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Livre Consulta Dossiers Urbanísticos pelo Cidadao

Livre Consulta Dossiers Urbanísticos pelo Cidadao

 

"Direito de Acesso dos Cidadãos aos Dossiers Urbanísticos e Ambientais". In Direito do Ambinete. Lisboa: Quid juris, 1999, p.489-520

Introdução

Em jeito de introdução, diria que nenhuma norma poderá, só por si, realizar o que depende sobretudo de um corte radical com a ideologia, que se impôs para além das leis e, por vezes, sem leis, num fenómeno de inércia e mesmo de legitimação pelo regime liberal, o qual no plano da transparência da actividade dos poderes públicos, se limitou a abrir os parlamentos e os tribunais ao juízo e controlo dos cidadãos, mas no campo do funcionamento das entidades administrativas se contentou com a sua legitimação pela superintendência dos governos sufragados e a fiscalização dos deputados eleitos: De resto, permitiu a manutenção do secretismo corrente nos regimes que o precederam, racionalizado numa fictícia separação entre Administração e sociedade, teoricamente legitimadas pela necessidade de uma gestão distante dos «míticos» interesses públicos. Práticas que vinham e se cimentaram no Antigo Regime. Em boa verdade, há que reconhecer que a organização administrativa e o direito administrativo tem muito mais do regime que precedeu as Revoluções liberais do que aquilo que a doutrina em geral apregoa. Estas, mais do que cortes com o passado, legitimaram, aceleraram, embora também tenham corrigido ou «liberalizado» continuidades (quando não acentuaram o carácter militarizador, via Napoleão, em face da experiência de eficácia do admirado modelo prussiano), que o século XIX aperfeiçoaria e desenvolveria em termos científicos, que deram corpo à realidade da administração pública — claramente já desadaptada e mesmo rejeitada — mas de que ainda não nos apartamos nesta época de viragem para o século XXI. O segredo administrativo permaneceu para além da aceitação, ao nível do político, da tese da Razão de Estado, mas finalmente, quando esta só sobrevive, em Estado democrático, desde o início do século XIX, na clandestinidade legal, aquele só agora começa verdadeiramente a legalizar-se. Mas naturalmente acontonado àquilo que nem o Estado democrático de direito pode eliminar — o segredo de Estado — tornando clandestina qualquer outra prática secretista efectivada por entidades administrativas no seu puro interesse. Embora devam proteger também a confidencialidade, no interesse e respeito de direitos fundamentais dos particulares, das informações referentes à sua intimidade pessoal e da família. De qualquer modo, as novas normas só vingarão, independentemente da sua vigência jurídica, pela renovação de mentalidades, o que passa por uma cultura administrativa ainda inexistente (e que os servidores administrativos só paulatinamente irão absorvendo, em face da multisecular tradição do segredo, tido por ínsito à função, mas de facto historicamente ao serviço do poder dos agentes da organização), o que significa que, nos próximos tempos, a legislação da transparência administrativa, tem, no plano sociológico, normas de eficácia simultaneamente impositivas e prospectivas, só com o tempo podendo vir a ser apreendidas e praticadas na plenitude do voluntarismo renovador que as informa. Mas a Lei é um marco fundamental e irreversível na concretização da «devolução» da Administração aos cidadãos.

Por isso, tem de ser cumprida, cabendo aos dirigentes da Administração, ao governo, criar meios para uma adequada formação dos funcionários públicos, de acordo com a evolução do ordenamento jurídico.

Antecipando quanto diremos, e em breve síntese introdutória, esclareço que o direito de acesso aos dossiers públicos em geral permite que todas as pessoas singulares ou colectivas, residentes ou com actividade em Portugal, que estejam sujeitas à actuação da nossa Administração pública, gozam do direito de livre acesso à informação contida em documentos por ela detidos. É-lhes permitido examinar ou obter a reprodução de quaisquer documentos que se encontrem em qualquer serviço administrativo ou entidade que, cooperando com a Administração, esteja a realizar qualquer tarefa administrativa. Estamos perante um direito de acesso a uma informação constante de processos com decisão administrativa já tomada, expressa ou tacitamente, ou elaborados há mais de um ano. A Administração não só não pode condicionar o acesso em função de motivações eventualmente expressas, como lhe é interdito solicitar qualquer informação desta ordem. Do simples exercício de um «direito à curiosidade» podem derivar informações úteis para o desempenho de um papel de controlo da actividade da Administração. Trata-se de um direito a ser exercido, independentemente de os particulares terem ou não participado, e mesmo de terem tido ou não direito a participar, no procedimento administrativo, e independentemente de visarem ou não posteriormente socorrer-se desta informação para intentar acções ou desencadear meios impugnatórios, administrativos ou contenciosos, na defesa de interesses individuais ou difusos. O grande problema português não é de falta de lei, é do seu cumprimento.

A colocação deste tema referente ao acesso aos dossiers públicos em recentes seminários de associações ambientais e em aulas de direito administrativo geral e especial, como o direito do ambiente e o direito do urbanismo, é revelador da sua importância e do interesse dispensado ao debate e difusão da nova legislação.

9.1. A legislação específica sobre os dossiers urbanísticos e ambientais

Há legislação específica no âmbito urbanístico, quer a referente aos diplomas licenciadores no domínio do urbanismo (Decreto-lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, licenciamento de operações de loteamento; Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, licenciamento das obras particulares; Decreto-Lei n.º 438/                         /91, de 9 de Novembro, Código das Expropriações, etc.), quer a referente ao ambiente, com importância desde logo na temática sobre que nos debruçamos do «ambiente urbano», que inclui muitas normas sobre direitos dos interessados no acesso aos dossiers que tratam destas matérias.

No entanto, alguns destes direitos de acesso estão hoje previstos no Código do Procedimento Administrativo, com regras para as fases endoprocedimentais da actividade da Administração pública, que se lhes aplicam.

A nova Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo tem um princípio geral de acesso, reproduzindo os termos amplos da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).

Quanto aos direitos de acesso à informação urbanística por parte dos interessados, a legislação urbanística acima referida permite que os interessados, requerentes de obras de construção particular ou de licenciamentos de loteamentos, enquanto directamente interessados, possam, junto das Câmaras Municipais, tomar conhecimento dos instrumentos de planeamento, outras condições gerais de aprovação das respectivas pretensões, e das decisões e informações relativas ao andamento do respectivo processo (alínea a), n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro).

O interessado em obter uma licença de loteamento pode recolher informações junto dos serviços camarários para decidir da apresentação ou não do respectivo requerimento ou da revisão de eventual projecto de loteamento e de obras de urbanização (n.º 1 do artigo 7.º). Aliás, os interessados podem optar por requerer formalmente uma informação sobre a viabilidade do seu projecto, situação em que a Câmara Municipal deve proferir uma deliberação cujo conteúdo a vincula durante o período de um ano, nos termos já anteriormente expostos. As associações de defesa de interesses legalmente protegidos, ligados a estas matérias, isto é, referentes à defesa do território, designadamente nas vertentes ordenamentais, urbanísticas, patrimoniais de natureza cultural e ambientais, ou referentes à saúde das pessoas, nos termos do Código de Procedimento Administrativo e Lei n.º 35/98, de 18.7 (que define o estatuto das ONg de ambiente), têm direito de acesso. E os cidadãos alheios à iniciação de um dado procedimento de licenciamento, designadamente os que têm um interesse pessoal no assunto, isto é, os vizinhos (cujos direitos e interesses podem vir a estar envolvidos, que aliás têm direito a agir administrativa contra o pedido ou a decisão de loteamento e mesmo contenciosamente contra esta), têm direito a aceder a informações sobre o respectivo pedido, inserto em processo iniciado por um terceiro e por este publicitado no prédio a lotear (afixação de aviso informando sobre a natureza da operação, número do processo e menção de pedido não aprovado), através do Presidente da Câmara (n.os 1, 2 e 4 do artigo 10.º e n.º 1 do artigo 64.º do CPA).

Qualquer cidadão pode pedir à Câmara Municipal informações sobre o andamento do processo em que é interessado e esclarecimentos sobre pedidos de licenças de obras em curso, devendo a edilidade fixar para o efeito um dia por semana, nos seus serviços técnicos (n.º 2 do artigo 7.º, artigo 8.º e artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo).

Quanto aos direitos de acesso ligados aos problemas do ambiente, cujo conhecimento, em muitos aspectos, serve também ao enquadramento da boa ou má decisão urbanística, importa referir que os direitos específicos previstos para as associações de defesa do ambiente, ligados à participação e intervenção junto da administração pública, estão consagrados em diplomas próprios, especialmente na Lei n.º 35/98, de 18.7. E quanto a esta ONg de Ambiente, que vem na esteira da Lei das Associações de Defesa do Ambiente, a Lei n.º 10/87 de 4 de Abril, que veio definir os direitos de participação e de intervenção junto da Administração Pública na defesa do ambiente, património cultural e construído, conservação da natureza e promoção da qualidade de vida, da consagra direitos de consulta documental, tal como a sua antecessora.

Estamos perante direitos de acesso viabilizadores da atribuição da qualidade de parceiro social e dos direitos de participação na definição de políticas de ambiente, das grandes linhas de orientação legislativa e nos debates em concelhos municipais ou de área protegida.

O art.º 5.º da Lei atribui às associações um direito de consulta e de acesso à informação à medida dos seus direitos de participação e intervenção, sem prejuízo de uma significativa enumeração de instrumentos de planeamento com influência nos interesses a defender pelas associações: planos regionais de ordenamento territorial, planos directores municipais, planos gerais de urbanização e demais estudos e projectos de intervenção urbanística, planos integrados de desenvolvimento regional, planos e projectos de ordenamento ou fomento florestal, agrícola e cinegético, estudos de impacto ambiental, criação e gestão de áreas protegidas, estudos e projectos de recuperação paisagística de áreas degradadas, recuperação de centros históricos e reabilitação e renovação urbana. Diz o n.º 5 da Lei n.º 35/98 que as ONg (cujo estatuto depende de registo no instituto de Promoção do Ambiente gozam ...

Mas outros diplomas, que também são aplicáveis à defesa dos interesses ambientais tratam em geral do acesso à informação. Refiro-me desde logo, em geral às regras sobre a defesa de interesses difusos, designadamente, consagrados na Lei n.º 83/95.

Em relação aos titulares de interesses protegidos por esta Lei n.º 83/95 — Direito de Participação Procedimental e Acção Popular, entre os quais estão os ambientais, como já se referiu, e cuja titularidade é atribuída a cidadãos, fundações, associações e autarquias nas condições aí referidas, o art.º 6.º da lei atribui-lhes o direito de acesso à informação no período compreendido entre o anúncio público do início do procedimento e a realização da audiência, em princípio 20 dias.

Terão acesso aos estudos preparatórios contendo informações obrigatórias sobre as consequências no ambiente e condições de vida das pessoas. Podem mesmo pedir, oralmente ou por escrito, esclarecimentos adicionais referentes aos elementos disponibilizados. Trata-se de um acesso ao serviço de fins participativos concretos.

As entidades com direito de participação, em ordem a permitir a prevenção, cessação e perseguição judicial de actuações administrativas que ponham em causa o ambiente, a saúde pública, a qualidade de vida, o património cultural, a protecção do consumo de bens e serviços e o domínio público, têm direito a, uma vez informadas, se pronunciarem na fase de instrução e preparação de planos e na localização ou realização de obras e investimentos públicos. A esta matéria nos referimos antes.

A propósito das questões do ambiente, importa efectivar algumas considerações gerais sobre a aplicação da directiva comunitária sobre o tema. A LADA não foi especificamente elaborada para transpôr a Directiva 90/313/CEE de 7 de Junho, para a ordem jurídica interna, mas já na parte final da sua aprovação foi aproveitada para cumprir a obrigação da sua transposição.

Este texto unionista obriga os Estados a reconhecer o direito de qualquer pessoa singular ou colectiva a aceder à informação ambiental constante de documentos na posse das Administrações públicas sem necessidade de provar ou invocar nenhum interesse determinado, estabelecendo os pressupostos máximos de concretização do direito, designadamente em termos de tempo de resposta (dois meses) e as excepções admissíveis.

Mas os objectivos da lei portuguesa são muito mais amplos, quer quanto às informações abrangidas, quer quanto aos titulares do direito de acesso.

Aplica-se a outras entidades que não apenas as criadoras ou detentoras da informação ambiental. E (o que é importante na interpretação do artigo 3.º da LADA, para respeitar o âmbito subjectivo passivo do exercício do direito, face da Directiva), aplica-se a todas as entidades que, sejam Administrações públicas ou empresas privadas que cooperem no exercício da Função Administrativa do Estado-Comunidade, detenham informações ambientais.

Mas aplica-se a outras matérias que não apenas as ambientais, e desde logo as que aqui nos interessam, de ordem urbanística ou de planeamento territorial. Numa omniabrangência de entidades administrativas e privadas cooperantes com a Administração Pública e bem assim numa omniabrangência temática. O objecto desta Directiva de 1990 (que devia ter sido transposta até 31/12/92), é acabar com as disparidades entre as legislações dos vários Estados-membros, assegurando a liberdade de acesso e de divulgação das informações relativas ao ambiente na posse das Administrações Públicas e determinando a forma e as condições de acesso. Admite-se a comunicação dos documentos até 2 meses após o pedido, sem que seja necessário provar haver interesse na questão. Poderia recusar-se o acesso, além das situações previstas na lei interna, às informações fornecidas por terceiros não obrigados juridicamente a tal ou relativas ao ambiente cuja divulgação possa causar danos ambientais, tal como poderia recusar-se o acesso a comunicações internas e a pedidos formulados de modo vago — possibilidades interditadoras que o legislador nacional não absorveu.

O custo do fornecimento da informação terá de ser um custo razoável. Mas a lei portuguesa, quanto às fotocópias, é mais precisa e exigente: impõe a fixação uniforme desse custo, a calcular anualmente segundo os custos de papel, tinta, tempo de tiragem da fotocópia e amortização da máquina, não permitindo que se tome em conta o tempo despendido na procura do documento solicitado, cabendo à Administração Pública os encargos de organizar bem os seus arquivos, e não aos cidadãos pagar a sua desorganização. O legislador não prescindiu, por razões que se justificam em exigências constitucionais, de impor na própria Lei n.º 65/93 o critério do cálculo do preço da fotocópia. E impôs mesmo a concretização por via legislativa dos montantes a pagar anualmente pelas mesmas. A deslegalização do critério (efectuada por Decreto-Lei n.º 134/94, de 20 de Maio), pressuporia que a questão dos custos não seria uma componente essencial da realização do direito fundamental de acesso à informação. E é-o, em termos que exigem lei formal, do Parlamento, o que implica a inconstitucionalidade do Decreto-Lei acima referido. Mas sem pretender aprofundar este debate (que será incontornável se o governo vier a seguir o Decreto-Lei inconstitucional, que aponta um critério de cálculo diferente do previsto na LADA, ao falar no preço médio do mercado) importa concluir, no que diz directamente respeito à fixação do custo da fotocópia, que a fiscalização da legalidade da actuação governamental nesta matéria é fácil de aferir, na medida em que não pode o Ministério das Finanças vir a calcular esse montante concreto em termos desrespeitadores da Lei n.º 65/93, ou seja, em termos muito diferentes dos preços normais praticados por instituições não públicas de fins não lucrativos e outras que vendam fotocópias aos seus associados declarando repercutir no seu custo apenas encargos administrativos em termos semelhantes ao previsto na LADA. Face ao incumprimento governamental de fixação anual do custo da fotocópia, reiterado ao longo destes anos desde a entrada em vigor da lei, importa referir que os cidadãos, não podendo o seu direito ser posto em causa, exercerão um direito a fotocópias gratuitas, independentemente do volume solicitado, o que colocou a prática portuguesa na vanguarda da realização do direito geral de acesso, uma vez que, mesmo nos EUA, apenas as primeiras cem fotocópias são gratuitas, e com a condição de não terem sido solicitadas por uma empresa. Hoje, a Portaria n.º ??????, resolveu a questão para a Administração estadual, mas não tendo o legislador disposto sobre o tema através de decreto-lei, que se impusesse às Regiões e Autarquias, continua a haver vazios normativos por falta de regulamentação de Assembleias municipais ou de assembleia de freguesia, ou então, pior do que isso, porque destrói o direito de serem, e correm situações de exigência de preços que chegariam a ir 200 x o fixado na portaria do governo.

A questão do cumprimento da Directiva já foi directamente abordada na CADA, primeiro num parecer em matéria ambiental, a propósito do art.º 22.º da Lei, depois a propósito de interpretações sobre o conteúdo da LADA que segundo a Comissão Europeia não preencheriam as suas exigências (embora neste aspecto a única questão que seria pertinente, num plano literal, em face do teor literal da lei, é a que se prende com a redacção da norma sobre o âmbito das entidades abrangidas pela obrigação de comunicação informativa, embora a doutrina da CADA tenha ultrapassado a questão, indo no sentido da abrangência de todas as entidades, de direito público ou privado, em gestão pública ou privada, de propriedade pública ou particular, que desempenhem a Função Administrativa do Estado-Comunidade, o que retiraria espaço de incumprimento à Directiva, sem prejuízo de, em face da notificação da instituição comunitária, se proceder a uma alteração legal esclarecedora dessa omni-abrangência). No caso do parecer, tratou-se de uma dúvida suscitada pelo Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em face de um pedido, feito pela Liga para a Protecção da Natureza, de fotocópias de documentos relativos à última revisão dos projectos de financiamento do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva, no âmbito dos projectos de financiamento do FEDER e do Fundo de Coesão. O relator começa por se questionar sobre as consequências a tirar do facto de o art.º 22.º da LADA mandar aplicar ao acesso aos documentos ambientais as suas normas, com o âmbito e o alcance da Directiva 90/313/CEE, de 7 de Junho.

A verdade é que, tal como a Lei n.º 65/93 está formulada, amplia os direitos dos particulares, o âmbito documental abrangido e diminui quer prazos quer excepções invocáveis, pelo que este artigo serve apenas para registar que, com a LADA, se dá cumprimento à obrigação de transcrição da Directiva para o direito nacional. Portanto, a invocação autónoma da Directiva, segundo a teoria do efeito directo, poderia ter sido praticada desde 1 de Janeiro de 1993 até à entrada em vigor da Lei n.º 65/93, mas hoje já não, a menos que um dado organismo seguisse uma orientação restritiva sobre a sua inclusão nas entidades obrigadas à transparência ambiental, porquanto aqui procederia uma invocação directa da Directiva. Fora disso, a sua invocação já levou a rejeições de pedidos de acesso, pois há entidades que, pautando-se pelas normas que aí encontram, julgam poder invocar excepções aí previstas, mas não acolhidas na lei interna, para se eximirem ao cumprimento da Lei n.º 65/93, com prejuízo, pelo menos do acesso rápido, por parte das associações ambientais.

Nos termos do n.º 2 do art.º 3.º da proposta de lei aprovada pelo governo em 11.1.99, que vem alterar a LADA, consagra-se que ela aplicável aos documentos em poder de organismos que exerçam responsabilidades públicas em matéria ambiental sob comando da Administração Pública, lida a contrario o  ???? um retrocesso porquanto parece afastar este âmbito subjectivo para outras matérias, o qual a doutrina do LADA já deu como interpretação adquirida em geral.

As questões ambientais têm, em termos de motivação do acesso, e tiveram, em termos de preparação das opiniões públicas para a exigência de transparência de processos dos poderes instalados, uma responsabilidade muito grande nas conquistas que o princípio da Administração Aberta tem vindo a fazer paulatinamente nos vários Estados. Nalguns, é este domínio onde ele vigora ou vigora com mais força, enquanto na União Europeia vemos que o acesso à informação ambiental é a área temática que mereceu diplomas próprios, cujas orientações se impõem ao respeito dos Estados-membros.

E daí uma atenção especial a normas que, como tal, se dirigem ao acesso à informação ambiental, sem prejuízo da importância das outras normas, que desenvolveremos também, na parte inicial do estudo, de carácter geral, mas a que os interessados nos processos referentes ao ordenamento do território e urbanismo ou os defensores do ambiente se podem sempre socorrer. E, desde logo, como veremos mais detalhadamente, a LADA portuguesa (Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto), é a legislação que se aplica em geral (findos os processos ou com processos parados durante mais de um ano), ou serve à interpretação das normas de acesso de terceiros, mesmo no decorrer dos processos, a qual por isso impõe, pela sua especial importância na fiscalização pública da Administração urbanística, uma explanação pormenorizada.

9.2. O direito de livre acesso aos dossiers públicos em geral

9.2.1. Os vários enquadramentos legais

O acesso aos dossiers públicos está disperso por vários diplomas, alguns dos quais já referimos.

Os direitos específicos previstos para as associações de defesa do ambiente estão consagrados especialmente na Lei n.º 10/87, de 4 de Abril, que deve ser complementada, como veremos a final, com a Lei n.º 83/95, que se prende com a defesa em geral de interesses difusos.

Mas outros diplomas, aplicáveis à defesa dos interesses ordenamentais, urbanísticos e ambientais, tratam do acesso à informação:

Os direitos de acesso ligados ao procedimento administrativo, estão previstos nos artigos 61.º a 64.º do Código de Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro e no artigo 6.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (referente aos direitos de participação procedimental dos particulares).

Os direitos de informação ligados a meios impugnatórios e acções estão regulados no n.º 1 do art.º 82.º do Decreto-Lei n.º 267/95, de 16 de Julho (LEPTA) e na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto.

E, sobretudo, as normas do regime geral de acesso, referentes ao direito de livre acesso à informação administrativa, que vêm concretizar o n.º 2 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa, e constam da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (Lei do Acesso aos Documentos Administrativos), da Lei n.º 8/95, de 29 de Março que a completa, do Regulamento interno da CADA, de 19 de Janeiro de 1995 (tudo textos baseados em projectos da minha autoria), e da Lei n.º 6/94, de 7 de Abril (Lei do Segredo de Estado).

Vejamos estas regras em geral, deixando para análise posterior as questões específicas suscitadas pelo acesso a matéria ambiental.

No plano dos direitos procedimentais de acesso, importa referir que, na fase endoprocedimental, os interessados directos têm direitos de acesso previstos nos art.os 61.º e 62.º do CPA:

O pedido de informação deve ser satisfeito no prazo de 10 dias.

Há um direito ao exame do processo, à passagem de certidão ou de fotocópia autenticada de documentos integrantes.

Interdita-se o acesso aos dados classificados ou reveladores de segredos comerciais, industriais ou relativos à propriedade literária, artística ou científica (redacção do n.º 1 do art.º 62.º, dado pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, para o aproximar da disciplina excepcionatória da LADA) e aos dados pessoais não públicos dos documentos nominativos.

E os terceiros com um interesse legítimo comprovado gozam também dos direitos de acesso, nos termos do art.º 64.º.

Quanto à Lei 67/98, de 28.10 (que reformulou a Lei de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados, Lei n.º 10/91, de 29.4 e a Lei n.º 28/94, de 28.8), hoje designada como Lei de Protecção de Dados Pessoais, começo por referir que ela foi publicada, por força da Directiva Comunitária 96/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho da União, de 24.7.95 (JOCE L 281, de 23.11.95), referente ao tratamento, total ou parcialmente automatizado, de dados pessoais, assim como ao tratamento não automatizado de dados pessoais, contidos ou destinados a ser incluídos num ficheiro (tal como este aparece definido na alínea c) do artigo 2.º da Directiva), seja ele automatizado, manual ou mecanográfico.

O mercado interior da União exige a liberdade de circulação comunitária dos dados pessoais, sem pôr em causa a protecção dos direitos fundamentais das pessoas, em particular o direito à intimidade.

A integração económica e a unificação dos mercados implicam necessariamente um aumento dos fluxos transfronteiriços entre todos os agentes económicos e sociais, quer públicos quer privados, pelo que importa eliminar as diferenças de níveis garantísticos dos direitos individuais, garantindo um nível equivalente em todos os Estados, um nível mínimo mas de alta protecção, o que obriga a aproximar as legislações, precisando e ampliando o enquadramento da Convenção n.º 108 do CE de 28.1.1981, sob pena de ficar comprometida essa transferência e assim o direito comunitário, designadamente pelo falseamente da concorrência. Com ela vem-se interditar que os Estados membros restrinjam ou proíbam a livre circulação de informações, com invocação da falta de garantias de protecção dos direitos fundamentais, no país de destino. Com esta Directiva termina um longo processo que teve sempre na primeira linha de debate os Estados da Europa Ocidental, cientes da importância do tema, não só para o comércio, mas para as liberdades. Com efeito, a informática concilia enormes potencialidades com ineludíveis perigos e ameaças, devido à possibilidade de se constituírem grandes ficheiros, reunindo-os, cruzando-os, multiplicando e difundindo informações e «personalizações» sobre as pessoas, com enquadramento das suas vidas privadas. Pode ser pouco importante, muitas vezes, o conhecimento de uma informação isolada, desagregada do conjunto automatizado, mas a permanente e instantânea possibilidade de recriação de descrições de actividades pessoais e sociais, através da manipulação de dados aparentemente insignificantes («inferential relational retrieval») coloca problemas ao exercício dos direitos fundamentais.

Nesta matéria, importa fazer uma descrição sumária das normas de protecção dos dados pessoais. Elas enquadram o tratamento automatizado de informações de índole pessoal, sujeitando à sua disciplina quer os dados de organismos públicos (mas não os de segurança e de defesa, enquadrados no âmbito do Sistema de Informações da República Portuguesa), quer o de entidades privadas. E o próprio Código Penal trata esta matéria no artigo 193.º referente à «devassa por meio de informática», o qual estatui que quem criar, mantiver ou utilizar ficheiro automatizado de dados individualmente identificáveis e referentes a convicções políticas, religiosas ou filosóficas, à filiação partidária ou sindical, ou à vida privada, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias (n.º 1), sendo a própria tentativa punida (n.º 2).

Registe-se que as informações automatizadas de carácter geral não lhe estão sujeitas, mas ao regime jurídico, de livre acesso, não só para os próprios como para terceiros, da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. As informações com dados pessoais que comportem juízos de valor ou apreciações sobre pessoas, que não sejam do domínio público, na parte em que esses dados são documentalmente referidos, estão sujeitos a interdição.

O cidadão, tem em face do uso destas informações, quer direitos individuais de acesso, embora claramente instrumentais, de fiscalização, que também lhes compete sobre o seu conteúdo pessoal, quer mesmo um direito a ser senhor da informação que lhe diz respeito, não apenas porque pode impôr-lhe condições à sua existência, como impôr-lhe correcções e eliminações, mas também porque pode impedir a sua circulação e a difusão de certos dados e de dados incorrectos, nos termos regulamentados na LPDP.

Na lei, dá-se uma definição de documento nominativo, dedutível de conceito de dado pessoal expresso no art.º 2.º, claramente conforme com o da lei francesa de Janeiro de 1978 sobre a protecção dos dados pessoais face à informática, influenciadora da Convenção Europeia sobre o tema. Refira-se que o legislador aplica a disciplina deste diploma não só em relação a ficheiros, bases de dados e bancos de dados pessoais, mas também aos suportes informáticos referentes a pessoas colectivas e entidades equiparadas, sempre que contiverem dados pessoais.

No sentido de garantir a aplicação da lei, cria-se uma «entidade pública independente», junto do Parlamento, sem personalidade jurídica, mas dispondo de amplos poderes de autoridade.

A sua competência é de tipo consultivo, regulamentar, decisório e de denúncia, abarcando a emissão de pareceres, o registo de ficheiros, a autorização quer da sua constituição, alteração ou manutenção, quer da sua utilização para finalidades não determinantes da sua colecta, quer da sua interconexão, quer da sua exportação, sujeita a certas condições de protecção, a emissão de directivas sobre segurança, a regulamentação do exercício do direito de acesso à informação, de rectificação e de actualização das informações. O seu poder implica decisões com força obrigatória, embora passíveis de controlo jurisdicional.

O ficheiro, que na anterior legislação aparecia definido como o conjunto estruturado de informações, centralizado ou repartido por vários locais, que a lei considera automatizado, quando é objecto de tratamento desse tipo [2.º, d), é hoje entendido, semelhantemente, como conjunto estruturado de dados pessoais, centralizado, descentralizado ou repartido de modo funcional ou geográfico (al. c) do artigo 3.º)].

Proíbe-se, sem o consentimento consciente do próprio, autorização legal ou da CNPDP, ou preenchimento de outras condições justificativas (n.os 3 e 4 do art.º 7.º) , o tratamento de dados referentes a convicções filosóficas, religiosas, políticas, sobre a filiação partidária, sobre a vida privada e, com excepção dos serviços públicos, os referentes à origem étnica, condenações, crimes, saúde, situação patrimonial, financeira e suspeitas de actividades ilícitas. O tratamento despersona-lizado para fins de investigação científica e de tratamento estatístico é possível.

A colecta destes dados obedece aos princípios da adequação, pertinência e conhecimento prévio do pessoal envolvido em relação à sua finalidade.

Os direitos dos cidadãos referidos por estes tratamentos informáticos ou em ficheiro são os seguintes: direito a saber da existência e finalidade destes ficheiros, o direito a conhecer a identidade e residência do seu responsável, o direito à sua não utilização para finalidades diferentes das da recolha (a lei pode autorizar essa utilização diferente), o direito a não ver o resultado desse tratamento de informação a seu respeito ser o único fundamento valorizador em qualquer decisão jurisdicional, administrativa ou disciplinar, o direito a aceder directamente a essas informações quando não passíveis de não comunicação por razões de segredo de Estado ou de justiça; o direito de exigir a correcção de informações inexactas, o direito a exigir o completamento das parcelares, o direito de exigir a inclusão das omissas («completamento das total ou parcialmente omissas»), o direito à eliminação das obtidas por meios ilícitos ou enganosos ou cujo registo ou conservação seja ilícito, o direito a que o responsável proceda imediatamente à supressão das informações alheias às finalidades da colecta e o direito ao sigilo dos responsáveis, manobradores dos ficheiros e membros da CNPDP (antiga CNPDPI, Comissão Nacional de Protecção dos Dados Pessoais Informatizados), no domínio dos dados estatísticos e noutros domínios, cuja comunicação a outras entidades não seja obrigatória em face da lei e da finalidade dos ficheiros.

Estes direitos têm garantia da tutela administrativa e judicial (art.º 33.º) e as infracções às normas legais sujeitam a Administração à reparação dos danos por responsabilidade civil, nos termos do artigo 34.º. A lei cria um direito contra-ordenacional e há a criminalização para os actos mais graves, sujeitando os infractores a sanções de prisão e multa (Secção II e III do capítulo VI).

Quanto à aplicação desta legislação, há duas questões que envolvem a LADA e em que urge clarificar posições:

a) A Lei n.º 67/98, de 28.10, alterada pela Lei n.º 28/94, de 29 de Agosto, na vigência da qual se processaram infracções à sua aplicação, porquanto havia Administrações que aplicavam a LADA em relação ao acesso a dados pessoais informatizados, a que ela se reportava, veio reformular a anterior Lei n.º 10/91, de 29 de Abril.

Ora quanto às informações detidas por uma entidade administrativa (porque as tratadas e detidas por entidades particulares estão sujeitas apenas à disciplina da Lei de PDP, na medida em que se enquadrem na previsão do artigo 4.º), importa distingui-las, segundo os meios de tratamento, nos seguintes termos:

— as informações não pessoais automatizadas;

— as informações pessoais não automatizadas não constantes de ficheiros nem destinadas a estes ou a automatização; e

— as informações de pessoas singulares, total ou parcialmente, automatizadas ou constantes de ficheiros manuais ou destinadas a estes ou a automa-tização (n.º 1 do art.º 4.º da Lei n.º 67/98, interpretado na economia geral do diploma).

As primeiras sofrem a regulamentação da LADA. As segundas estão sujeitas simultaneamente à LADA e, por remissão desta, ao regime jurídico da LPDP.

E as últimas são reguladas pela LPDP, que abrange todo o campo documental que ela própria define, o que significa que é ela que define «dado pessoal» para efeitos de acesso do próprio a quem o mesmo dado se reporte, e em certos casos para efeitos do acesso de terceiros [al. c) do artigo 7.º; d) e e) do n.º 1 do artigo 11.º; b) do art.º 12.º].

Há uma densificação diferente do conceito de dado pessoal na LPDP e na LADA, porque quer a LPDP quer a LADA pretendem o máximo de transparência possível, embora com teleologias diferentes, e por isso o conceito de informação pessoal/nominativa é necessariamente muito diferente numa e noutra: muito abrangente na LPDPI e muito restrito na LADA. Porquê? Porque a LPDP, na defesa do princípio da auto-determinação informacional, pretende que o indivíduo tenha um acesso fiscalizador o mais alargado possível aos seus próprios dados. Por isso, tem de dar um conceito onde caiba qualquer dado que lhe diga respeito. A LADA, na defesa dos princípio da transparência e do controlo público da vida administrativa, pretende dar ao cidadão um acesso fiscalizador daquela, o mais alargado possível, reduzindo ao máximo a noção densificadora da cláusula excepcionatória prevista no n.º 2 do art.º 268.º da Constituição, para defender os interesses conflituantes de natureza particular, a protecção da intimidade das pessoas, pelo que, independentemente da incorrecção da redacção da LADA, considera dado pessoal e portanto incomunicável a terceiros, ao cidadão em geral, as informações sobre a vida privada que mexam com a intimidade individual, isto é, dados privados que propiciem apreciações e juízos de valor, ou melhor, valorizações negativas sobre as pessoas envolvidas na informação. Aqui restringe-se o conceito para abrir a informação a terceiros, acolá amplia-se o conceito também para abrir a informação, neste caso aos próprios. São conceitos diferentes, no mesmo ordenamento jurídico, mas ao serviço da materialização de um mesmo objectivo: a defesa concreta de diferentes direitos fundamentais, dado que o conceito da LADA aplicado na LPDP bloquearia o acesso dos próprios às informações onde mais se justificam as suas preocupações supervisoras e correctoras, tal como o conceito da LPDP utilizado pela LADA bloquearia o direito de acesso dos cidadãos a amplas massas documentais, retirando na prática qualquer eficácia ao funcionamento do princípio da Administração Aberta. Em suma, as diferenças não são fruto do acaso, mas o fundamento da existência real dos próprios direitos constitucionais que se pretendem aplicar.

9.2.2. O acesso aos arquivos históricos

O regime jurídico do acesso regulado na legislação dos arquivos públicos sofre adaptações em face da superveniência da LADA.

Os direitos à comunicação do património arquivístico aparecem previstos no artigo 17.º da Lei n.º 16/93 de 23 de Janeiro, que tem hoje de ser interpretado tendo presente a posterior publicação da LADA. O critério identificação dos documentos objecto de comunicação, nos termos da LADA, está hoje definido no artigo 3.º desta, independentemente da questão resolvida na Lei dos Arquivos sobre as competências referentes à gestão dos arquivos públicos.

A disciplina da LADA abrange todos os documentos com origem ou detidos por uma Administração pública ou entidade particular que, cooperando com a Administração Pública, desempenhe uma tarefa pertencente à função administrativa. A LADA diz, nos n.os 4.º e 7.º, in fine, do art.º 7.º, o seguinte: o depósito dos documentos administrativos em arquivos não prejudica o exercício, a todo o tempo, do direito de acesso aos referidos documentos, embora também mande aplicar a legislação própria aos documentos depositados em arquivos históricos. Pareceria assim que a aplicação do regime do acesso da LADA se aplicaria aos arquivos correntes e intermédios e o da LA aos dos arquivos definitivos ou históricos, isto é, já sem utilidade administrativa embora destinados a conservação permanente. No entanto, o n.º 7 do art.º 7 não pode ser lido em termos que interditem a comunicação de documentos que na fase anterior eram acessíveis. Até porque a lógica da distância temporal é a da abertura, passado um certo prazo razoável legalmente fixado.

A LADA restringe o acesso a documentos nominativos sem curar do decurso do tempo, pois deixou isso para a Lei dos Arquivos. E ao curar do consentimento dos interessados na interdição de dados pessoais, como condição para o acesso a informações pessoais, previsto na al. a do n.º 4 do artigo 8.º, também não explicitou algo que, de qualquer modo, teria de resultar da ratio legis: no caso de documentos pessoais referentes a pessoas defuntas impõe-se o consentimento de todos os herdeiros, o que transparece explicitado das naturais preocupações de uma lei que se dirige muito a documentos antigos, como é a Lei dos Arquivos, que fala no «consentimento unânime dos titulares dos interesses legítimos». Considero que o regime jurídico da LADA passou a aplicar-se aos documentos abrangidos pela Lei dos Arquivos e a gerir pela Torre do Tombo, lei cujo interesse nesta matéria do acesso continua a residir na fixação do prazo limite da interdição dos documentos pessoais (definidos agora pela LADA), e que é de 50 anos após a morte, ou, desconhecida esta, 75 anos após a data da elaboração do documento (parte final do n.º 2 do artigo 17.º da LA, que mantém aplicação). Quanto aos documentos dos arquivos correntes e intermédios, porque o critério da sua posse os coloca ao abrigo da LADA, independentemente da questão do órgão que os gere. No que se refere aos dos arquivos definitivos, porque a lógica das duas leis é do de uma caminhada para a abertura, com natural protecção das informações mais recentes e contemporâneas. Tanto que passado um dado tempo as razões da interdição à comunicação deixam de existir e os documentos abrem-se, mesmo que tenham carácter pessoal. Não teria sentido abri-los, para depois os fechar e finalmente os abrir. Aquilo que deva considerar-se aberto pela LADA, não pode depois passar a ser considerado fechado pela Lei dos Arquivos, em vésperas de abertura total. Em relação aos documentos geridos pela Torre do Tombo que não estão na posse da Administração activa menos razão há para um regime mais fechado. Também em relação aos apelidados dados «sensíveis» das pessoas colectivas se impõe, mesmo em relação a quaisquer documentos abrangido pela gestão prevista na LA (critério que não tem relevância em face da LADA), a aplicação das regras comunicadoras desta, desde que não exista legislação específica que interdite o seu acesso por razões de interesse público, designadamente segredo de Estado ou de justiça. Questão diferente é a da determinação da entidade que deve ser dirigido e decidir sobre o pedido de acesso a um documento, em que naturalmente rege o critério da posse, ou seja, em princípio a Administração activa ou, quando esta já não o possua, a Administração depositária, nos termos da Lei dos Arquivos.

9.2.3. O direito geral de acesso

Passemos agora à análise da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, que naturalmente também serve à transparência nos domínios urbanísticos e ambientais.

Segundo ela, para além dos direitos previstos nas leis anteriormente analisadas, todas as pessoas singulares ou colectivas, independentemente da participação em procedimentos públicos, ou de qualquer especial qualidade em relação a um dado dossier, gozam dos direitos de acesso à informação constante de documentos possuídos por quaisquer entidades de direito público ou privado, que exerçam tarefas de Administração Pública, previstos na Lei n.º 65/93 de 26 de Agosto, em princípio constante de processos com decisão administrativa já efectivada e em que os administrados agem como fiscalizadores da actividade administrativa, sem necessidade de invocar qualquer interesse na informação. Independentemente de terem ou não participado no procedimento administrativo, e independentemente de visarem ou não o uso da informação em acções ou meios impugnatórios administrativos ou contenciosos. No campo dos sujeitos passivos, há já um parecer aprovado pela CADA (de 14.11.96) a considerar uma entidade particular de utilidade pública administrativa, a Misericórdia de Lisboa, sujeita à aplicação da LADA. Obviamente que a única interpretação condicente com o espeítito da lei e as exigências do direito comunitário, que em matéria ambiental este diploma também aplica, aponta para uma omniabrangência de todas as entidades, de direito público ou privado (pessoas colectivas públicas ou pessoas de direito privado e regime jurídico misto) que exerçam, a qualquer título a Função Administrativa do Estado-Comunidade, independentemente do recurso ou não a poderes de autoridade, questão irrelevante em matéria de aplicação do princípio da transparência na Administração pública. Neste sentido, todas são Administração Pública em sentido orgânico, nada importando a fórmula normativa da sua constituição como entidade.

É a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, que vem consagrar este direito geral de acesso à informação administrativa. No entanto, as experiências alheias de utilização deste direito mostram que ele é utilizado sobretudo pela imprensa, associações de defesa de interesses difusos e também agentes económicos. Ou seja, são os mais organizados e motivados que aparecem na primeira linha do controlo público da actividade administrativa. E em causa estão as áreas, os valores mais sensíveis, em que naturalmente no mundo de hoje se destacam os ambientais.

Começarei por referir que os direitos de acesso para obter informação a usar em meios impugnatórios e acções judiciais mantêm o seu regime especial, quer o do acesso directo previsto no contencioso administrativo (art.º 82.º da LEPTA), quer o do acesso endoprocessual, por meio do tribunal, nos processos judiciais (sendo certo que hoje, no processo civil, já não estamos perante um poder discricionário do juiz).

Nos termos previstos na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (LEPTA), a Administração tem 10 dias para passar as certidões solicitadas, findos os quais se forma logo acto tácito de indeferimento, e o interessado tem um mês para pedir ao tribunal administrativo a intimação do órgão incomunicador para satisfazer ao solicitado. Mas, segundo doutrina da CADA, os particulares que visam a utilização de informação para meios administrativos ou contenciosos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, têm podido «reclamar» à CADA, que assim tem tendido a dar pareceres sobre qualquer recusa administrativa efectivada ao abrigo de requerimento enquadrado por qualquer legislação não excepcionada directamente da aplicação da LADA essencialmente, as normas sobre a Protecção de Dados Pessoais, agora constante da Lei n.º 67/               /98, de 26 de Outubro, e a legislação sobre registos. Quanto a estes, de qualquer modo, modo, a inaplicabilidade da LADA deve ser entendida como uma demissão de regular estas áreas, ou por ser desnecessário, por a regra já ser a do livre acesso, ou na medida em que (excepcionalmente) o legislador entenda haver razões para um regime especial de interdição, ou de procedimento de acesso alheio aos enquadramentos gerais da LADA, pois que, no caso de um dado diploma sobre registos (v.g. o referente ao registo das pessoas colectivas) nada dizer, o entendimento a seguir hoje não é do da secretização, mas o do novo princípio administrativo geral, consagrado na Constituição e regulamentado na LADA, o da transparência. A especificidade acabará por ser a da não exigência de um parecer do CADA, como condição de recurso ao tribunal. 

Quais os aspectos fundamentais do direito geral à comunicação da documentação?

Começo por me referir ao conteúdo da obrigação de informar e às entidades obrigadas e actividades sujeitas à comunicação documental. Debruçar-me-ei depois sobre as excepções ao direito que, na maior parte dos casos não são interdições de acesso, mas apenas a aplicação dos princípios do acantonamento e do diferimento de certas informações que, por razões de interesse particular ou público, não devem ser divulgadas, pelo menos durante um certo tempo.

Destacarei sobretudo aquelas informações que mais vezes possam vir a ser recusadas e que se referem a dados pessoais, comerciais ou oficiais. Por último, reportar-me-ei ao exercício concreto do direito de acesso e aos meios garantísticos do mesmo.         

Antes disso, há que clarificar que os particulares têm a possibilidade de efectivar a repetição de requerimentos «perdidos» (ou porque haviam sido feitos ao abrigo de outra legislação, sem comunicação ou com sentença desfavorável, ou mesmo ao abrigo da LADA, mas sem seguimento para a CADA e Tribunais). Aliás, não sofrem as limitações do procedimento geral referentes ao tempo mínimo de inoportunidade de repetição de pedido, desde que estamos presente matéria de interesse público, em que a iniciativa dos cidadãos é ut civis ao serviço da transparência, ?????????????? e eficácia da Administração.

E, naturalmente, referir que a Administração pode sempre proceder à comunicação de documentos, não só após o decurso do prazo para resposta expressa, como mesmo após a formação de actos tácitos de recusa de acesso.

E acrescentar ainda que a faculdade atribuída à Administração pelo n.º 3 do art.º 15.º tem limites. Prevista para permitir à administração esclarecer-se junto da CADA, previamente à tomada de posição, da sua utilização resultam restrições temporais de acesso, dado que protela o prazo para a decisão da Administração.  Só se aplica a situações abrangidas pela LADA, e quando não há ou não deva já haver um parecer apresentado pelo particular. Não se aplica às situações de acesso a dados pessoais por parte de terceiros, que devem apresentar previamente um parecer favorável da CADA, por impossibilidade de a Administração pedir algo cuja existência é pressuposto da existência do próprio «procedimento» administrativo do acesso.

E se, numa situação destas, a Administração, em face da ausência da junção ao requerimento do parecer favorável da CADA, pelo particular, vier solicitar um parecer, invocando já não o n.º 3 do art.º 15.º, mas o n.º 3 ou a al. b) do n.º 4 do art.º 8.º, nos termos da actual lei, a CADA não deverá dar parecer. Com efeito, a entidade administrativa detentora dos documentos não pode substituir-se ao particular no pedido de parecer, pela simples razão de que nem sequer podia avançar na análise comprovadora do interesse directo e pessoal sem o parecer favorável prévio emitido pela CADA, de iniciativa particular.

Quem invoque um interesse directo e pessoal, para aceder a dados pessoais de terceiro, tem de demonstrar esse interesse à Administração activa. Mas não há demonstração sem invocação. Ora se a invocação só é aceitável com a apresentação simultânea do parecer favorável da CADA, há que concluir que, sem o parecer não há invocação (válida) e sem esta invocação operativa não há possibilidade de demonstração. E sem esta, não há qualquer hipótese de acesso. O que se deixa dito implica que se pergunte se um requerimento sem parecer favorável preencherá as condições de admissibilidade, dado que a condição substantiva de acesso está ligada à condição processual prévia da sua apreciação também pela CADA. Esta linha de raciocínio leva-nos à problemática sobre a natureza deste tipo de parecer e da própria CADA, que ultrapassa um enquadramento de «co-decisão» de uma entidade administrativa consultiva, o que implica a impugnabilidade deste «parecer» perante os tribunais. O parecer não é facultativo, tem de ser necessariamente favorável, e é condição da apreciação administrativa das razões invocadas para justificar um direito de acesso excepcional.

Mas não é uma pura condição para o desencadear do labor reconhecedor do direito invocado, em termos que admitam um suprimento pela Administração requerida, no caso de a leitura do caso por si efectivada ser favorável ao particular. Sem o parecer favorável, o requerimento de acesso é recusado.

Sem necessidade da análise das razões invocadas no requerimento (sem necessidade, e mais do que isso, sem a possibilidade dessa análise isolada da entidade detentora do documento).

E isto porque estamos perante a exigência de uma pluralização de apreciações de ordem garantística, em face da existência de direitos fundamentais conflituantes. E com o parecer favorável, o requerimento entra, sem ter de ser necessariamente objecto de decisão administrativa favorável. A comunicação pressupõe duas análises favoráveis.

Se a opinião da CADA for desfavorável não pode haver acesso. Se a leitura do caso pela Administração for desfavorável, há recusa de acesso, mesmo com opinião favorável da CADA. A decisão positiva só pode ocorrer com parecer favorável, mas este não a exige, podendo a Administração não a seguir, fundamen-tando a sua divergência em relação à CADA. O tribunal decidirá em última via.

E com este enquadramento é a Administração detentora do documento que pratica o verdadeiro acto administrativo denegador do direito. Dele e só dele se recorre contenciosamente.

Só que, para além da decisão negativa da Administração, apesar da opinião favorável da CADA, há as situações em que o direito de acesso é afastado sem intervenção da Administração detentora, uma vez que o parecer, sendo de iniciativa particular e de carácter prévio ao requerimento, quando é negativo não implica qualquer actuação da Administração.

O que nem chega a colocar a questão da localização do acto eventualmente ofensivo de direitos, uma vez que é este «parecer» desfavorável que exclui o exercício do direito, sendo de todo em todo inaceitável a exigência de efectivação de um requerimento com parecer desfavorável só para obter automaticamente uma recusa, com fundamento nele e apenas nele, para se poder exercer um recurso jurisdicional. O parecer desfavorável impede a invocação e a demonstração do interesse comunicador, à revelia de qualquer «procedimento» administrativo junto da entidade detentora do documento. Logo, é ele o único acto existente implicando a denegação do acesso, pelo que é directamente impugnável perante os tribunais. Isto significa que, se o parecer favorável introduz uma lógica co-decisora, porquanto a Administração não pode decidir favoravelmente por si só, já no parecer desfavorável, mais do que um parecer, há um acto que introduz, embora excepcionalmente, a CADA numa lógica decisora em matéria de direito de acesso. E mais: uma vez obtido parecer pela Administração ou pelo particular (casos de pareceres prévios obrigatórios), já não há obrigação de «reclamação» para a CADA como condição para o exercício do recurso contencioso.

Sobre esta matéria, o governo acaba de aprovar uma proposta de lei que, em nova redacção da LADA, impõe à antidade a quem foi dirigida requerimento de acesso a documentos nominativos de terceiros, desacompanhado de autorização escrita deste, que solicite «parecer da ??? sobre a possibilidade da revelação do documento, enviando ao requerente cópia do pedido» (n.º 2, art.º 15.º), flexibilizara o sistema. O particular pode pedir o parecer, mas se o não fizer, deverá fazê-lo à Administração.

Quanto ao conteúdo da obrigação de comunicar, o direito à informação compreende o direito de consulta ou exame de documentos administrativos, o direito a obter a sua reprodução e o direito a ser-se informado sobre a existência e o conteúdo desses documentos.

Documento administrativo é qualquer suporte de informação, sonoro, visual, informático ou registo de outra natureza.        

A lei exemplifica os mais importantes: processos, relatórios, estudos, estatísticas, pareceres, actas, autos, circulares, ofícios-circulares, ordens de serviço, despachos normativos, instruções e orientações de interpretação legal ou enquadramento da actividade administrativa ou outros elementos de informação. Pode referir-se os telegramas, facturas, fotografias, cartas, filmes, cassetes, disquetes, CD-ROM’s, etc..

Trata-se de documentos administrativos e não de documentos relevando da chamada função política do Governo. Trata-se de suportes de informação administrativos e não documentos pessoais do funcionário, ligados à actividade administrativa, referentes à organização, funções, acções, decisões, procedimentos da Administração Pública, com uma dada ligação à função administrativa.

Dito isto, tudo parece simples. Mas nem sempre o é. Por exemplo, se um funcionário camarário grava a reunião camarária de que se serve para completar os apontamentos para elaboração da Acta. Pode aceder-se à gravação ou não? A Acta nunca transcreve tudo, pelo que a gravação tem muitas vezes interesse. Se a Câmara, após a aprovação da Acta, a destrói, nada haverá para comunicar. Mas se a mantém nos seus arquivos, dá-lhe autonomia documental (para além de ter sido meio de elaboração, complemento de apontamentos para a feitura da Acta). É um documento administrativo para efeitos da Lei n.º 65/93, independentemente do seu valor de prova processual, questão indiferente à legislação concretizadora do princípio da transparência.

O suporte deve ser considerado documento administrativo segundo o critério do objecto e do uso, fazendo apelo à ideia de produção ou recolha de informação no exercício normal, ou por causa dele, das funções administrativas. Este critério permite fixar o carácter da agenda do titular de um órgão, ou da lista de números telefónicos de um órgão administrativo. E esta destrinça é fundamental, mesmo nas situações de expurgo impossível de dados pessoais sem reconstrução documental, por haver mistura corrente de dados ou telefones de serviço com os da vida pessoal, porquanto excluindo o acesso geral não exclui o acesso motivado de terceiros. Os documentos pertencentes a um processo não concluído, documentos preparatórios de decisão, só são acessíveis após a decisão administrativa ou, tendo o procedimento ficado parado, um ano após a elaboração do documento em causa. Mas o direito à informação não se traduz apenas no direito de exame ou reprodução do documento, mas também na explicação do conteúdo informativo inscrito, ou seja, no direito à informação sobre a informação constante de documento. E como não se pode querer o que se desconhece, a Administração Pública tem a obrigação de informar sobre a existência do documento e, ainda, semestralmente, a obrigação de publicar certos documentos: todos os que comportem enquadramento da actividade administrativa; e de sinalizar outros, enunciando-os e identificando-os: aqueles que comportem interpretação de direito positivo ou descrição de procedimentos administrativos.

O artigo 11.º da LADA, em relação a estes documentos apenas sinalizáveis, manda mencionar, pelo menos, a título corrente, a matéria de que tratam, a entidade de origem, a data de elaboração e, ainda, naturalmente, o local onde se encontram. Esta publicação deve ser feita de forma adequada, sem que a lei imponha um dado meio exteriorizador, mas a Administração Pública deve escolher um meio incentivador do acesso regular dos cidadãos a esse registo.

É urgente que a Administração avance nesta área, pois se é verdade que estas obrigações não sofrem controlo jurisdicional directo, o seu incumprimento tem influência numa menor exigência de requisitos de suficiente identificação dos documentos pretendidos, com ónus de ajuda na identificação pela Administração Pública, enquanto ou se aquelas obrigações não forem cumpridas, o que, a prazo, pode transformar-se num encargo difícil de suportar pelos serviços, tanto mais que sempre haverá a acumulação com a sobrecarga da publicação dos documentos considerados atrazados à face da LADA.

Quanto às entidades obrigadas e às actividades sujeitas à transparência, há que referir que os sujeitos passivos deste direito de acesso são tanto entidades públicas como privadas. As públicas, qualquer que seja o modo de gestão (em manifestação concreta, a juntar ao n.º 5 do art.º 2 do Código do Procedimento Admistrativo, da aplicação da teoria do direito privado administrativo), com recurso ao direito administrativo ou ao direito privado. As entidades privadas, na medida em que «cooperem» com a Administração no desempenho de tarefas correspondentes à Função Administrativa.

Dentro da Administração, só a actividade empresarial fica fora da lei, em nome de uma igualdade com as empresas dos particulares, concorrentes. Mas a não obrigação de comunicação de documentos por si detidos, não significa que documentos que se lhe refiram, detidos por Administrações não empresariais, não fiquem sujeitos, na medida em que se lhes não aplique a excepção de segredo comercial, industrial ou da vida interna das empresas.

O Estado, Regiões Autónomas, Autarquias e suas associações, Administração indirecta daquelas e outras, Administrações Autónomas — estão abrangidas. Porque não têm actividades que integrem a Função Administrativa (independentemente de terem administrações instrumentais do exercício dos seus poderes constitucionais de legislar e julgar), foi intenção do legislador excluir, para já, do âmbito da LADA os acessos documentais aos serviços do Presidente da República (embora a sua actividade administrativa em termos da Função Administrativa do Estado, que existe, embora seja residual, cingindo-se a alguns actos de nomeação de altos cargos civis e militares, se pudesse considerar abrangida), da Assembleia da República e dos Tribunais. No entanto, numa interpretação recente (constatável a partir deste ano em dois pareceres), a CADA tem pretendido englobar toda actividade materialmente administrativa, de qualquer poder público.

E em relação a um dado documento concreto, a entidade detentora do documento é obrigada a comunicá-lo, independentemente da sua origem ou da razão da detenção. Mas não só a posse actual e efectiva, também quando existe direito à posse, porque deslocado ou ilegitimamente detido por outrém (v.g., parecer mantido num gabinete privado).

Se a Administração Pública detém um documento com origem noutro órgão de soberania, deve comunicá-lo.

Se a Administração Pública detém um documento de origem jurisdicional, importa verificar se está coberto por segredo de justiça. Se a Administração Pública detém um documento criado por si e com informações participadas aos Tribunais, importa verificar se o assunto está em segredo de justiça, não bastando o simples juízo de ilegalidade feito pela Administração e envio das informações às entidades de investigação criminal. Remete-se para a plicação do Código de Processo Penal.

Vejamos seguidamente como se processa o exercício do direito de acesso e quais as garantias dos particulares.

Este exercício é regido por certos princípios essenciais que passo a citar.

Quanto ao modo de acesso, em geral, vigora o princípio do acesso directo, pois o acesso indirecto no caso das informações médicas é excepcional, complementado com o princípio da livre escolha do meio de acesso: exame, fotocópia ou certidão. Quanto ao requerimento, vigoram os princípios da unicidade do pedido, da dispensa de pedido presencial (disciplina supletiva do CPA) e da identificação suficiente do documento, que mesmo assim deve ser interpretado no sentido de a exigência de identificação dificilmente poder levar ao indeferimento liminar do pedido mal identificado, nas áreas em que falte o respeito pela obrigação de publicação ou sinalização, pois o incumprimento destas leva consigo o dever de cooperação na identificação. Neste caso, se a realização de diligências conjuntas não resultar, é que não terá seguimento o requerimento de acesso.

E será admissível a recusa do acesso em caso de carácter abusivo dos pedidos?

Tal recusa, apesar de não se encontrar prevista na LADA, deriva do facto de as normas que criam direitos não existirem para um uso contrário à sua razão de ser, neste caso ligada ao princípio da transparência.

Assim, a recusa tempestiva pode ocorrer quando o número excessivo de pedidos é impossível de satisfazer, e a própria recusa é legítima quando existe repetição frequente de pedidos dos mesmos documentos, quando se verificam requerimentos repetitivos e sistemáticos, em termos que traduzam intenção clara de criar problemas, prejudicar o fornecimento de serviços, ou mesmo evitar a satisfação de outros pedidos de acesso em áreas documentais cujo conhecimento público não interesse ao requerente abusivo.

De qualquer modo, quando se tratar apenas de um número muito elevado de pedidos ou de pedidos extremamente volumosos, mas sem intenção, a Administração Pública não pode, sem mais, recusar o acesso ao exame e tiragem de fotocópias. Deve convidar o requerente a seleccionar e ordenar os pedidos. Deve ir satisfazendo os pedidos, segundo ordem acordada ou a sua evolução no dossier em causa, cem preocupação razoável de prazos, justificada por impossibilidade de cumprimento tempestivo.

Quanto ao procedimento do acesso geral, ele inicia-se com um requerimento escrito. No caso de um terceiro pretender o acesso a um documento nominativo, e para isso necessitar de um parecer favorável da CADA, há que começar por pedir um parecer à CADA que se pronunciará sobre justificação invocada de interesse directo e pessoal. No caso do parecer ser favorável, far-se-á o requerimento a que se anexará o parecer. A Administração tem 10 dias para: comunicar a decisão de comunicar a informação pretendida, com marcação de dia, hora e local; recusar em termos motivados; informar que não possui o documento pretendido ou, caso tenha dúvidas sobre o caminho legal a seguir e tenha decidido pedir parecer à CADA sobre a matéria, enviar uma cópia desse pedido ao requerente. Neste caso, assim como em caso de silêncio total sobre o requerimento, o particular aguardará 35 dias por uma resposta da Administração. Findo este prazo, o requerimento considera-se recusado para efeito de permitir que o interessado efective um pedido de parecer à CADA. O pedido de parecer é obrigatório quando se pretenda seguir as vias contenciosas, excepto se o particular ou a AP já haviam obtido anteriormente um parecer. Mas o particular pode dirigir-se a tribunal se a CADA não proferir parecer no prazo legalmente previsto, uma vez que a exigência e existência de um acto pré-contencioso é uma entorse ao direito de acesso directo e «imediato» ao tribunal para apreciação de um acto ofensivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, ínsito ao princípio constitucional da tutela judicial efectiva conatural à cláusula do Estado de Direito (entorse só admitida pelo nosso tribunal constitucional, a propósito do parecer da CFSE, com a condição de a duração do atraso nesse acesso ser relativamente irrelevante). O particular tem 10 dias (passará a ter 20 dias, em face as alterações governamental à Assembleia da República) após a recusa do acesso (indeferimento expresso, falta da resposta ou decisões limitadoras de acesso) para se dirigir à CADA. O pedido de parecer à CADA interrompe o prazo para a impugnação de divisãoA Administração Pública tem o direito de se fazer representar e de se explicar na CADA. Esta tem o direito a obter todas as informações, exigir cópias dos documentos interditados ou consultá-los na própria Administração activa. O parecer ou relatório de apreciação da situação, deve ser emitido no prazo de 30 dias e enviado para conhecimento ao interessado e à Administração. A Administração tem 15 dias para uma segunda leitura do requerimento e decisão final, fundamentadora, apoiada no parecer da CADA. A recusa ou o decurso deste prazo sem resposta (ou, como já havíamos defendido em «Direito à Informação Administrativa», Edição de Pedro Ferreira, 1995, a comunicação parcial da documentação pedida, desde que o requerente não tenha alterado o conteúdo do pedido após o parecer da CADA) permite ao requerente impugnar a recusa perante a jurisdição administrativa, no prazo de 30 dias. Trata-se de um recurso de plena jurisdição que segue a tramitação do recurso acessório de intimação para apresentação de documentos (embora aqui estejamos perante um recurso não acessório, que visa em definitivo a apreciação do próprio direito geral de acesso à informação, e portanto sem carácter acessório de outros meios impugnatórios administrativos ou meios contenciosos), para o qual o legislador remeteu, pois não quis deixar que ele tivesse um regime expedito, para permitir que os particulares beneficiem dos prazos curtos previstos na Lei de Processo dos Tribunais Administrativos para aquele recurso de índole instrumental na defesa de outros interesses a jogar directamente noutras decisões administrativas, para as quais os documentos são necessários. A vista ao Ministério Público é de 5 dias e a Administração responde em 15 dias, findos os quais o tribunal tem 7 dias para dar a sentença, a qual permite desencadear, sem mais, por si mesma, na falta de cumprimento voluntário, as consequências responsabilizadoras de natureza penal, civil e disciplinar previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 265.º-A/77 de 17 de Junho.

Mas nem todos os documentos são comunicáveis. Há documentos, ou pelo menos informações que são interditáveis durante um dado tempo. Quais as excepções ao direito do acesso? No plano das informações interditáveis, há excepções não assumidas, constantes de documentos considerados pelo legislador como não sendo documentos administrativos: notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante (n.º 2, art.º. 4.º da LADA) que, juntamente com os documentos endoprocedimentais, antes da decisão, marcam o espaço de reserva mínima de intimidade da Administração Pública. Não há propriamente uma excepção com fundamento na possibilidade da reprodução provocar danos no documento. O interessado pode obter informação através de cópia manual ou outros meios. E, de qualquer modo, sendo possível à Administração Pública fazer uma reprodução viabilizadora de reproduções posteriores, os particulares mantêm o direito à fotocópia da fotocópia.

Quanto às informações nominativas para efeitos desta lei, elas são dados pessoais relacionados com o direito à intimidade pessoal: informações sobre pessoa singular, identificada e identificável, traduzindo apreciações ou juízos de valor ou referentes à reserva de intimidade da vida privada, ou seja, o acesso refere-se a documentos sobre informações não nominativas, excepto se já forem do conhecimento público. A noção de intimidade pessoal não tem carácter absoluto e ilimitado, porque tem forte componente histórica e pessoalizada. Em geral, trata-se de informações excepcionais sobre uma pessoa, contrárias à sua dignidade, por propiciarem a degradação da consideração, tendo presente os usos sociais e o modo de se comportar em público da pessoa em causa. Trata-se de informações ligadas às facetas mais singularmente reservadas da vida da pessoa ou que impliquem uma avaliação negativa. De qualquer modo, a LADA permite em princípio a interdição não de documentos, mas de informações com dados pessoais, sombreando estes ou reduzindo, no respeito pelo princípio do acantonamento, a parte que os contenha, no documento em si comunicável, pois só não há comunicação de todo o documento, quando o expurgo dos dados pessoais exige à Administração Pública um esforço de reconstrução do próprio documento, reescrevendo-o, especialmente no caso de suporte de papel. Dou alguns exemplos para ajudar a clarificar a aplicação desta cláusula excepcionatória: o pedido de acesso ao dossier de um terceiro contendo uma informação segundo a qual ele tem SIDA traduz uma pretensão de conhecimento de um documento nominativo que tem de ser sombreado nesta parte. No entanto, o dossier pode ser revelado na íntegra sem ocultar tal dado pessoal se ele já é do domínio público. É o mesmo que acontece com a morada habitual — simultaneamente lugar de relação social e de vida íntima, e por isso com a protecção desta por normas específicas do ordenamento jurídico — o local de trabalho ou a profissão das pessoas ou mesmo a remuneração de funcionários públicos, tudo elementos públicos ou publicáveis (relações de vizinhança, listas telefónicas, Diários da República, etc.). Não são dados «pessoais», no âmbito laboral, não só o local de trabalho, como as informações sobre datas de ausência ao trabalho, tal como não o são as informações referentes aos motivos genéricos constantes da previsão normativa justificativa dessa ausência, sejam eles a “doença”, as “férias” ou a “maternidade”. Dado pessoal será v.g. a indicação da doença concreta, específica, referida em atestado ou relatório médico da empresa. E depois acrescentava nesse texto que também não era dado pessoal a informação referente à morada permanente ou ao país de estadia em certas épocas, v.g. em férias ou em tratamento médico, constante de uma qualquer referência geográfica, inserido em carta, envelope de correios ou atestado médico justificativo de faltas. Pessoal será a habitação onde ocasionalmente se passa as férias ou onde se recupera de uma doença. Estas “moradias “ ocasionais, mesmo que constantes de registos manuais ou mecanográficos, serão em princípio dados não comunicáveis, porque aqui a “moradia” não tem a sua natural dupla função, privada e social, dado que não é normalmente um “local de direcção “ de relação, mas apenas um local de vida íntima, pessoal ou familiar, a proteger enquanto o seu conhecimento puder ofender a intimidade dos seus ocupantes. Mas mesmo os dados pessoais só não serão comunicáveis. quando não sejam do conhecimento público, independentemente da sua natureza própria. Considero que a residência habitual e pública não é uma informação nominativa para efeitos da Lei n.º 65/        /93. Com efeito, a residência permanente (cujo conhecimento é fundamental para a execução dos objectivos de transparência da CADA, que implica a possibilidade de investigação de factos, através da localização de pessoas envolvidas ou vizinhos que possam esclarecer informações registadas, sem o que a Administração Aberta controlada pelos cidadãos é uma ficção) é o local simultaneamente de vida íntima e de vida pública, de estar só e de ser encontrado. Por isso, há legislação específica a proteger as áreas ou os momentos de intimidade perante abusos desrespeitadores do equilíbrio deste seu duplo estatuto, propiciado pela publicitação normal da residência habitual. Aliás, ela ou é publicada em cartões ou mesmo documentos de visibilidade geral diária ou facilmente detectável na província, devido às relações de vizinhança. É um dado publicado ou publicável, independentemente de considerações sobre a sua natureza, e portanto não interditável.

Há certos dados pessoais com um regime de acesso especial, os dados clássicos, em que, na LADA se optou por os tornar acessíveis pelos titulares ou terceiros, apenas através da intermediação de um médico??????????

 

 

 

 

 

 

E os dados pessoais ou documentos com dados pessoais não expurgáveis podem ser objecto de comunicação a terceiros autorizados pelo próprio. Tal como quando aqueles dados traduzem interesses cujos prejuízos possam ser evitados ou melhor defendidos com conhecimento de certas informações nominativas ou de documentos que não são de acesso geral por conterem informações nominativas.

Neste caso, de acesso sem autorização, exige-se, como condição, a obtenção prévia de um parecer favorável da CADA. A proposta de alteração governamental à LADA permite que seja a própria Administração a solicitar directamente estes pareceres. O n.º 3 e a al. b) do n.º 4 do art.º 8 regulam esta matéria.

O artigo 8.º refere-se aos documentos nominativos, desenvolvendo e enquadrando a regra geral consagrada no n.º 2 do artigo anterior, segundo o qual o direito de acesso só existe em relação «a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal», cuja invocabilidade o n.º 3 do art.º 8.º vem precisamente condicionar à apresentação de um parecer favorável da CADA. O n.º 3 estipula que a invocação do interesse directo e pessoal deve ser acompanhada de parecer favorável da Comissão de Acesso, solicitado pelo terceiro que pretenda exercer o direito. E a al. b) do n.º 4 vem autorizar o acesso também « quando a comunicação dos dados pessoais tenha em vista salvaguardar o interesse legítimo da pessoa a quem respeitam e esta se encontre impossibilitada de conceder autorização, desde que obtido o parecer previsto no número anterior». A propósito destes pareceres condicionadores do exercício do direito de acesso a dados pessoais, foram tecidas algumas considerações clarificadoras sobre os sujeitos activos dos pedidos de parecer, a impossibilidade de a Administração se substituir aos particulares na sua obtenção e a natureza e recorribilidade contenciosa do parecer desfavorável da CADA neste domínio.

Quanto às informações comerciais, industriais e da vida interna das empresas, elas podem não ser comunicáveis. Trata-se de uma excepção difícil de delimitar, a preencher casuisticamente. Mas certas informações são apenas objecto de proibição de uso fora dos fins da legislação do acesso, em nome do respeito pelos direitos de autor e da propriedade industrial. Em geral, a razão de ser destas proibições visa impedir o aproveitamento do direito de acesso para fins comerciais, o uso indevido do direito de acesso. De qualquer modo, quando entenda não comunicar uma dada informação nestas matérias, a Administração não está isenta do cumprimento do princípio geral consagrado na lei, do acantonamento ou sombreamento da informação a interditar, revelendo toda a restante informação constante do dossier ou do documento em causa.

E a razão de ser da possibilidade da Administração não efectuar a comunicação, visa proteger a confidencialidade dos negócios, quando tal puder causar dano às empresas envolvidas, e evitar a difusão de informações prejudiciais aos interesses comerciais e crédito das empresas. Há dados económicos cuja interdição de acesso derivará da invocação do segredo de Estado sempre que, no exercício do seu poder discricionário, a Administração Pública efective a respectiva classificação em matérias de natureza comercial, industrial, científica, técnica e financeira que interessem à preparação da defesa militar do Estado.

Diga-se, aliás, que a ligação das informações desta natureza aos aspectos militares de Defesa denota uma concepção restrita e imperfeita de Defesa. Vejam-se, em várias directivas nacionais, as cláusulas de ordem pública de contratos internacionais em domínios tecnológicos desligados do plano militar.

A própria Constituição, no art.º 88.º, dá à economia um dado papel garantístico da independência nacional. Quanto aos segredos comerciais e industriais directamente invocáveis para recusar o acesso, temos: as informações não indiferentes à concorrência, segredos de dados económicos e financeiros ou das estratégias comerciais, segredos dos agentes do Fisco sobre a situação económico-financeira das empresas, segredos de negócios, procedimentos e técnicas de fabrico, operações e métodos de trabalho, dados estatísticos confidenciais, ficheiros de clientes, informações sobre lucros e encargos, inventários, resultados de investigação, relações comerciais, relatórios sobre ocupação do mercado, etc..

No fundo, podemos distinguir informações que á partida aparecem logo como naturalmente interditáveis, sem necessidade de apreciações sobre a sua confidencialidade, e, portanto, que a Administração deve tratar automaticamente como confidenciáveis: as informações negociais. E outras só interditáveis se mexerem com inconfidências passíveis de em concreto causar prejuízos às empresas, implicando uma apreciação concreta, caso a caso, o que, em boa verdade, deve levar a Administração Pública a ouvir previamente a empresa com informações envolvidas nos documentos solicitados, como contra-internados na decisão a proferir. Nums casos, o poder da ??? corresponde a um dever ??? Deixa uma  apreciação à Administração de qualquer modo, qualquer comunicação que cause danos a particulares é justificativa da responsabilidade civil extra-contratual.

O critério interditador do acesso a praticar pela Administração, independentemente do pretenso «poder discricionário» efectuado em termos genéricos, tem de partir da ideia de que há documentos confidenciais por natureza e documentos confidenciais a admitir-se que a sua difusão possa causar prejuízo, pressupondo um juízo de apreciação em que é importante a ponderação conjunta de dois elementos: o valor comercial do documento ou informação, e a impossibilidade de obtenção do documento/informação por outras vias. Tendo presente os exemplos atrás referidos, podemos decompôr o conjunto de informações comerciais e industriais interditáveis, essencialmente em três grandes áreas: Procedimentos, Informações Económicas e Financeiras e Estratégias Comerciais.    

Quanto aos procedimentos da actividade, técnica de fabrico, trabalhos de investigação, etc., não devem ser comunicados, pois tal seria desvendar o saber-fazer da empresa (segredos ligados a patentes de invenção, equipamentos usados), partes de relatório de inspecção de instalações, que descrevam procedimentos de fabrico e de contratos de ajuda à inovação entre uma empresa e um instituto público de apoio à investigação. E no âmbito de questões ambientais, são interditáveis às análises de resíduos de uma fábrica, a composição destes puder permitir chegar aos procedimentos de fabrico, a análises periódicas com informações sobre o volume das produções ou técnicas usadas, etc...

Quanto às informações económico-financeiras, ou seja, aos dados sobre a situação económica duma empresa, a sua saúde financeira e o seu crédito, não devem ser comunicáveis documentos que revelem o volume de negócios e o nível de actividade empresarial, de estatísticas referentes ao consumo de farinha por parte dos padeiros (1985), ao consumo de electricidade (1984), relatórios de auditorias, etc..

Quanto às estratégias comerciais, esta temática ganha acuidade no domínio dos contratos de concessão da Administração Pública. Não está em causa o acesso a toda a documentação referente aos concursos públicos ou determinando as condições de preço acordadas entre a Administração Pública e a empresa, que dizem respeito ao custo do serviço público ou a facturas ou documentos de execução contabilística. Mas, por exemplo, os resultados das empresas concessionárias foram considerados inacessíveis no parecer Bisson de 26.04.90. Em França, o segredo das estratégias comerciais também protege as empresas, quanto a documentos remetidos para obter autorizações ou subvenções, o que em termos genéricos me parece criticável e contra o princípio da transparência.

Quer a GEOTA quer a Liga para a Protecção da Natureza solicitaram ao Presidente do GATTEL cópias do contrato de concessão e construção da nova ponte sobre o Tejo, celebrado entre o Governo e a LUSOPONTE.

A CADA pronunciou-se desfavorávelmente ao acesso a uma parte desses documentos: anexo 1 (Contrato de Projecto e de Construção); anexo 2 (Contrato de Exploração e Manutenção); anexo 3 (Contrato de Financiamento); anexo 9 (Caso Base); anexo 11 (Acordo de Subscrição e Realização do Capital). Esta parte era constituída por minutas de contratos de direito privado em que o Estado não é parte, pois neles intervêm só a concessionária e terceiros. E o Anexo 9 refere-se ao modelo de engenharia financeira do empreendimento.

Quanto às informações oficiais, o n.º 2 do art.º 268.º da CRP prevê as referente à investigação criminal e à segurança interna e externa do Estado.

Quanto ao segredo de justiça, resultante dos artigos 86.º e seguintes do Código do Processo Penal, importa referir que este regime limitador da ideia da transparência da jurisdictio, tem aparecido justificada na necessidade de defender quer a honra do arguido quer a investigação em face deste (v.g. quem sabe que «vai» ser preso, pode fugir, etc.). Por isso, mantêm-se fechados ao conhecimento público certos momentos do desenvolvimento processual (e até mesmo ao arguido, na fase de inquérito), só sendo os autos passíveis de consulta e passagem de cópias ao público, a partir da fase do julgamento, ou, então, a partir do momento em que a decisão instrutória já não possa ser requerida. Quanto às informações de segurança e outros dados oficiais previstos na Lei do Segredo de Estado, importa referir que não há classificações de matérias, dossiers ou documentos.

A interdição passa por uma apreciação casuística, em que se considera que pode haver possibilidade de dano ao Estado em termos de existência e subsistência. Usa-se, pois, conceitos imprecisos — «pôr em risco ou causar dano à segurança do Estado» — que o Tribunal irá concretizando. Portanto, não há interdições originárias, mas interdições discricionárias de classificação documental que significam uma interdição temporária controlada. Para ajudar a Administração, o n.º 3 do art.º 2 enuncia exemplos-padrão, ou seja, matérias cujo conhecimento pode, normalmente, implicar risco ou possibilidade de risco.        

Entre segredos da defesa nacional, pode citar-se:

documentos referentes a instalações de carácter ou com uso militar, procedimentos relacionados com a defesa nacional, actividades de centros de estudos militares, dispositivos de segurança de centros e instalações, planos de segurança, documentos com relatórios de segurança de fábricas em sectores económicos estratégicos.

No plano da política de segurança civil, a CADA francesa considerou incomunicável: a lista de túneis e cavidades subterrâneas, podendo servir de abrigo às populações em caso de conflito armado, estudos sobre águas subterrâneas, procedimentos de mensagens rádiotelefónicas da polícia, etc.. Quanto a informações referentes à segurança pública, não é qualquer relatório, instrução ou processo policial que está interdito.

No fundo é preciso verificar se a comunicação em concreto pode pôr em causa a segurança das pessoas e bens ou pôr em causa a acção em favor da manutenção da ordem e segurança públicas.

Assim, se parece comunicável: o organograma de uma prisão, as orientações do emprego de aparelhos medidores de álcool para condutores, circulares relativas ao controlo de velocidade, ou actas de comandos de bombeiros sobre intervenções de socorro já efectuadas, já são incomunicáveis os documentos que possam pôr em perigo uma futura testemunha ou pessoa deslocada confidencialmente, devido ao facto do seu testemunho anterior a colocar em perigo; o quadro do pessoal de serviço de uma prisão, o processo de transferência de um preso, orientações sobre o encaminhamento de correspondência governamental, documentos que permitam identificar os informadores de certas informações oficiais, orientações para melhorar a segurança pessoal policial na sua actividade, designadamente intervenções rodoviárias, registos de passagem de comboios com indicação de mercadorias transportadas, medidas de segurança de áreas residenciais ou prédios, relatórios de inspecção bancária referentes a agressões e roubos de caixas de agências, ou medidas de intervenção previstas por corporações de bombeiros, como dispositivos de segurança colocados preventivamente. É preciso distinguir entre actos de classificação de documentos, sem eficácia externa, directa, e o acto administrativo de recusa de acesso. O acto classificador interno é um acto discricionário (n.º 3, art.º 2.º, Lei n.º 6/94).

Ela não impede a aplicação do princípio do acantonamento informativo. Tem de ser fundamentado (fornecendo justificação para o acto de recusa).

É de duração limitada (4 anos, no máximo), salvo revisão. Há um regime especial para as classificações feitas anteriormente à entrada em vigor da Lei. As classificações anteriores ao 25 de Abril de 1974, caducaram 1 ano após a entrada em vigor da lei do Segredo de Estado, excepto revisão.

As classificações efectuadas entre 25 de Abril de 1974 e a Lei n.º 6/94, caducarão 4 anos após a Lei n.º 6/94, excepto revisão. Quanto às entidades competentes para classificar, elas são o Presidente da República, o Primeiro-Ministro, os Ministros e o Governador de Macau. Provisoriamente, podem fazer classificações, por 10 dias, sujeita a ratificação, o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas e o Director do Serviço de Informações da República.

Os poderes classificatórios não podem ser objecto de delegação. Só o acto classificador pode justificar, desde que correctamente efectuado, as recusas casuísticas de acesso, mas não ofende por si os direitos subjectivos na matéria. Por isso, o acto de classificação não é impugnável directamente, mas a recusa sem classificação é ilegítima, independentemente dos requisitos estatuídos na Lei n.º 6/94.

A recusa com repetição indevida de fundamentos da classificação é inválida.

No âmbito do sistema excepcionatório do segredo por razões de Estado importa destacar a originalidade portuguesa da duplicação das entidades públicas independentes, para a apreciação da aplicação do regime do acesso aos documentos administrativos fora do tratamento automatizado, com uma Comissão específica para a matéria do Segredo de Estado. Comissões cuja importância se mede pela exigência, como condição para a impugnação jurisdicional, de prévios pedidos de parecer sobre os casos em apreço.

A Comissão de Fiscalização do Segredo de Estado (CFSE), de composição essencialmente política, aprecia os pedidos de parecer fundados em Segredo de Estado (art.º 14.º da Lei n.º 6/94 de 7 de Abril), enquanto a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, de composição essencialmente técnico-jurídica, aprecia as recusas de acesso fundadas nas outras excepções a que se reportam a Lei n.º 65/93. Esta profusão de Comissões não se justifica, sendo certo que a experiência revelará que será mais uma fonte de conflitos de fronteira do que algo útil, pelo que logo que o legislador tenha encontrado a solução concreta do acesso dos Deputados e da fiscalização política pelo Parlamento em relação à matéria referente ao Segredo de Estado não deixará de unificar a apreciação das recusas de acesso documental aos cidadãos numa única Comissão, a CADA. Até lá importa afeiçoar critérios razoáveis para estabelecer a distinção entre os casos que devem ser levados à consideração quer de uma quer de outra das Comissões. Com efeito, não é possível aceitar uma leitura literal das leis, remetendo para a CFSE as recusas que a Administração assente em razões de Segredo de Estado e para a CADA as que ela faça basear na Lei geral de Acesso. Seria deixar nas mãos da Administração a manipulação legislativa ao serviço de estratégias de escolha administrativa da entidade que num dado momento mais lhe conviesse.

Não é aceitável que, em função ou não de maiorias parlamentares e portanto de práticas de maior abertura ou não ao acesso a documentos supostamente tidos como secretos, se deixe à Administração historicamente situada a escolha da instância mais favorável ao seu ponto de vista, assim invocando excepções de uma ou outra lei. Não é por um presidente de Câmara Municipal invocar o Segredo de Estado que a CADA vai deixar de apreciar a recusa de acesso, dado que tal recusa autárquica nunca poderá fundar-se legalmente em Segredo de Estado.

Não basta uma recusa com fundamento em Segredo de Estado, pois é necessário que a ela esteja subjacente uma classificação e uma classificação não caducada, independentemente da legalidade dessa classificação.

Uma invocação indevida não basta, pois não é uma qualquer invocação do Segredo de Estado que coloca a apreciação do requerimento de acesso dentro da Lei n.º 6/94 para efeito da concretização da Comissão competente para dar parecer.

A discussão só se efectivará na CFSE se a recusa de difusão da documentação estiver ou puder estar relacionada com um provável risco ou dano para a segurança nacional.

Aqui trata-se de uma apreciação que o legislador nacional quis eminentemente política a fazer por uma entidade de políticos, embora «pretensamente» segundo critérios legais, os da Lei do Segredo de Estado, cujo respeito só o tribunal verdadeiramente garante.

Se o documento não estiver classificado como Segredo de Estado, a recusa de acesso não pode colocar-se em termos de Segredo de Estado e portanto será a CADA a apreciá-la. Como o será se o documento for anterior a 25 de Abril sem reclassificação entre a entrada em vigor da lei, ou seja entre 7 de Abril de 1994 e 7 de Abril de 1995. Ou se o documento estiver classificado há mais de 4 anos sem reclassificação tempestiva (7 de Abril de 1998 ou posteriormente), se o documento tiver sido classificado por entidade indevida, v.g. um Director Geral, etc., se o documento tiver sido classificado por urgência a título provisório sem ratificação no prazo de 10 dias (mas já não se se quiser apreciar a urgência da classificação provisória dentro dos 10 dias de interdição válida), se se tratar de recusa de parte do documento não classificada sem invocação estrita de necessidade da mesma para proteger devidamente a parte classificada, se a classificação do documento em que assenta a recusa não estiver sequer fundamentada, se a recusa do documento classificado ou parte dele se processar sem invocação da argumentação classificató-ria que possa situar a recusa no âmbito do Segredo de Estado, a menos que se juntem elementos de informação que façam constatar a existência de uma classifi-cação não caducada. Já a fundamentação errada, independentemente de corres-ponder ou não à da classificação, será apreciada pela CFSE. Seria aliás este o seu papel, se o legislador mantiver a sua existência (até ao momento, apenas na lei). Embora, sem razão de existir (e por isso de facto nunca foram sequer designados os seus membros), o normal é que seja uma entidade a extinguir, e as suas tarefas passem a caber à CADA, como acontece no direito comparado.