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Notas de apresentação de uma revista de direito

Notas de apresentação de uma revista de direito

PALAVRAS DE APRESENTAÇÃO DO NÚMERO 3 DA REVISTA ...

Agradeço ao diretor da revista o convite para o lançamento de mais este seu número.

1-Este número da revista apresenta um conjunto significativo de artigos, entre temas de direito público, direito penal e de direito privado, cujos títulos me permito desde já destacar. No direito público, além daquele que eu próprio elaborei, sobre temas e problemas do direito municipal e intermunicipal, portanto na área do direito administrativo, ainda neste ramo, na sua teoria geral, temos um estudo sobre o ato administrativo no Projeto de Revisão do CPA, a problemática da hierarquia e o dever de obediência. E no seu domínio específico do direito fiscal, a tributação dos factos ilícitos e ainda a evasão fiscal das grandes empresas e grupos económicos. No âmbito do direito constitucional, um apanhado da atuação do tribunal constitucional no ano transato com a análise da sua jurisprudência, e ainda sobre as mutações constitucionais. No do direito penal, a tutela penal do ambiente; o mandado europeu de detenção, a questão dos prazos no processo penal; a legitimação da punição estatal e o crime de lesa-majestade humana. No âmbito do direito intergovernamental e supranacional, temos no direito internacional público, o direito da água e, no âmbito do direito unionista europeu, uma problemática comercial, a do poder de compra face ao novo poder da distribuição. Por fim, no âmbito do direito civil, a problemática da transmissão dos direitos patrimoniais de autor.

2-Não podendo, aqui e agora, reproduzir análises aprofundadas dos vários temas restringindo-me a resumos tópicos dos artigos, para não alongar excessivamente esta sessão e não quebrar a tradição de palavras breves praticadas em sessões anteriores, não deixando de destacar o interesse e a grande qualidade de todos e de constatar o esforço de investigação aqui espelhado por parte dos seus autores.

3-Inicio as minhas considerações por felicitar o diretor da revista SÁ E MELLO, pela cumprida periodicidade semestral, êxito da captação de prestigiadas colaborações, aliás também constatáveis no próprio elenco da comissão científica, pelo caminho de internacionalização que está trilhando E pela sua colocação em todas as nossas maiores bibliotecas jurídicas e on-line.

4-Neste número, começo por referir o artigo de CABRAL DE MONCADA, referindo-se a uma parte, quiçá a mais importante do Projeto de Revisão do nosso CPA, concernente ao procedimento do ato administrativo, em que vem aplaudir esta tão necessária revisão, face à evolução do direito administrativo e das conceções pressupostas pela processualidade jurisdicional que lhe está ligada, adaptações necessárias mas de grande significado, destacando que não há modificações da sua sistematização. Lendo o artigo, não SE pode deixar de se destacar, como aspeto positivo da revisão em curso, uma evolução do pensamento legislativo no sentido de uma conceção realista do direito e portanto, do “papel decisivo do juiz na aplicação do direito ao caso concreto”. Em geral, como também refere o autor, cuja análise cuidada do artigo enriquecerá, independentemente da sorte da reforma legislativa, todos quantos agem na e com a AP, há uma alteração subjacente do pensamento metodológico e há, quanto aos princípios, gerais desde logo a fixação do seu alcance. Na essencial tarefa de aplicação do direito, afastados esquematismo e logicismos formais, vem colocar o juiz “na obrigação de fazer juízos complexos de ponderação”. E não sóos juízes, como os próprios titulares dos órgãos da Administração. Pessoalmente, espero, pois, que uns e outros não voltem a velhos costumes de, apesar de alterações constitucionais ou legislativas, insistirem em seguir por anteriores práticas doutrinais meramente positivistas ou doutrinalmente perdidas, como se as alterações à Constituição e leis não fossem de aplicação por todos a partir da sua vigência, mesmo com eventuais reorientações interpretativas supervenientes, podendo os juízes desconhecer a sua responsabilidade essencial no Estado de Direito, a um tempo primaz na própria vigência social e interpretação actualista desse direito, mas partindo da vontade da representação popular. Infelizmente, vivemos um tempo em que os exemplos são maus, mesmo ao nível da aplicação da normação que devia ser assumida como da consensualidade, a da aplicação do próprio direito constitucional, que, mais do que respeitador de um labor de aplicação de corretas metodologias jurídicas, vai sendo e aparecendo ao grande público como volátil, mais ligada a conjunturais interesses alheios ao direito, que se pretendem livre de amarras, destruidora do Estado constitucional e mesmo em geral do Estado de Direito.

5-JORGE MIRANDA, antigo companheiro de parlamento nacional e da comissão de assuntos constitucionais, doutrinador constitucional, apresenta-nos um conjunto de temas referentes à atividade e jurisprudência do TC, que merecidamente reputa de especial importância.

Atento à dimensão dos casos e matérias por ele referidos, registo termos estado perante um ano especialmente cheio de apreciações em domínios essenciais, que mexem com o Estado constitucional de Direito face à governação resvalante do quadro constitucional e a invocadas distorções da vida partidária e eleitoral. E, sobre o funcionamento e as críticas dos poderes internos e externos que são dirigidas ao TC não deixo de acrescentar uma nota oriunda da ASJP, que afirma o seguinte: tradicionalmente “As suas decisões traduziam um pensamento jurídico-político, em regra aceite pela comunidade, sem sobressaltos e sem grandes discussões teóricas. Cumpria a sua missão, que é simplesmente a de verificar se as leis aprovadas pelo poder político”. Entretanto, setores que pretendem destruir o atual modelo de Estado Constitucional começam a dizer que ou a Constituição ou o TC estao mal, pelo exigindo ou a revisão daquela ou condenando os juízes do Tribunal, pela proclamada “errada” interpretação que fazem da Constituição. Se a questão são as atuais sentenças do TC, a revisão de pouco serviria, tal como a condenação do labor interpretativo não tem sentido, atendendo ao conteúdo dos seus arestos. Não é verdade que as decisões que estão por detrás das críticas se fundam em geral em princípios que são universais e, por isso, consagrados em todas as Constituições pelo mundo fora, valores das modernas sociedades e que resultaram de um longo percurso histórico para pôr fim ao absolutismo e limitar o poder político? Igualdade, segurança jurídica, acesso à justiça, garantias de direito e do processo penal, garantia patrimonial, aplicação de normas fiscais no tempo, eleições e funcionamento dos partidos. O que é que querem mudar?

6-BLANCO DE MORAIS faz uma análise em parte assente no ATC sobre a normação suspensiva de duas componentes da remuneração dos servidores públicos e pensionistas, o subsídio de férias e o subsídio de Natal, inserida no OE ainda em vigor. A sua crítica relaciona-se com a problemática da transfiguração constitucional, apelidando o acórdão de sentença aditiva de revisão constitucional, já de autêntica e ilegítima revisão constitucional, em clara usurpação de poderes soberanos, ao ultrapassar todos os limites de um mero desenvolvimento interpretativo da Constituição. “peculiar sentença”, sem efeitos. Pois apesar da inconstitucionalidade e consequente eliminaçao da norma da ordem jurídica, salvaguardou não só os efeitos inconstitucionais passados da norma enquanto ela atuou (13.º mês, o que podia fazer), como os futuros efeitos (14.º mês, transgredindo duplamente a CRP: não podia, à base do seu poder modelador dos efeitos no tempo, salvaguardar para o futuro a aplicação de uma norma que eliminou de imediato ao declará-la inválida, tal como aliás nem sequer podia efetivar essa pronúncia, mesmo fosse que possível, sem o assentar em razoes concretas muito justificadas.

De facto, quando foi retirado o 14.º mês, não havia, bem ou mal, nenhuma norma em que se fundasse, e um Estado que age sem norma não é Estado de Direito, mas um Estado de ditadura, mesmo que ela resulte não poder político mas do ditado pelo TC. Isto é o que penso, mas não apenas eu. Permita-se-me que refira que esta questão foi debatida na 1.ª Revisão Constitucional de 1982. Se se aceitou que o regime regra da eliminação de efeitos ex tunc pela normal exigência da constatada nulidade da norma em repor tudo na situação original fosse suavizado, não obrigando pontualmente a tal, era porque podiam existir razoes justificadas em relação a efeitos já produzidos, ligadas a eventual complicação-dificuldade de refazer essa situação. De qualquer modo, apnas com base em argumentos de grande excepcionalidade e apenas com assento normativo quanto ao passado. Mas, já a hipótese modeladora de efeitos ainda não produzidos ou seja, atribuição de tal poder em relação efeitos futuros, questão debatida pelo grupo informal de redacção da parte da fiscalização, Margarida Salema, Costa Andrade e eu próprio, foi aí afastada da proposta depois apresentada por mim à Comissão. Isto mesmo o comprovam os trabalhos preparatórios resultantes da respetiva Comissão, de que eu fui aliás vice-presidente e coordenador principal. Um poder expressamente afastado pelo legislador reconstituinte, foi agora exercido pela primeira vez, a latere do texto constitucional aprovado, sem cabimento quanto aos efeitos futuros até ao final do ano de 2012. ¿Sem razão equiparável, face a efeitos que ainda se podem evitar que ocorressem e, aliás, sem nenhuma norma, pois a anterior fica expulsa do ordenamento jurídico, como poderia o poder de revisão constitucional e como pôde o TC fazer produzir efeitos a algo nulo, e já inexistente no ordenamento jurídico? Tal monstruosidade jurídica não a quis o Parlamento. Trinta anos depois qui-la o TC.

7- LÚCIO PIMENTEL LOURENÇO analisa princípios essenciais do direito tributário, na busca incessante de uma doutrinação aprofundada e operativa, na linha da sua já distante, mas magnífica tese doutoral sobre o tema, defendida perante prestigiado júri europeu e merecedora de classificação máxima, como teria de resultar da sua longa experiência na matéria e do labor de investigação que a acompanhou: os macroprincípios do direito tributário; discorrendo depois sobre a ilicitude dos factos e sua relevância tributária, factos tributários constitutivos, sujeitos passivos dos factos ilícitos, a quantificação do rendimento ou matéria coletável e garantias dos contribuintes na tributação dos factos ilícitos. Concluindo que “A tributação dos factos ilícitos é feita nos termos e segundo as regras gerais e especiais previstas para a tributação dos factos lícitos, com a particularidade das questões de prova. A sua “Tributação dos Factos Ilícitos em Portugal” é um texto simultaneamente de grande clareza científica e pedagógica, de que me permito destacar, a análise sempre fundamental das garantias dos contribuintes.

8-IOLANDA VEIGA trata da questão dos offshores face à evasão fiscal das grandes empresas e dos grupos económicos. O processo de globalização convive crescentemente com a erosão das bases fiscais dos Estados face ao fenómeno de concentração de poder económico dos grandes grupos empresariais que vão debilitando o poder decisório e a capacidade funcional dos Estados. De facto, considero a globalização como aliás já por vezes certas práticas europeias, sem regras defensoras dos interesses de todos, admitindo-se dumping social, laboral, fiscal, aceitando os Estados de direito social a destruição dos seus modelos de sociedade avançados para se integrarem na liberdade de circulação empresarial e financeira, de concorrência sem regras niveladas face ao ultraliberalismo vigente, sem exigências justas face aos valores humanos já adquiridos pelas comunidades estatais mais progressistas, e portanto com deslocações empresariais que levam à perda de emprego e de impostos, à desindustrialização e ao empobrecimento de Estados, como o nosso. O interesse do artigo pode medir-se pelas próprias matérias abordadas: os fatores conducentes à evasão fiscal pelas empresas, os métodos mais frequentes usados, tais como preços de transferência e arbitragem fiscal, e avança com análises sobre orientações de combate à fuga e à evasão fiscais, analisando os seus efeitos nefastos, desde logo o da quebra das receitas fiscais e criação de dificuldades pelo lado das receitas para fazer face às tarefas e encargos dos Estados. Tudo, de um modo geral, leva à redução das receitas fiscais em processos de cadeia regressiva, que avançam com deslocalizações primeiro e depois políticas anti-evasivas, de combater ao branqueamento de capitais, às transferências ilícitas de fundos, à criminalidade transnacional e ao terrorismo internacional, e mesmo às diretamente tributárias concebidas para contrariar o fenómeno através de alterações das taxas de tributação em lógicas de concorrência fiscal dos Estados redutora de impostos ou aumentos de impostos sobre os pagadores, o que “agrava as assimetrias sociais e coloca em causa a coesão social”. Urge o desmantelamento dos offshores e o reforço da regulação global neste domínio. A pergunta que todos fazemos é se será possível que os Estados voltem a conseguir construir políticas intervencionistas de regulação e de controlo nacional e intergovernamental? Ou se continuarão a ser vencidos pelos grandes poderes económicos e as teorias liberalizantes que estes souberam impor em geral no mundo universitário das últimas décadas?

9-Ainda o âmbito do direito administrativa, organização administrativa, sobre hierarquia, poder de direção e dever de obediência, HENRIQUE DIAS DA SILVA, em estudo comparativo, trata de, inserido na relação de hierarquia na Administração civil e na Administração militar, enquadrar o regime jurídico do dever de obediência dos subalternos, as relações especiais de poder e ainda diversos aspetos relacionados com os limites imanentes aos direitos fundamentais e restrições a esses direitos. Tirando os tipos de administração horizontal, como a Sueca, que nada tem que ver com a nossa conceção e modelo de raiz napoleónico-prussiana, de hierarquia militar, seguramente que a relação de hierarquia é, como diz o autor, “estruturante para a organização da Administração pública e, em certos moldes, da própria sociedade”.

Como recorda, o poder de direção do governo estende-se à Administração civil e militar, funcionando sobre toda a Administração direta em relação hierárquica após a Revisao Constitucional de 1982, em que -(e peço desculpa..mas a leitura de certos destes artigos…mais do que docente era participante do Legislativo)- tive a honra de ser vice-presidente e principal coordenador dos seus trabalhos, de que resultou a atual redação da Constituição (pois, contrariamente à perceção-opinião generalizada na CS e público, a anterior saída do pacto MFA-Partidos era bem diferente com o poder militar sujeito a si mesmo, fora da sujeição ao poder democrático, e o Poder realmente democrático, bloqueado, tutelado, por estruturas orgânicas ademocráticas); e, após a aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, de Dezembro de 1982, lei a cujo debate e aprovação presidi, estas passaram a funcionar em termos normais em regime democrático, hierarquicamente sujeitas ao governo.

10-FERREIRA MONTE, com o seu “Direito Penal da Sustentabilidade?, entra na problemática da criminalização de atos imputados a pessoas jurídicas, para o que convoca e procura situar a sustentabilidade, não como um fim em si mesmo, mas antes como um metaprincípio, princípio operativo, instrumental, legitimador de certas proibições ou imposições. Para ele, se, no direito penal do ambiente, a ideia de sustentabilidade não se apresenta como resolutória do problema, aparece como um elemento que reforça a solução. Diz: não resolve todos os problemas, na medida em que não pode criminalizar-se toda e qualquer conduta em nome dela. Tal seria como criminalizar toda e qualquer conduta que pusesse em causa a liberdade no paradigma da modernidade. A ideia de sustentabilidade que ele defende significa “solidariedade, bem comum, mas bem comum ao serviço Homem, e não de uma realidade abstrata, muito menos de uma quimera”.

11-SANTOS NEVES reflete sobre o as tensões internacionais relacionadas com a água, os limites do direito internacional nesta matéria e sua capacidade para responder aos desafios atuais em termos de acesso das populações e de controlo das ameaças decorrentes do problema global da água. Trata-se em geral de uma investigação esgotante do tema, em que conclui que a estruturação do direito internacional da água se consolida a partir da década de 60, com a produção de instrumentos de soft law, numa evolução que se orientou para uma abordagem holística em que a água é tida como parte de um ecossistema; abordagem que combina aspetos quantitativos e qualitativos, assente no equilíbrio entre o princípio do uso razoável e equitativo e a obrigação de não causar dano significativo; uma abordagem que passa a incorporar os deveres dos Estados e os direitos dos indivíduos à água. As suas conclusões sobre as implicações da consagração do direito humano à água são especialmente assertivas.

Recordo, aliás, que tal consta também já de textos recentes da ONU, posteriores à Conferência de Istambul de 2009 (Quinto fórum Mundial da água, em Istambul, de 16 a 22 de Março de 2009), que não permitira passar-se do mero reconhecimento da água como uma necessidade humana. Permita-se-me que acescente algo, na vertente não já do DIP mas da problemática portuguesa, dando a minha opinião sobre este aspeto específico do direito ao água como um direito de acesso à agua potável em quantidades e qualidade para poder, segundo as posições e teses da OMS, satisfazer as necessidades do homem (usos humanos vitais de que ninguém pode ser privado), e que está consagrado, em Portugal, na Lei da Água, n.º58/2005, transcrição da respetiva Diretiva Europeia, como um direito ao abastecimento suficiente, fisicamente acessível a um custo acessível de água salubre para as utilizações pessoais e domesticas de cada um.  Falta regular o seu conteúdo concreto, desde logo tendo presente as orientações da OMS de fixação do consumo mínimo vital (20-50L por pessoa) e se possível, consumo ótimo (100-200L), garantido para as zonas urbanas (como, v.g., na Bélgica ou Catalunha). Mas recordo que o BE apresentou precisamente um projeto de lei nesse sentido. O projeto do BE perdeu-se ao apontar e bem para que os grandes grupos ganhadores com o negócio da água e refrigerantes, engarrafadores e distribuidores das grandes cadeias, contribuíssem com uma parcela, mesmo que mínima para os fundos de cobertura dos gastos dos utentes do sistema sem capacidade de pagamento, o que bastou para inquinar o debate às mãos destes grandes interesses, aliás na minha opinião, também distribuidores de plástico que não só de vidro e portanto sujeitos a princípios ambientais como o do poluidor-pagador.  Portugal tem que enquadrar legislativamente a questão da interdição de corte do abastecimento mínimo vital em caso de pobreza e tratar de enquadrar mais justamente escalões mais caros de usos não estritamente necessários à vida, para pagar as deficiência financeiras dos escalões baixos ou gratuitos, cuja fundamentação para evitar abusos deve ser escrutinado por entidades independentes. Prever um abastecimento com isenção de pagamento de faturas por carências económicas, verificadas pelos Municípios, segurança social, tribunais ou entidade administrativa independente. Compensável com taxas superiores ao custo da água para gastos superiores aos níveis normais, supérfluos ou alheios ao consumo humano (jardins, piscinas, etc.) e em atividades económicas. De acordo com o número de pessoas do agregado familiar. O princípio geral orientador seria uma taxa progressiva em função do consumo, sem prejuízo de se garantir sempre um acesso residencial tendo presente a situação económico-social das pessoas que deixem de pagar, na linha já prevista em geral pelo Decreto-Lei n.º97/2008, de 11 de Junho (isenções de pagamento da TRH definidas no n.º6 do art.º 7.º, n.º6 do art.º8.º, n.º6 do art.º10.º e n.º4 do art.º 11.º), com a criação de fundos municipais de compensação, para não fazer perigar a sustentabilidade financeira do sistema. Não se trata de una teorização justificativa em termos de perequação no sentido do sistema do planeamento urbanístico. Aqui, tudo é público, a água e o seu abastecimento. Trata-se, antes, de um direito natural de realização positiva pública e de uma compensação intra-sistémica. E, se financeiramente ainda necessário, adicionada a outra solução extra-sistémica, em cumprimento do princípio de que quem utiliza cone lucro bens públicos, e aliás com custes ambientais (v.g., resultante do negocio privado altamente lucrativo de engarrafamento de águas, minerais ou não, e faz comércio de bebidas em geral com recurso à agua), deve ajudar a dotar um fundo com uma lógica de solidariedade nacional, para apoiar as situações municipais de défice mais complexas, nos municípios em que os níveis de consumo com taxas mais altas não tenham o volume compensador para as quantidades facultadas sem pagamento. Com uma percentagem, que mesmo que simbólica isoladamente, será de grande significado final no volume de receitas financeiras. Trata-se de um tema que temos seguido, nos últimos anos, e sobre o qual existem estudos nossos dispersos, em livros e atas de Congressos, designadamente publicados pela Editora La Ley, em 2012, e na Revista Monfragüe, em 2013, revista científica na área, quer analisando o antigo e o novo direito português da água quer a problemática das consequências atirar da sua consagração como direito humano, com reflexões a partir de normações universais, unionistas europeias e nacionais. E, neste campo, não termino estas considerações a latere sem registar recentemente o início de uma mudança na conceção de parte de responsáveis portugueses sobre este bem, tal como resulta de um estudo da Administração da Região Hidrográfica do Norte, que, embora sem tomar partido sobre a natureza da garantia mínima de acesso à água, referindo-a ainda e apenas como uma “necessidade básica essencial à vida”, mas -constatando situações crescentes, na actual situação de crise económica. de famílias em “risco de exclusão social, facto agravado com a necessidade de aumento de tarifas”-, não deixa de defender a definição de uma tarifa de custo reduzido ou mesmo gratuita (sem corte de fornecimento de água por não pagamento, apontando soluções alternativas os conjugadas, algumas que nós mesmos há muito defendemos, tais como a generalização de tarifas sociais e tarifários progressivos por blocos, redução de perdas de água no sistema distribuidor que hoje implicam custosa crescidos para os consumidores que as pagam; além de outras soluções que aponta, tais como assistência direta ao rendimento com atribuição pública ou por entidades particulares de solidariedade social através de vouchers para serviços de água ou compensado com subsídios oriundos de orçamentos municipais, novos instrumentos de gestão e procura de água, eventualmente com tarifas sazonais). Em causa neste estudo da ARHN, citando o exemplo da Bélgica, a questão central da garantia aos consumidores domésticos economicamente carentes de um consumo mínimo de água, o que se traduz desde logo, pelo menos, na não aplicação da tarifa única nos consumos mais baixos (“Acessibilidade económica aos serviços de água e saneamento na Região Norte”, in Público, de 28.11.2013, p.17 (Local). Termino este breve comentário, não sem referir que, com este artigo, Direito Internacional da Água e conflitualidade internacional: implicações do reconhecimento da água como direito humano, o autor realmente coloca a revista no debate de um grande tema e da polémica que ele tem gerado na atualidade.

12-MARIA DE FÁTIMA MENDES aborda a questão das práticas comerciais na Europa. O seu tema centra-se nas consequências económicas da emergência e consolidação do poder de compra por parte da distribuição moderna, que (com alterações recentes resultantes de formas inovadoras, tanto ao nível da organização como ao nível da tecnologia), trás novos desafios aos Estados e à UE. Estas inovações na distribuição têm contribuído muito para a alteração da correlação de forças entre a produção e a distribuição, permitindo a esta impor condições aos produtores nas relações comerciais.

Após apontar algumas notas conclusivas da autora neste seu excelente estudo, permitam-me que refira que, no atual cenário de crise, as atividades económicas na União Europeia geram a necessidade de as autoridades da concorrência tomarem em consideração questões de política industrial e social no momento da aplicação das regras da concorrência, suscitando novamente o debate acerca do tipo de benefício apto a ultrapassar os efeitos anti concorrenciais das condutas privadas. Em verdade, em causa estarão interesses públicos ligados ao mercado como instituição, mais do que meros interesses interempresariais ligados à problemática da concorrência desleal em sentido técnico jurídico. Como escrevi algures, estamos perante a problemática da reflexão inovadora sobre o direito público da concorrência, nacional e europeu. E o repto não é fácil, pois se os desafios colocados são grandes, o tabuleiro do jogo está viciado por ideologias económicas favoráveis às lógicas dos grandes interesses, que são todos os ganhadores destes últimos trinta anos de desregulação, concorrência cega e exorbitante capitalismo financeiro com que jogam não só o sistema bancário e financeiro, como o próprio comércio, designadamente as grandes empresas retalhistas. As políticas económicas dominantes ligaram às ideias de que a livre concorrência se afirma autonomamente em benefício geral, na lógica da organização económica, desde que o Estado não interfira ou interfira ao mínimo. Segundo o liberalismo económico, os mecanismos económicos do mercado são por si autorreguladores, estabelecendo os melhores princípios de organização, através do simples incentivo do lucro individual e o estímulo de concorrência que tal implica, com acumulação indefinida do capital. Estamos face ao dogma falso de que qualquer dificuldade colocada ao natural funcionamento do mercado impede correções normais, provocando distorções entre a oferta e a procura, de que a crise seria consequência. Recusa qualquer processo de racionalização da intervenção pública na economia, pois afirma que o Estado nunca está suficientemente informado,tendo por isso menor eficiência que o mercado. E diviniza a concorrência (v.g., A Rota da Servidão do jurista checo-austríaco Frederick Augusto Hayek). Transforma a “mão invisível” de Smith em “ganho invisível” (basta ler O Milagre da Justiça Social, 1976 do mesmo guru do neoliberalismo). Repetindo Smith, defende que “na ordem do mercado, cada um é levado pelo ganho que lhe é visível a servir as necessidades que lhe são invisíveis”. A divinização do mercado, que acabaria por ir de novo vencendo nos últimos tempos como pensamento único, nos partidos -mais à esquerda ou à direita- dos arcos das governações dos vários países (em vez do anterior “consenso social-democrata”, do New Deal, do Estado Social, desde os partidos socialistas, sociais-democratas e democratas cristãos das democracias do pós-guerra). A defesa da concorrência implica o uso do poder administrativo. O direito interno da concorrência deve ser realmente um dos eixos da política estatal sobre os mercados nacionais, traduzido numa intervenção normativa que limita estruturalmente a liberdade de empresa, para defender o mercado como instituição. O objetivo do direito de defesa da concorrência é permitir que o mercado funcione eficientemente em termos globais. Com efeito, ele tem visado defender o interesse público mas através da promoção da existência de condições de funcionamento do mercado, na perspetiva do produto e do ponto de vista geográfico. Em causa, entendida correctamente, está a existência de um verdadeiro mercado como bem público, no qual possam concorrer os atuais operadores económicos (que o concretizam no exercício da sua liberdade de empresa), os futuros iniciadores empresariais, os fornecedores de subprodutos, os consumidores e os usuários, ou seja, a coletividade em geral. Não se pode deixar de concordar inteiramente com a autora quando afirma que o direito da concorrência unionista está essencialmente pensado para “controlar o poder de mercado dos produtores”. E portanto defende que ele dificilmente se adapta ao atual “sistema de relações em que o poder se concentra a jusante do sistema produtivo”. E conclui que face aos enquadramentos legais nacionais fragmentados e à existência de mecanismos de resposta díspares nos Estados da EU, importa criar um diferente direito supranacional. E, em concreto, analisando as medidas do recente Livro Verde da Comissão Europeia, não deixa de referir que lhe faltam desde logo medidas importantes, tais como a problemática da marca do distribuidor. 

13-MARIA SERRANO FERNÁNDEZ escreve acerca da transmissão inter vivos dos Direitos de Autor, dos direitos de exploração da obra. É um estudo comparativo dos princípios subjacentes à regulação das cedências dos direitos patrimoniais que cabem aos autores nos direitos espanhol, alemão e português. Os países membros da União Europeia tiveram que incorporar as normas adotadas pela União, mas, como consta a autora, tal não implicou uma regulação uniforme: o processo de transcrição das orientações europeias não foi idêntico e não afetou substancialmente a matéria. Contrariamente ao espectável, os Direitos de Autor alemão e português no âmbito dos regimes das transmissões inter vivos dos direitos patrimoniais não são muito semelhantes ao espanhol. Mostra importantes diferenças nas legislações destes países, que ela aborda com rigor nomocrático ao longo do artigo.

Este estudo é muito interessante pela análise comparativa, cuja leitura é útil para todos que publicam cá como lá fora, como é o nosso caso enquanto docentes investigadores. Eu próprio, face a longa carreira de ensino, já sou velho, não se admirarão que já tenha publicado sobre o tema, em estudo desenvolvido sobre toda a legislação, hoje inserido no capítulo IX, referente precisamente aos direitos de autor em geral e no domínio da CS, do meu livro Direito da Comunicação Social, publicado pela Almedina. Como então escrevi, no direito português, de facto, ao autor cabe um amplo direito de autorizar a fruição, utilização, transformação, modificação e exploração económica da obra por parte de terceiro, total ou parcialmente, a título oneroso ou gratuito, em geral o de dispor dos direitos patrimoniais sobre a obra. Não deixo de referir que, entre as suas faculdades, ele detém o poder exclusivo de fruir ou utilizar a obra, embora sem prejuízo das situações originárias de obras não protegidas, obras caídas no domínio público, obras protegidas de utilização livre, isto é sem necessidade de autorização (curtos fragmen­tos, citações ou resumos, etc., embora nalguns casos com direito a uma remuneração) e obras sujeitas a mera autorização de utilização (que não implica a transmissão de direitos patrimoniais, só podendo tal utilização ser efetivada dentro dos limites, condições e fins expressamente acordados esujeita a requisitos estritos de validade). As faculdades patrimoniais traduzem-se na possibilidade de o seu titular a divulgar, publicar e, em geral, a explorar economicamente a obra, por qualquer forma, ou seja, diretamente ou por terceiro, através de uma simples autorização ou de transmissão de direitos, em termos totais ou parciais, sendo certo que os modos de exploração da obra são independentes entre si. Quanto ao regime de transmissão do conteúdo patrimonial da obra, o titular originário dos direitos de autor pode ceder a outrem os seus direitos patrimoniais e para operar essa cessão, há ao seu dispor várias técnicas jurídicas, das quais as duas usadas em termos mais correntes são a autorização de utilização (total ou parcial, tempo­rária ou definitiva, dada em forma escrita e em termos limitados e não exclusivos, que se presume onerosa) e a transmissão dos direitos patrimoniais. Mas o conteúdo dos contratos não é inteiramente livre, havendo limitações resultantes da tipicidade dos direitos de autor.

14-TROVÃO DO ROSÁRIO aborda o mandado europeu de detenção, considerando insuficiente o atual Tratado da União Europeia. Chama à reflexão a recente experiência política na Hungria, num processo paulatino tendente à consolidação do poder no órgão executivo, à restrição dos direitos e liberdades individuais e ao enfraquecimento da ordem democrática. Com o Parlamento a aprovar regras para limitação dos direitos humanos, situação em que a Europa se demite de agir ao não poder impor um efetivo respeito pelos direitos humanos. O autor, sobre as regras do mandado de detenção europeu, critica justamente o facto de não se prever no articulado normativa a não execução de um mandado por não respeito dos direitos fundamentais, apesar do seu tratamento nos considerandos, sempre de relevância relativa. Por isso, conclui que as leis internas de transposição deverão consagrar como motivo de recusa de entrega a verificação do não-respeito desses direitos fundamentais e princípios jurídicos fundamentais. E constata mesmo que o legislador português não recorre a esta cláusula de salvaguarda, não impondo desde logo o necessário respeito pelas exigências da CEDH, que como sabemos é ius cogens e aliás foi ratificada por nós em 1978, defende (perante a onda de retrocessos que se vai verificando, noutros espaços, mas também no quadro europeu, crescentemente securitários), que é necessário intensificar, na nossa legislação, a efetiva salvaguarda em geral dos direitos fundamentais.

15-ADIL ELAABD trata da temporalidade, da celeridade do processo penal. Desde logo, no quadro de uma justiça equitativa, justa, as instâncias de instrução e jurisdições devem decidir num prazo razoável, conforme estipula a CEDH, que nos obriga. E também o Pacto Internacional de 1966, relativo aos direitos civis e políticos, que refere o direito, em total igualdade, pelo menos às garantias de um julgamento sem excessivo atraso. E recorda o pensamento de Becária, sempre atual sobre a questão dos prazos de perseguição criminal e referia que logo que reconhecida a validade das provas e a existência do crime devidamente constatada, importa permitir ao acusado os meios e to tempo convenientes para se defender, o que cabe ao legislador, embora ele deva ser o mais curo possível para não atrasar muito o castigo, que deve seguir de perto a prática do crime, sem o que não será um freio útil contra os criminosos. Aliás, refere o autor, uma condenação tardia apresenta o risco de erros judiciários e de injustiças pelo facto da fragilidade dos elementos de prova de culpabilidade e do desaparecimento dos meios de defesa, sem o que o processo não será equitativo. E também o ficar muito tempo sob o cutelo de uma acusação penal pode traduzir um atentado à dignidade humana, provocando perturbações psicológicos e fisiológicos, ao deixar o presumível culpado na incerteza, prolongando desnecessariamente o seu sofrimento, sendo certo que, num Estado de Direito, qualquer pessoa se presume inocente até prova em contrário.

16-TERESA LUSO SOARES, sobre o crime de lesa-majestade humana na legislação portuguesa, apresenta longa e aprofundada investigação histórica desde as Leis da Cúria de 1211 até à Carta de Lei de 25 de maio de 1773, em que a avocaçao do ius puniendi pelo poder político preta relevante desempenho ao desenvolvimento e à paz interna dos povos, acabando assim com as antigas modalidades de autodefesa que vigoram nos primeiros tempos da Idade Média. Situando a sua importância história, este artigo ajuda-nos a perceber as razoes que permitiram o grande avanço que foi a rejeição do poder auto-punitivo, mas não deixa de nos colocar perante conceções extremamente chocantes, na relação da subjetividade inculpadora, que chegava a filhos e netos inocentes, e nos aspetos referentes às penas concretas e dos métodos de castigo.

17-Em artigo de SELMA SANTANA E RAFAEL CRUZ BANDEIRA discorre-se sobre a Justiça Restaurativa, analisando questões tais como a Busca da congruência no discurso punitivo estatal, a Efetivação dos Direitos Fundamentais pela via da Justiça Restaurativa e o caráter argumentativo do Direito, o Discurso jurídico e Justiça Restaurativa, A legitimidade do Acordo Argumentado e Justiça Restaurativa: o exemplo a ser seguido do acordo através do discurso jurídico e da argumentação. Portanto uma análise orientada pela procura da legitimação da punição estatal e da redução de seus paradoxos sob ótica de teoria da argumentação.Como ela resume o seu pensamento, “Um dos principais problemas do Direito Penal, decorrente de seus efeitos práticos e criminológicos”, a crise de legitimidade, encontra na teoria da argumentação um caminho legitimador do Direito, “quer seja no campo das normas quer no da decisão; “pela via discursiva, argumenta-se racionalmente para chegar a uma solução igualmente racional, com pretensão de verdade”, visando “solucionar conflitos e minimizar essa crise de legitimidade do Direito Penal com a tentativa de obtenção de um “acordo pela via argumentativa entre as partes”, assim fazendo com que a Justiça Restaurativa venha “angariando relevância doutrinária e prática como solução tópica de atuação do Estado em seara penal, com pretensão de ser sistematicamente incorporada por uma política criminal”, que ela conclui ser “ainda insipiente no Brasil”. Segundo ela, “Tal forma de solução dos conflitos” utiliza a tentativa de acordo, por via argumentativo-discursiva, para influenciar a “controvérsia tipicamente penal”, de modo que, no Direito Penal, se adaptam e se complementam o discurso punitivo estatal com o uso da Justiça Restaurativa e soluções consensuais argumentadas.

Este artigo permitiu-me aprender mais sobre a evolução da reflexão filosófica nesta área jurídica em que a minha intuição, sensibilizada por contactos com especialistas ao nível do Conselho da Europa me despertar quando docente de criminologia. Sobre a criminalização das condutas, pessoalmente, entendo que a ideia de justiça não implica realmente apenas a elaboração de lei justa pelo legislador ou a afirmação da aplicação da lei existente pelo julgador, porque a «lei real», a aplicada, não é a feita pelo legislador, mas a dita pelo aplicador, e por isso a questão geral da sua aplicação ou da reorientação para condutas não desviantes e não apenas o controlo da sua aplicação, é algo de fundamental, mais fundamental até do que o controlo da sua produção. E, em democracia, mesmo na defesa da lei aplicanda e aplicada, não pode descansar-se no sistema de duplicação do julgador das instâncias oficiais, sistemas de recurso nem descansar-se apenas no sistema de processos e tribunais, roubando de todo este controlo e superação aos cidadãos e aos próprios implicados. Quantas vezes, mesmo após o processo histórico de contestação da hipercriminalizaçao e consequente descriminalizaçao legal de muitas condutas, eu continuei a interrogar-me sobre o porquê desta centralidade e tantas vezes ineficácia das instâncias sociais de controlo. Para que tanta criminalização e tantos processos? O tradicional operador primário da seleção e controlo da delinquência é o legislador, a lei, mas importa estar atento nesta matéria ao movimento crescente de defesa da comutação de sanções por medidas alternativas, tema sobre o qual para uma editora brasileira estou a escrever numa obra coletiva internacional no âmbito do direito do ambiente. Precisamos de uma atitude cultural de eliminação da crença de que os medos coletivos, quando não apenas os interesses das classes dominantes, se combatem pelas figuras do crime e do cárcere. Sobre isto muito nos ensinou HULSMAN, o maior pensador penal do século XX, aceite-se ou não a suas tese, tais como a da substituição d conceito de crime pelo de situação-problema (no seu manifesto Peines Perdus, de 1982), e o fim da prisão por controlo social, alheio à ideia tradicional de sanção criminal e do dialeto penal, pois o sistema penal em si não é necessário nem bom, produzindo sofrimentos, ampliando desigualdades, roubando os conflitos aos implicados. A questao mais moderada embora, será: Não será preferível uma solução intermédia contra o dialeto criminalizador e o repousante discurso descriminalizador, pela abolição significativa do sistema hiperbolizador da penalização dos desvios sociais? Tanto crime, tanto criminoso, tanta ameaça de sanção detentiva e tanto facto penalmente sujeito, a tanta cifra negra, resultante do efeito de funil e da mortalidade dos casos ao longo do sistema formal de controlo. Quanta ineficácia de um sistema que, por ter mais olhos que barriga, depois nem para o essencial funciona. Quanta delegitimação da lei, dos agentes de investigação e do sistema!