realidades que mexem com o solo e a natureza passam a ser analisadas e a ter de se pautar pelo princípio do desenvolvimento sustentado, isto é, autossustentável, a que obriga aliás o direito positivo, porque imposto pelos direitos internacional e comunitário e pelas normas internas dos Estados-membros da União, designadamente o nosso direito constitucional, tornado, assim, o único desenvolvimento que deve orientar macromodelarmente a atuação do Homem, numa terra que se tem de legar às gerações futuras em condições de permitir a sua existência e subsistência, sem o que (como afirmam alguns especialistas da biologia e paleobiologia, o nosso planeta, tendo já entrado há muito num processo de crise biótica, que o imparável aumento da população e destruição das florestas tropicais poderá acelerar, e que seria a sexta grande extinção das espécies) o próprio género humano ficará em causa (David Leakey, A Sexta Extinção).
 
O homem não pode fugir a esse desafio geral de construir um desenvol-vimento sustentável e portanto, também, um desenvolvimento ordenado e sadio dos locais de habitação humana, isto é, um urbanismo sustentável.
 
1.2. A etimologia da palavra urbanismo
 
Hoje, a palavra «urbanismo» é já equívoca, dada a evolução conceptual que continua a cobrir.
Com efeito, a etimologia faz apenas referência ao que é próprio da urbe, da cidade, do aglomerado urbano, o que apontaria para uma equação semântica, ligada apenas ao ordenamento da cidade, o que só pode considerar-se válido até à segunda guerra mundial.
 
Na segunda metade do século XX, as tensões vividas, dentro e a propósito da urbe, mostraram que elas derivam, em grande parte, já não do que se passa e decide intramuros, mas, em grande parte, da vida própria do seu hinterland e, mais do que isso, em última análise, são mesmo fruto do que se passa no contexto geral do país, tudo dados que a cidade não domina, apesar de lhe sofrer a influência decisiva.
 
 Daí que alguns autores tenham passado a chamar orbanismo ao urbanismo, termo criado a partir já não de urbe mas de orbe, mundo (do latim: orbis).
Esta nova compreensão da questão urbanística levou os ingleses, desde 1939, a apelidarem as suas leis urbanísticas de leis para a planificação do campo e da cidade (Town and Country Planing Acts), o que também começou a ter tradução em França, a partir de 1944, com as políticas de «l'aménagement du territoire», que foram incorporando progressivamente medidas que têm que ver com as interligações existentes entre a planificação territorial e a económico-social, até englobarem finalmente as preocupações ambientais.
Mas sobre a relação entre o Direito do Urbanismo e o Direito do Ambiente falaremos mais adiante, designadamente a propósito do Direito Internacional Público e do Direito Comunitário e do Ambiente Urbano.
Sem dúvida que, na atualidade, o urbanismo passa por uma abordagem global e integradora de tudo o que se refere à relação do homem com o meio em que se insere, e que tem o solo, recurso natural insubstituível e inexpansível, como eixo operativo, impondo estratégias de intervenção, que seriam impossíveis sem um dado planeamento.
O planeamento aparece transformado num instrumento fundamental do moderno urbanismo, ordenando corretamente o seu uso, perspetivando o desenvolvimento futuro dos factos urbanísticos, com o equilíbrio global tido como mais adequado aos diferentes «loci», a que o casuísmo não poderia responder, ou seja, enquadrando a utilização do solo no interesse de todos.
Dito isto, parece óbvio concluir que a densificação do conceito de urbanismo rompeu as malhas da sua colocação semântica tradicional, ligada ao puro sentido do étimo latino, da mesma maneira que a expansão urbana há muito havia saído das fortes, mas cada vez mais estreitas, muralhas limitadoras do burgo, construídas na Idade Média.
 
1.3. As Ciências Urbanísticas
 
1.3.1. O urbanismo e as suas diferentes abordagens
No que se refere ao campo conceptual resultante das diferentes análises do fenómeno urbanístico, cada um com o seu papel e utilidade específicos, passível de contribuir para o melhor conhecimento e enquadramento da realidade urbanís-tica, há que distinguir entre urbanismo, urbanística, urbanização, urbanologia e direito urbanístico. Tudo análises e construções à volta do fenómeno do urbanismo abordado segundo prismas, e até campos de abrangência, diferentes.
Deixamos para momento posterior a abordagem jurídica do fenómeno.
 
Quanto às outras abordagens:
O estudo técnico, dos meios ao serviço da urbanização é a urbanística.
O estudo social, dos factos urbanísticos, em si e no contexto da sociedade em que se desenvolvem, designa-se por urbanização.
A análise retrospetiva, abordando cientificamente o facto urbano, tal como ele se foi desenvolvendo, é a urbanologia.
A análise prospetiva, a abordagem política do fenómeno, o conjunto das opções a desenvolver integra-se na política urbanística.
O seu enquadramento normativo, ou seja, à análise do fenómeno referente ao urbanismo no plano jurídico, do modo como se estabelece que ele deve ser em termos impositivos, que se impõem ao devir social, dá-se o nome de direito urbanístico ou direito do urbanismo.
 
1.3.2. A urbanização
Quanto à urbanização (ou urbanismo como fenómeno social), ela diz respeito ao crescimento urbanizador, à deslocação de pessoas do campo para a cidade (muitas vezes tendo como reverso o despovoamento dos meios rurais), atraídas por melhores condições de vida existentes na urbe.
Este fenómeno social mede-se pela progressão contínua da taxa de urbanização (percentagem de residentes nas cidades de cada país).
De qualquer modo, não existe um critério separador da natureza urbana ou rural de um dado meio populacional, que só pode ser eclético. Nem sempre é fácil distinguir entre povoados de uma e outra índole. Mas o critério, independentemente da realidade populacional e da importância relativa dos vários fatores daí resultantes, em tese geral não pode deixar de ser compósito, porquanto existem povoações com densidades demográficas superiores à de reconhecidos aglomerados urbanos, que vivem predominantemente da agropecuária, por vezes intensiva e próspera, com um habitat não disperso ou pelo menos ocupando territórios superiores aos de muitas cidades (que chegam a ter ruas de Kms), mas sem serviços públicos, com simples indústria de marcenaria, ferraria, bate-chapas, padaria e simples comércio de mercearia ou tecidos (e hoje, até já um supermercado, etc.), e que seria inadequado considerar como povoação urbana. O fator demográfico, decisivo no critério da Organização das Nações Unidas, conta significativamente, mas não pode ser erigido em critério único ou decisivo.
O tipo de atividade económica, de dominância primária, especialmente agrícola ou secundária-terciária, o estilo de vida social, de cultura rural, o tipo de habitat e equipamentos físicos, referentes à pavimentação e largura das vias de comunicação, aos saneamentos básicos, aos serviços, educação e cultura, etc., formam um todo difícil de pré-defenir, e por certo nunca passível de cópia, mas que permite, sempre com dificuldade nas zonas de incerteza, ir catalogando certas povoações como rurais e outras como urbanas.
É hoje comum para efeitos administrativos cumular vários elementos de aproximação à realidade, nomeadamente factos demográficos e económicos e a existência de certas infraestruturas e serviços.
De qualquer modo, o fator demográfico não pode deixar de ter um peso especial no domínio do urbanismo, preocupado especialmente com questões de racionalização da ocupação e uso do solo, recurso natural inelástico, dado que a demografia, a habitação e a construção vão de mãos dadas, exigindo regras de jogo disciplinadoras, que é precisamente do que trata o direito urbanístico.
 
O Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, define aglomerado urbano, como a «área como tal delimitada em plano municipal de ordenamento do território ou, na sua ausência, a delimitada nos termos do art.º 62.º do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro», (Lei dos Solos), a qual considera aglomerado urbano o conjunto de edificações autorizadas e respetiva área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e servidas por rede pública domiciliária de abastecimento de água e drenagem de esgotos, com um perímetro demarcado pelos pontos que distam 50 metros das vias públicas assim infraestruturadas. O conceito urbanístico de aglomerado urbano integra as variáveis: tipo de povoamento, forma de crescimento e extensão do seu termo, a dimensão e as funções urbanas e a identidade territorial. E no urbanismo, há ainda um conceito menos exigente, com relevância jurídica, o de áreas urbana [al. c), do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 448/91].
É o fenómeno social que explica a existência deste direito do urbanismo de 2.ª geração, na medida em que ele resulta da resposta às questões sociais graves que a industrialização e urbanização acelerada trouxeram e que se traduzem fundamentalmente no crescimento caótico das cidades, devido à inexistência de planificação, na procura crescente de terrenos, favorecedora da especulação, na falta de habitações, em habitações sem condições de higiene, de segurança e de estética, povoações sem redes de esgotos, abastecimento de água, eletricidade e mal servidas de arruamentos, o aparecimento de bairros de lata e bairros operários sem condições de vida digna, inconciliáveis com o Estado Social de Direito.
 
1.3.3. A urbanística
A urbanística tem que ver com as técnicas que orientam a criação e a expansão dos aglomerados urbanos. Podemos dizer que elas sofreram historicamente a influência de fatores variados, desde as correntes arquitetónicas, as técnicas de planeamento e de construção, aos meios de transporte e à ideologia dominante.
A urbanística ajuda a interpretar, compreender e criticar o direito urbanístico, nas suas diferentes fases históricas. Mesmo as técnicas passadas podem ser úteis atualmente, porque muitas vezes os males de hoje são fruto do desprezo do saber e das soluções de ontem.
 
As principais técnicas da urbanística são:
— o alinhamento;
— a expansão;
— a renovação;
— o zonamento;
— a terceira via, a cidade-campo ou a cidade-jardim;
— a cidade longilínea;
— o urbanismo regionalista;
— a terceira dimensão ou cidade em altura;
— a criação ex-novo de cidades; e
— o planeamento.
 
O alinhamento, que continua a ser importante, é uma das técnicas mais antigas, consistente no tracejar de uma linha territorial para fazer balizar a área edificável, definindo as ruas e praças à volta do que se situam depois as construções.
Era uma medida corrente no século XIX, inserida na Administração circuns-critiva ou limitadora do exercício do direito de construir, interdito para além da linha pré-fixada, não por razões de planificação, mas de polícia urbana.
 
A expansão urbana, que aparece no século XIX, é a criação e junção de novos bairros ao aglomerado tradicional, planeado segundo figuras abstratas, normalmente quadrículares, regulares, e que leva a cidade para fora das muralhas medievais.
É uma técnica que se revelou inadequada em muitas cidades, porquanto levou a um congestionamento dos centros urbanos concebidos, em termos de serviços, de modo insuficiente para a sua nova dimensão, uma vez que o crescimento não foi acompanhado da criação simultânea de infra-estruturas colectivas de necessidade generalizada, à medida do seu crescimento.
 
O zonamento é uma técnica criada por Joseph Stüben, in «O urbanismo, Manual de Arquitectura», de importância fundamental no actual planeamento urbanístico, na repartição do terreno correspondente normalmente à área municipal em sectores que são afectados a fins determinados.
No plano histórico, a técnica começou por ser bizonal, encaixando as habitações numa área e as indústrias noutra, traduzindo-se hoje numa afectação de destinos omnicompreensiva de todo o território, demarcado em zonas habitacionais, zonas industriais, zonas comerciais, zonas desportivas, zonas histórico-monumentais, zonas de prestação de serviços, zonas educativas, zonas hoteleiras, zonas verdes, zonas agrícolas, etc..
É uma técnica que perpassa em todos os planos urbanísticos portugueses, servindo à determinação dos usos e aproveitamentos dos terrenos, definidora do conteúdo do direito de propriedade dos solos dos diferentes titulares.
 
A cidade-jardim é uma técnica defendida por Ebenzer Howard, in «Tomorrow: a peaceful path to real reform», 1898, reimpressa em 1902 com o título «Garden Cities of Tomorrow», nome com que precisamente se popularizou, visando harmonizar os meios urbano e rural, o que se conseguiria optando por habitações unifamiliares rodeadas de grandes jardins, compatibilizando e aproveitando melhor as virtualidades caracterizadoras de cada um dos ambientes. A cidade-jardim é uma urbe-campo, uma terceira via, na medida em que pretende ser uma realidade de vivência integral, uma aposta numa via diferente de povoado, nem só urbano nem só rural, realizável através da planificação da construção de aglomerados urbanos independentes e separados das grandes cidades, constituídos por conjuntos de casas peri-ajardinadas.
 
A cidade longilínea, que comungava também de preocupações semelhantes às de Howard, permitia teoricamente imensas cidades estreitas, na medida em que reduz o tecido urbano a faixas, que ficam ligadas a uma via de comunicação, primeiro o caminho-de-ferro, depois a estrada, com o objetivo de colocar a cidade permanentemente em relação normal e funcional com o campo e facilitar a implementação da rede de canalizações urbanas, de tal modo que se imaginava até a criação de condutas longitudinais de distribuição de vapor para o aquecimento dos edifícios. Os primários da cidade linear são enunciados em 1882 por Artur Soria y Mata.
 
O urbanismo regionalista (regional survey), que vem situar o urbanismo em termos regionais, deve-se a Patrick Geddes e Lewis Mumford, que constatam que a atenção prestada só ao espaço urbano não permite resolver a problemática derivada da cidade moderna, dado que a vida das cidades ultrapassa a área urbana.
O urbanismo deve alargar o seu âmbito de análise e proposta englobando o ordenamento multifacetado de todo o território municipal, independentemente do seu carácter urbano ou rural, abrangendo mesmo o plano regional e estadual.
A realização maior desta ideia macro-urbanística, que ultrapassa o âmbito da cidade, foi em 1932, o Town and Country Planing Act, a que já fizemos referência e que se seguiu ao Plano de Nova York de 1929.
Podemos dizer que o legislador português tem tendido a alinhar nesta abordagem, com os Planos Regionais de Ordenamento do Território e os Planos Diretores Municipais e as respetivas soluções integradoras dos múltiplos fatores, de desenvolvimento, mas também de influência na cidade.
 
A terceira dimensão, cidade em altura, cidade de cimento, é uma técnica defendida por Le Corbusier, juntando prédios gigantes em altura, grandes espaços verdes e planificação em grande escala. Esta técnica só é possível com o planeamento.
A generalização do seu uso, deve-se ao autor citado, que teorizou sobre o funcionalismo racionalista, corrente de pensamento urbanístico consagrada na Carta de Atenas, resultante do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, efetivado de 29 de Julho a 13 de Agosto de 1933 e expresso no livro «Ville Radieuse», de 1935. Segundo o funcionalismo corbusiano, a cidade deve ser concebida como uma unidade funcional, com a sua organização assente num enquadramento à «escala humana», ou seja, baseada nas quatro funções-chave do homem dentro da cidade, habitar, trabalhar, divertir-se e circular, pelo que os planos têm como escopo determinar a estrutura dos sectores destinados àquelas funções e localizá-las no conjunto a planificar.
Deve-se a esta corrente a defesa dos prédios construídos em altura libertadores de terrenos para grandes espaços verdes, o que há muito é objeto de críticas pelos sociólogos e psicólogos, pelo seu artificialismo e desumanização relacional, ligados ao desaparecimento de áreas de lazer e convívio, e muitas vezes, à destruição da natureza e do património arquitetónico.
 
O planeamento urbanístico, instrumento fundamental da programação urbanística, é hoje uma técnica de antevisão e preordenação, e portanto de procedimento que ocupa um papel central no moderno urbanismo, cujas regras numa perspetiva formal poderiam por isso merecer o nome de direito do planeamento territorial (planing law, chamam os ingleses ao direito urbanístico). Diga-se aliás que, ainda antes da sua inquestionável afirmação atual, já Portugal tinha tido um plano urbanístico, que ficou célebre pelos seus resultados bem visíveis, o Plano de Reconstrução da Baixa Lisboeta, de 1758.
O Plano é um instrumento de trabalho, não uma técnica de operatividade imediata, isto é, de intervenção no terreno.
Ele não é conteúdo urbanístico, tem um conteúdo urbanístico. Em si é um continente que acolhe e disciplina a aplicação de outras técnicas de aplicação física, que a política de cada país vai selecionando, dispondo do solo, de modo coerente, integrado e adequado às especificidades das questões a enquadrar. É uma técnica ao serviço do ordenamento de um dado território.
A criação de cidades novas, criação artificial, planeada de aglomerados urbanos completos de vida integral, é resultante de uma política voluntarista de descentralização, industrial e de equilíbrio regional.
A criação de «new tows» como movimento urbanístico é recente, tendo apare-cido no Reino Unido, a partir de três documentos governamentais, os Relatórios da Comissão Barlow de 1940, da Comissão Reith de 1946 e o Plano Abercrombie da Grande Londres de 1944.
O Relatório Reith, de 1946, recomendou ao governo britânico que as novas cidades se situassem a mais de 40 Kms da região de Londres e de 20 das cidades de outras regiões, para impedir dependências das velhas cidades (cidades satélites ou dormitórios), obrigando à construção de núcleos autónomos de vida económica, social e cultural, mas de modo que não se afastassem demasiado dos centros e serviços que necessitam de interdependência com os velhos aglomerados.
A dimensão das novas cidades devia manter-se pequena, com uma baixa densidade populacional, integrando entre 20 a 60.000 residentes, para permitir deslocações a pé ou de bicicletas para os locais de trabalho, que devem ficar dentro das próprias cidades, tal como todos os serviços e instalações culturais que garantem a sua autonomia. Deve haver uma cintura verde e um rigoroso zonamento.
 
1.3.4. A urbanologia
A urbanologia é a ciência que tem como objeto a investigação e o ordenamento dos aglomerados urbanos, embora o seu âmbito se venha alargando para abarcar o ordenamento de todo o espaço territorial, para o adaptar às exigências sociais, ou seja, todo o ordenamento do solo independentemente do seu carácter urbano, de todas as formas de localização humana na terra, procurando tornar compatíveis e funcionais em termos sociais os vários usos do território.
Aparece na Europa entre o fim do século XIX e a primeira grande guerra, com natureza pluridisciplinar.
É uma ciência compósita, assente em ciências auxiliares, tais como, naturalmente, a geografia, a estatística, a economia, a arquitetura, as técnicas de construção, mas também a politologia e ciências da administração, a sociologia (e o direito como facto social), a ecologia urbana e a história.
 
Destaco apenas a importância destas últimas, o que poderia não aparecer à primeira vista:
A politologia e a ciência da administração, na medida em que a organização e as actividades dos poderes públicos e da burocracia e as suas opções sobre a cidade administrativa condicionam o seu evoluir.
 
A sociologia, na medida em que a formulação de orientações e sua execução é fundamental para as opções do planeamento, cabendo-lhe a análise do fenómeno urbe, o levantamento e análise dos dados urbanos, designadamente dos movimentos populacionais, permitindo estudos estruturais, dos processos de urbanização, dos problemas habitacionais, a elaboração de prognoses e a comprovação, a construção de modelos de desenvolvimento e, em geral, o controlo da realização dos planos.
 
A história, na medida em que estuda a evolução das cidades, o que permite comparações entre as linhas de evolução do ordenamento urbanístico e os tipos das cidades, colhendo lições e experiências com interesse na actualidade.
 
A ecologia, ao estudar as relações entre os seres vivos e o meio ambiente, e sobretudo a ecologia humana, que integra necessariamente a componente urbana, ao estudar a repartição dos grupos humanos em função das condições económicas, sociais e culturais.
 
O direito, como facto social limitador ou permissivo, na medida em que, além do mais, não é possível tratar do ordenamento urbano sem ter presente o regime jurídico que o condiciona e que voluntaristicamente o orientou ou reorientou. Desde logo as normas referentes aos solos e ao direito de propriedade privada.
 
1.4. A política urbanística
 
1.4.1. O programa constitucional
Há orientações constitucionais no domínio da política urbanística:
Nos termos do art.º 9.º, al. e), é tarefa fundamental do Estado assegurar um correto ordenamento do território. E o art.º 65.º refere-se ao direito à habitação. No seu n.º 4.º, atribui-se ao Estado e aos municípios a missão de definir o direito de utilização dos solos urbanos. A política urbanística não pode ser desligada da política da habitação. O art.º 80.º fala na apropriação coletiva do solo, de acordo com o interesse público.
 
1.4.2. As orientações vigentes até à Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo
As grandes orientações da política urbanística, dedutíveis dos programas governamentais e do ordenamento jurídico, até à aprovação da Lei de Bases de Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo, apareciam já com um conteúdo que poderia sintetizar-se assim:
a) um intervencionismo administrativo planificador crescente;
b) uma política urbanística enquadrada na política de ordenamento do território e esta na política do ambiente, com eleição da planificação, como o instrumento básico do urbanismo (com a aceleração, nos últi-mos tempos, da aprovação de Planos Regionais de Ordenamento do Território e dos Planos Directores Municipais, em todos os municípios). Trata-se de uma planificação flexível e operacional, mas nem sempre harmónica, devido à inexistência do princípio da necessidade da elaboração prévia dos planos superiores, como condição para a elaboração dos planos de menor escalão territorial;
c) uma política urbanística respeitadora do modelo de economia social de mercado, sem socialização dos solos, mas com soluções enquadradoras da função social da propriedade;
d) empenhamento do Estado como agente urbanístico, designadamente no domínio da realização do direito à habitação;
e) política de conciliação da propriedade privada do solo com uma política de construção urbana pré-orientada pelo interesse público, criadora da densificação em concreto das faculdades de edificação dos particulares, configurando a separação entre o direito de propriedade do solo e dos direitos de ocupação do espaço aéreo pelos titulares do solo subjacente, tudo acompanhado com o insuficiente enquadramento de soluções respeitadoras da igualdade e da justiça, no tratamento administrativo dos proprietários dos solos (quer na identificação das medidas de efeito equivalente às expropriações, quer em relação às medidas sacrificadoras de natureza não expropriatória), corretoras da natureza discriminatória das técnicas do planeamento urbanístico;
f) reforço dos poderes autárquicos, sem prejuízo da concorrência de atribuições pelo Governo no domínio urbanístico, acompanhadas de privilégios da Administração estadual;
g) reforço das garantias dos administrados, a acompanhar a evolução das medidas de aumento do poder de intervenção da Administração.
 
Interessa elencar o programa do actual governo, as orientações parlamentares constantes da autorização legislativa, dada, na anterior legislatura, pela Lei n.º 90-A/95, de 1 de Setembro, pois apesar da sua não atuação legislativa, traduziam um estado de maturação que as tornou uma fonte material das inovações avançadas pelo atual governo e apresentadas à Assembleia da República, como proposta de Lei n.º 112/VI, Lei de Bases de Ordenamento do Território (LBOT), cujo anteprojeto governamental esteve, em 1997, em debate a nível das autarquias, e deu origem à Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo.
Ora, no último debate parlamentar sobre o assunto, na Legislatura que terminou em 1995, o Parlamento considerava que o Direito do Urbanismo devia ser alterado, de molde a responder a preocupações em domínios menos conseguidos, que passam a citar-se:
— participação dos cidadãos não só na elaboração, mas também ao nível da própria aprovação dos planos de ordenamento do território;
— atribuição de poderes supletivos ao governo, para regular, em certas parcelas do território nacional, a ocupação, o uso e a transformação do solo, em casos de inexistência ou suspensão dos planos ordenamentais;
— articulação do ordenamento do território com outras políticas sectoriais;
— cooperação entre os diversos níveis da Administração;
— estabelecimento do conteúdo e do exercício das faculdades urbanísticas;
 
— reformulação das associações dos particulares e municípios nas ações urbanísticas e das suas faculdades, segundo formas institucionais a prever, regulando a comparticipação dos proprietários associados com os municípios nos custos de urbanização (expropriações, demolições, etc.), isentando estas associações de licenciamento de operações de loteamento e obras de urbanização e viabilizando a delegação, nas suas direções, de poderes de aprovação de projetos de obras de urbanização;
— circunscrever as operações de loteamento e as obras de urbanização apenas aos solos abrangidos pelos Planos de Urbanização ou Plano de Pormenor;
— reforço dos poderes urbanísticos das freguesias, com a atribuição de poderes para delimitarem parcelas a sujeitar a intervenções urbanísticas prioritárias e submissão à sua prévia consulta das decisões sobre loteamento urbano e autorização de obras particulares, e permitindo mesmo a delegação de poderes de licenciamento de obras de pequena dimensão;
— generalização da ponderação das preocupações ambientais no urbanismo, com exigência da integração adequada das edificações na paisagem rural e urbana e interdição de ações com impacto negativo nos elementos naturais;
— incentivo ao reparcelamento do solo, com a regulação do seu processo, a isenção de sisa, e o fracionamento dos prédios rústicos, em ordem à sua adequação às normas sobre uso, ocupação e transformação do solo, constantes dos planos territoriais;
— redefinição das figuras dos planos;
— aplicação do princípio da hierarquia dos planos, regulando o seu procedimento, de molde a impôr a sua compatibilização;
— sujeição a expropriação obrigatória de imóveis afetos a fins de interesse público, segundo planos de pormenor, e atribuindo aos particulares o direito a requerê-la;
— atribuição da natureza de utilidade pública às expropriações para execução dos planos de ordenamento do território;
— criação de um direito penal próprio, com a configuração de um delito urbanístico, prevendo a punição com pena de prisão até três anos ou multa até 600 dias, para operações de loteamento ou obras de urbanização sem autorização administrativa, em locais interditos à construção e para os licenciamentos contrário ao planeamento aprovado.
 
1.4.3. O desenvolvimento territorial sustentável
Considero que a característica fundamental da recente Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, a Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, que já entrou em vigor (30 dias após a sua publicação, nos termos do artigo 36.º) e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/98, de 10.7, que aprova a política de Proteção da Orla Costeira (linhas de orientação do governo relativas à estratégia para a Orla Costeira Portuguesa), se pode sintetizar no conceito motivador que designaria por «desenvolvimento territorial sustentável».
Quanto à Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de urbanismo, ela visa levar ao tratamento unificado de uma parte do direito referente à disciplina do território, estabelecendo os princípios e objetivos desta política, que serão desenvolvidos, no prazo de uma ano, em legislação complementar prevista nos seus artigos 19.º e 35.º, os quais definirão o regime jurídico do programa nacional da política de ordenamento do território, o regime jurídico dos planos intermunicipais de ordenamento do território, as alterações aos regimes aplicáveis à elaboração, aprovação, execução, avaliação e revisão dos planos regionais de ordenamento do território, dos planos municipais de ordenamento do território e dos planos especiais de ordenamento do território, o novo regime dos instrumentos de política de solos, destinado a proporcionar as adequadas condições para a elaboração, desenvolvimento e execução dos instrumentos de planeamento territorial, e o regime dos instrumentos de transformação da estrutura fundiária, da iniciativa da Administração Pública, necessários à execução dos instrumentos de planeamento territorial.
É mais um passo voluntarista na caminhada para um desenvolvimento do território, e das diferentes políticas no território, com preocupações de sustentabilidade do mesmo.
A política de ordenamento do território e de urbanismo define e integra, com base na instituição de um sistema de gestão territorial (composto por um conjunto coerente e racional de instrumentos prospetivos, concretizadores da interação coordenada dos diversos âmbitos territoriais), as ações promovidas pela Administração Pública, para assegurar uma adequada organização e utilização do território nacional, em ordem à sua valorização, designadamente no espaço europeu, na perspetiva do desenvolvimento económico, social e cultural integrado, harmonioso e sustentável do país, suas diferentes regiões e aglomerados urbanos (n.º 2 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 7.º). E, nesta abordagem do desenvolvimento destes aglomerados, temos uma política especificamente urbana, que não pode deixar de integrar uma política de urbanismo. Daí o acrescento feito na Lei de Bases, em relação ao anteprojeto, da expressão final que a titula.
 
A Lei de Bases vem definir o seguinte:
a) o enquadramento da política de ordenamento do território e de urbanismo;
b) os instrumentos de gestão territorial que a concretizam;
c) o relacionamento intersubjetivo público e privado, no âmbito ordena-mental, isto é, a regulação articulada das relações entre os diversos níveis da Administração Pública e a regulação participada das relações desta com as populações e com os representantes dos diferentes interesses económicos e sociais.
 
A Administração Pública tem o dever de, em colaboração interadministrativa implementar políticas de ordenamento territorial.
O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais, nos termos das suas atribuições e das competências dos respetivos órgãos, devem ordenar o território, ou seja, promover, de forma articulada, políticas ativas de ordenamento do território, de acordo com o interesse público e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o que envolve a obrigação de zelar pela efetiva consolidação de um sistema de gestão territorial e de acautelar os efeitos que as demais políticas prosseguidas possam, aos diversos níveis, envolver para o ordenamento do território.
 
Nesta perspetiva, o grande objetivo da política ordenamental é a integração de todas as ações promovidas pela Administração Pública, com a finalidade de, no quadro global do espaço nacional, garantir uma organização e utilização adequadas do território, em ordem à prossecução de um desenvolvimento sustentável, e portanto integrado e harmonioso, das diferentes regiões do país e a sua valorização, no espaço europeu.
Ou seja, o eixo basilar da eficácia da política do ordenamento passa a ser a obrigação da sua integração com as outras políticas, numa exigência imposta aos poderes públicos de integração positiva, ativa (inserir as suas opções nas outras políticas) e de integração negativa, reativa, na vertente do princípio da precaução ou da prevenção (evitar nas definições das diferentes políticas tomar ou executar medidas que prejudiquem os princípios e orientações da política do ordenamento territorial, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º).
 
Quanto à teleologia ordenamental, a política ordenamental do território prossegue várias finalidades específicas (artigo 3.º e 13.º), ligadas aos objetivos do ordenamento (artigo 6.º).
 
Vejamo-las:
A) No âmbito do desenvolvimento económico e social:
— o reforço da coesão nacional (organizando o território, atenuando as assimetrias regionais e assegurando a igualdade de oportunidades dos cidadãos no acesso às infraestruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas);
— a promoção da valorização integrada das diversidades do território nacional;
— o assegurar das condições favoráveis ao desenvolvimento das atividades económicas;
— a salvaguarda e a valorização das potencialidades do espaço rural, impedindo a desertificação e incentivando a criação de oportunidades de emprego;
— a preservação e a defesa dos solos aproveitados para atividades agrícolas, pecuárias ou florestais, salvo nas situações de necessidade comprovada [2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º].
 
B) No âmbito ambiental:
— a melhoria das condições de vida e de trabalho das populações, no respeito pelos valores culturais, ambientais e paisagísticos;
— a preservação e a defesa dos solos, com aptidão natural ou aproveitados para atividades agrícolas, pecuárias ou florestais, restringindo-se a afetação a outras utilizações aos casos em que tal for comprovadamente necessário [1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 6.º];
— o aproveitamento racional dos recursos naturais;
— a preservação da paisagem, a humanização e a funcionalidade dos espaços edificados;
— a sustentabilidade das cidades;
— a defesa e a valorização do património cultural e natural;
— a promoção da qualidade de vida [al. e) art.º 3.º];
— a salvaguarda em geral dos valores naturais essenciais (n.º 3 do art.º 6.º), desde logo os paisagísticos, designadamente a:
— a valorização natural das edificações. Isto é, isoladas ou em conjunto, elas devem integrar-se na paisagem e contribuir para a valorização da envolvente;
— a conservação da natureza. Os recursos hídricos, a orla costeira, as zonas ribeirinhas, as florestas e outros locais com interesse para a conservação da natureza constituam objeto de proteção compatível com a normal fruição pelas populações das suas potencialidades específicas;
— a proteção e valorização das paisagens culturais, resultantes da atuação humana, caracterizadas pela diversidade, pela harmonia e pelos sistemas socioculturais que suportam; e
—a conservação dos solos, que devem ser utilizados sem serem poluídos ou sujeitos a erosão [al. d) do n.º 3 do art.º 6.º].
 
C) No âmbito urbanístico:
— a racionalização do uso, ocupação e transformação do solo;
— a racionalização, a reabilitação e a modernização dos centros urbanos e a promoção da coerência dos sistemas em que se inserem [al. f) art.º 3.º];
— a garantia da distribuição equilibrada das áreas de habitação, trabalho e lazer;
— a rentabilização das infraestruturas, evitando a extensão desnecessária dos perímetros urbanos e racionalizando o aproveitamento das áreas intersticiais;
— a adequação dos níveis de densificação urbana, impedindo a degradação da qualidade de vida e o desequilíbrio da organização económica e social;
— a reabilitação dos centros históricos;
— a reconversão das áreas urbanas degradadas ou de génese ilegal;
— e a criação de zonas verdes e de espaços arborizados.
 
D) No âmbito da política regional:
— a programação, a criação e a manutenção de serviços públicos e de equipamentos coletivos nos diferentes espaços deve procurar atenuar as assimetrias existentes, tendo em conta as necessidades específicas das populações, as acessibilidades e a adequação da capacidade de utilização;
— a criação de oportunidades diversificadas de emprego como meio para a fixação de populações.
 
E) No âmbito da segurança civil:
— a proteção civil da população, prevenindo os efeitos decorrentes de catástrofes naturais ou da ação humana.
Em concordância com estas finalidades, e tendo presentes os meios a utilizar para o efeito, impõe-se uma principiologia ordenamental.
Há, sobretudo no artigo 5.º (princípios gerais da política de ordenamento do território e de urbanismo), a positivação de alguns princípios de grande relevo.
Vejamos estes e outros, que resultam da nova LBPOTU, sendo certo que, precisamente pela sua importância e pela sua consagração operativa na atual legislação de planeamento territorial, quando de exequibilidade direta e portanto de aplicação imediata, voltaremos à sua análise no capítulo referente ao direito do planeamento.
 
Assim:
1.º O princípio da obrigatoriedade de ordenar o território (artigo 4.º), com base na adopção de um sistema de gestão territorial (n.º 1 do artigo 7.º) e de executar os planos resultantes desses sistema, com recurso aos meios definidos na política dos solos (artigo 16.º). Este sistema, por sua vez, obedece a certos princípios organizatórios que se descriminam a final.
Nos termos do artigo 16.º, a Administração Pública tem o dever de proceder à execução coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial (tendo os particulares o dever de concretizar e adequar as suas pretensões às metas e prioridades neles estabelecidas), recorrendo aos meios de política de solos que vierem a ser estabelecidos na lei, que devem contemplar, nomeadamente, os modos de aquisição ou disponibilização de terrenos, os mecanismos de transformação fundiária e as formas de parceria ou contratualização, que incentivem a concertação dos diversos interesses.
O anteprojeto da Lei de Bases de Ordenamento do Território previa, para o efeito, que a lei pudesse estabelecer mecanismos incentivadores da associação e da colaboração entre a Administração Pública e os particulares, o que deveria ser efetivado, sendo certo que a figura da associação, há décadas prevista na Lei dos Solos, nunca foi aproveitada.
 
2.º O princípio da utilização racional do território e dos seus recursos, que se desdobra em três outros princípios: o princípio da sustentabilidade (1.ª parte do artigo 5.º: o ordenamento deve inserir-se numa abordagem de desenvolvimento sustentável do território), o princípio da solidariedade intergeracional (exigência de que se transmita às gerações futuras o território nacional corretamente ordenado) e o princípio da economia (utilização ponderada e parcimoniosa dos recursos naturais e culturais).
 
3.º O princípio da sujeição genérica do uso dos solos e águas à definição pública, através dos planos territoriais.
O regime de uso do solo e execução dos instrumentos de planeamento territorial vêm regulados no capítulo III da LBPOTU. Quanto ao uso do solo e das águas (artigo 14.º), dispõe-se que a ocupação, a utilização e a transformação do solo e das águas e zonas envolventes, marginais ou ribeirinhas, estão subordinadas aos fins, princípios gerais e objectivos específicos do ordenamento do território, aquelas conformando-se com o regime de uso do solo definido nos instrumentos de planeamento territorial (n.º 1) e estas devendo respeitá-los devidamente adaptados (n.º 2). O artigo 15.º dispõe que o regime de uso do solo é definido mediante a classificação e a qualificação do solo (n.º 1). A classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano (n.º 2), entendendo-se por solo rural, aquele para o qual é reconhecida vocação para as atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou que seja ocupado por infraestruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano [al. a)] e solo urbano, aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano [al. b)]. A qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, o aproveitamento dos terrenos em função da atividade dominante que neles possa ser efetuada ou desenvolvida, estabelecendo o respetivo uso e edificabilidade (n.º 3). O regime de uso do solo é estabelecido em instrumentos de planeamento territorial, que definem para o efeito as adequadas classificação e qualificação (n.º 4).
 
4.º O princípio da coordenação do ordenamento territorial com o desenvolvimento, compatibilizando-o e articulando-o com as políticas económicas e sociais.
 
5.º O princípio da subsidiariedade, coordenando os procedimentos dos diversos níveis da Administração Pública e privilegiando aqueles que se desenvolvam ao nível mais próximo dos cidadãos.
 
No plano da caracterização do sistema, o ordenamento do território nacional assenta num sistema de gestão territorial que (além de obedecer a princípios planificadores de natureza jurídica, que estudaremos mais tarde), compondo a organização definitória de estratégias compatibilizadas e coordenadas, até chegar à base municipal, onde se dispõe em termos subordinados sobre a programação e regime de uso do solo, obedecerá a uma política respeitadora das opções seguintes:
 
1.º A pluralização territorial de atribuições, comportando o desenvolvimento de políticas de âmbito nacional, regional e municipal, que prosseguem objetivos específicos, consoante a natureza da realidade territorial subjacente, de acordo com a natureza do espaço a ordenar.
 
2.º A integração das políticas de ordenamento do território e urbanismo (seguindo assim na esteira da política do ambiente, por força das normas ambientais vigentes, por exigência comunitária) em todas as outras políticas, acautelando assim as preocupações ordenamentais (n.º 2 do artigo 4.º).
 
3.º A definição ordenamental estratégica (n.º 2 do artigo 7.º)
Quanto aos instrumentos de gestão territorial (artigo 8.º), que efetivam a organização funcional do território, de quatro categorias distintas, de acordo precisamente com as funções diferenciadas que desempenham, eles são os seguintes: os instrumentos de desenvolvimento territorial (IDT), os instrumentos de planeamento territorial (IPT), os instrumentos de política sectorial (IPS) e os instrumentos de natureza especial (INE).
Sobre eles, discorreremos no capítulo referente ao planeamento territorial.
 
Quanto à proteção específica do litoral português, importa destacar o disposto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/98, de 10 de Julho de 1998, que aprova as linhas de orientação do governo relativas à estratégia para a orla costeira portuguesa. Como ela refere, a procura e a pressão, que se têm verificado sobre o litoral português criaram situações de desequilíbrio, determinando a artificialização da linha de costa, a degradação e destruição de sistemas naturais e o empobrecimento das paisagens, o que já impusera várias medidas, nos últimos anos, tomadas para permitir o planeamento integrado dos recursos da orla costeira, definindo regras e impondo restrições à sua ocupação e utilização.
Entre os extremos costeiros do nosso território, Caminha e Vila Real de Santo António, os planos de ordenamento da orla costeira (POOC) têm aparecido como elementos desta estratégia, promovendo o ordenamento dos diferentes usos e atividades, a classificação das praias e a regulamentação do uso balnear, a valorização e qualificação das praias consideradas estratégicas por motivos ambientais e turísticos, orientando o desenvolvimento de atividades específicas da orla costeira e promovendo a defesa e conservação da natureza.
 
A entrada em vigor destes planos permitem a prossecução destes objetivos.
A proteção e valorização dos recursos naturais não pode estar desligada da sua fruição e utilização parcimoniosa para fins económicos. Existe um conjunto de atividades cujo desenvolvimento pode ocorrer nesses espaços, valorizando-os, sem comprometer o seu potencial ecológico e paisagístico. Ora acontece que associada aos valores naturais e paisagísticos da orla costeira, existe uma pressão permanente no sentido da transformação do uso do solo. Por isso, entendeu o governo adotar uma estratégia para a orla costeira, na qual se definam as linhas de política e se clarifiquem os propósitos de intervenção neste espaço. As orientações políticas são as seguintes:
 
1.º — Definição clara das regras e princípios para as diferentes utilizações.
A ambiguidade dos critérios de ocupação na margem das águas do mar permitiu, durante muitos anos, a ocupação privativa de terrenos públicos e a destruição de zonas de elevado valor natural.
O início da inversão destas tendências surge com a aprovação dos planos regionais e municipais de ordenamento do território, nomeadamente através dos POOC, que criam condições para a definição de regras de ordenamento e utilização da orla costeira. O governo propõe-se garantir o cumprimento do princípio de que a utilização privativa da margem, ainda que a título precário, constitui a exceção e delimitar e manter inequivocamente as áreas dominiais do domínio hídrico sob tutela da administração central.
 
2.º — Promoção da localização de atividades compatíveis com a utilização sustentável de recursos neste espaço.
A orla costeira é possuidora de um conjunto de recursos que, quando utilizados de forma sustentável, poderão ser fonte de criação de riqueza e de empregos. O governo propõe-se promover o estudo da possibilidade de instalação de unidades produtivas de energias alternativas e a definição de espaços para a realização de experiências piloto no domínio da aquicultura, bem como o desenvolvimento de atividades agrícolas valorizadoras da paisagem e de atividades de turismo, enquadradas nos valores naturais existentes.
 
3.º — Salvaguarda eficaz de pessoas e bens.
A definição de uma «carta de risco», o recuo planeado das ocupações em risco e a criação de estruturas de prevenção e planos de intervenção em casos de emergência deverão constituir-se como prioridades e princípios basilares de atuação no sentido da salvaguarda de pessoas e bens em zonas ameaçadas pelo mar.
 
4.º — Gestão integrada e coordenada da orla costeira.
A diversidade de organismos com competências na orla costeira e a existência de interesses conflituantes recomendam a criação de um órgão com funções de articulação entre os organismos envolvidos.
 
5.º — Proteção dos valores naturais e patrimoniais.
Revela-se uma tarefa prioritária a conclusão da identificação das áreas sensíveis e a tipificação dos mecanismos de salvaguarda em caso de acidentes, nomeadamente resultantes do derrame de substâncias poluentes em alto mar, bem como a coordenação de intervenções e a hierarquização dos investimentos. Aponta-se para a criação de reservas marinhas e continuar as ações de recuperação de sistemas dunares e outras áreas sensíveis, bem como de redução de resíduos e o combate à poluição provocada por efluentes não tratados ou por derrames.
 
6.º — Combate aos fatores antrópicos que alteram a configuração da linha de costa.
A requalificação de áreas degradadas em resultado de ocupações abusivas e utilizações desregradas da orla costeira depende, entre outros aspetos, da recuperação de sistemas dunares e da relocalização de usos e atividades existentes, considerados incompatíveis com a sensibilidade ecológica ou a fragilidade dos sistemas costeiros. Neste plano, considera-se indispensável impedir a construção em zonas de risco e não tomar decisões de carácter irreversível, insuficientemente fundamentadas do ponto de vista técnico e científico.
 
7.º — Aprofundamento e divulgação do conhecimento de base técnico-científico.
Para além do aproveitamento e integração dos conhecimentos de base científica existentes sobre esta temática, importa promover o desenvolvimento de um modelo informatizado de gestão costeira, o controlo sistemático das situações de risco inventariadas, a promoção de projetos conjuntos com instituições de investigação para os estudos de hidrodinâmica costeira e a cobertura aerofotogramétrica e levantamentos sistemáticos da costa.
 
8.º — Clarificação da estrutura jurídico-administrativa.
A clarificação desta estrutura passa pela sistematização da legislação existente. Neste domínio revelam-se ainda prioritárias: a redefinição das áreas sob jurisdição portuária, a promoção de ações de formação e reforço do pessoal qualificado, a definição de unidades orgânicas específicas de gestão costeira nos Institutos da Água e da Conservação da Natureza e nas direções regionais do ambiente.
 
E o governo veio atribuir um carácter prioritário de atuação aos seguintes domínios:
1.º — Observação contínua dos fenómenos de evolução da orla costeira.
Observação que permitirá a delimitação do domínio público hídrico e das zonas de risco, através de medidas adequadas, como são a criação de uma base de dados referenciada a sistemas de informação geográfica, estudo sistemático em particular dos trânsitos sedimentares, inventariação e demarcação rigorosa das áreas pertencentes ao domínio público hídrico, e das áreas de risco, aplicação da figura de «zona adjacente», tendo por base as áreas com risco de inundação.
 
2.º — Intervenção de forma articulada na qualificação deste espaço.
Tarefa a efetivar em consonância com as propostas dos POOC e tendo presente as tipologias territoriais existentes. Isto é, em termos de centralidades, trata-se de qualificar os espaços responsáveis pela atração de pessoas e atividades, respeitando os valores biofísicos em presença (assunção inequívoca da necessidade de defesa da orla costeira, defesa intransigente dos areais, impedindo a sua ocupação por estruturas fixas, criação de zonas de transição entre o espaço urbano e a praia, mantendo o seu uso público, o relevo e a flora locais, canalização para estes espaços dos principais investimentos turísticos e concentração dos investimentos imobiliários, impedindo o crescimento urbano paralelo à linha de costa). Quanto às naturalidades, visa-se preservar os espaços com valores ecológicos e paisagísticos importantes, particularmente nas áreas protegidas, impedindo intrusões e condicionando os usos (utilização da figura de Reserva Ecológica Nacional na salvaguarda dos ecossistemas naturais, revitalização de estuários e lagunas costeiras, recuperação de zonas húmidas, valorização e requalificação das zonas ribeirinhas, recuperação de sistemas dunares degradados, ações de demolição e adaptação das construções indevidas). No que diz respeito às periferias, pretende-se compatibilizar os usos existentes com os valores biofísicos em presença, confinando o seu crescimento numa procura de equilíbrios entre a utilização antrópica destes espaços e a manutenção e valorização dos recursos naturais (elaboração de planos de intervenção e colaboração com os municípios na feitura de planos de pormenor, utilização das figuras de medidas preventivas para zonas em expansão e expectantes em que se não possua o cabal conhecimento das consequências ambientais da transformação do solo, análise custo/benefício de intervenções preconizadas e dos compromissos assumidos, avaliação de exequibilidade e validade de projetos já executados para minorar os problemas destetados).
 
3.º — Tipificação da estrutura de gestão da costa.
As medidas a seguir passam pela definição de unidades orgânicas específicas de gestão nos Institutos da Água e da Conservação da Natureza e direções regionais do ambiente, a criação de estruturas de fiscalização em articulação com as autoridades marítimas, aposta em soluções de parceria para a concretização de projetos de grande envergadura, garantia de meios humanos e financeiros para fazer cumprir, de forma efetiva, as determinações da própria Administração, e a criação da figura de associações de utilizadores para, em concessão, prestarem determinados serviços).
 
4.º — Combate aos fatores de poluição e melhoria dos índices de qualidade ambiental.
As medidas que se pretendem adotar são o impedimento eficaz da localização de sucatas e lixeiras, o controlo da deposição em meio aquático de sedimentos e outros produtos contaminados, o desenvolvimento de soluções de saneamento básico adequadas à sensibilidade dos meios recetores, por forma a melhorar a qualidade das águas balneares, a definição de um galardão alternativo destinado às praias com elevada qualidade ambiental e grau de naturalização, as Praias Douradas, e o controlo da qualidade da água, em particular nos emissários submarinos.
 

1.4.4. As Grandes Opções do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social
No âmbito do ordenamento e do desenvolvimento do território (Grandes Opções do Plano 1999, Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, Minis-tério do Equipamento, do Planeamento e da Administração Territorial, págs. 265 a 274), as opções do plano para o ano de 1999 (Plano de Médio Prazo para os anos de 1994 a 1999, redefinido em finais de 1995, e que enquadrou o Plano de Desenvolvimento Regional, em que se basearam as soluções do Segundo Quadro Comunitário de Apoio a Portugal para o mesmo período, que antecede a aplicação da Agenda 2000) apontam para uma vontade renovadora de instrumentos e práticas.
 
a) No âmbito dos trabalhos referentes ao Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social para o período 2000/2006 e numa perspectiva de política regional, o governo prevê, no domínio do ordenamento e da competitividade do território do interior, e com objectivo de gestão territorial das políticas, em ordem a que as concebidas para o interior sejam políticas territoriais, implementadas e coordenadas numa base territorial concreta, numa perspectiva de política regional de estruturação do território e do desenvolvimento regional, em que os sistemas urbanos devem ser assumidos como elemento estratégico de desenvolvimento, com mobilização dos espaços de influência das cidades (além da definição de zonas de Localização Prioritária, a favorecer em termos de sistemas de incentivos ao investimento, criação de parques empresarias e concessão de benefícios fiscais e do reforço do papel dos programas de Desenvolvimento Integrado) a criação da figura de Planos Prioritários de Desenvolvimento Urbano, visando com este tipo de planificação enquadrar a contratualização reforçada entre municípios e Administração estadual e a sua aplicação, com acções-piloto, a sistemas urbanos territo-riais do interior (GOP 1999, SEDR, MEPAT, págs. 76 a 79);
 
 b) O governo, considerando que o território deve ser assumido no conjunto das suas potencialidades e complementaridades, propõe-se (nos próximos tempos, em ordem à optimização da relação entre o território e a socie-dade e à clarificação dos objectivos da política do território, face aos agentes que nele intervêm, no quadro dos vários objectivos globais e sectoriais, desde os ambientais, rurais, industriais, comerciais, turísticos, etc.), agir em diferentes aspectos desta temática, que se elencam (págs. 268 e 269 das Grandes Opções do Plano 1999):
 
— O reforço da articulação dos IGT (Instrumentos de Gestão Territorial), no respeito pelos princípios e orientações da LBPOTU, nomeadamente dos planos regionais e municipais, dos planos especiais e dos planos sectoriais de incidência territorial;
 
— A alteração e articulação dos instrumentos legislativos de ordenamento do território, nomeadamente no âmbito da implementação das figuras de plano;
 
— A prossecução da elaboração de Planos Regionais de Ordenamento do Território;
 
— O desenvolvimento de estudos com vista à avaliação dos PDM da 1.ª geração e a definição das bases de enquadramento da revisão desses planos;
 
— O acompanhamento técnico dos municípios no desenvolvimento das acções no âmbito dos Planos Municipais de Ordenamento do Território, nomeadamente através dos GAT;
 
— O enquadramento das orientações internas da política de ordenamento do território no processo de definição de orientações no âmbito do Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC);
 
— A criação do Observatório do Ordenamento do Território, desenvolvendo uma base de critérios e indicadores adequados ao efectivo acompanhamento da evolução do estado do ordenamento do território;
 
— A prossecução do esforço de produção e actualização de cartografia, bem como de implementação de redes de informação, com o apoio de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), desenvolvidos pelo Centro Nacional de Informação Geográfica (CNIG), com vista ao reforço da digitalização, no âmbito dos Programas PROGIP e PROSIG; e
 
— A promoção de acções de sensibilização sobre a problemática do ordenamento e desenvolvimento do território.
 
 O processo de elaboração e ratificação dos Planos Directores Municipais (PDM) da «primeira geração» está quase terminado a nível de todo o território, pelo que a quase totalidade dos municípios portugueses do continente adquiriu, neste momento, uma dada autonomia na gestão quotidiana, estratégica e urbanística dos respectivos territórios.
Nesta conformidade, o governo iniciou e vai continuar a análise e avaliação global dos PDM de primeira geração, para avaliar o seu grau de execução real, o respectivo papel no enquadramento local do desenvolvimento e a adequação às realidades locais, em constante mudança.
 
Quanto aos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT), o governo concluiu as propostas de PROT para o Alto Minho e para o Centro Litoral, reformulou a proposta de PROT para a Área Metropolitana de Lisboa (dependente da localização do novo aeroporto internacional), e prepara o lançamento de um PROT para a sub-região Oeste, da Região de Lisboa e Vale do Tejo.
 
Tendo por objectivo uma nova concepção do desenvolvimento do território, associada à descentralização e à dignificação do poder local, foi elaborado, um projecto de lei referente ao quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, já aprovado pela Assembleia da Republica na generalidade.
 
O enquadramento normativo das práticas de ordenamento do território, em ordem ao desenvolvimento harmonioso e sustentável do Pais, das suas regiões e dos seus aglomerados urbanos, está hoje na Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU).
 
A valorização e o desenvolvimento equilibrado do território nacional orientaram a sistemática contratualização entre o governo e os municípios, no âmbito da cooperação técnica e financeira, expressa na comparticipação financeira da realização de inúmeras infra-estruturas e equipamentos municipais. O desenvolvimento equilibrado do território, pretendendo garantir a igualdade de oportunidades dos cidadãos no acesso a bens e serviços públicos, norteou o processo de contratualização com numerosas instituições da sociedade civil, de natureza cultural, recreativa, desportiva e religiosa, traduzida na comparticipação financeira da execução de equipamentos urbanos de utilização colectiva e de equipamentos religiosos.
 
Tem, em geral, havido uma grande preocupação governamental no âmbito da divulgação e consolidação de uma nova cultura de responsabilidade, valorizadora da qualidade dos territórios e da reflexão e concertação estratégicas de base territorial, designadamente sobre ordenamento do território e política das cidades.
 
O reforço e reequilíbrio do sistema urbano nacional e o apoio às cidades médias e a outros centros urbanos, com potencial de dinamização das respectivas áreas de influência, prosseguiu mediante a contratualização com inúmeros municípios, no âmbito do Programa de Consolidação do Sistema Urbano Nacional e Apoio à Execução dos Planos Directores Municipais (PROSIURB).
 
Esta orientação de revalorizar e difundir a problemática do ordenamento do território e o desenvolvimento urbano expressou-se na elaboração e edição de estudos, relatórios, trabalhos de investigação e guiões.
 
Em 1997, foi elaborado e publicado o Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT), em 1997, o qual sistematizou e avaliou as mais relevantes e recentes transformações ocorridas na organização espacial da sociedade portuguesa, indispensáveis para prospetivar, orientar e planear transformações.
 
Em termos da política do território, o governo propõe-se prosseguir com opções e acções sobre o território que continuem a responder às orientações para um desenvolvimento sustentável, ou seja, a integração e conciliação da diversidade sectorial do desenvolvimento, o respeito do princípio da subsidiariedade e das expectativas das populações.
 
O governo propõe-se levar avante a tarefa de qualificação do território (preocupação que deve ser prioritária da política de ordenamento, para integrar, com eficácia, os objectivos do planeamento espacial, a diferentes escalas, e reforçar a integração e coordenação das políticas sectoriais com incidências maiores no território, nomeadamente da política de ambiente e das políticas de desenvolvimento económico e social.
 
Aliás, as suas preocupações maiores têm que ver com o articular da política territorial com as políticas sectoriais, visando simultaneamente vários objectivos de desenvolvimento e ordenamento, desde o reforço da valorização das potencialidades endógenas (na diversidade e respeito pelos valores essenciais, nomeadamente os referentes ao património natural), assim se propiciando um maior equilíbrio entre os desempenhos de territórios aparentemente diferentes (como o litoral e o interior, a montanha e as terras baixas, a cidade e o espaço rural), por forma a minorar as tendências dicotómicas do desenvolvimento; o envolvimento dos diferentes tipos de território nos processos decorrentes da globalização, fomentando-se o aumento da competitividade aos diversos níveis; o aumento, a diversificação e organização da informação disponível sobre o território e os processos que o afectam, por forma a garantir respostas objectiva e temporalmente eficazes; e o envolvimento efectivo dos vários intervenientes no território, pela via do desenvolvimento e diversificação de formas de participação e parceria adequadas aos diferentes níveis; o ultrapassar das limitações territoriais na implementação das acções, através de instrumentos da política do território e de políticas sectoriais, nomeadamente de natureza legislativa, inovadores e concertados, face a objectivos comuns, de modo a integrar e simplificar procedimentos para se poderem obter resultados ao nível dos esforços da coesão de territórios, o que passa muito pelo garantir da igualdade de oportunidades no acesso dos cidadãos às principais infra-estruturas, equipamentos e serviços.
 
A Lei n.º 48/98, Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU), de 11 de Agosto, procura já enquadrar as exigências de um desenvolvimento territorial sustentável, que deve passar a ser a grande prioridade, na procura de um maior equilíbrio nas relações entre território, a população e as actividades humanas, a instalar em ordem ao desenvolvimento. Nesta aspecto, a integração das acções sectoriais revela-se de importância fundamental na economia do sistema da Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e de Urbanismo. Importa que, não só no ordenamento urbanístico, seja efectuada a integração entre os diversos níveis e tipos de planos, mas que também, intersectorialmente, se coordenem acções por objectivos, especiais ou outros, como meio de valorizar os territórios, em termos correctos e sustentáveis.
Eis, pois, as principais preocupações e opções governamentais afirmadas para este virar do século.
 
1.5. A ciência jurídico-urbanística
 
1.5.1. O urbanismo, o ordenamento do território e o ambiente no ordenamento jurídico português
Tratadas as diferentes perspetivas de focagem do fenómeno urbanístico, e feitas referências à política de ordenamento do território e de urbanismo, hoje constante de uma lei de bases sobre a matéria, é altura de passar a relacionar o direito do urbanismo com outras temáticas que o enroupam ou interpenetram, como o direito do ordenamento do território e o direito do ambiente.
A inter-relação entre estas disciplinas aparece claramente, desde logo, na LBPOTU, conforme destacamos anteriormente.
Aliás, quanto ao urbanismo e ambiente, hoje tem ganho importância crescente o chamado «ambiente urbano», virado para o tratamento das questões ambientais nas cidades.
 
As noções de urbanismo, ordenamento do território e ambiente aparecem interligadas.
 
Começo por me referir ao ambiente.
 
1.5.1.1. Urbanismo e ambiente
A Lei n.º 11/87, de 7.4, Lei de Bases do Ambiente (definidora das orientações da política do ambiente: artigos 9.º e 66.º) inclui várias normas que interessam à nossa disciplina.
a) Os objetivos e instrumentos da política do ambiente
A política do ambiente deve otimizar e garantir a continuidade da utilização dos recursos naturais (art.º 2.º, n.º 2; o solo também o é: o art.º 13.º trata dele): E ela aparece ligada pelo ordenamento do território [art.º 3.º, al. c) e d)].
Entre os objetivos da política do ambiente conta-se a adoção de «medidas visando (...) a expansão correta das áreas urbanas, através do ordenamento do território» [al. a) do art.º 4.º] e de uma correta instalação de atividades produtivas [al. c)], o estabelecimento de espaços verdes e suburbanos, de modo a estabelecer um «continuum naturale» [al. e)], o reforço de ações e medidas de defesa e recuperação do património cultural, quer natural, quer construído [al. k)], a recuperação de áreas degradadas do território nacional [al. o) do mesmo artigo], a integração da expansão urbano-industrial na paisagem [al. d) do art.º 5.º], condicionamentos ao uso e ocupação do solo para fins urbanos e industriais ou implantação de equipamentos e infraestruturas, segundo a sua natureza, topografia e fertilidade (n.º 5 do art.º 13.º).
 
Entre os instrumentos de política ambiental e de política urbanística, aparece o ordenamento territorial (art.º 27.º), a nível regional e municipal, incluindo a classificação e a criação de áreas, sítios ou paisagens protegidas, sujeitas a estatutos especiais de conservação [al. c) do n.º 1], os planos regionais de ordenamento do território, os planos diretores municipais e outros instrumentos de intervenção urbanística [al. e)], a avaliação prévia do impacto provocado por obras, construções de infraestruturas, etc. [al. g) e art.º 30.º], a regulamentação seletiva e quantificada do uso do solo e dos restantes recursos naturais [al. k)], e as sanções pelo incumprimento no disposto em legislação sobre o ambiente e o ordenamento do território [al. p)].
 
A legislação sobre o licenciamento, quer de loteamentos, quer de obras particulares, tem normas visando a defesa do ambiente, da estética e da paisagem. O Regulamento Geral das Edificações Urbanas tem um título, o IV (art.º 121.º a 127.º), intitulado «condições especiais relativas à estética das edificações», interditando, além do mais, construções que sejam «suscetíveis de comprometer, pela localização, aparência ou proporções, o aspeto das povoações ou dos conjuntos arquitetónicos, edifícios e locais de reconhecido interesse histórico ou artístico ou de prejudicar a beleza das paisagens».
 
Outras leis, como as referentes a resíduos industriais, tóxicos, perigosos, radioativos, hospitalares e urbanos, ou as sucatas (ferro-velho, entulhos, resíduos ou cinzas de combustíveis sólidos e de veículos), constante do Decreto-Lei n.º 117/94, de 3 de Março, serve objetivos ambientais. Nos termos do n.º 1.º do art.º 1.º deste diploma, afirma-se expressamente que ele visa «promover um correto ordenamento do território, evitar a degradação da paisagem e do ambiente e proteger a saúde pública», regulando a localização e sujeitando os parques de sucata a licenciamento municipal de instalação e ampliação, sendo interdita a sua construção em aglomerados urbanos.
 
O ambiente e o urbanismo encontram-se na defesa de um ambiente urbano são.
 
Esta interligação aparece também no Plano Nacional da Política do Ambiente, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/95, de 9 de Março, e publicada no Diário da República, I.ª Série, n.º 94-B, de 21 de Abril de 1995.
  Estamos perante matérias diferentes, ramos distintos do direito administrativo. Direitos que não se distinguem em função de âmbitos territoriais de aplicação, dado que, quer um, quer outro, disciplinam intervenções nos espaços rurais e nos espaços urbanos, e que, muitas vezes, se interpenetram, com o direito do urbanismo a preocupar-se com a proteção do ambiente, o que não é original, dado que modernamente a proteção deste é concebida em termos hiperbólicos, segundo o princípio comunitário da integração das preocupações ambientais em todas as políticas das diferentes entidades públicas.
Daí que, no direito do urbanismo e no direito do ambiente, apareçam objetivos comuns de defesa do ambiente e de defesa da qualidade das construções e do aglomerado, como a valorização dos espaços urbanos naturais e a preservação dos centros históricos. O direito do ambiente preocupa-se também com o ambiente construído e a luta contra a poluição urbana. Desde logo, a poluição atmosférica e sonora dos aglomerados urbanos, a qualidade das águas de banho e potáveis, os resíduos sólidos urbanos, etc..
 
No direito do urbanismo aparecem também objetivos de defesa do ambiente, proteção e valorização das paisagens naturais, criação de zonas verdes, proteção e valorização do património histórico edificado, renovação de áreas urbanas degradadas, etc.
 
b) O ambiente e o fenómeno urbano
O ambiente do Homem europeu é o ambiente urbano. Na maioria dos Estados Europeus, a principal condição humana já é a condição urbana. E, em Portugal, embora os níveis de urbanização não sejam tão elevados, como na média Europeia, são já bastantes significativos e crescentes.
Decorre desta condição que uma preocupação dominante em qualquer cenário de desenvolvimento é viver melhor nas cidades.
Mas se o Homem Europeu vive em cidades, para viver melhor terá que ter melhores cidades. A qualidade de vida nas cidades depende da qualidade do Ambiente Urbano.
Outra razão, mais ligada às problemáticas do Ambiente em geral, é que é nas cidades que se geram muitos dos problemas associados à poluição, porque é aí que o homem produz, ou seja, as cidades são focos e fontes de problemas ambientais, mas, por outro lado, é também nelas que se devem procurar as soluções de muitos dos problemas do Ambiente, até problemas transfronteiriços, originados pelas emanações originadas em torno das grandes cidades.
Por isso, as políticas ambientais devem integrar a componente urbana.
Também é importante que a metodologia do Ambiente (a visão sistémica das questões ambientais e que constitui, hoje em dia, uma ciência) aborde o tratamento das questões da cidade. O habitat do homem, o seu espaço cultural, é a cidade, pelo que é necessário procurar aplicar à cidade a metodologia das questões ambientais.
Há que trazer a perspetiva dos ambientalistas à solução de alguns problemas urbanos. Outro motivo para o tratamento do problema do ambiente urbano, a nível comunitário, é a grande semelhança entre as cidades europeias quanto aos problemas ambientais com que se debatem, semelhança que se deve a terem tido quase todas processos muito semelhantes de crescimento, desenvolvimento e envelhecimento.
 
As cidades europeias e a sua vivência são património cultural europeu da maior relevância e, portanto, a conclusão que a Comissão Europeia propõe para reflexão é que o problema do ambiente nas cidades europeias oferece uma oportunidade grande à cooperação entre Estados-Membros.
Aliás, o ambiente urbano é hoje um dos temas de política comunitária, dado que, como dissemos, na União Europeia, a maioria (cerca de 80 %) da população vive em cidades. E importa dizer que as áreas urbanas são os locais onde os problemas do ambiente mais afetam a qualidade de vida dos cidadãos. As tendências demográficas, incluindo a evolução da população, a dimensão dos agregados familiares e a ocupação do espaço, continuaram a levar ao aumento das pressões nas áreas urbanas. Embora de acordo com o princípio da subsidiariedade, a responsabilidade pelas medidas de defesa, de correção e de melhoria da qualidade do ambiente urbano recai sobre as autoridades competentes, essencialmente as autoridades locais. Mas a Comunidade também tem preocupações neste âmbito. Parte da sua legislação sobre o ambiente, por exemplo as diretivas relativas à incineração de resíduos urbanos (Diretiva 89/369/CEE e Diretiva 89/429/CEE) e ao tratamento de águas residuais urbanas (Diretiva 91/271/CEE), bem como muitas atividades desenvolvidas através dos fundos estruturais, levam-na inevitavelmente a desempenhar um papel importante no desenvolvimento das cidades.
Ela própria tem motivado o movimento das «Cidades Sustentáveis», cuja última reunião se realizou em Portugal, em Outubro de 1996. A política comunitária tem incentivado as autoridades locais a enfrentar o desafio colocado pelos problemas ambientais de muitas cidades dos nossos dias e apoia-as na escolha das melhores soluções.
 
Os transportes, a energia, a indústria e, nalguns casos, o turismo constituem as principais atividades sectoriais com impacto na qualidade do ambiente urbano e que, ao mesmo tempo, podem beneficiar significativamente de um ordenamento racional e de uma gestão sustentável das áreas urbanas.
Já, em 1990, a Comissão havia publicado um Livro Verde sobre o Ambiente Urbano (COM (90) 218, de 27.6.1990) em que eram sugeridas várias ações relacionadas nomeadamente com o ordenamento do território urbano e rural, a otimização da gestão do crescimento industrial e económico do consumo de energia e da produção de resíduos, a racionalização do tráfego urbano incluindo a melhoria dos serviços de transportes públicos, a proteção e valorização do património histórico das cidades e a criação de espaços verdes.
 
c) O ambiente urbano
É num contexto generalizado de preocupações ambientais que irá vingar a ideia-consciência de que também há um ambiente associado a um espaço urbano, o que aliás começara já por ser discutido no âmbito da própria Conferência de Estocolmo de 1972. Ideia que se foi impondo aos habitantes e gestores das cidades, nos últimos 15-20 anos.
Em Portugal, esta preocupação relacionada com o ambiente dos aglomerados humanos surge durante a última década, dada a menor dimensão e dinâmica dos centros urbanos nacionais em relação às grandes cidades mundiais.
As primeiras medidas de controlo da qualidade do ambiente urbano atendem aos aspectos sanitários e posteriormente aos de poluição industrial, tendo como preocupação central a defesa da saúde humana.
Hoje está generalizado o conceito de desenvolvimento sustentado, também neste âmbito, levando à aceitação de que a qualidade do ambiente é o objectivo último dos processos de planeamento, que deve conciliar desenvolvimento e gestão das actividades no espaço (World Comission on Environment and Development, 1987). Os programas de protecção ambiental devem ser combinados com o próprio desenvolvimento da cidade, sendo, para isso, necessário desenvolver sistemas de medição dos parâmetros de qualidade do ambiente urbano.
 
O conceito de ambiente urbano está naturalmente ligada à evolução do conceito geral de ambiente, incorporando preocupações ligadas à ecologia, à poluição, à estrutura dos espaços verdes urbanos, aos aspectos estéticos e da paisagem urbana.
 
O conceito de qualidade de ambiente urbano é perspectivado segundo duas vertentes fundamentais: uma ligada aos aspectos de bem-estar fundamental e outra aos limiares de utilização de recursos ambientais. Qualquer forma de gestão urbana, correcta e eficaz, será aquela em que os objectivos do desenvolvimento e a promoção de qualidade ambiental se potenciam mutuamente.
 
d) O conceito de desenvolvimento sustentável
O conceito de desenvolvimento sustentado e de capacidade de sobrecarga assume especial relevância em áreas urbanas.
As preocupações sobre o ambiente urbano são hoje objecto de tratamento ao nível da União Europeia. Na sequência da acção da comunidade, iniciada com o Livro Verde e da preparação da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente realizada no Rio de Janeiro, em 1974, foi aprovada a Carta de Aalborg, referente à sustentabilidade das cidades europeias, pelo Internacional Council For Local Environment Iniciatives (ICLEI), e lançada a «campanha das Cidades Europeias Sustentáveis», que coloca as questões urbanas sob um enfoque ambiental integrado, na necessidade de novas políticas de gestão do meio urbano.
Há que referir que o conceito de desenvolvimento sustentável é um conceito muito mais amplo do que o de protecção ambiental, dado que tem dimensões económicas e sociais e engloba noções de equidade entre povos e gerações.
 
O conceito é definido pela Comissão Mundial sobre o Ambiente e o Desenvolvimento, como sendo «o desenvolvimento que responde às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras, para satisfazer as suas próprias necessidades». Ele envolve uma noção de durabilidade.
 
E tem uma conotação política, relativa ao que pode ser sustentado, enquanto conteúdo de uma acção.
De entre as medidas adoptáveis, há que destacar a avaliação do impacto ambiental, os mecanismos de consulta e de participação dos cidadãos, as relações de parceria entre os municípios e outras entidades, a orçamentação para o ambiente, os sistemas de gestão ambiental, as actividades interdisciplinares, o ensino, a formação e a valorização profissional.
E há os instrumentos destinados a adaptar os mecanismos de mercado e os preços às orientações da sustentabilidade, nomeadamente os impostos, taxas e contribuições em matéria de ambiente, as estruturas de fixação dos preços e de regulamentos das empresas, a avaliação dos investimentos, a integração das preocupações ambientais na elaboração dos orçamentos, e a adopção de critérios ambientais nas aquisições e no lançamento de concursos, etc..
Problemas espaciais especiais são colocados pelas novas urbanizações periféricas das grandes cidades (implantadas a partir dos anos sessenta e onde passam a viver as pessoas com menor poder financeiro, fazendo criar um ambiente com menor qualidade de vida), consequentes às modificações da estrutura social das cidades, devido à reestruturação económica, com alterações no mercado de trabalho, e separação crescente entre os locais de realização do trabalho e o de residência. Tudo isto cria uma necessidade, cada vez maior, de transporte privado e de uso de solos peri-urbanos, leva ao abandono dos centros das cidades por parte de pessoas e actividades, a ameaças de degradação dos centros históricos e à redução da qualidade do ambiente urbano.
Portanto, a distanciação das residências e do locais de emprego, situação que mereceu uma demarcação nos relatórios feitos ao governo inglês, na década de quarenta, referentes à criação de novas cidades, é uma fonte importante de problemas ambientais.
 
No Livro Branco da Arquitectura na Europa, promovido pelo Conselho dos Arquitectos da Europa, com o título «Europe and Architeture Tomorow» (em que se considera como o desafio mais difícil de responder o da cidade sustentável), podem ver-se os princípios da sustentabilidade que devem enformar o ambiente urbano: o desenvolvimento de melhores modelos de controlo, para que as cidades contemporâneas possam alcançar a polivalência de usos e a densidade de forma, expressão das nossas cidades históricas; o planeamento pormenorizado para todas as cidades e vilas, que incida numa pequena escala e promova valores culturais e humanos; medidas para uma interacção social mais livre, incluindo melhores equipamentos sociais na selecção de materiais, componentes, sistemas e infra-estruturas urbanas; e a procura de uma maior durabilidade e um menor consumo energético.
 
E ao assumir em termos profissionais a defesa do conceito de sustentabilidade, os arquitectos chamam a si responsabilidades específicas na clarificação dos conceitos holísticos e de qualidade, na arquitectura e no desenho urbano e a afirmação da responsabilidade social do arquitecto em relação ao ambiente urbano.
 
e) O papel da União Europeia
No que diz respeito ao papel da União Europeia, no âmbito do Ambiente Urbano, importa começar por referir que o Ordenamento do Território e o Urbanismo não fazem parte das suas atribuições próprias, porquanto no Tratado de Maastricht a regra da subsidiariedade constitui em geral a solução propugnada, salvo nos domínios da prevenção, protecção e melhoria da qualidade do ambiente, protecção da saúde das pessoas, utilização prudente e racional dos recursos naturais, e promoção de medidas à escala internacional para enfrentar problemas ambientais pluriterritoriais.
 
A acção da União Europeia tem como limites, não só este enquadramento convencional dos tratados, como também o reconhecimento de que o saber, os hábitos e as culturas regionais, a organização da sociedade e as instituições de cada Estado-membro, apresentam diversidades.
 
E embora as instituições europeias, com intervenção nos temas do Ambiente, não tenham uma actuação com uma amplitude global, há princípios orientadores da política europeia nesta matéria, desde o princípio da prevenção da poluição na origem, o princípio do poluidor-pagador, o princípio da integração das políticas ambientais nas outras políticas, o princípio da subsidariedade, e o princípio da partilha das responsabilidades entre todos os agentes com intervenção no processo.
 
Estes princípios são de alcance limitado, pelo que a elaboração da política de desenvolvimento sustentável está a abrir novas perspectivas de intervenção da União Europeia em seis domínios-chave de objectivação.
 
Vejamo-los:
No domínio do ambiente urbano sustentável, visa-se a protecção da saúde das pessoas, pela qualidade do ambiente, a preservação de espaços não construídos e espaços verdes e a salvaguarda do património histórico e das paisagens urbanas.
 
No domínio de um ordenamento do território regulador, visa-se reduzir e igualar a procura do solo, organizar a implantação e integração eficaz das actividades e criar e manter as infra-estruturas necessárias.
 
No domínio do impacto ambiental dos transportes, visa-se diminuir os fluxos de circulação, incentivo ao uso do transporte público e a e eficácia do transporte público.
 
No domínio da utilização racional de recursos, visa-se reduzir o consumo global de recursos (águas, energia e matérias-primas) na cidade, promover uma gestão eficaz e promover a reciclagem e reutilização.
 
No domínio da economia a longo prazo, visa-se promover uma melhor satisfação de necessidades dos cidadãos, promover uma crescente utilização dos recursos humanos e diminuiu a utilização de recursos naturais.
 
No domínio da sociedade participativa, visa-se promover compromissos em benefício do conjunto da população, promover a igualdade de acesso aos recursos e realizar a coesão social.
 
Além destes objectivos, referidos ao ambiente urbano, estão em questão matérias relativas ao ambiente rural e ao ambiente natural (impacto da Política Agrícola Comum, do turismo de massas, etc.), decorrente das quais tem crescido a consciência de que a acção comunitária terá repercussões evidentes no ordenamento do território.
 
O Livro Verde é uma publicação importante, porque convida os Estados Europeus a uma reflexão sobre o problema do Ambiente Urbano. Esta já é uma perspectiva cultural sobre o problema do Ambiente Urbano. E um dos grandes interesses do Livro Verde é o de fomentar uma reflexão sobre a qualidade de vida e uma visão cultural sobre o problema do ambiente do Homem Europeu.
 
Em Portugal, o Plano Nacional da Política do Ambiente realça cinco áreas de actuação, a saber: a promoção da qualidade ambiental das zonas urbanas, a informação e educação ambiental no espaço urbano e a mobilização dos cidadãos, a valorização ambiental dos equipamentos escolares, a monitorização da qualidade do ambiente urbano e o apoio à realização de infra-estruturas ambientais.
 
As medidas preconizadas nestas áreas de actuação, com excepção das áreas referentes ao controlo e apoio às infra-estruturas, deverão ser realizadas até 1999. E envolvem investimentos que rondam os 31 milhões de contos, exigindo, para além da colaboração e iniciativas das autarquias locais, a participação de várias entidades, como o Ministério da Educação, a D.G.A., o IPAMB e a DRARN.
 
Pela sua importância, desenvolveremos mais tarde, em pormenor, toda a pro-blemática sobre o ambiente urbano a nível geral da União Europeia, referindo- -nos em resumo aos estudos e propostas avançados no âmbito da Comissão Euro-peia. E, tendo presente as competências hoje atribuídas pelo Direito Comunitário às instituições da União Europeia, e portanto a existência de fontes externas de di- reito no domínio geral do ambiente, acrescentaremos algumas considerações que nos reportam às relações entre o Direito Comunitário (e também o Direito Inter-nacional) e o Direito interno, o que se fará a propósito da nomogénese urbanística.
 
f) As políticas públicas do urbanismo e do ambiente
O urbanismo deu origem a políticas e normas tão antigas como a história dos povos, embora só recentemente tenha surgido um direito do urbanismo de 2.ª geração, porquanto as preocupações e intervenções tradicionais estaduais se prendiam apenas com a segurança das construções, a salubridade, e muitas vezes também a estética dos edifícios e monumentos e a racionalidade do seu ordenamento.
 
É com o Estado absolutista do século XVIII e suas cidades monumentais e depois com o fenómeno do aumento urbano acelerado, devido à industrialização, que atingimos uma postura de grande e crescente intervencionismo ao ponto de, no Estado Social, os poderes públicos se transformarem também em agentes e promotores do fenómeno urbano e habitacional.
 
A defesa do ambiente só se transforma em política pública, do Estado, origem do correspondente direito, já no século XX. As primeiras leis de protecção da natureza (criação de parques e reservas naturais e protecção dos animais) aparecem à escala universal no pós-guerra.
 
De qualquer modo, a política do ambiente hoje aparece, em Portugal, implicando claramente o ordenamento do território e o urbanismo.
 
Em termos de enquadramento constitucional, o urbanismo e o ambiente são tratados de modo separado (em articulado distinto). A defesa da natureza e o ambiente, assim como a preservação dos recursos naturais, aparecem, tal como o ordenamento do território, como tarefas fundamentais do Estado, referidas na al. d) do art.º 9.º. Mais adiante, o seu tratamento aparece autonomizado nos art.º 65.º e 66.º. Enquanto a tarefa de elaboração do plano geral do território e da elaboração dos planos de urbanização, que sirvam a política de habitação, aparece no art.º 65.º, será o art.º 66.º a referir-se ao ambiente e à qualidade de vida, visando-se prevenir e controlar a poluição, o equilíbrio biológico das paisagens, a criação de reservas e parques naturais e a sua estabilidade ecológica.
 
E também, em termos de direito administrativo orgânico, há separações departamentais, a nível estadual, em relação à organização das Administrações Urbanísticas, de elaboração ou ratificações dos Planos, e às Administrações Ambientais.
 
No plano do direito da organização administrativa, as questões urbanísticas e do planeamento territorial estavam tradicionalmente situadas no Ministério das Obras Públicas, tendo sido a política do sector transferida para o Ministério do Planeamento e Administração do Território. Em 1987, a política ambiental, atribuída inicialmente a uma Secretaria de Estado da Presidência do Conselho passou para o Ministério da Qualidade de Vida. Ela pertence hoje ao Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais (Lei Orgânica do XIII Governo Constitucional: Decreto-Lei n.º 296-A/95 de 17.11, Diário da República, I.ª Série, n.º 266-A, rectificado pela Declaração n.º 150/95 de 30.11, Diário da República, I.ª Série, n.º 266, Suplemento de 30.11.95, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 23/96, de 20.3, Diário da República, I.ª Série, n.º 68-A, de 20.3, rectificado pela Declaração n.º 5-B/96, 29.3, Diário da República n.º 77-A, Suplemento de 30.3.95).
 
Temos pois ministérios diferentes e políticas diferentes. Mas não políticas indiferentes. O direito ambiental serve-se do ordenamento do território para atingir certos objectivos e pode beneficiar das políticas urbanísticas.
 
1.5.1.2. Urbanismo e ordenamento do território
 
a) A noção jurídica de ordenamento do território
Esta atribuição moderna dos poderes públicos, tributária da ideia de Estado Social, aparece a seguir à segunda guerra mundial, tendo o território como protagonista da planificação recionalizadora das várias políticas públicas, com a efectivação macrofinalística da coordenação dos factores físicos com os económicos e sociais.
 
Esta noção é usada, pela primeira vez, em 1950, pelo Ministro francês Cláudius Pétit na sua comunicação aos membros do governo, que designou «Pour un Plan national d'aménagement du territoire». Ela teria que ver, em termos gerais, com a procura, a nível nacional, de uma melhor repartição da população, em função dos recursos naturais e das actividades económicas.
 
Em face desta finalidade por ele apontada ao ordenamento, foram-lhe atribuídos objectivos (capazes de a realizar), que iam da distribuição racional em termos geográficos das actividades económicas, ao restabelecimento de equilíbrios entre partes e regiões do país, à localização descentralizada dos serviços públicos, disseminação do tecido industrial, preservação dos solos situados nas faixas costeiras ou propícios à agricultura e silvicultura, criação de novas cidades e polos de crescimento industrial ou urbano, controlo da expansão excessiva das grandes cidades, e, finalmente, articulação entre estas e os aglomerados urbanos satélites.
 
O conceito de ordenamento do território não é pacífico na doutrina.
Em sentido lato, o ordenamento do território é a aplicação no solo, em termos adequados às suas vocações e com uma perspectiva de sustentabilidade global, das políticas públicas, designadamente económico-sociais, urbanísticas e ambientais, visando a localização, organização e gestão correcta das actividades humanas. É esta a definição respeitadora do sentido com que a Carta Europeia do Ordenamento do Território, de 1983, o usa.
O ordenamento e o planeamento económico-social são instrumentos da política de desenvolvimento, servindo para responder à questão «para quê» fazer, enquanto o ordenamento também serve para dar a resposta sobre o «onde» fazer e o planeamento responde à pergunta «como» fazer.
 
Quanto ao conceito do ordenamento do território, como conjunto de técnicas para racionalizar a utilização de recursos, ele, reportando-se à localização, exerce-se sobre o solo, que é a sua base. E é este exercício que lhe confere uma grande especificidade. E, por isso, ele, interferindo com o território, é a referência fundamental dos direitos ligados à propriedade e ao uso dos solos.
 
O solo é um recurso natural, limitado, não renovável, sujeito a pressões e conflitos relacionados com o seu uso, o que exige um processo de planeamento, traduzindo uma política de solos que oriente e controle a sua gestão, enquadrando as tensões entre o interesse público e privado, ao explicitar e ponderar as utilizações possíveis, integrando-as nos termos considerados mais correctos. A gestão da utilização do solo é uma responsabilidade, que cabe sobretudo à Administração autárquica, mas ela não pode deixar de tomar em consideração os princípios e decisões emanadas de outros níveis, apontando soluções integradas, que traduzam estratégias de conjunto, compatibilizadoras das opções globais de desenvolvimento.
 
Que dizer da problemática conceptual ligada ao ordenamento? E desde logo como distinguir o ordenamento do território do estrito ordenamento urbanístico?
 
Em direito comparado, a expressão «ordenamento do território» encerra concepções diferentes, que reflectem diferentes significados, funções, densificações e mesmo concepções ideológicas, económicas e políticas, conceito antropocêntico (sendo certo que uma coisa é o território natural, antes ordenado e transformado), pluridimensional e hiperbolicamente interdisciplinar ("mistérios de matérias", o designa Pedro Escribano Collado, La Ordenación del Territorio y el Medio Ambiente en la Countitucion, in "Estudios sobre La Constituíción Española, Homenaje al professor Garcia de de Enterría, t. IV, Madrid, Civitas, 1991, pág. 3705), encerra objectividade de valor constitucional claro, como o da igualdade, conservação dos espaços naturais, igualdade de vida, etc.. O ordenamento do território procurando a imaterialização de um modelo territorial global, articulador das relações entre as suas variáveis, exigindo análises territoriais prévias, quantitativas e qualitativas, em que interferem variáveis da dinâmica social, a estabelecer com a ajuda de estudos sociológicos. Além disso, a análise territorial fidedigna depende da "determinação de um modelo territorial analítico, como é informativo, e, portanto, explicativo e prospectivo, para permitir estabelecimento de cada modelo concreto, usando as variáveis do modelo analítico (Roberto Martinez Díez, "Pasado, Presente e Futuro de La Ordenacion del Território en Espa^na", Cindad y Territorio, n.º 1, 1983, pág. 61 e segs.). A aplicação do ordenamento de terri6tório da teoria dos sistemas (vg. J. Brian McLonghlin, George Chadwich, Cliff Hagget), ????????? , em geral, que "dados determinados fenómenos territoriais e outros fenómenos sócio-económicos intimamente relacionados com aqueles, todos estão regidos por determinadas leis que é possível deduzir, e existem bases teóricas suficientes para controlar a evolução de modelo global que os integra, especialmente mediante a sua planificação (António Alfonso Pérez Andrés, La Ordenación del Territorio en el Estado de Las Antonomías, Marcial Donz, 1998, pág. 21).
 
O ordenamento de território aparece dar uma resposta integral nos problemas derivados da ocupação da terra.
Ele resulta da necessidade local de desenvolvimento e da necessidade de localizar a planificação económico-social, mas não há uma só concepção sobre a função administrativa do ordenamento do território.
 
Há uma concepção de influência doutrinal alemã (Raumordnung), presente na jurisprudência do Tribunal de Karsrhüe, segundo a qual o ordenamento territorial traduz a actividade administrativa de planificação e ordenamento supra-ordenado ao fenómeno urbanístico. De âmbito regional e de carácter integral (coordenador das várias actividades sectoriais, a desenvolver no espaço físico). Segundo ela, o Ordenamento do Território nasceria precisamente para superar os objectivos iniciais do urbanismo.
 
Diz o Acórdão de 16 de Junho de 1954, do Tribunal Constitucional Alemão, que o Ordenamento do Território é o planeamento e a ordenação superiores, supralocal e integral do espaço, porque tem carácter supra-local e uma função coordenadora de uma pluralidade de planificações (in L. Parejo Alfonso, RDU, n.º 105, 1987, pág. 18, n.º 2), tarefa superurbanística, coordenador e horizontal.
 
Segundo uma outra concepção, ampla, sintonizada com o modelo francês de «l'aménagement du territoire», o ordenamento do território teria um conteúdo mais amplo, integrando uma abordagem de carácter geral e integral de todos os factores que incidam ou impliquem uma utilização do território, incorporando a planificação socioeconómica e física, a defesa do ambiente e o escalão último do planeamento, realizador do ordenamento urbanístico (A. de Laubadere, Traité de Droit Administratif, tomo II, 7.ª Edição, Paris, 1975, pág. 479 e segs., José Manuel Pérez Fernández, Urbanismo Comercial y Libertad de Empresa, Marcial Pons, Madrid-Barcelona, 1998, pág. 222, R. Mertín Mateo, La Ordenación del territorio y el nuevo marco institucional, in REVL, n.º 106, 1980, pág. 210).
 
Em Espanha, onde a doutrina segue maioritariamente esta concepção ampla, F. López Ramón (La teoría de la función pública de la ordenación del territorio, in Estudios jurídicos sobre ordenación del territorio, Aranzadi,1995) afirma que, no plano «científico e técnico, o ordenamento do território constitui uma fase de união entre disciplinas económicas e urbanísticas», propiciada designadamente pela «pujança analítica e operativa da geografia humana». O modelo italiano, também é misto.
 
No modelo francês, o ordenamento do território era, até à Lei de Ordenamento e Desenvolvimento do Território, de 4.2.95, quase que a simples concretização geográfica da planificação económica (M.Bassols Coma, in Ordenación del territorio y medio ambiente: aspectos jurídicos, RAP, 1981, pág. 47). Tarefa de apoio ao desenvolvimento económico, regional e local, tal como na concepção anglo-saxónica, embora hoje a descentralização e a cooperação e colaboração entre entidades públicas territoriais se imponha.
 
A concepção anglo-saxónica, do planeamento urbano e regional, está visado para a desconcentração das grandes áreas urbanas e ao serviço da política e localização dos estabelecimentos económicos. No entanto, os países da América do Norte, EUA e Canadá, colocam a protecção do ambiente como factor determinante do ordenamento territorial.
 
O Tribunal Constitucional espanhol, no fundamento 1.º— B do seu Acórdão n.º 149/1991, de 4 de Julho, cobre o conceito amplo ultrapassando a própria letra da Constituição, referindo que no Ordenamento do Território deve tomar-se em conta «a incidência territorial de todas as actividades dos poderes públicos, para garantir a melhor utilização dos recursos do solo e do subsolo, do ar e da água e o equilíbrio das diferentes partes do território».
 
Em Espanha, como em geral nos países europeus regionalizados ou federados, a questão tem relevância na distribuição das atribuições entre os escalões de poder territorial infra-estadual: Estado e regiões autárquicas ou regiões autónomas e municípios. Mas as duas correntes doutrinais aparecem aceitando em comum que o ordenamento do território é uma actividade supramunicipal (enquanto o urbanismo é tarefa municipal), tem uma densificação material ampla (abarcando os diferentes sectores da actividade administrativa) e é formulado através da técnica do planeamento. A tendência é, pois, por razões organizativas dos poderes administrativos, inexistindo diferenciação de matérias e funções, que permita qualquer separação material, para a separação potestática, convencional, dos conceitos, com o ordenamento territorial ligado aos poderes nacionais e regionais e o urbanismo, designadamente o ordenamento urbanístico, ligado aos poderes locais. Em Portugal, a necessidade dicotonomizadora não se tem colocado no plano legislativo, de tal modo que, mesmo quando a doutrina tende a forçar o legislador (como já havia acontecido com a questão da aplicabilidade directa dos PROT, aqui levando o legislador a ir contra a orientação do direito comparado e da própria natureza genérica da maioria das normas em causa), a adopção do modelo estrangeiro dos Estados complexos ou regionalizados (em que normalmente o ordenamento do território não abrange o ordenamento do território local, urbano, para dar certas tarefas ordenamentais ao nível supra-municipal, e não tirar certas outras ao nível infra-regional, isto é, para clarificar poderes, razão que também poderia colher num país em que o poder estadual concentra tarefas de âmbito regional, embora sem prescindir de partilhar poderes nas tarefas locais), o mais que se consegue é a confusão legislativa, levando a designar um diploma de «Lei da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo», a que até se poderia acrescentar «e de Ambiente», dado que se aceita referir tudo para não distinguir nada, como se vê pela LBPOTU, saída de um inicial «Projecto de Lei de Bases do Ordenamento do Território». A doutrina que continue a polemizar e teorizar, porque, em boa verdade, a tarefa de conceptualizar não pertence ao legislador.
 
É a conceção ampla aquela que ficou consagrada na Carta Europeia de 1983, como referimos acima. Com efeito, o direito internacional europeu define esta tarefa pública. E realmente, segundo a Carta Europeia do Ordenamento do Território, de 20.5.83, o ordenamento do território visa desenvolver, de modo equilibrado, as regiões e organizar fisicamente o espaço, em ordem à melhoria da qualidade de vida, à gestão responsável dos recursos naturais, à protecção do ambiente, e ao uso e ocupação racional dos solos.
 
A noção da recente Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo aponta para a organização e a utilização adequada à valorização do território, em ordem ao seu desenvolvimento económico, social e cultural, em termos integrados, harmoniosos e sustentáveis, o que a integra na definição ampla, e dá relevo às preocupações ambientais, na esteira da Carta Europeia do Ordenamento do Território e da Política Comunitária.
 
O principal objectivo do ordenamento do território é ordenar as localiza-ções e outros usos territoriais, numa perspectiva correctora dos desequilíbrios produzidos pelo crescimento económico-social espontâneo, superando a limitada dinâmica isolada das diferentes actividades humanas na ocupação dos solos, ao proporcionar os enquadramentos para os vários destinos do território (desde as instalações industriais, às infra-estruturas, serviços e habitação, até às áreas de lazer).
 
Ele consiste na racionalização da intervenção humana no território, integrando as diferentes actividades com incidência ou repercussão territorial e definindo a utilização óptima dos recursos à disposição de uma dada população, em ordem ao desenvolvimento dessas actividades, de forma equilibrada e respeitadora do ambiente.
 
b) A ligação entre o Ordenamento do Território e o Urbanismo
Os planos de âmbito territorial infra-ordenados aos Planos Directores Municipais, isto é, os planos de urbanização e os planos de pormenor, que apenas abrangem território de aglomerados urbanos, são hoje designados de planos municipais de ordenamento do território.
 
E referem-se especificamente à urbe ou, pelo menos, ao município. E também existem planos não meramente urbanísticos (numa leitura materialmente estrita), no sentido de que ultrapassam o meio urbano e a temática especificamente urbanística, tendo designadamente preocupações agrícolas ou ambientais anúrbicas (os Planos Regionais de Ordenamento do Território e os Planos Directores Municipais), mas que são preocupações não urbanísticas que, em boa verdade, existem devido em grande parte às preocupações da invasão urbanística.
 
Se o urbanismo em sentido estrito é matéria essencialmente local, a verdade é que como direito do ordenamento territorial, através da técnica planificadora, só é eficaz quando enquadrado por estratégias supra-urbanas, que ponderem os interesses e interdependências de uma região e até do todo nacional.
 
Ou seja, o ordenamento do território tem como objecto a repartição do espaço pelos seus ocupantes, permitindo a racionalização do seu aproveitamento em ordem à satisfação destes. O ordenamento do território relaciona racionalmente o homem com o território.
 
Com efeito, são os homens em território, ou seja, a sedentarização humana que merece soluções de ordenamento. Não apenas o homem da cidade. Mas também o homem da cidade. Se nem todo o ordenamento é urbanismo em sentido estrito (sentido em que alguns teimam em o encerrar, numa visão ateleológica e ahistórica das coisas), porque nem todo se reporta à urbe (ou mesmo, dentro da concepção ampla perfilhada, às questões que implicam directamente a urbe), todo o urbanismo é ou ordenamento ou tende a pressupor ordenamento. Ele é selecção de localizações, actos voluntários pré-estabelecidos, visando o seu enquadramento, como acontece com as licenças de utilização, que pressupõem licenças de construção e estas enquadramentos loteadores e planificadores públicos.
 
1.5.1.3. O urbanismo e o planeamento
A) Considerações gerais
O planeamento, primeiramente objectivado na política económica, passou a englobar, no pós-guerra, objectivos ambientais, preocupações com a protecção das riquezas naturais e a qualidade de vida, em face da expansão demográfica e do aumento desregrado dos centros urbanos. Estamos na era da planificação. Técnica do Governo e administração, quanto fonte autónomo de direito, é o plano que concretiza o modelo territorial resultante em geral do ordenamento do território, designadamente do ordenamento urbanístico.
Há um casamento já indissociável, a que ainda não dedicamos a atenção necessária: o do Urbanismo e do Planeamento. O que é um Plano?
 
A palavra Plano é introduzida no direito positivo através das primeiras normas urbanísticas, com o sentido de representação gráfica de uma determinada realidade em que se pretende agir com um programa concreto.
Mas hoje, ele é mais do que isso. Ele é a base necessária e fundamental de toda a ordenação urbanística, antecipando no tempo a fisionomia do que será um dado espaço territorial.
Ele é o instrumento normativo que enquadra a localização dos centros residenciais e de produção, a divisão do solo em urbano, urbanizável e não urbanizável, o estabelecimento de zonas para utilizações distintas e a fixação das condições concretas de edificação, interdições ou limitações ao uso do solo privado, a formulação dos traçados de vias de comunicação, zonas verdes, espaços livres, a localização de serviços de interesse público, etc.
 
Quanto à importância da planificação, ela não é recente, mas é um fenómeno marcante, a partir da passagem do Estado de Direito Liberal para o Estado Social de Direito, também na vertente da repartição racional dos espaços existentes.
B) O desenvolvimento económico-social e o planeamento autárquico
Para o desenvolvimento de uns pais é necessário que a Administração esteja próxima dos cidadãos, respondendo em tempo útil aos seus problemas, e por isso os municípios são as Administrações Públicas melhor colocadas para o efeito.
 
O papel que os municípios e as regiões (quando funcionarem) podem desempenhar no desenvolvimento local é fundamental e insubstituível, apesar das dificuldades resultantes da gestão de um processo para apoio do qual as actuais autarquias têm poucos meios. Por isso, há muitos melhoramentos a fazer na sua gestão, na introdução de uma perspectiva estratégica nos investimentos que realizam, na distinção entre as funções dos representantes que as dirigem e as dos técnicos, «na prática de mecanismos de análise crítica acerca das escolhas que fazem, na desburocratização dos seus serviços, na aproximação aos cidadãos» (para seguir de perto afirmações de Valente de Oliveira, in Regionalização).
 
Claro que é muito diversa a dimensão territorial e a densidade populacional dos municípios. Ha municípios rurais com estruturas administrativas demasiado grandes e dispendiosas para a população que servem e simultaneamente nas periferias urbanas existem freguesias sem uma estrutura capaz de responder aos problemas das populações, que aí se têm fixado nestes últimos anos.
Existem questões de índole municipal, cuja solução mais racional e adequada, quer em termos de eficácia, quer em termos de economia de meios, implicaria a regionalização e, até à sua efectivação, o agrupamento de municípios a uma escala espacial apropriada à dimensão dos problemas (Associações de Municípios, Juntas Metropolitanas), além de um reforço dos poderes das Comissões de Coordenação Regional, com uma organização e funcionamento mais participado pelas populações.
 
As Regiões e os municípios são incontornáveis na abordagem das questões do planeamento e do desenvolvimento local, pois estão mais próximos dos cidadãos e, por isso, em melhores condições para detectar os problemas e determinar os objectivos e os investimentos mais apropriados.
Todavia para um bom desempenho do seu papel, têm de estar informados da multiplicidade de soluções à sua escolha e têm de ter capacidade de determinar aquela que melhor se adequar ao problema específico.
 
a) O poder autárquico e o planeamento
Quais as atribuições e a participação do actual poder autárquico no sistema de planeamento nacional, quer no domínio económico-social e quer no territorial?
Num contexto Unionista, em que o crescimento económico anda associado a significativas entradas de subsídios no âmbito dos Quadros Comunitários de Apoio da União Europeia, Portugal tem multiplicado realizações públicas, que passam por processos de planeamento, transformado em instrumento importante no âmbito da gestão pública.
E as autarquias têm ganho importância no processo do planeamento, porque elas estão em situação privilegiada, dada a sua proximidade das populações, para aferir da correcção dos elementos evolutivos do modelo de desenvolvimento que se pretende para o país.
Qual o nosso sistema de planeamento?
Qual a intervenção das autarquias nele?
Qual a relação das autarquias com a Administração estadual?
 
Quanto ao desenvolvimento económico, por que razão subsistem as assimetrias regionais, existe um crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, se verifica uma desertificação do interior, se faz sentir a incidência do desemprego em áreas tradicionais, ocorre a emergência de áreas de pobreza, tudo dados negativos reveladores dos desajustamentos no processo de desenvolvimento económico, que o processo de planeamento deveria corrigir?
 
Quanto à utilização dos solos, o ordenamento do território é tarefa constitucionalmente atribuída ao Estado, mas é também da responsabilidade das autarquias, dado que ele só pode ter um correcto enquadramento no tempo através de um planeamento físico em que elas tenham o papel devido.
As mudanças socioeconómicas e o desejo de bem-estar ligado a padrões de qualidade de vida, podendo aproveitar com os fluxos financeiros, no âmbito dos Planos de Desenvolvimento Regional (PDR), impõem a necessidade de uma abordagem integrada de toda a realidade municipal, mobilizadora dos agentes sócio- -económicos, o que passa pela elaboração de Planos Estratégicos Municipais, articuladores dos vários níveis de planeamento nacional.
 
Qual a função do planeamento no processo de gestão? Como caracterizar o sistema e a orgânica do Planeamento? Quais os tipos de Planos produzidos? Qual a acção dos Municípios no processo de planeamento autárquico e qual a sua participação no domínio do Planeamento territorial? Quais as limitações ao uso do solo? Como se enquadra o planeamento urbano ao nível local? Quais as competências de intervenção nele exercidas por outros níveis de Administração do Estado?
 
Foi apenas no Plano de Desenvolvimento Regional 1994-99, de onde consta a definição da estratégia de desenvolvimento nacional até ao final do Século XX, e que esteve na base da negociação do II QCA, que o poder autárquico começou a intervir de forma activa no processo de planeamento económico-social (a médio prazo).
 
E a arquitectura legislativa do sistema de planeamento territorial, ou seja, do ordenamento do território, assente em três grandes tipos de planos, foi completada em Junho de 1995, com a publicação do regime jurídico dos Planos Especiais do Ordenamento do Território.
 
Antes de desenvolvermos a temática referente à planificação municipal, importa referir que há hoje uma desigualdade na cobertura geográfica e populacional dos Planos Regionais de Ordenamento do Território, planos de autoria estadual, e os Planos Municipais de Ordenamento do Território, planos de autoria autárquica, com uma cobertura de cerca de 20% daqueles, para a quase totalidade dos Planos Diretores Municipais, o que não serve de ajuda ao poder local para ultrapassar as suas dificuldades intrínsecas, pondo em causa o funcionamento global do sistema de planeamento, ao qual é essencial, como peça de cúpula e da estratégia nacional, o anunciado Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território. Os problemas não são de défice legislativo. Faz falta um nível de Administração intermédio entre a Administração estadual e a local, deixando para aquela o planeamento puramente nacional.
 
As autarquias são instituições de base para a organização do espaço social em todas as suas dimensões, tanto física, como económica e cultural. E, simultaneamente, constituem centros de reflexão e de controlo sobre o estado das comunidades, nas suas realidades locais. Podem conhecer melhor e agir de modo mais adaptado e rápido, em face das transformações sociais e dos novos desafios da inovação permanente.
 
Os Planos Directores Municipais, protagonizando uma parte relevante das relações entre o Poder Local e a Administração Estadual, são instrumentos de autonomia local. E também são planos de desenvolvimento, sem prejuízo das suas finalidades globais, dado que são peças indispensáveis ao ordenamento do território e ao planeamento urbanístico.
 
A participação pública é ainda incipiente, o que não tem sujeitado o processo de planeamento à crítica e refutação, única forma de garantir a sua adequação e o rigor do seu conteúdo, questões de mérito, mas também a adesão social que deve suscitar, que não admite peças dogmáticas, impostas com autoridade tecnocrática.
 
Falta também o necessário suporte de instrumentos jurídicos relacionados com uma adequada lei dos solos.
 
No âmbito da acção municipal, falta agir em áreas importantes ao nível da elaboração e da actualização de regulamentos administrativos, designadamente a nível dos regulamentos urbanísticos de pormenor, etc.. Entretanto os tipos de planos multiplicam-se, dividindo responsabilidades centrais e locais, com a elaboração dos planos florestais pelas autarquias e de planos para o litoral por parte do ministério do ambiente, sendo necessário um esforço permanente de articulação e coordenar do conteúdo dos diferentes planos, incidindo sobre um mesmo território, de modo a evitar-se as «revogações», que de facto vão ocorrendo sucessivamente.
 
Além disso, os planos devem informar e fundamentar os planos de actividade e de investimento autárquicos, ou seja, basear a programação do seu desenvolvimento, o que não ocorre em muitos casos, porquanto não existe uma ligação dinamizadora entre a concepção dos planos e a gestão da autarquia.
 
Questão de sempre e que é a pedra de toque de um verdadeiro poder local passa por dotar as autarquias com recursos, meios e estruturas que lhe assegurem a capacidade para o cabal e eficaz cumprimento das atribuições que, naturalmente, segundo o princípio da subsidiariedade, lhe devem caber. Os planos são apenas instrumentos que nada valem sem os meios para os executar. É necessário valorizar a relação de vizinhança propiciadora de uma dinâmica operativa da solidariedade que só a autarquia pode dar, levando ao envolvimento indispensável dos habitantes dos vários territórios que formam o Estado.
 
A intervenção activa da autarquia, no domínio do planeamento físico, decorre há já algum tempo (cerca de quinze anos) e assume hoje uma dinâmica significativa, apesar da reavaliação que esse processo requer, objectivo para que apontam as Grandes Opções 1999. Mas, pelo contrário, a participação autárquica no planeamento socioeconómico, apenas ganhou alguma expressão a partir de 1994, com a candidatura ao II Quadro Comunitário de Apoio. Isto é, tem sido, em termos gerais, muito diminuta e uma fonte de conflitos e descoordenações com os restantes níveis da Administração do Estado, sobretudo com o designado nível periférico regional (CCR).
 
Vejamos como se enquadram os vários actos de planeamento público.
 
b) A macrotipologia do planeamento
No plano da distinção entre planos económico-sociais e territoriais-urbanístícos, importa referir a importância dos factores espaço e tempo na sua programação.
Em termos teóricos, um plano visa inserir certos objectivos na evolução temporal das coisas, valorizando simultaneamente a abordagem espacial.
 
O planeamento económico-social liga-se a projecções temporais (plano anual e a médio prazo: art.º 92.º da CRP) e a âmbitos territoriais [planos nacionais e regionais: art.os 229.º, n.º 1, al. o), 234.º, n.º 1 e 258.º da CRP]. Trata-se da procura da realização de situações de estacionamento e de desenvolvimento. Mas, umas vezes, o tempo do fazer orienta tudo o que se passa no território, e daí que a estratégia planificadora se paute pelo factor tempo. Desenvolve-se num dado tempo. E serve objectivos de transformação e portanto de desenvolvimento social. Embora sem deixar de realizar situações de ordenamento. Temos uma planificação de desenvolvimento. Planos de desenvolvimento económico-social, refere a Constituição. Os planos de actividades das pessoas colectivas infra-estaduais são também desta natureza, dispondo no tempo (anuais e plurianuais), e no território, desde logo sobre desenvolvimento económico-social, vg. do município [e que nos termos da al. g) do n.º 2 do art.º 5 do Decreto-Lei n.º 69/90 de 2 de Março são enquadrados pelos planos municipais de urbanismo], etc.. Outras vezes, o tempo passa pelo fazer das coisas, assentes num quadro operativo físico, o território, sendo sobretudo essencial que o tempo das coisas, aí a realizar, não venha antes do tempo de as pensar, de as programar. De as ordenar no espaço. Embora também ao serviço do desenvolvimento social. Temos a planificação de ordenamento. E, por isso, podemos, em termos de macrotipologia, distinguir dois grandes de planos, os económico-sociais e os territoriais, os primeiros resultantes de uma actividade planificadora estratégico-temporal e os segundos de uma actividade planificadora estratégico-espacial. Em boa verdade, o factor tempo e espaço tem tal importância no planeamento urbanístico, que talvez se justificasse uma sub-distinção entre o ordenamento territorial geral e o ordenamento urbanístico, em termos de concretização de um planeamento estratégico-espacial e de um planeamento estratégico-espacial-temporal, para acentuar a maior importância do factor tempo neste último, mais do que instrumento de enquadramento, também instrumento de programação, faseamento, escalonamento temporal, de temporalizarão da planificação territorial.
 
O planeamento territorial em geral tem o território como conteúdo, por visar agir directamente sobre ele. É um planeamento físico. O planeamento económico-social aparece subordinante ou subordianado, como efeito condicionante ou induzido do planeamento territorial. Já o planeamento económico é uma actividade definidora, dentro de quadros temporais previstos, de objectivos e de meios que visam o desenvolvimento económico-social.
 
Nos termos do art.º 91.º da CRP, os objectivos do planeamento económico- -social são a promoção do crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso de sectores e das regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com as políticas social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida. Os chamados planos de desenvolvimento de médio prazo não têm eficácia imediata, até porque não integram uma orçamentação de receitas e despesas para a sua execução. Os planos anuais, que contêm as orientações fundamentais dos planos sectoriais e regionais, programam concretamente as acções a desenvolver no período, sendo acompanhados do orçamento do Estado que prevê os enquadramentos financeiros viabilizadores (o OE é a sua expressão financeira), sendo por isso de execução imediata.
 
O Plano Nacional é o que compreende a totalidade do território nacional. Ele visa definir e escalonar os objectivos a prosseguir, compatibilizando as diferentes componentes do planeamento, económico-sociais e físicas, garantindo os recursos necessários à sua concretização. É vinculativo para o sector público do Estado, auto-vinculativo para outras entidades públicas, que o assumam em face de contratos-programa, e indicativos para o sector privado e cooperativo. Os regionais circunscrevem-se a uma região, seja ela a Região Autónoma dos Açores ou a da Madeira, ou uma região-plano/região administrativa (quando existir).
 
Os Planos Urbanísticos, de aprovação municipal, tem também uma vertente de apoio ao desenvolvimento económico-social [al. b) e g) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 69/90].
 
Os municípios têm um amplo campo aberto de intervenção no domínio do desenvolvimento económico, incluindo no plano da iniciativa empresarial (desde que justifiquem nos termos gerais um interesse pública na sua actividade, o que a problemática do emprego sempre permite), embora a sua capacidade em matéria de investimentos esteja limitada, dado que estes são escassos e aparecem sobretudo orientáveis para infra-estruturação e equipamentos.
 
Compete ao Parlamento, através de lei formal, a aprovação dos princípios e opções fundamentais de cada um dos planos económicos. A elaboração e execução pertencem à Administração Pública, ou melhor, à atividade administrativa do Governo [al. a), art.º 202.º da CRP].
 
c) O planeamento como função do processo de gestão
O planeamento do desenvolvimento socioeconómico surge como processo de acção organizado e tecnicamente sustentado, ligado à situação vivida na Europa, no pós-guerra, embora as primeiras experiências de planeamento a nível internacional, tanto da iniciativa empresarial como da iniciativa do Estado, datem do início do século. Na Europa Ocidental, apenas depois da II Guerra Mundial os países desvastados, querendo relançar as suas economias, começaram a organizar Planos de Desenvolvimento de Médio e Longo Prazo.
 
No início do século, em que a questão das mudanças ainda não tinha acuidade, impõe-se o modelo organizacional, o modelo clássico, marcado por uma caracterização mecânica, racional e fechada ao meio envolvente.
Por isso, H. Fayol (precursor da organização da gestão empresarial, que hegemonizará o trabalho teórico entre as duas guerras) o considerou como «providência», na medida em que se cria que tudo seria possível antecipar, prever com estabilidade, desde a formulação dos objectivos, passando pela construção dos cenários que os sustentavam, até à solução preconizada. Só depois da II Guerra Mundial o planeamento inicia a sua afirmação no processo de gestão.
A gestão orçamental e o controlo financeiro de curto prazo colocam-se, então, entre os principais objectivos da gestão. E assim, o planeamento vai perseguir quase exclusivamente objectivos de eficiência.
A expansão económica e o alargamento do mercado, que sucedem à II Guerra Mundial, suscitam o aparecimento e o desenvolvimento de diversos sistemas de planeamento, predominando os planos de longo prazo, para satisfazer o mercado, em forte expansão, evitando a ocorrência de quaisquer rupturas.
A prioridade económica passa inicialmente pelo relançamento da indústria, sem prejuízo da planificação para o desenvolvimento da agricultura (por exemplo, em Espanha).
A reconstrução da Europa é obra desde logo de um macro-plano, da iniciativa dos americanos, que, em 1948, na sequência da Convenção de Paris, lançam o chamado Plano Marshall, ligado à acção geoestratégica da Administração Americana, visando a recuperação económica do Velho Continente e a sua manutenção no sistema de economia de mercado. É sabido que a ditadura portuguesa não aderiu a este plano no seu início.
 
Os planos de médio prazo são os Planos de Fomento e os Planos de Desenvolvimento Regional.
Neste período do pós-guerra, no âmbito da Administração Pública, temos os Planos de Fomento (PF), cujos propósitos fundamentais foram a aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional; repartição mais equilibrada do rendimento nacional e combate ao desemprego e aos desequilíbrios financeiros, designadamente da balança de pagamentos.
A difícil situação económica e financeira que o nosso país atravessava, levou ao lançamento do 1.º Plano de Fomento (1953-58), cuja elaboração foi da responsabilidade do centralizador Secretariado Técnico da Presidência do Conselho.
A elaboração deste Plano foi iniciada em 1950, preparado com verbas do Plano Marshall, dado que o governo decidiu a adesão de Portugal. A prioridade deste 1.º Plano de Fomento incidiu sobre a reconstrução económica. Acontece que o nosso país, essencialmente agrícola, contava com estruturas e níveis de produção deficientes no conjunto da Europa, pelo que os sucessos acabaram por ser praticamente inexpressivos, à excepção de uma certa relevância assumida pelas Obras Públicas.
O 2.º Plano de Fomento (1959-64), ficou marcado, no plano económico, pela tentativa de liberalização e, no plano da orgânica do planeamento, pela necessidade da criação de uma comissão de planeamento em cada um dos territórios nacionais, por necessidade de desconcentração das tarefas de planeamento.
A canalização de verbas para a guerra colonial e as mudanças na estrutura económica, nomeadamente com o surgimento do turismo como um sector em crescente desenvolvimento e importância na balança de pagamentos levam à necessidade da elaboração de um Plano Intercalar de Fomento (1965-67), com a duração de metade do tempo normal, apenas 3 anos, contrariamente à duração de 6 anos dos Planos anteriores.
Os dois primeiros planos abarcaram alguns programas sectoriais e um conjunto de programas de investimento público, este Plano Intercalar foi concebido numa perspectiva globalizadora, coordenadora e integradora dos vários planos elaborados para cada uma das parcelas integrantes do país. A revisão em 1963 do condicionamento industrial e do ordenamento agrícola, antecipara-se já a esta óptica globalizante. Basta ver o Decreto-Lei n.º 44.652, no § 2.º do art.º 7.º, afirmar que a revisão do condicionamento industrial deverá, na medida do possível, obedecer a um critério de necessidade, aplicável ao conjunto do esforço económico português.
E o 3.º Plano de Fomento (1968-73) prevê grandes alterações na economia portuguesa. Com ele, aparecem os mega-projectos públicos, como o Projecto de Sines, o alargamento da Siderurgia e da Lisnave, a criação da Setenave, etc., mas continuando a não existir livre concorrência, e portanto sem devolver ao mercado o seu papel natural de regulador da economia. Estamos perante um Plano que inclui projecções sobre a evolução económica, constituindo uma orientação para a decisão do mundo empresarial, mas enformado por uma concepção de planeamento centralizador e formal, embora acompanhado de inovações orgânicas em ordem a permitir um tratamento mais adequado às questões regionais (criação da Divisão de Planeamento Regional).
Com o 4.º Plano de Fomento (1974-79), defende-se a necessidade de liberdade de planeamento e de intervenção da iniciativa privada, prevendo-se a atribuição de diversos incentivos a este sector da economia, mas a sua execução foi interrompida pela Revolução de 25 de Abril de 1974, que pôs fim ao regime e também à vigência de planos, num momento em que, do ponto de vista do desenvolvimento económico, temos um grande desequilíbrio regional. Em Fevereiro de 1975, surgiu o «Programa de Política Económico-Social», programa não quantificado, de medidas estruturais, mas que não assumiu a dimensão e natureza de um plano de médio prazo.
Nesta altura, os equipamentos colectivos estão quase todos concentrados. Em cerca de 10% do território nacional, estão cerca de 90%. Do litoral e das duas grandes metrópoles de Lisboa e Porto depende economicamente todo o restante território nacional.
Entretanto, no plano da economia internacional, as características do mercado modificam-se substancialmente, por meados da década de setenta. À pressão da procura, que irrompe a seguir à grande crise internacional de 1973, junta-se uma outra pressão, esta bem mais difícil de contornar — a pressão da concorrência, a qual vem a intensificar-se e a diferenciar-se. E acelera-se o ritmo das inovações tecnológicas, o mercado interage fortemente com a empresa, provocando a sua abertura.
O futuro apresenta-se promissor e é imperioso antevê-lo, como reclamava Peter Drucker. Pensa-se que, reunida a informação adequada e a competência especializada, seria possível antever e desenhar o futuro. Irrompe o planeamento estratégico, com as matrizes de selecção estratégica do BCG, A. de Little e Mackinsey, na esteira da matriz de Ansoff. As trocas comerciais acentuam-se, a propriedade internacionaliza-se e, como consequência, surgem os oligopólios e conglomerados. Como reacção, as empresas de menor dimensão buscam alianças, fusões e outras formas de associação, mesmo no plano internacional. O apoio do Estado é igualmente reclamado. E este inscreve-se na malha dos agentes económicos. E a sua dimensão cresce cada vez mais, na tentativa de encontrar resposta para os desequilíbrios sociais, em crescimento acentuado. Com a sua intervenção crescente na economia o sistema de planeamento fica confrontado com a necessidade de dar respostas aos novos desafios públicos. Acontece que em Portugal, após 1974 deixou de existir planeamento de médio prazo.
Não tendo sido aplicado o IV Plano de Fomento, no seu início de vigência, pelo novo regime, goraram-se os propósitos que encerrava de fazer levar à Europa os grandes grupos económicos nacionais, na perspectiva de os ligar em alianças estratégicas que se revestiam de importância, por antecipar precisamente a aproximação à Europa.
Será só em 1977, com a Lei n.º 31/77, de 23 de Maio, que vem reestruturar o sistema orgânico do planeamento, que se tenta reinstalar o planeamento, com a elaboração de um Plano de Médio Prazo (PMP) 1977-80, que chegou a ser aprovado pelo I Governo Constitucional, mas que não seria executado devido à sua substituição.
Depois de 1974, será apenas no período 1986-89 com o 1.º Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), que será retomada a aplicação de um Plano de médio prazo, embora não enquadrável como PMP nos termos previstos na Lei-Quadro do Planeamento (Lei n.º 43/91, de 2 de Dezembro, que revoga a Lei n.º 31/ /77, de 23 de Maio). Seguiram-se-lhe dois outros PDR, correspondentes às candidaturas aos Quadros Comunitários de Apoio (QCA) I e II, respectivamente de 1990-93 e 1994-99.
Qual o papel do poder autárquico face ao sistema de planeamento nacional de médio prazo?
O processo de planeamento passa pela escolha de alternativas, o diálogo e a concertação entre os diferentes agentes e a condução da sua execução.
Qual a intervenção, a participação do poder autárquico neste processo?
 
A CRP, no seu título III, referente ao planeamento, proclama como seu objectivo orientar, coordenar e disciplinar a organização económica e social do país, em ordem a garantir, nomeadamente, o desenvolvimento harmonioso das suas regiões e diferentes sectores. O plano tem carácter imperativo para o sector estatal. Em termos de horizonte temporal existem três tipos de planos: de longo prazo, médio prazo e anual. E, na tradição portuguesa, quanto ao planeamento de âmbito mais global, normalmente designado como socioeconómico, ou planeamento de desenvolvimento, nunca existiu a prática de elaboração de planos de longo prazo. No que diz respeito ao planeamento de médio prazo, iniciou-se há cerca de quarenta e três anos, com os Planos de Fomento, mas, de qualquer modo, a intervenção do poder autárquico nos diferentes 5 Planos de Fomento, ou seja, no período pré-revolucionário, não existiu. O planeamento estava centralizado na Presidência do Conselho de Ministros.
 
Como referimos, no âmbito regional (não no autárquico), o Decreto-Lei n.º 41905, de 11 de Março de 1969, veio criar as Comissões Consultivas Regionais, sendo certo que já antes, o Código Administrativo de 1936-40 também viera dar às Juntas de Província atribuições neste domínio, e, mais tarde, tanto o II Plano de Fomento, em 1959, como o Plano Intercalar, em 1965, retomaram essa preocupação, afirmando a necessidade da criação das Juntas de Planeamento Regional. Mas só em 1971 iniciou funções a primeira Comissão de Planeamento Regional (a Comissão de Planeamento Regional do Norte). Em finais de 1979, com o Decreto-Lei n.º 494/79, de 21 Dezembro, estas Comissões passam a designar-se Comissões de Coordenação Regional (CCR), existentes como organizações periféricas do actual MEPAT.
 
Quanto à intervenção do poder autárquico no planeamento, só em 1977, com a Lei n.º 31/77, que cria o sistema e a orgânica do planeamento nacional, as autarquias começam a ter um papel incipiente no processo de planeamento, em termos de consulta e parecer na elaboração dos Planos, no âmbito do anterior Conselho Nacional do Plano (CNP), onde tinham assento os representantes do poder autárquico.
Os Conselhos Sectoriais do Plano, que funcionavam a nível de cada Ministério, tinham uma composição que decorria directamente de proposta do CNP, dando portanto também funções de parecer às autarquias.
Paralelamente, são criados, em 1979, dois outros importantes Órgãos Regionais: um com funções de controlo político específico, o Conselho Consultivo, constituído pelos representantes eleitos dos agrupamentos de Municípios, e outro, o Conselho Coordenador, cuja reestruturação, mais tarde em 1981, se admitia vir a impulsionar o planeamento regional, dada a experiência acumulada do antecedente e, nessa medida, propiciar um mais fácil e permanente contacto com as autarquias locais (Decreto-Lei n.º 338/81).
Em 1981, foram elaboradas as Grandes Opções do Plano, que ficou pelo projecto mas, a este nível de planeamento, o poder autárquico não interferiu.
A partir de 1985, na sequência de uma profunda alteração orgânica no sistema de Planeamento, com a criação do Ministério do Planeamento e de Administração do Território (MPAT), e a adesão à CEE, começa efectivamente a intervenção do poder local no planeamento. A acção das CCR passa a ser orientada sobretudo para o apoio aos municípios nos domínios técnicos e de gestão.
 
No âmbito do Planeamento Regional, da preparação dos Planos de Desenvolvimento Regionais, em face da política de Desenvolvimento Regional da União Europeia, em expansão, podia ter ocorrido uma forte intervenção do poder autárquico, a partir de 1986. Mas tal apenas veio a concretizar-se mais tarde, já nesta década de noventa, com o PDR 1994-99. De qualquer modo, é com a preparação dos PDR, e preponderantemente naquele que correspondeu à candidatura ao II QCA, que a intervenção do poder autárquico se fez sentir no âmbito da concepção e elaboração dos diferentes projectos e programas operacionais que o mesmo reuniu.
 
Em finais de 1991, uma nova lei do Planeamento, a Lei-Quadro do Planeamento, que veio revogar a Lei n.º 31/77, introduz alterações profundas, no sistema, mas a intervenção autárquica continua a situar-se ao nível da consulta, parecer e coordenação.
 
O CNP foi substituído pelo Conselho Económico-Social (CES), que mantém praticamente as mesmas funções que o CNP, sem prejuízo de passar a ter uma composição e um estatuto que lhe dão maior representatividade, tendo as autarquias oito representantes, eleitos pelos Conselhos de região das áreas de cada Comissão de Coordenação Regional: 1 para o Alentejo, 1 para o Algarve e 2 para cada uma das restantes [Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, art.º 3, n.º 1, al. l)]. Os anteriores Conselhos Sectoriais do Plano foram substituídos nas suas funções pelas CCR até à criação das Regiões administrativas, pelo que as autarquias, que perderam assento naqueles, ganharam a possibilidade de intervenção mais fácil, dado que as CCR se situam geograficamente mais próximo e detêm mais poder em termos de Administração planeadora.
 
d) A participação das autarquias nos planos de desenvolvimento regional
O Fundo Europeu do Desenvolvimento Regional — FEDER, cuja criação está ligada à Cimeira de Paris de 1974, passou a constituir o principal instrumento financeiro da política regional comunitária, embora só nos anos 80, vencidas algumas resistências «nacionalistas» estaduais, ao tratamento supra-nacional da matéria, se possa falar numa política regional no seio da Comunidade, em termos que vieram a receber consagração no Acto Único Europeu, assinado em 1986. Os Quadros Comunitários de Apoio são alimentados por diversos instrumentos financiadores, o FEDER, o FSE, o FEOGA — Orientação, as Iniciativas Comunitárias. De acordo com a Região objectivo, onde o Programa se insere, são apresentadas as diferentes candidaturas. Todo o País se integrou nas Regiões de objectivo 1, ou seja, de primeira prioridade, com maior acesso àqueles Fundos Estruturais, o que favoreceu as áreas metropolitanas, em prejuízo das restantes regiões, despidas de estruturas de poder autónomo, para exigir um lugar à mesa do banquete.
 
Mas, neste quadro, Portugal beneficiou, desde 1986, da Política de Desenvolvimento Regional da Comunidade, que assume características de uma política de desenvolvimento e de ajustamento estrutural. Portugal recebe, no âmbito do QCA 1989-93, volumosos recursos comunitários, canalizados para investimentos em capital físico e humano, em ordem a modernizar a economia e reforçar a sua competitividade.
A incidência sobre o nível autárquico do PDR, referente ao 1.º QCA, que terminou em 1993, não foi directa, já que o seu objectivo foi global, com uma praticamente exclusiva intervenção ao nível da Administração Central, caracterizada pelo centralismo na elaboração, condução e destinação deste PDR.
Já o PDR 1994-99, integrado na nova Política de Desenvolvimento Regional da União Europeia, tem como grande preocupação a correcção das assimetrias regionais, a definição e quantificação das acções a empreender num âmbito alargado a todo o território Continental e Regiões Autónomas, levando a uma intervenção integrada com as autarquias locais, que apareceram com uma participação activa, embora dificultada devido a uma menor capacidade de investimento e de iniciativa, na preparação das candidaturas aos Programas Operacionais Nacionais e às diversas iniciativas Comunitárias.
 
Entre as dezasseis intervenções operacionais apresentadas na União Europeia, há projectos solicitados directamente pelas Comissões de Coordenação Regional às autarquias das suas áreas de intervenção. Na distribuição regional do investimento total, a maior parcela vai para a Região Norte, seguida de perto pela Região de Lisboa e Vale do Tejo, enquanto as regiões, com menos peso, são o Algarve, Região Autónoma da Madeira e, por último, a Região Autónoma dos Açores.
É sobretudo no âmbito do planeamento territorial (físico, espacial), do ordenamento do território, que o planeamento autárquico ganha uma grande dimensão.
Em relação ao Plano Anual de Actividades (PA), obrigatório para todos os serviços e organismos da administração pública central (um dos Planos previstos não só na Lei n.º 31/77, e posteriormente na Lei n.º 43/91), constata-se que o modelo deste plano foi sendo alterado desde 1978, até que pelo Decreto-Lei n.º 183/96 foi finalmente estabilizado.
 
O Plano Anual de Actividades devia agregar um conjunto de programas por sector, com incidências a diferentes níveis espaciais da estrutura da Administração Pública, o que pressuporia a colaboração entre os diferentes níveis da Administração Pública, designadamente entre o Administração estadual e a Administração autárquica, dada a ausência de poder regional. O PA é um plano muito formal, que, quando existe, não constitui um instrumento fundamental para a acção administrativa em geral, sendo certo que, também ao nível deste tipo de plano administrativo, não existe a cooperação e concertação adequadas e suficientes entre os vários níveis da Administração pública.
 
e) O planeamento e a gestão do território
O planeamento do uso do solo, ao nível local, merecerá uma referência es-pecial, inserido no planeamento territorial supra-municipal, embora não possa viver desenquadrado superiormente pelo planeamento económico-social.
O planeamento acompanhou a tendência de descentralização administrativo-territorial, que conduziu à emergência do planeamento municipal, como forma directa de intervenção no desenvolvimento local, com acções que contribuíram para tal, a serem sustentadas em argumentos de ordem conjuntural e estrutural, que não é aqui o lugar de desenvolver.
Mas sem dúvida que um dos vectores que ganhou relevância no planeamento autárquico, nos meados da década de 70, foi o planeamento territorial, isto é, do uso do solo, planeamento espacial ou físico, ou seja, na expressão geral habitual do legislador, o planeamento do ordenamento do território.
O plano é hoje o instituto fundamental do urbanismo, dado que é através dele que este obtém a outorga das suas cartas constitucionais, normas e plantas que o fundam e, portanto, também ordenam o território para o urbanismo.
 
 1.6. O planeamento urbanístico e o direito de construir
 
1.6.1. Considerações gerais
O urbanismo é um processo com uma vertente jurídica que conflitua com institutos jurídicos tradicionais, designadamente com a concepção civilista das faculdades do direito de propriedade do solo, obrigando a uma releitura dos mesmos.
Com efeito, o direito do urbanismo é um conjunto de regras e de instrumentos de actuação de poderes públicos criados não só com o objectivo de condicionar, mas também de regular a transformação e a ordenamento dos solos para efeitos de desenvolvimento urbano.
Vejamos a evolução histórica do enquadramento jurídico da terra.
 
A passagem da vida nómada e de pastorícia para uma de sociedade sedentária vivendo da agricultura levou ao surgimento do direito de propriedade do solo. Na história do direito, a concepção sobre este direito chegou, na propriedade quiritária, a integrar faculdades de disposição e destruição absoluta sem quaisquer restrições ao direito de edificar do proprietário do solo.
O direito romano, que o liberalismo e os diferentes códigos civis quase recaptam totalmente, fez-lhe compreender o «ius utendi, fruendi et abutendi», o que traduz uma concepção sem admissão de quaisquer limites.
O Estado moderno levou à privatização de propriedade, rejeitando as orientações e confusões de patrimónios de entidades públicas ou «estatutos» de feudalismo, e veio simultaneamente desprivatizar o próprio Estado ou parcelas do Estado, que deixa de ser património privado de quem quer que seja, acabando a confusão entre poder público e propriedade privada dos dirigentes políticos.
A revolução francesa impõe um direito de propriedade que funciona como direito absoluto às intervenções dos poderes públicos e portanto, consagra um direito de propriedade como um direito ilimitado, o que só ficaria em causa com a teoria do uso com abuso de direito, derivada precisamente de dada utilização do direito de propriedade e com que se inicia um processo de reenquadramento do seu exercício, que se traduz na aceitação de limitações ao direito de propriedade.
A estas limitações intrínsecas viriam juntar-se depois as limitações extrínsecas, de carácter social, que mantêm ou até vêm inutilizar o direito de propriedade, conforme se traduzam em restrições ou servidões administrativas ou na sujeição a expropriações por utilidade pública.
 
Temos então, um direito de propriedade da terra com um regime jurídico de direito privado, sujeito a limitações de direito administrativo, por razões de interesse público.
Esta concepção tem assento no nosso ordenamento jurídico, por imposição de normas de fontes internas e internacionais.
  
 Na Constituição, os artigos 62.º, n.º 4 (direito de propriedade), 65.º, al. c), n.º 2 (valorização do património cultural, existência de parques habitacionais e interesses públicos nos solos urbanos), 78.º, al. c) e h), 81.º, 83.º, 89.º, etc., garantem o direito de propriedade com limitações, a que há a acrescentar a cláusula de admissão de criação de legislação extravagante pelo artigo 1305.º do Código Civil, que começando por dar uma definição absolutizadora do direito, se abre a qualquer limitação criada por via legislativa.
Trata-se de um direito fundamental limitado, embora as suas restrições não possam diminuir (artigo 17.º) a extensão e o alcance do seu conteúdo essencial, sob pena de inconstitucionalidade, no caso de o legislador eliminar faculdades que se devam considerar como correspondendo a um mínimo, em termos de uso e gozo do solo.
Ora o urbanismo é direito dos solos, enquanto processo ordenamental ou de operatividade directa de afectação de destinos de utilização e de densificação quantitativa de faculdades sobre o solo. Coloca questões sobre as fronteiras da aceitabilidade ou não das suas disposições, no plano dos poderes dos proprietários desses solos.
Umas questões têm que ver com a funcionalização diferenciadora de espaços e outras com a sucessão de normas no tempo. Vejamos.
 
1.6.2. O planeamento e a constituição do ius aedificandi
O direito de ordenamento e de transformação dos solos está disperso por vários diplomas, desde os planos, a lei dos solos, a legislação das Reservas Agrícolas, Ecológicas, etc.
A lei dos solos dá instrumentos à Administração Pública. Mas onde está a legislação directamente aplicável aos direitos urbanísticos dos particulares?
Quem quiser construir num determinado terreno pode ver-se impedido ou limitado por todas estes diplomas.
Por isso, deve começar por verificar se se encontra ou não em solo de Reserva Agrícola Nacional ou de Reserva Ecológica Nacional ou pertence a uma zona «non aedificandi» marginal de uma via de comunicação terrestre ou fluvial, junto à via marítima ou a um curso de água flutuável, a uma instalação militar, aeroporto, etc.. Depois, há que ver o que diz qualquer plano territorial, uma vez que inexiste no nosso direito um princípio de hierarquia que impeça a aprovação de planos subordinados que não se harmonizem com os de escalão territorial mais abrangente. Terá que conferir as disposições do PROT, dos planos especiais e do plano de salvaguarda e valorização para as zonas de protecção de imóveis ou conjuntos classificados (Lei n.º 13/85, de 6.7), etc..
E, sendo assim, então qual é a relação existente entre a faculdade de construir e o direito de propriedade?
 
 Assim, no que diz respeito ao direito de propriedade sobre os solos, as leis e os planos já não aparecem apenas a recortar um direito que tinha inicialmente uma extensão maior, mas vem definir em cada caso, qual é a própria extensão desse direito, ao precisar as fronteiras normais em função da classificação dos espaços e da qualificação urbanística dos terrenos. Estas normas jurídicas definem os limites ou fronteiras e não recortam apenas algo previamente definido.
O ordenamento urbanístico, isto é, a definição das faculdades inerentes à propriedade dos terrenos, não origina um direito a indemnização, apenas existente nos casos de ablação do direito de propriedade sobre o solo, recorte ou privação de um direito previamente delimitado com maior extensão.
Os solos qualificados como espaços não urbanísticos não são susceptíveis de nenhum desenvolvimento urbanístico, devendo ter um aproveitamento inerente às suas qualidades estritamente naturais (uso rústico, aproveitamento agrícola, florestal ou pecuário).
E a classificação dos solos como não urbanizáveis não confere direito a qualquer indemnização, precisamente porque as normas jurídicas que as classificam partem de uma situação em que não tiram, mas apenas não criam faculdades. Porque a situação de que se parte é a da natureza, considerando a realidade natural como o único conteúdo inicial da propriedade. E se o Estado não tirar nada, não tem que indemnizar nada, pois o sentido da responsabilidade pública consiste em compensar o que se tira, a perda, o dano causado.
 
Quando se classifica o solo como urbano ou urbanizável (ou na classificação da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, simplesmente como urbano, isto é, se lhe reconhece «vocação para o processo de urbanização e de edificação», integrando os «terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada»: solo do perímetro urbano), adiciona-se ao conteúdo normal do direito de propriedade outros conteúdos artificiais, que não estão na natureza das terras e que dependem de uma vontade exterior e alheia à do proprietário, ou seja, a vontade do legislador e da Administração planificadora.
 
Esta adição de conteúdos é uma atribuição modal, adquirida com a condição de o beneficiário ter um prévio comportamento de contraprestação compensatória, traduzido num dever dos proprietários afectados de se incorporarem no processo urbanizador e edificatório, nas condições e prazos previstos na legislação e no planeamento urbanísticos.
 
Os aproveitamentos urbanísticos materializados na edificação, nos termos previstos no plano, pressupõe a cedência gratuita à Administração dos terrenos destinados a obras públicas, ou deveres garantidos com a "cominação" da expropriação, via permitida para substituir o proprietário original incumpridor. Os limites e os deveres definem casuisticamente o conteúdo normal último do direito de propriedade do solo, a partir do conteúdo normal inicial criado pela própria natureza.
 
O planeamento de iniciativa pública ou o licenciamento do loteamento situa o exercício pelo proprietário dos «ius aedificandi». Diz o n.º 4 do artigo 15.º da LBPOTU: «o regime de uso do solo é estabelecido em instrumentos de planeamento territorial, que definem para o efeito as adequadas classificação e qualificação», cabendo a esta regular, «com respeito pela sua classificação básica, o aproveitamento dos terrenos em função da actividade dominante que neles possa ser efectuada ou desenvolvida, estabelecendo o respectivo uso e edificabilidade» (n.º 3 do mesmo artigo).
 
Então, como ler o Código Civil, que parece neste plano conter regra revogada pelo direito público? Com efeito, nos termos do seu artigo 1344.º, o direito de propriedade incluiria o direito de construir, embora condicionado e modelado pela vontade da Administração Pública, que desempenha uma função compatibilizadora das exigências da função social da propriedade do solo.
 
Mas em face do Direito Administrativo, que se lhe refere, outra é a solução: hoje, ele é um poder fundado no próprio plano urbanístico.
Os planos de iniciativa pública ou os de iniciativa particular (estes resultantes de licenças de loteamento, tituladas por alvará municipal), são actos da Administração que, sendo favoráveis ao proprietário do solo na sua pretensão edificatória, traduzem uma actividade constitutiva de direitos.
Os direitos reais são direitos que incidem sobre coisas e facultam o seu aproveitamento. O proprietário tem o direito de usar, fruir, dispor jurídica e materialmente da coisa, diz o Código Civil. E a disposição material traduz-se no poder de transformação, desde a alteração física da coisa, às modificações e destruição. Mas, engloba o poder de construir?
A concepção tradicional do direito de propriedade oriunda do direito romano dá ao seu titular a liberdade de construir ou não no imóvel rústico, demolir, alterar o imóvel urbano ou reconstruir. A primeira codificação jurídica moderna, o Allgenalines Landrecht, de 1794, dispõe no mesmo sentido.
Embora sempre tenham existido limites, de vizinhança e outros traduzindo proibições judiciais. Mas hoje, não foi tirado ao proprietário o direito de construir?
Em certos países, o urbanismo e a sua execução são uma função pública, sendo reservado como tarefa da Administração tudo o que respeita à construção, restando aos proprietários dos terrenos rústicos o gozo no estado rústico.
E há uma grande discricionariedade administrativa na concessão do exercício da faculdade de construir, enquadrado num apertado tecido de planos e autorizações ou concessões, que põem em causa o direito de transformação, e particularmente de construção.
Hoje, em Portugal, ao proprietário só cabem os direitos que o plano e a Administração Pública em concreto, outorguem em cada caso, desafectando-se da propriedade do solo rústico as faculdades de construção ou de construção em concreto. Essa realidade jurídica acaba por vir a ser reconhecida pelas normas da LBPOTU, que atrás citei.
Tem assim que se considerar ultrapassado por normas posteriores de direito administrativo, o disposto no n.º 1 do artigo 1344.º do Código Civil, que já não rege, segundo o qual a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo com tudo o que nele se contém e não esteja desintegrado do domínio, por lei ou por negócio jurídico.
Esta inclusão do espaço aéreo na propriedade dos imóveis traduziria uma densificação do direito ou propriedade fundiária que engloba o «ius aedificandi», tanto em altura como em profundidade, o que é contrariado pela inexistência da faculdade de o proprietário decidir, por si, se pode e como pode construir no seu terreno. Num país panplanificado, é o direito público que regulamenta essa possibilidade, através de definições dadas, sobretudo ao nível dos planos urbanísticos, dos tipos e intensidades de utilização do solo, alterando a concepção civilista do direito de propriedade, em termos aliás sufragados pela jurisprudência constitucional, a propósito do conceito de propriedade privada, constante no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, que não inclui nele o direito de construção.
Como bem refere o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/88, publicado no Diário da República, de 19.3.87, o «ius aedificandi» não está incluído na garantia constitucional do direito de propriedade, o que significa que os pressupostos de existência e as condições de exercício do direito de edificação podem radicar-se numa atribuição efectivada pelo direito urbanístico. É o que acontece.
 
E quais as normas ou actos administrativos criadores do direito de cons-truir?
As licenças de construção são o acto de aprovação do projecto de obras, nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29.3 e do n.º 1.º do Decreto-Lei n.º 166/70, quando existe plano urbanístico, classificando dados terrenos para construção, através do respectivo zonamento, servindo apenas para controlar o cumprimento das disposições do plano e das normas de direito público de construção, designadamente referentes à estética, salubridade e segurança das edificações. Acontece que esta actividade «licenciadora» pode ser constitutiva, quando não há plano de urbanismo aprovado. E quando o há, o momento criador do direito de construir encontra-se a jusante deste acto (que será, então, meramente autorizativo do exercício de um direito já existente, e portanto verdadeira licença), porquanto a faculdade de edificação no solo, a implantação do edifício, o número de pisos ou a cércea, estando determinados, a actividade autorizatória concreta, posterior, é quase totalmente vinculada ao conteúdo do plano, origem do direito que se pretende exercer, o que resulta do princípio da taxatividade dos fundamentos de recusa da licença e dos projectos (n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 166/70) e do princípio do deferimento tácito dos requerimentos de aprovação dos projectos e do licenciamento de obras (artigo 13.º).
 
Portanto, há que concluir que o direito a construir não integra o conteúdo natural de um direito próprio do dono da terra, sendo uma faculdade atribuída ou conferida pela Administração planificadora e urbanística, decorrente de um acto de atribuição de direito público, de normas próprias de um plano ou de uma «licença de construção», dado que compete ao direito urbanístico definir o conteúdo e limites do direito de propriedade, segundo o princípio da função, vinculação e obrigação social, das normas em geral, bem como do princípio da especial vinculação social da propriedade do solo. Assim, podemos afirmar que a configuração legal do direito de propriedade do solo, não resulta hoje do direito privado, dado que, para além das situações de domínio público, as suas faculdades construtivas e modificativas estão sujeitas a normas públicas referentes à apropriação, gozo, transformação e disposição do solo. Estas normas públicas, de natureza constitucional e administrativa, afastam o estatuto resultante do direito privado e estabelecem, para além das situações de uso, gozo e disposição correspondente à sua natureza em termos rústicos, um regime diferente, próprio, de transformação e de aproveitamento urbanístico, configurado segundo o interesse público, conformado pela Administração urbanística e acompanhado de certas obrigações, como a de cedência de parcelas e de pagamento de infra-estruturas, etc..
 
Desde logo, o princípio da função social da propriedade delimita o conteúdo das faculdades urbanísticas e condiciona ou impõe o seu exercício. Estas faculdades referentes ao uso do solo e sobretudo as de urbanização e de edificação, encontram-se enquadradas em termos, limites, e com o cumprimento de deveres estabelecidos pela lei, em planos e actos da Administração planificadora e urbanística, segundo técnicas de classificação e planificação urbanística dos imóveis, sem direito a indemnização (salvo disposição legal). O conteúdo normal do direito de propriedade, integrando faculdades e deveres impostos, é determinado positivamente pelo ordenamento urbanístico, constituído pelo bloco da legalidade urbanística e pelo sistema de planeamento ordenamental e urbanístico.
 
É o planeamento urbanístico que cria o estatuto jurídico-urbanístico da propriedade, ou seja, é ele que define o seu conteúdo normal, através de instrumentos de conformação sucessiva em termos de classificação e qualificação urbanística do solo. O direito de propriedade não integra o desenvolvimento urbanístico do solo, o aproveitamento do espaço aéreo acima do solo, embora este o faculte como substrato físico indispensável, nos termos do interesse público. E, portanto, dependendo da decisão do poder público, definidor do conteúdo urbanístico do direito de propriedade. Como dissemos, esta regulação pública do domínio privado sobre os solos não põe em causa o enquadramento constitucional. Pelo contrário, é conforme à Constituição, que consagra um princípio de garantia do direito de propriedade, o que não está em causa, e que é sempre conformável pela lei em razão da sua função social, critério último de densificação do conteúdo do direito de propriedade, justificativo de outras normas constitucionais e dos regimes diversificados dos solos em face da diversidade da sua funcionalidade económico- -social, e que justifica a responsabilidade pública da definição do conteúdo dominial dos solos.
 
A integração sucessiva do estatuto urbanístico do direito de propriedade processa-se através de um primeiro processo de divisão dos solos, segundo uma estrutura genérica do seu aproveitamento urbanístico (classificação do solo como urbano — e urbanizável — ou não) e, depois, da divisão de cada solo, não afastado da urbanização, em termos de zonas, segundo destinos funcionais diversificados, concretizadores de uma ocupação e transformação diferente do uso natural e, finalmente, da definição administrativa das intensidades do seu aproveitamento.
 
E esta definição, só por si, sendo um processo de produção de utilidades não homogéneas de todo o território, tem consequências discriminatórias, ao criar para os diferentes proprietários, distintas possibilidades de utilização e de aproveitamento. Isto significa que o debate sobre as oportunidades dos proprietários dos solos urbanos já se transferiu do domínio da reivindicação das faculdades próprias de construir para o da correcção das consequências da definição dessas faculdades, dependente de uma vontade alheia, norteada por interesses alheios aos do simples lucro do proprietário, atentos os interesses colectivos a prosseguir. Quanto mais não seja, porque essa tarefa é uma actividade da Administração Pública, que está sujeita ao princípio da igualdade no tratamento dos administrados.
 
O aparecimento de normas definitórias e condicionadoras de transformação do espaço é indiferente para os processos particulares de intervenção, consumados ou em curso?
 
Há que saber se o plano deve ou não aceitar que as afectações e utilizações em curso, ou previstas antes da sua vigência, são ou não salvaguardadas, mesmo que contrariem as suas disposições (situações já consumadas ou em curso de concretização, já autorizadas pela Administração urbanística, mas não iniciadas, ou mesmo utilizações pendentes de procedimento administrativo, sem decisão expressa ou tácita). É a questão dos direitos urbanísticos adquiridos.
 
1.6.3. O planeamento e os direitos adquiridos
O processo de ordenamento conforma um espaço rústico em espaço urbano, com as respectivas afectações.
Ele consubstancia regras e instrumentos interditadores e condicionadores da transformação do solo, que cria tensões em relação aos proprietários.
Quanto à atribuição dos diferentes destinos, o carácter selectivo dos aproveitamentos urbanísticos determina o valor económico dos solos, o que mexe com o princípio da igualdade, a menos que se implantem técnicas que realizem o princípio de igual de tratamento, pela via da repartição igual dos encargos públicos.
 
O sistema jurídico enquadra o jogo social, cuja dinâmica implica que os cidadãos se possam autodeterminar segundo as regras vigentes, pelo que a liberdade do legislador e da Administração Pública actua no quadro de legalidade em que se movem com respeito pelos direitos adquiridos e decisões tomadas ao abrigo dos mesmos, sob pena de o sistema jurídico ser atacado num dos seus princípios fundamentais, que faz estruturar o agir social segundo o direito que está em vigor e não segundo juízos de prognose sobre um direito que há-de vir. Os cidadãos estão submetidos ao direito em vigor, não ao que seria ou será o direito, sendo este o único modo de garantir o princípio da confiança dos cidadãos no sistema jurídico, como ordenamento estruturante do Estado, em Estado de Direito.
 
E se uma lei vem alterar ou mesmo revogar ou permitir revogar direitos urbanísticos constituídos? Se ela tiver desde logo efeitos retroactivos, em relação a direitos constituídos anteriormente à sua previsão? Uma vez adquirido o direito, a sua revogação através de disposições legais posteriores retroactivas é inconstitucional. E, mesmo que lícito, tem que respeitar o princípio da garantia patrimonial, ou seja, implica uma indemnização, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 27.11.1967 (dados anormais e especiais).
 
O Decreto-Lei n.º 351/93, de 7.10 (regime de caducidade dos pedidos e dos actos de licenciamento de obras, loteamentos e empreendimentos turísticos), na medida em que pôs em causa licenças urbanísticas obtidas antes da sua entrada em vigor e que traduziam actos constitutivos de direitos urbanísticos é inconstitucional, como o reconheceu, em geral, a doutrina. Já não há qualquer inconstitucionalidade em relação ao n.º 1 do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 448/ /91, de 29.11, referente a licenças de loteamentos e obras urbanísticas sujeitos a alteração de especificações por iniciativa pública, necessárias para a adequação da execução regular dos planos (regional e municipal) da área de desenvolvimento urbanístico prioritário, área de construção prioritária ou área crítica de recuperação e de reconstrução urbanística, ao estipular que ficarão em causa logo que tenham decorrido pelo menos 2 anos após emissão de alvará.
Deixa-se aqui a descrição do disposto no DecretoLei n.º 351/93, de 7 de Outubro (que entrou em vigor no dia da sua publicação), pelo seu interesse e regulação da matéria, mesmo para o futuro. Ele vem declarar que as licenças de loteamento, de obras de urbanização e de construção, devidamente tituladas, designadamente por alvarás, emitidas anteriormente à data da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território, ficam sujeitas a confirmação da respectiva compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo, constantes de plano regional de ordenamento do território.
A confirmação da compatibilidade é feita por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território ou, nas situações de aprovações de localização, aprovações de anteprojecto ou de projecto de construção de edificações e empreendimentos turísticos, emitidas pelas câmaras municipais em data anterior à da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território (a que também é aplicável este regime, por força do seu art.º 3.º), por despacho conjunto dos Ministros Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo.
 
Caso seja confirmada a compatibilidade com as regras de uso, ocupação e transformação do solo, constantes de plano regional de ordenamento do território, entende-se que os direitos resultantes das licenças obtidas não caducaram. De qualquer modo, sempre que o titular do alvará de licença de construção comprove que a obra se iniciou e não se suspendeu anteriormente à data da entrada em vigor do plano regional de ordenamento do território, ou dentro do prazo de validade fixado na respectiva licença, entende-se que esta é «compatível» com as regras de uso, ocupação e transformação do solo constantes daquele plano. A confirmação da compatibilidade ou da verificação destes pressupostos de compatibilidade teve de ser solicitada no prazo de 90 dias, a contar da data da entrada em vigor do diploma ou tem de o ser a contar da data da entrada em vigor do plano regional de ordenamento do território, consoante já exista ou não aquele instrumento de planeamento para a área em questão. A confirmação da compatibilidade é emitida no prazo de 90 dias. A ausência de decisão expressa nesse prazo consubstancia uma declaração tácita de compatibilidade (n.os 1, 2 e 3 do art.º 2.º). Os pedidos de licença de construção em terrenos loteados, ao abrigo de alvará de loteamento emitido anteriormente à data da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território, devem ser instruídos com documento comprovativo da confirmação da compatibilidade prevista nesta lei (art.º 4.º).
 
A realização de obras de urbanização e de construção efectuadas em violação ao disposto no diploma em apreço é passível de embargo e demolição, nos termos do disposto nos artigos 57.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e 61.º e 62.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro (art.º 5.º).
 
A confirmação da compatibilidade é válida pelo prazo de um ano, findo o qual caducam automaticamente todos os direitos derivados dos actos ou títulos objecto da confirmação, que não possuam prazo de validade e que não tenham sido exercidos (art.º 6.º).
Mais tarde, o legislador, através do Decreto-Lei n.º 61/95, de 7 de Abril (além de ter prorrogado o prazo para o dobro e admitido a «confirmação da compatibilidade ou a verificação dos pressupostos» depois do prazo, nos casos de atraso justificado — justo impedimento, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 281/93, de 17 de Agosto), veio excluir da sua aplicação as áreas urbanas consolidadas (áreas definidas nos PDM e a identificar nos diplomas que aprovem os PROT, as quais não aparecendo em regras específicas destes, quando aprovados anteriormente ao Decreto-Lei n.º 351/93, nem sequer permitia o pretendido controlo da compatibilidade) e que são as áreas com conjuntos coerentes e articulados de edificações multifuncionais e seus terrenos contíguos, inseridos numa rede viária estruturante e servidos de vias públicas pavimentadas e de redes de abastecimento de água e de saneamento.
 
1.7. Os direitos administrativos ligados ao território
 
Numa abordagem jurídica destes temas, isto é, referente aos direitos administrativos ligados à utilização do território, há que dar definições que tomem em consideração a relação evidenciada entre o direito urbanístico e outros ramos do direito administrativo referentes ao território ou aos edifícios.
Comecemos por os encarar em si.
 
a) O direito do ordenamento do território
O direito do ordenamento do território é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a actuação da Administração em ordem a assegurar uma distribuição racional do homem e das suas actividades, num dado território.
É o direito concretizador da política de ordenamento do território, tal como a definimos acima, resultante da Carta Europeia de Ordenamento do Território e da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, e cujo objectivo geral já o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 309/95, de 20 de Novembro, referia como sendo «criar e estimular as condições de ocupação, uso e transformação do solo favoráveis ao desenvolvimento social e económico coerente, equilibrado e sustentável das várias áreas do país».
 
b) O direito do ambiente
O direito do ambiente é o conjunto de normas jurídicas reguladoras da actividade da Administração e dos particulares em ordem a garantir a conserva-ção da natureza e defender a qualidade de vida humana. Tem uma forte componente de preocupações territorialmente situadas. Voltaremos ao assunto no capítulo III.
 
c) O direito dos solos
O direito dos solos, como se depreende do Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, e de outras normas, concretiza a política nacional sobre os solos, a qual, em relação aos solos para aproveitamento urbano, vem dotar a Administração Pública de instrumentos para prosseguir os objectivos urbanísticos fixados nos planos, evitar a especulação imobiliária, propiciando a oferta de terrenos em quantidades e preços razoáveis, e permitir a solução do défice habitacional.
A intervenção ordenamental e urbanística nos solos processa-se pela utilização de técnicas, que vão desde actuações incentivadoras ou impositivas da oferta de terrenos (vg. obras públicas, designadamente de urbanização, sujeição camarária a construção obrigatória — 18 meses após notificação em terrenos aptos a edificação, nos termos do artigo 48.º da Lei de Solos, fixação de prazos e eventuais prorrogações dos trabalhos de loteamento, obras de urbanização e de construção, a que há a juntar os prazos legais curtos de caducidade das licenças que os viabilizam) ou desincentivadoras do seu inaproveitamento urbanístico (manejo de mecanismos tributários, etc.) e medidas circunscritivas (sujeição a licenciamentos), actividades de colaboração (associação da Administração Pública com proprietários dos terrenos) e instrumentos de aquisição pública de terrenos (além dos meios de gestão privada, o direito administrativo de preferência, o direito de expropriação de áreas necessárias para a criação e expansão de aglomerados urbanos ou parques industriais, espaços verdes, recuperação de áreas degradadas, etc., e a obrigação de cedência gratuita de parcelas de terrenos para o domínio público municipal, destinados a infra-estruturas urbanísticas, ou (não sendo necessário, em compensação nos termos a regular em regulamento municipal, para o domínio privado, passível de alienação em propriedade plena ou de cedência em termos de direito administrativo de superfície).
O direito dos solos, que faz parte do direito urbanístico, disciplina em geral a alteração do uso ou da ocupação dos terrenos para fins urbanísticos, em ordem a um adequado ordenamento do território, visando o desenvolvimento sócio-económico equilibrado das diversas regiões, e abrangendo também o controlo e a superintendência dos empreendimentos de iniciativa particular.
No que diz respeito ao binómio direito dos solos e expropriação, importa re-ferir que instrumento fundamental do direito dos solos, e em geral da gestão urba-nística e especialmente da execução dos planos, é a expropriação dos mesmos, que segue o regime previsto no Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 438/ /91, de 9 de Novembro de 1991).
Em geral, as regras fundamentais do instituto da expropriação são as seguintes:
O seu objecto são bens imóveis e direitos a eles inerentes (direito de proprie-dade, outros direitos reais — usufruto, superfície, uso e habitação e servidões prediais — ou direitos obrigacionais, vg. o direito de habitação).
 
Os seus pressupostos de legitimidade são:
— o princípio da legalidade (só é possível com base na lei);
— o princípio da utilidade pública (por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições da entidade beneficiária);
— o princípio da interdição de excesso (necessidade, adequação e proporcionalidade); e
— o princípio da garantia patrimonial (indemnização justa, isto é compen-sação total do valor do bem, medido pela quantia que seria recebida na alienação livre no mercado, descontando os factores especulativos).
 
A sua efectivação desenrola-se em procedimento administrativo (com desta-que para o acto de declaração de utilidade pública — indicação do fim concreto e identificação do bem necessário, pelo Ministro competente) e jurisdicional (para a solução do preço, caso não haja acordo, em recurso de uma arbitragem anterior).
Havendo acordo, quanto ao montante da indemnização e forma de pagamento, a propriedade transfere-se com o auto ou a escritura pública de expropriação amigável. Não havendo acordo, compete ao tribunal judicial efectivar a adjudicação da propriedade e também a sua posse, se a autorização para a posse administrativa não tiver sido concedida pelo Ministro respectivo, quando tenha carácter urgente — trabalhos necessários à execução de projecto de obras aprovado, que sejam urgentes e ela seja indispensável para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta.
 
Os cidadãos ficam garantidos contra as ilegalidades, através de recurso de anulação da declaração de utilidade pública e contra a inactividade ou a não utilização para os fins previstos, com meios específicos: caducidade do acto (não promoção da arbitragem no prazo de um ano ou não remissão do processo ao tribunal no prazo de dois anos, a contar da publicação no Diário da República) e o direito de reversão, se não forem aplicados no prazo de dois anos para o fim a que foram expropriados (excepto decurso de 20 anos da data da adjudicação, nova declaração para fim diferente ou renúncia expressa do expropriado).
 
Quanto propriamente à Lei dos Solos, que traça a política geral do direito dos solos, ela tem duas vertentes. Uma que pretende concretizar uma política pública sectorial realizadora de uma oferta de terrenos suficientes e a preços anti-especulativos para a construção em aglomerados urbanos.
É um direito programático ao serviço do urbanismo, preocupado em dar instru-mentos jurídicos à Administração Pública para prosseguir os objectivos fixados neste Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro.
A outra vertente contém normas de aplicação directa, regimes jurídicos particulares aplicáveis a certos tipos de bens imóveis, e que tornarão nulas quaisquer normas de um plano que sejam incompatíveis com eles.
A política dos solos visa dar à Administração Pública instrumentos para corrigir os defeitos ou os excessos do jogo do livre funcionamento do mercado de terrenos urbanizáveis, traduzindo uma intervenção administrativa económica de base liberal, com o objectivo da regularizar os preços dos solos, de obter terrenos a preços baixos para a construção social e de constituir património imobiliário público para programas públicos de urbanização, através do controlo público da iniciativa privada, do recurso à expropriação e ao direito de preferência, e da actividade económica da administração como agente imobiliário, comprando, trocando e vendendo terrenos para construção.
A nossa lei dos solos, na parte respeitante à política dos solos, aponta sobretudo para a aquisição de reservas de terrenos para urbanização, tendo falhado neste aspecto, por inexistência de meios financeiros por parte dos municípios.
 
O macro-enquadramento da política dos solos, consta dos artigos 65.º, n.º 4 do artigo 80.º, al. c) do artigo 65.º, al. d) da Constituição, que fixam os seguintes princípios:
— o princípio do controlo efectivo do parque imobiliário por parte da Administração Pública (Estado e autarquias);
 — o princípio da admissibilidade de expropriação dos solos de acordo com o interesse urbanístico;
— o princípio da definição do direito de utilização dos solos, pelo Estado e pelas autarquias locais, com afectação de atribuições comuns; e
— o princípio da promoção pelo Estado do aproveitamento racional dos recursos naturais e também dos solos.
 
E a nossa lei dos solos, consagra princípios gerais sobre aspectos fundamentais da disciplina dos solos, tais como:
— o princípio do controlo público das iniciativas particulares, designadamente a aprovação administrativa prévia da alteração do uso ou da ocupação dos solos para fins urbanísticos (licenciamento);
— o princípio da apropriação pública, designadamente através de expropriações ou direito de preferência, de solos necessários para a criação, expansão ou desenvolvimento de aglomerados urbanos, criação ou ampliação de parques industriais, espaços verdes urbanos de protecção e recreio, e para a recuperação de áreas degradadas;
— o princípio da admissibilidade de cooperação dos particulares na urbanização, através da realização de obras de urbanização de terrenos para construção;
— o princípio da possibilidade de expropriação total, em bloco ou sucessivamente por zonas, da área necessária à execução de um plano ou empreendimento;
— o princípio da cedência aos particulares do direito à utilização de terrenos, para os fins que legitimam a sua apropriação pública ou de renovação urbana, apenas em direito de superfície , por prazo máximo de 50 anos (prorrogável), excepto se se encontrarem em áreas abrangidas por planos de urbanização legalmente aprovados (situação passível de cedência em propriedade plena) ou de cedência para cooperativas de habitação ou para habitação própria, em que o prazo mínimo será de 70 anos;
— o princípio da obrigatoriedade de fixação de um prazo máximo para construção no acto de transmissão em propriedade plena, a cumprir sob pena de reversão à Administração Pública, com a perda de 30% dos montantes pagos pelos mesmos;
— a directiva à Administração planificadora e de gestão urbanística, no sentido de fixar os números ou percentagens de fogos a construir, com fixação ou controlo dos valores das rendas ou dos preços de venda, para fins destinados a habitação social, aquando da execução de qualquer plano de expansão, desenvolvimento ou renovação urbana ou de criação de novos aglomerados;
 — o princípio da aplicação de medidas preventivas ou medidas provisórias na previsão da aprovação de um plano;
— a faculdade de a Administração Pública se relacionar com os particulares, para assegurar a disponibilidade de terrenos para expansão, desenvolvimento e renovação urbana ou de criação de novos aglomerados urbanos e execução do plano de urbanização;
— a sujeição a interdição ou a restrições de demolição de edifícios destinados a habitação;
— a previsão de legislação especial para protecção de edifícios e zonas de interesse histórico, cultural e artístico, ou limitação a certos tipos de actividade e ainda interdição, em zonas a delimitar, de uma utilização de edifícios ou parte deles para o exercício de actividades industriais ou profissões liberais;
— a faculdade de declaração administrativa de áreas críticas de recuperação e de reconversão urbanas, delimitadas em função da falta ou insuficiência de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes ou com edifícios deficientes, em termos de solidez, segurança, salubridade, pela gravidade da sua situação, para superar os inconvenientes e perigos da situação;
— a faculdade de expropriação administrativa de faixas adjacentes, com profundidade máxima de 50 m, destinadas a habitação, em caso de abertura, alargamento de ruas, praças, jardins e outros lugares públicos; assim como de terrenos rústicos a aproveitar para construção urbana, derivado de obras, ou de terrenos próprios para fins de construções adjacentes a vias públicas de aglomerados urbanos ou prédios urbanos a reconstruir ou remodelar quando sem motivo justificado, devidamente notificado, o proprietário não actue no prazo de 18 meses (art.º 47.º e 48.º);
— o princípio da interdição de desalojamento administrativo de habitantes de prédios a demolir ou a desocupar temporariamente, sem se encontrar providenciado o respectivo realojamento;
— a delimitação de zonas da defesa e de controlo urbanos, incidindo sobre os solos circundantes dos aglomerados ou incluídos neles e sobre alterações ao uso dos mesmos, em termos inconvenientes para os interesses comunitários, designadamente o equilíbrio biofísico e a preservação de condições para o desenvolvimento futuro dos aglomerados urbanos ou de parques industriais, com interdições ou sujeição a autorização e condicionamentos à construção.
 
d) O direito da construção
O direito da construção regula a actividade de construção.
O Direito do Urbanismo integra esta vertente do direito, no que diz respeito às normas que se lhe referem, de natureza pública, ou seja, o direito administrativo da construção, as regras sobre a supervisão e controlo da Administração Pública, visando a fiscalização do cumprimento das normas de edificação, desde as referentes à segurança, salubridade, higiene, estética, até às de habitabilidade, alteração e demolição das construções, mudança de utilização e verificação da conformidade das operações de construção com as normas do plano urbanístico em vigor.
 
Do direito administrativo e portanto do direito do urbanismo excluem-se as normas do Código Civil, integradas nos artigos 1207.º a 1230.º, referentes a empreitadas e subempreitadas, responsabilidade civil contratual e extracontratual dos construtores, designadamente as relações entre o dono da obra e os técnicos e projectistas, o empreiteiro, os encarregados da execução, e as referentes às relações entre os proprietários dos prédios construídos ou dos terrenos em que se estejam a implantar edifícios e os proprietários dos prédios vizinhos, afectados com ocorrências do processo construtivo, e as respeitantes às distâncias entre paredes, aberturas de janelas ou frestas, etc., reguladas nos artigos 1346.º a 1350.º, 1360.º e 1365.º do Código Civil.
 
O direito urbanístico na Alemanha aparece mesmo designado por direito pú-blico da construção, apesar de integrar também o tratamento das matérias referentes ao solo e ao plano, além das normas do direito administrativo da construção.
 
Voltaremos a esta matéria, em geral, na parte final desta obra.
 
1.8. Definição e características do direito do urbanismo
Em jeito de conclusão sobre a temática abordada, de natureza introdutória ao estudo do Direito do Urbanismo, na perspectiva da delimitação do seu conceito, ou seja, da justificação da posição adoptada quanto à definição ampla do Direito do Urbanismo, importa considerar o seguinte:
 
1.8.1. A noção de direito do urbanismo
Onde está o direito do urbanismo?
O direito do urbanismo engloba o direito dos planos urbanísticos (designadamente, os planos territoriais de natureza ordenamental de fins omniabrangentes, na medida em que tenham directrizes e normas dirigidas ou com implicações no urbanismo), o direito dos solos (embora o direito dos solos em geral seja normativizador das políticas nacionais de solos e não apenas dos solos urbanos, na medida em que tenham implicações restritivas ou condicionadoras do desenvolvimento urbano ou construtivo), o direito das operações urbanísticas e o direito da construção de edifícios (embora o direito referente à construção não seja apenas direito público da construção, mas na medida em que o seja).
As preocupações do moderno direito do urbanismo apontam, desde logo, em primeiro lugar, para a disciplina da actividade da Administração e dos particulares, em ordem ao desenvolvimento racional e sadio dos meios urbanos.
 
O conceito amplo parece traduzir melhor a legislação internacional, constitucional e ordinária vigente, ao jeito do direito comparado, englobando todos os elementos das várias concepções parcelares, ou seja, integrando o direito da planificação urbanística (planos supra-municipais e planos locais), o direito dos solos (função auxiliar do direito urbanístico, com o instituto da expropriação, direito de preferência, loteamento territorial, obrigatoriedade de construção, etc.), o direito das operações urbanísticas, o direito de construção de edifícios e naturalmente o direito da organização administrativa urbanística.
 
Por um lado, conceber o direito do urbanismo como o direito do plano, na medida em que seria este que lhe daria o carácter e unificaria as suas normas é insuficiente, dado que há normas onticamente urbanísticas extra-planeadas.
Ou conceber o direito do urbanismo como direito público da construção, referente à utilização do solo para a edificação, ou como direito da ponderação e superação dos conflitos de interesses a propósito dessa utilização do solo, seria esquecer os normativos enquadradores destas normas, em geral instrumentais de opções político-urbanísticas consagradas pelo legislador noutras normas, naturalmente de natureza urbanística.
 
Por outro lado, ele não pode definir-se excluindo ou pressupondo a inexis-tência de condicionantes ordenamentais gerais e ambientais que orientam a concretização, quer do planeamento urbanístico, quer das imposições ou interdições concretas. Tem que ver, portanto, com as reservas de solos para certos fins, cuja normação se prende com a necessidade de interditar ou restringir a actividade construtiva.
 
O direito do urbanismo é também direito do ordenamento — ordenação urbanística — e mesmo quando os ordenamentos sejam territorialmente regionais, à maneira dos das Regiões Autónomas, ou pararegionais (intermunicipais) à maneira do continente, o direito do urbanismo vem integrar-se neles, que se impõem, comandam a jusante as normas e até as decisões administrativas e operações urbanísticas, prolongando as suas orientações para o nível micro- -territorial urbano (este executando-as, desenvolvendo-as e concretizando-as).
 
De qualquer modo, como se disse, nem todo o direito ordenamental é direito do urbanismo, tal como nem todo o direito do urbanismo é ordenamental. Do mesmo modo, apesar de o direito ordenamental e o direito do urbanismo terem também objectivos ambientais, estes não passam só pelas estratégias ordenamentais ou normas de índole urbanística, até porque, muitas vezes, não estão envolvidos na urbe, mas no campo e nas águas e porque ultrapassam também a referência territorial e o processo planificador, essencial ao ordenamento e ao urbanismo, embora também importante para o ambiente.
A justificação desta opção foi sendo dada e o estudo da evolução histórica deste ramo do direito ajuda a cimentar a sua compreensão. Neste século, chegou-se à conclusão de que os actuais problemas da urbe só podem ser resolvidas olhando não só sobre a cidade, mas para além dela, onde muito do que se passa se repercute necessariamente nela, condicionando-a. Entendimento pacífico na linha do pensamento anglo-saxónico, da «Town and Country Planning Law», partindo precisamente da concepção de que há fenómenos no hinterland da urbe e até no país em geral, que acabam por conformar as cidades, o que implica um planeamento territorial que faça o seu levantamento e proponha soluções globais.
Em conclusão:
O direito do urbanismo é o conjunto de todas as normas jurídicas (regras e princípios) que disciplinam o regime jurídico da propriedade do solo, a ordenação urbanística, a organização e a actividade administrativa planificadora e gestionária do uso do solo, da urbanização e da construção.
No fundo, numa abordagem material, objectiva, trata-se da actividade da Administração Pública e dos particulares, desenvolvida em ordem a obter uma organização racional das construções sobre o solo.
Ou seja, trata-se essencialmente da organização do desenvolvimento dos aglomerados populacionais, e das limitações às faculdades de construção prejudiciais para a agricultura e o ambiente, ou por outras razões de interesse público, e especialmente da sua expansão e renovação, e em geral das intervenções administrativas no solo assim como das formas da sua utilização (edificação, defesa e recuperação-valorização do património, construído ou natural, designadamente o histórico-cultural e elementos paisagísticos, etc.).
 
1.8.2. O conteúdo do direito do urbanismo:
O objecto do direito do urbanismo, como se constata pela definição dada, trata da organização da Administração urbanística, do planeamento urbanístico, dos solos (em termos de faculdades ou interdições construtivas, especialmente dos urbanos e urbanizáveis — segundo a Lei de Bases, as duas categorias são unificadas em termos que o solo urbano passa a ser todo aquele ao qual é «reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano»), das operações urbanísticas e das construções em geral.
O «corpus normativo» que trata desta temática integra não só normas internacionais, comunitárias, de direito constitucional e de legislação ordinária, mas também de natureza regulamentar, de nomogénese estadual, regional e autárquica, designadamente as inseridas nos regulamentos dos diferentes planos.
O conteúdo do direito do urbanismo, visando a localização da população, orientado à ordenação das construções e especialmente dos aglomerados urbanos — determinando como, quando e onde devem aparecer as localizações urbanas —, integra a normação dos poderes atribuídos ou controlados por entidades públicas, dispostos ao enquadramento ou desenvolvimento das seguintes realidades e actividades: o regime jurídico da propriedade do solo (classificação e qualificação urbanística, regime das classes de solos, direitos e deveres dos seus proprietários, critérios valorativos dos mesmos, regime de expropriação normal e sistemática por utilidade pública, direito de preferência administrativa), o planeamento urbanístico (tipologia, conteúdo, procedimento de elaboração e eficácia dos diferentes planos — os quais concretizam o conteúdo do direito das diferentes propriedades, desde logo ao defini-las como propriedades urbanas ou rústicas, e programam o desenvolvimento da gestão urbanística), a gestão urbanística (sistemas de execução dos planos, actuações assistemáticas em solo urbano, regime da associação urbanística, acordos inter-administrativos ou com particulares) e a polícia e o sancionamento urbanístico (licenças — e respectivo direito procedi-mental em face das normas circunscritivas da actuação urbanística, actos administrativos coercivos: ordens de execução, designadamente de construção em prazo pré-notificado, de acordo com a lei dos solos, e de demolição em situações de ruína; vistorias sobre a situação dos imóveis; actuações de protecção da legalidade urbanística, designadamente inspecções, configuração de infracções contra- -ordenacionais ou penais e seu sancionamento — direito sancionatório urbanístico).
 
1.8.3. A natureza do direito do urbanismo
Quanto à natureza do direito do urbanismo, várias teorias se têm tentado afirmar, desde a que defende que ele é um direito especial, um ramo jurídico interdisciplinar, conjunto de normas de natureza eclética, público-privatista, ou ramo do direito administrativo.
Considero-o uma área com tratamento sistematizado dentro do direito administrativo.
É um ramo especial deste. E, portanto, com uma autonomia relativa de tratamento doutrinal.
É uma parte especial, operando dentro do direito administrativo, embora adaptando e valorizando alguns princípios e categorias deste, como o instituto do plano, que aqui adquire hoje a sua real dimensão operativa, e procurando não só consagrar princípios próprios à sua natureza poliplanificada e ordenada, como dar especial relevo, em face da «discricionariedade urbanística», aos princípios constitucionais da actividade administrativa, desde o princípio da legalidade ao da igualdade, da proporcionalidade, da justa ponderação panificadora de todos os interesses envolvidos (resultante da cláusula do Estado de Direito), etc..
 Isto não impede de considerar que existem normas pertinentes sobre a propriedade, interferindo com a matéria (protecção internacional do direito de propriedade, que de qualquer modo, na medida em que se inscrevem em textos convencionais internacionais são direito público) e sobre a construção, inseridas no Código Civil, regulando as puras relações entre os particulares. Neste trabalho, também nos referiremos a elas, mas, não sendo direito público, não pertencem a este ramo do direito administrativo, que é o direito do urbanismo.
 
1.8.4. As características do direito do urbanismo
Quanto às suas características, elas podem ser sintetizadas dizendo que ele é um direito novo, experimental, integrador dos valores ambientais, planificador, de génese hiperbólica e composição dispersa e contingente, com uma nomogénese essencialmente nacional, mas fortemente condicionada pelas políticas e direitos comunitários e internacionais, de aplicação local, de atribuição de poderes concorrentes às várias Administrações territoriais, tecnocrático, definidor das faculdades urbanísticas do solo e condicionador do exercício dos direitos subjectivos ligados ao urbanismo, discriminatório, desconflituador, mas só relativamente compensador, de sancionamento contra-ordenacional e aplicado em termos abertos ao conhecimento e à participação dos cidadãos.
Vejamos:
 
1.8.4.1. Direito novo, disperso e experimental
É um direito que, com as suas características modernas, se afirma recentemente, sobretudo no pós-guerra, por exigência da cláusula do Estado Social de Direito
 
E este ramo do direito não só é recente mas também carece de sedimentação, por ainda não estar suficientemente formado, evoluindo constantemente e aparecendo dotado de mobilidade (mudança frequente de normas de âmbito geral, vg. Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, de 11 de Agosto de 1998, e com as normas de aplicação local, passíveis de revisão e alteração, a qualquer momento, nos termos dos diferentes procedimentos planificadores) e ainda sem uma elaboração dogmática fixada.
 
E é um direito disperso, porque consta de muitas leis e regulamentos. Nem sequer a legislação fundamental, de fonte nacional, se encontra codificada.
Constataremos tudo isto ao longo do curso de direito do urbanismo.
 

1.8.4.2. Direito para-ambiental
É um direito que tem tendido cada vez mais, sobretudo sob orientação e imposição das instituições da União Europeia, a integrar as preocupações ambientais.
 
1.8.4.3. Direito planificador
Ele enquadra-se e realiza-se através de um desenvolvimento urbanístico em conformidade com planos, ou seja, com estratégias de implantação futura das construções. O planeamento, que realiza também outros fins do Estado, de desenvolvimento económico-social, aparece no âmbito da afectação do território a certos fins como uma técnica processual fundamental.
Até há bem pouco tempo, os administrativistas permitiam-se destacar, em termos de tipologia da actividade da Administração segundo um critério dos seus efeitos no plano da intensidade interventora na liberdade dos cidadãos, a divisão clássica, tripartida, de actividades de polícia ou limitadora, de fomento e de serviço público.
Acontece que é inegável que há outros tipos de actividade que justificam a referência não só a uma Administração circunscritiva, uma Administração incentivadora, uma Administração prestadora, mas também uma Administração sancionatória, uma Administração conciliadora, e uma Administração programadora e planificadora.
E o direito do urbanismo desenvolve-se com contributos de todos estes tipos de intervenção da Administração pública, sem prejuízo de se ter de reconhecer hoje o papel primordial do planeamento, como técnica urbanística processual, para evitar o caos do casuísmo conatural à ausência de ordenamento territorial.
 
1.8.4.4. Direito de atribuição de poderes concorrentes aos vários escalões territoriais de Administração
É um direito com partilha de poderes entre o governo, as Regiões Autónomas e os Municípios aparecendo a actividade da Administração Estadual com competências próprias, mesmo em relação a actos municipais, embora configurada em geral como atribuidora de eficácia a planos aprovados. Mas sempre com participação validante, em termos orgânicos ou de audição, na fase endoprocedimental por via de comissões de acompanhamento, relatórios da Administração estadual, obrigação de obtenção de pareceres (sempre vinculativos, quando fundados em razões normativas), aprovações ou autorizações, após a elaboração municipal dos projectos de planos ou a fase da apreciação liminar de pedidos de licenciamento municipal.
 
A Administração verifica a regularidade dos planos municipais — por referência à «lei» ou a outros planos, em termos de conformidade ou simples compatibilidade, através dos institutos da ratificação ou do registo — sem poder substituir os planos aprovados pelos municípios (reserva derivada do princípio da autonomia na conformação dos interesses locais no desenvolvimento urbanístico), mas por razões legais ou de defesa de interesses sectoriais que lhe cumpre também prosseguir.
O papel do Estado revela que, mais do que uma hierarquização dos planos sub-ordenados aos de aprovação governamental, o que existe é uma supra-ordenação de poderes urbanísticos (admissibilidade de planos municipais de qualquer tipo discordantes dos de maior abrangência territorial, e portanto sem que as suas norma sejam nulas, desde que ratificados pelo governo).
 
No extremo desta visão atribuidora de poderes urbanísticos, a Administração estadual directa goza do poder de construir sem sujeição a licenciamento municipal.
Assim como há a possibilidade de o governo, através de decreto-lei, decretar a suspensão total ou parcial de planos municipais, no caso de não conseguir a iniciativa municipal para desencadear a sua revisão viabilizadora de uma obra pública.
 
1.8.4.5. Direito aberto à informação e à participação dos cidadãos
É-o na medida em que, quer o acesso à informação (informação instrumental da participação, informação prévia vinculativa e livre acesso à documentação, por aplicação da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, LADA, quer a intervenção, em consultas e inquéritos públicos, dos interessados e da população em geral, começa a ganhar foros de cidadania.
 
1.8.4.6. Direito descriminador-corrector das desigualdades e sacrifícios
Assim tende a ser, em face das opções e sacrifícios impostos aos interesses particulares (conflito entre o direito de propriedade e o interesse público ordenamental do território), e também a certos interesses públicos conflituantes.
Mas também é em geral um direito descriminatório, dado que não realiza ainda, senão em termos muito incompletos, o princípio da igualdade, face ao carácter desigualitário das técnicas adoptadas para o prosseguimento do interesse público urbanístico (antinomia técnica intrínseca, ultrapassável só por soluções externas ao plano, de criação jurídica, mesmo que com implicações no iter urbanístico), apresentando ainda soluções de incompatibilização com garantias e princípios constitucionais, por dificuldades naturais e inércias de enquadramentos anteriores à actual Constituição.
Muitos destes problemas traduzem o seu estádio de evolução, aparecendo ainda muito como um direito tecnocrático, dado que ainda não chegou a época dos juristas terem um papel fundamental na sua criação e adequação às exigências constitucionais. São os políticos e os urbanistas que o têm feito avançar, uns sob o impulso das necessidades sociais e os outros normativizando as opções e orientações prospectivas daqueles.
E tudo porque o planeamento o torna um direito definidor das faculdades urbanísticas do solo, constituídas pela Administração (numa revisão redutora do conteúdo civilista do direito de propriedade, que fora do campo da propriedade urbana, já não integra em princípio o ius aedificandi), embora o solo seja o natural suporte físico de eventuais direitos de desenvolvimento urbanístico atribuíveis ao longo dos procedimentos planificador e «licenciador» (aparecendo hoje algumas das licenças municipais como verdadeiras concessões de construir, quando o respectivo direito, não estando pré-definido em regulamento de plano, dependa da deliberação camarária).
Os planos, a existirem, têm uma função concretizadora do conteúdo do direito de propriedade do solo, ou seja, definidora da ocupação, uso e transformação do solo e edificações e, eventualmente, da sujeição a expropriações.
Ela concretiza-se através da densificação locativa e temporalmente situada das faculdades, servidões e restrições a que ficam sujeitos os titulares dos direitos de propriedade imobiliária.
E passa tecnicamente por classificações do uso e destino do solo, zonamento, parametrização das zonas em termos de ocupação, uso e transformação, em ordem à coordenação, compatibilização e faseamento dos interesses e iniciativas da Administração e dos particulares.
Portanto, o plano tem como efeito a prescrição de possibilidades, interdições e condicionamentos que mexem com conteúdos que, na concepção tradicional e expressa no nosso Código Civil, pertencem ao direito de propriedade.
Esta função não resulta do Plano Regional de Ordenamento do Território, que se limita a ter objectivos de definição de opções e de estabelecimento de critérios, criação de normas gerais para um correcto zonamento e gestão posterior do território, e em geral a definir directrizes para a sua execução [al. d) do art.º 5]. Ele é essencialmente programático.
 
São os planos municipais que vêm especificar o destino concreto das áreas do território abrangido.
Os Planos Diretores Municipais estabelecem a estrutura espacial para o território do município, a classificação dos solos, os perímetros urbanos (compostos dos espaços urbano, urbanizável e espaços industriais contíguos) e os indicadores urbanísticos (1.ª parte do n.º 2 do art.º 9.º).
O plano de urbanização define a organização para o meio urbano, estabelecendo nomeadamente o respectivo perímetro urbano, a concepção geral da forma urbana, os parâmetros urbanísticos, o destino das construções, os valores patrimoniais a proteger, os locais destinados à instalação de equipamentos, os espaços livres e o traçado esquemático da rede viária e das infra-estruturas principais (n.º 3). A sua planta de zonamento delimita as categorias de espaços, em função do uso dominante (art.º 10.º, n.º 4). O zonamento define as áreas destinadas à habitação, á indústria, ao comércio, à agricultura, para espaços livres públicos e outros usos.
E ao plano de pormenor cabe definir pormenorizadamente a tipologia de ocupação de qualquer área específica do município e estabelecendo, no caso de área urbana, a concepção do espaço urbano, dispondo designadamente sobre usos do solo e condições gerais de edificação, quer para as novas edificações, quer para a transformação das existentes, e a caracterização das fachadas dos edifícios e os arranjos dos espaços livres (n.º 4 do art.º 9.º).
 
Através da planta de implantação, ele estabelece o parcelamento, os alinhamentos, a implantação de edifícios, número de pisos ou cérceas, número de fogos e respectiva tipologia, área total do pavimento e respectivos usos, demolição, manutenção ou reabilitação das construções existentes e natureza e localização dos equipamentos, bem como os arranjos paisagísticos e outras intervenções (n.º 5 do art.º 10.º).
 
Ao direito do urbanismo falta a consagração de técnicas de perequação dos benefícios e encargos resultantes do plano.
E, em geral, no domínio do direito dos solos, as proibições, limitações ou condicionamentos ligadas à sua vinculação situacional não dá direito a indemnização, a não ser em situações excepcionais de grave restrição à sua utilização.
Ainda é no domínio da transferência da propriedade que o legislador mais se tem preocupado por realizar a justiça. Com efeito, instrumento fundamental da gestão urbanística e especialmente da execução dos planos é a expropriação.
E a expropriação, neste âmbito urbanístico, segue o regime geral previsto no Código das Expropriações, constante do Decreto-Lei n.º 38/9, de 9 de Novembro de 1991.
 
Em geral, as regras fundamentais do instituto da expropriação são as seguintes:
O seu objecto são bens imóveis e direitos a eles inerentes (direito de propriedade, outros direitos reais — usufruto, superfície, uso e habitação e servidões prediais — ou direitos obrigacionais, vg. o direito de habitação);
 
Os seus pressupostos de legitimidade são:
— o princípio da legalidade (só é possível com base na lei);
— o princípio da utilidade pública (por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições da entidade beneficiária);
— o princípio da interdição de excesso (necessidade, etc.);
— o princípio da garantia patrimonial (indemnização justa, isto é compensação total do valor do bem, medido pela quantia que seria recebida na alienação livre no mercado, descontando os factores especulativos);
 
A sua efectivação desenrola-se em procedimento administrativo (com destaque para o acto de declaração de utilidade pública — indicação do fim concreto e identificação do bem necessário, pelo Ministro competente) e jurisdicional (para a solução do preço, caso não haja acordo, em recurso de uma arbitragem anterior);
Havendo acordo, quanto ao montante da indemnização e forma de pagamento, a propriedade transfere-se com o auto ou a escritura pública de expropriação amigável. Não havendo acordo, compete ao tribunal judicial efectivar a adjudicação da propriedade e também a sua posse, se a autorização para a posse administrativa não tiver sido concedida pelo Ministro respectivo, quando tenha carácter urgente — trabalhos necessários à execução de projecto de obras aprovado que sejam urgentes e ela seja indispensável para o seu início imediato ou para a sua prossecução ininterrupta.
Os cidadãos ficam garantidos contra a ilegalidade através de recurso de anulação da declaração de utilidade pública e contra a inactividade ou a não utilização para os fins previstos, com meios específicos: caducidade do acto (não promoção da arbitragem no prazo de um ano ou não remissão do processo ao tribunal no prazo de dois anos, a contar da publicação no Diário da República) e o direito de reversão se não forem aplicados no prazo de dois anos para o fim a que foram expropriados (excepto o decurso de 20 anos da adjudicação, nova declaração para fim diferente ou renúncia expressa do expropriado).
 
1.8.4.7. Direito condicionador do exercício dos direitos subjectivos
Os direitos a exercer em relação ao solo, uma vez definidos as faculdades construtivas em relação a certa zona, ficam mesmo assim sujeitos a um exercício condicionado (por uma Administração urbanística circunscritiva). Isto é, a existência de direitos de transformação e ocupação do solo não dispensa o uso da técnica da autorização, para verificar o cumprimento das condições, a que esses direitos — já existentes em princípio, em face da aprovação e publicação dos planos — estão sujeitos.
 
 1.8.4.8. Direito de fiscalidade complexa, excessiva e inibidora de uma correcta política de habitação
A análise sobre o conceito, a normação e os objectivos da fiscalidade do urbanismo, mostra que, também em Portugal, têm sido criadas imposições destinadas a fazer participar os construtores, os utilizadores e os proprietários nas despesas induzidas pelo urbanismo, ainda que a legalidade desta tributação seja questionada, na medida em que se remete quase exclusivamente o regime jurídico destes impostos para regulamentos aprovados por deliberações municipais, ao abrigo de vagas autorizações legais.
A criação progressiva de imposições ligadas ao urbanismo pode dizer-se generalizada em quase todos os países europeus, incluindo Portugal, onde, de qualquer modo, a Contribuição Autárquica não é o meio fiscal mais adequado para financiar as despesas públicas locais (como defendeu a C.R.F.).
As chamadas «taxas» do urbanismo no sistema fiscal português, além das pretendidas «taxas» municipais devidas por deficiência de estacionamento (declaradas feridas de inconstitucionalidade, por serem impostas sem cobertura legal), são as «taxas» por realização de infra-estruturas municipais, as taxas por concessão de licenças de loteamento, as «taxas» de saneamento urbano e de esgotos e as «taxas» por aumento de valor urbanístico dos terrenos.
O direito fiscal do urbanismo é o conjunto das imposições, taxas e participações, com que se pretende agir na limitação da especulação imobiliária e fazer participar os construtores no financiamento dos equipamentos públicos desencadeados pela urbanização.
Portanto, a criação progressiva de imposições ligadas ao urbanismo parte do facto construtivo, do substrato da licença de construção particular.
É este recurso à técnica e meios fiscais na gestão urbana, para melhorar a política predial e urbana, que se tornou hoje um facto autonomizador do conceito de tributação ou fiscalidade do urbanismo, área normativa, que se autonomizou da fiscalidade predial e imobiliária.
Em causa não está propriamente a tributação da riqueza predial urbana, mas o recurso à fiscalidade para a gestão urbana.
 
Os principais tributos referentes ao urbanismo são os envolvidos nos procedimentos de loteamento e os ligados às mais-valias derivadas da valorização extraordinária de terrenos por intervenções públicas que os tornam aptos para a construção.
 
Em geral, em Portugal há sobretributação predial urbana. Podemos dizer que, no seu conjunto, o sistema funciona em termos paraconfiscatórios.
É necessário um desagravamento fiscal neste domínio, nos vários impostos, os que incidem sobre o rendimento (Imposto sobre o Rendimento Singular e Imposto sobre o Rendimento Colectivo), e os que — estáticos (Contribuição Autárquica) ou dinâmicos (Sisa e Imposto Sucessório) incidem sobre o capital.
 
No que diz respeito à fiscalidade urbanística, também as compensações cobradas (contribuições de melhoria e taxas para a realização de infra-estruturas urbanísticas), atingem, em certas situações, montantes excessivos. Além de que reina a insegurança jurídica, resultante da multiplicidade de diplomas, publicados ao longo de quase um século, e até à existência do Código de Mais-Valias, conflitualidade devida à praticável duplicidade de incidências tributárias, com certas normas muito antigas, sobre cuja vigência se divide a doutrina e a jurisprudência.
De qualquer modo, hoje os montantes pagos a título de mais-valias, como contribuição especial, em princípio (nada dizendo o legislador em contrário) deverá ser deduzido ao montante sobre que vai incidir o IRS.
Como a doutrina tem chamado à atenção, esta complexidade e excessividade fiscal é contrária a uma correcta política de habitação, porque é responsável pelos altos preços de venda dos prédios urbanos, em que a fiscalidade se repercute, incompatível com a necessária promoção de casas, num país onde há ainda um défice habitacional.
Estamos perante um sistema inibidor da construção de prédios urbanos para arrendar, dada a inadequação das rendas urbanas inerentes à uma remuneração aceitável do capital investido e aos rendimentos da população portuguesa. E um sistema fiscal também prejudicial em termos de arrendamento dos prédios antigos, que fiquem desocupados com necessidade de obras de manu-tenção.
 
1.8.4.9. Direito de sancionamento contra-ordenacional
O direito do urbanismo, em princípio, apenas configura infracções administrativas, através de normas contra-ordenacionais, inexistindo um direito penal do urbanismo (independentemente das penas, por remissão, para o crime de desobediência por incumprimento de decisões da Administração urbanística).
 
O que é a infracção urbanística?
As infracções urbanísticas são as acções ou omissões que violam as prescrições contidas na legislação e nos regulamentos do planeamento urbanístico, tipificadas e sancionadas pela lei. É um tipo específico de infracção administrativa, definível «ratione materiae». No direito urbanístico português tudo se passa no âmbito do ilícito de mera ordenação social.
Qualquer infracção urbanística acarreta a imposição de sanções aos responsáveis, e a obrigação de ressarcimento dos danos, isto é, de indemnização pelos prejuízos, independentemente das medidas específicas de protecção da legalidade urbanística.
 
Para haver uma contra-ordenação é necessária a coexistência de um acto  simultaneamente ilícito, típico, culposo e punível. Ninguém pode ser condenado ou sancionado por qualquer acção ou omissão que, no momento em que foi efectivada, não era ilegal. Isto é, a norma sancionadora terá de anteceder a prática do facto descrito, para que este possa ser punido (José Antonio Lópéz Pellicer, «Régimen de Ias infracciones y sanciones administrativas en materia de disciplina urbanística», RDU, núm. 62, 1979), tal como se estatui no artigo 2.º do regime geral: «Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática».
 
Por vezes, o direito urbanístico consagra um princípio sancionatório, mas, por razões de défice habitacional, obriga à inaplicação da sanção cominada para situações regularizáveis (matéria que trataremos no capítulo referente ao licenciamento urbanístico, uma vez que a disciplina das AUGI tem regras próprias, de natureza substantiva e procedimental, que importa considerar). Fora destas e outras situações previstas na lei, que interdita sanções de demolição, a Administração não pode deixar de adoptar as medidas tendentes a sancionar e restaurar o ordenamento urbanístico ofendido, repondo os bens afectados no estado anterior à produção da situação ilegal.
 
E quando as actuações sejam contrárias ao ordenamento urbanístico, mas não caibam nas condutas tipificadas e sancionadas legalmente como infracção? Elas constituem um ilegalidade que cria a obrigação de restaurar a ordem urbanístico alterada, só não sendo passíveis de sanção propriamente dita, ficando desde logo sem a aplicação das habituais coimas. E, se causarem danos a terceiros, obrigam a indemnizar.
Em geral, importa explicitar que a cláusula constitucional do Estado de Direito, postula a limitação do poder sancionatório das Administrações públicas pelo princípio da proporcionalidade, do mesmo modo que exige a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos, liberdades e garantias individuais.
É da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, a definição de crimes e penas em sentido estrito, o que comporta o poder de variar os elementos constitutivos do facto típico, de extinguir modelos de crime, de desqualificá-los em contra-ordenações e de alterar as penas previstas para os crimes no direito positivo, e legislar sobre o regime geral de punição das contra-ordenações e dos respectivos processos.
É da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo definir, dentro dos limites do regime geral, contra-ordenações, alterar e eliminar umas e outras e modificar a sua punição; desgraduar as contravenções existentes, não puníveis com pena restritiva de liberdade, em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo Decreto-Lei n.º 433/82 (alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro e Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro).
 
Portanto, é da competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo a criação ex-novo de contra-ordenações ou a conversão em contra-ordenações de anteriores contravenções puníveis com pena não restritiva de liberdade e, bem assim, a fixação da respectiva punição. Mas o Governo não pode ultrapassar o regime geral de punição contra-ordenacional fixado no Decreto-Lei n.º 433/82 (isto é, não pode fixar à coima um limite mínimo inferior nem um limite máximo superior aos fixados no artigo 17.º da lei que consagra o regime geral das contra-ordenações e coimas, só podendo fixar às coimas limites mínimos superiores ou limites máximos inferiores aos aí fixados.
Esta doutrina é aplicável às coimas estabelecidas pelas autarquias no âmbito dos seus poderes regulamentares, as quais devem ter em conta, quanto ao limite máximo, o disposto no artigo 21.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, que permite que as entidades com competência para emitirem posturas e regulamentos policiais dependentes, de natureza genérica e de execução permanente, ao nível das autarquias locais fixem coimas, que podem variar, nos seus valores máximos, até dez vezes ou uma vez o salário mínimo nacional dos trabalhadores da indústria (respectivamente para o poder sancionatório das freguesias e para as posturas e regulamentos municipais), desde que estes valores não ultrapassem os montantes fixados pelo Estado para contra-ordenações do mesmo tipo (Acórdão do Tribunal Constitucional, de 3295).
A coima é sempre e só uma pena pecuniária, tal como as multas aplicáveis com base no direito criminal, mas que, ao contrário destas, em nenhum caso podem implicar ou levar substitutivamente à privação da liberdade, pois a uma coima administrativa, mesmo que confirmada em tribunal, em via garantida de impugnação da decisão sancionatória da Administração, nunca pode corresponde a pena de prisão em alternativa.
No entanto, a coima pode ser, total ou parcialmente, substituída por trabalho a favor da comunidade (artigo 89.ºA, na redacção do decreto-lei n.º 244/95, de 14 de Setembro), a «a requerimento do condenado». E pode, ainda, nos termos do artigo 51.º, ser aplicada, em substituição da coima, uma censura solene (pena de admoestação, escrita).
 
O direito penal e o direito processual penal são direito subsidiário em relação ao direito contra-ordenacional em geral e portanto, também, ao direito sancionatório urbanístico.
 
O direito contra-ordenacional está sujeito aos princípios da legalidade, da tipicidade e da não retroactividade da norma, sendo certo desde logo que a legalidade dos ilícitos é enquadrada através da técnica da tipicidade, traduzida na descrição, de forma clara, precisa e rigorosa, da conduta ou do facto considerados reprováveis. Do princípio da legalidade resulta que a norma sancionadora não admite interpretação extensiva, nem lacunas supríveis através do recurso à analogia.
 
No direito urbanístico, além da nulidade dos negócios jurídicos entre particulares, com violação do regime legal dos loteamentos (art.º 54.º da Lei n.º 91/ /95, de 2 de Setembro) e da multitude de normas que estabelecem como sanção jurídica para os actos administrativos ordenamentais e urbanísticos praticados pela Administração, a nulidade dos mesmos, e das normas sancionatórias (e de imposição da reposição das situações ante-infração) dos particulares pelos actos de desrespeito das suas estatuições específicas, insertas nos diferentes diplomas de aplicabilidade directa, há um diploma, o Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, que tem importância fundamental na reposição da legalidade.
 
Ele veio estabelecer um regime especial urbanístico uniformizado de execução de ordens de embargo, de demolição ou de reposição de terrenos nas condições em que se encontravam antes do início das obras.
A execução da política de ordenamento do território passa, indiscutivelmente, por uma rigorosa aplicação da lei em vigor, designadamente no que diz respeito à intervenção administrativa do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais na fiscalização do cumprimento das normas de ocupação, uso e transformação dos solos — e, em caso de ilegalidade, por proceder imediatamente ao embargo e posterior demolição das obras ilegais.
Daí o diploma que visa uniformizar o modo de actuação das Administrações, por forma a que as ações realizadas em desconformidade com o regime jurídico aplicável ao ordenamento do território e urbanismo possam estar sujeitas a um único quadro normativo que defina e discipline, com precisão, a execução das ordens de embargo e demolição, bem como a de reposição do terreno na situação anterior à prática de actos que determinaram o embargo e a demolição. Por outro lado, é necessário clarificar que os direitos e legítimos interesses dos particulares de boa-fé não devem ser prejudicados por via da execução de embargos e demolições de obras.
Por isso mesmo, o Decreto-Lei n.º 92/95, estatui que a entidade licenciadora será civilmente responsável pelos prejuízos causados aos particulares em consequência das ordens de embargo e de demolição de obras ilegais.
Os funcionários, incumbidos de proceder à execução das ordens de embargo, demolição ou reposição do terreno na situação anterior à do início das obras, passaram a gozar de protecção policial (disponibilização dos meios humanos e materiais necessários) a cargo da Polícia do Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana, a pedido da Administração urbanística.
A notificação do embargo administrativo deve ser efectuada no local e na pessoa responsável pela direcção técnica da obra, ou, se isso não for possível, a qualquer das pessoas que executam os trabalhos ou ao titular do alvará de licença de construção, de loteamento ou de obras de urbanização.
Lavra-se logo o auto do embargo (redigido em duplicado e assinado pelo funcionário e pelo notificado, ficando o duplicado na posse deste), que contém, obrigatória e expressamente, a identificação do funcionário da entidade embargante, das testemunhas e do notificado, a data, hora e local da diligência, as razões de facto e de direito que a justificam, o estado da obra, a indicação da ordem de suspensão e de proibição de prosseguir a obra e das sanções legais pelo seu incumprimento. Se a ordem de embargo incidir só sobre uma parte da obra, o auto mencionará o facto e identificará com precisão a parte da obra embargada.
A ordem de embargo produz efeitos em relação ao dono da obra e ao construtor contratado, no caso de o titular da licença não ser o seu construtor.
O auto é comunicado para a sede social ou representação em território nacional, no caso de se terem embargados obras executadas por pessoa colectiva.
O incumprimento da ordem de embargo, para além da responsabilidade criminal por desobediência à autoridade, nos termos previstos em diferentes normas urbanísticas, implica para a Administração embargante a obrigação de proceder à imediata selagem do estaleiro da obra e do equipamento que se encontrar no local e que estiver a ser utilizado em desobediência à ordem de embargo.
E de imediato deve ser lavrado o auto da ocorrência, contendo a identificação do funcionário selador, das testemunhas e do notificado, a data, a hora e o local da diligência, as razões de facto e de direito, bem como o número de instrumentos constituintes do equipamento em causa, designadamente a identificação técnica e seu estado de conservação.
A selagem do estaleiro e do equipamento mantém-se enquanto a obra estiver embargada, mas a Administração urbanística pode, em casos devidamente justificados, a requerimento do interessado, autorizar a retirada do equipamento e a quebra dos respectivos selos, a efectivar em dia e hora que determinará, na presença de funcionários seus, que devolverão ao dono da obra ou ao construtor o equipamento em causa no estado em que nesse momento se encontrar.
E, para além disso, quando seja de prever que os trabalhos de demolição possam vir a causar dano ao equipamento, a Administração deve mudar o equipamento para outro local.
Durante o período em que o equipamento se encontrar depositado e selado fora do local originário, a Administração deve zelar, em colaboração com a autoridade policial, pela sua conservação, evitando a ocorrência de danos.
Uma vez efetivado o embargado, e a menos que o tribunal administrativo profira sentença de suspensão da eficácia do acto administrativo em causa, deve cessar o fornecimento de energia eléctrica, gás e água para as obras, tendo a Administração urbanística a obrigação de enviar uma certidão autenticada do acto que tiver determinado o embargo às entidades que os fornecem.
O despacho de demolição fixará os trabalhos a realizar pelo dono da obra e o prazo para o início e conclusão dos mesmos, sob pena de, passado esse prazo, sem a sua efectivação, a Administração embargante dever tomar posse administrativa do terreno (instalando aí o estaleiro de apoio às obras de demolição e usando-o para facilitar a circulação de viaturas e de trabalhadores durante a demolição) e promover a demolição da obra (realizada por ajuste directo, mediante a consulta a três empresas titulares de alvará de empreiteiro de obras públicas, a processar-se no mesmo prazo, que para o efeito, fixou ao particular, contado a partir da tomada de posse).
O acto decisor da posse administrativa é notificado ao dono da obra e aos titulares de direitos reais sobre o terreno por meio de carta registada com aviso de recepção.
E as despesas com a actuação substitutiva correm por conta do infractor, que paga voluntariamente no prazo de 20 dias, a contar da notificação para o efeito, ou sujeita-se à sua cobrança judicial (a certidão passada pela entidade ordenante comprovativa das despesas efectuadas vale título executivo), gozando o crédito de privilégio imobiliário sobre o lote ou terreno onde se situa a edificação.
 
A posse administrativa terá lugar mediante a elaboração de um auto, que identifica os titulares de direitos reais sobre o terreno, a data do acto administrativo que decidiu a tomada de posse, especifica o estado em que o terreno se encontra no momento da posse, incluindo a descrição de outras construções que aí possam existir, e enuncia os equipamentos que não tiverem sido selados.
A posse administrativa só caduca (automaticamente) após o termo dos trabalhos de demolição.
Estas regras são aplicáveis igualmente à ordem de reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras.
A ordem de embargo, a ordem de demolição, e a sua revogação ou anulação serão anotadas à descrição predial, devendo para o efeito ser objecto de comunicação da Administração ao conservador do registo predial.