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SobreDescentralização Administrativa do Continente

SobreDescentralização Administrativa do Continente

TEMAS POLITOLÓGICO-ADMINISTRATIVOS
Descentralização Administrativa do Continente. Pelas Regiões Autárquicas. Pelo reforço do Poder Local em geral.
Fernando Condesso
 
"Há que referir o facto destas estruturas regionais intermédias de poder, existentes na generalidade dos Estados europeus desenvolvidos, como a Bélgica, a Holanda e a Dinamarca, terem, em média, menor área e menos população do que deverão ter as futuras regiões administrativas de Portugal.
Há que avançar no modelo de Administração regionalizada no Continente, embora sem poder político ou legislativo, criando-se apenas as regiões autárquicas ou administrativas previstas na CRP. Razões suficientes para isso existem.
A questão a colocar tem que ver com a correção do processo de as efetivar.
 
Entre as tarefas a desempenhar por elas, para além obrigatoriamente da direção de serviços públicos e tarefas de coordenação e apoio à ação dos municípios e elaboração dos planos regionais assim como a participação na elaboração dos planos nacionais, há que acrescentar-se o já disposto na vigente Lei-Quadro da Regionalização Administrativa aprovada pro unanimidade em 1991. A composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, tal como resulta desta lei vigente embora ainda não concretizada, são a assembleia regional e a junta regional.
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Quanto ao processo concretizador, ou seja, ao processo de criação das regiões autárquicas, no futuro a desencadear para cumprir a Constituição, importa, ainda acrescentar que há que partir da reflexão sobre os erros do anterior processo regionalizador, ligado a um mapa pré-fabricado pelos poderes centrais em Lisboa, mapa artificial anacrónico e distante das solidariedades funcionais e relacionais historicamente construídas, e à não clarificação de outras questões que apareciam como dotadas de incerteza total, cujo método resolutivo um tal referendo não clarificava.
Por isso, o procedimento futuro, para não afrontar os cidadãos e poder traduzir o apoio à regionalização, deverá seguir um caminho inverso, com um referendo em que os cidadãos não se limitem a sufragar soluções preconcebidas de modo iluminado, mas um referendo desencadeador do processo e balizador dos termos em que o mesmo se conformará.
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Há que criar uma flexibilização do texto constitucional, sem que ele continue a impor à partida nenhuma solução de fundo, a qual deve ser remetida para uma formulação evolutiva a partir da realidade atual do associativismo territorial resultante da aplicação das atuais leis que o regem, e que se processe fortemente em termos permanentemente enformados e condicionados à vontade popular e dos seus órgãos representativos de base.
O que exige, portanto uma modificação procedimental radical, em ordem à construção de um processo from below.
Tal como nos opomos a um processo de regionalização, partindo dos comandos constitucionalizados, que são irrealistas e manobráveis pelos interesses dos partidos instalados, à revelai do querer das populações respetivas, como o demonstrou o anterior processo de 1988.
Tudo regras concebidos para bloquear ou desvirtuar em geral o processo.
Tal como a exigência de as regiões administrativas só poderem ser criadas em simultâneo por uma “única” lei, a qual tem de definir os respetivos poderes.
Tal como a imposição da previsão constitucional da «instituição em concreto das regiões administrativas, que tem de partir de uma inicial aprovação da lei de instituição de cada uma delas, dependente da lei de criação simultânea de todas, exigindo ainda o duplo voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores, em consulta direta, com uma pergunta de alcance nacional e outra relativa a cada área regional criada na lei.
O método constitucionalizado foi totalmente rejeitado em referendo.
Este demonstrou que os cidadãos não só não querem, nem em si mesma, nem nos seus parâmetros temporais e mapas de divisão territorial, uma regionalização decidida de cima para baixo. Ou seja, imposta segundo a vontade dos partidos nacionais e órgãos de soberania que seus dirigentes dominam.
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Os cidadãos pretendem, antes, uma proposição definidora, com clareza, do processo «democrático» de solução das questões polémicas, como a escolha das capitais regionais, em que as populações receiam a influência impositiva dos partidos, à revelia da vontade popular.
Impõe-se a definição prévia de um método para a formulação do mapa e para a escolha das capitais.
A regionalização só será aceite se esse processo garantir a participação decisiva da população e a livre opção dos seus organismos autárquicos, antes de uma aprovação final pelo Parlamento. Admite-se o estabelecimento de diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma das regiões autárquicas. Tal não ofereceu senão um método em que os cidadãos foram referendar o mapa escolhido pelos partidos dominantes e, posteriormente, se o fizessem favoravelmente, depois teriam de se sujeitar à escolha da capital imposta pelos partidos ou outras forças, sem um pré-estabelecido método transparente, claramente participado e aceite, que garantisse as melhores soluções para o interesse geral das regiões e forte adesão livre dos envolvidos.
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Neste plano da sua concretização, poderia seguir-se uma de duas vias alternativas, quer quanto ao desenho territorial, quer quanto ao processo construtivo, ambas acabando evolutivamente e vantajosamente com as comunidades Intermunicipais. Ou seja, qualquer uma delas acaba, ou logo ou a prazo, com as atuais, dispendiosas e infuncionais Comunidades Intermunipais e com as duas Áreas Metropolitanas, de Lisboa e do Porto.
Uma hipótese de processo de regionalização segundo o método funcional, de base histórico-funcional, em termos de uma macroregionalização, a mais simples e rápida, passaria por trocar simplesmente as nomeações para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional por eleições dos seus órgãos, a dotar dos poderes constantes da vigente, nunca revogada nem constitucionalmente revogável, Lei-Quadro da Regionalização Administrativa (Autárquica, integrada constitucionalmente no Poder Local).
Portanto, nesta macrosolução, teríamos 5 Regiões (ou eventualmente 7, se se destacarem as AML e AMP). Teríamos as Regiões Administrativas do Porto ou Norte, Coimbra ou Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve (ou eventualmente mais duas, as restantes do destacamento das AMP e AML).
Começar-se-ia, nesta opção, por manter as atuais CCDR, estruturas com grande experiência de cooperação com os municípios. Atribuindo-lhes também outras tarefas tidas por adequadas para o nível territorial em causa, a acertar em diálogo com o Poder municipal. Dando-lhes, no entanto, representatividade popular, fazendo que os futuros dirigentes das “Comissões de Coordenação Regionais” de natureza executiva sejam eleitos, em vez de nomeados pelo Governo. E, para já, constituindo-se, em cada uma, Assembleias de Coordenação Regional à base dos dirigentes das atuais CIM e AM ou, inexistindo, dos Presidentes das Câmaras Municipais locais, modelo a alterar posteriormente com Assembleias Regionais eleitas, como prevê a LQRA de 1991e a CRP.
A outra hipótese seria de concentração paulatina, por processo deliberativo intermunicipal, até se atingir a dimensão territorial-populacional tida legalmente como funcionalmente adequada, com aplicação, no final, da vigente Lei-Quadro das Regiões Administrativas, no plano das atribuições e da organização.
Esta hipótese passa por, de imediato, mesmo que transitoriamente, e colhendo experiências das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), Áreas Metropolitanas e Comunidades Intermunicipais, fazer vencer a ideia da admissibilidade (por hipótese) de uma regionalização de âmbitos territoriais mais restritos (eventualmente as correspondentes a CCDR, mas não necessariamente, admitindo v.g., territórios menores sobrepostos às NUT3 com relativa concentração destas).
De qualquer modo, não é desejável que o processo termine por um número e dimensão tao pequena que lhes retire dimensão funcional adequada para o bem exercício das tarefas cometidas, mas nesta hipótese tudo dependeria da dinâmica voluntarística final das populações e propositiva dos seus poderes municipais implicados).
Em causa, numa via pragmática evolutiva, from below, a partir das recentes associações intermunicipais (eventualmente, com o fim da exigência de sua criação simultânea). Iniciando-se assim um processo paulatino e consensual da sua concentração, até atingir uma dimensão territorial-funcional adequada, altura em que se passaria ao exercícios das tarefas e à adoção do modelo representativo direto, ou seja, à eleição dos seus órgãos e exercício de tarefas nos termos da Lei-Quadro já existente (ou a rever).
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Seja como for, as regiões administrativas, a criar em Portugal, por previsão constitucional, devem constituir autarquias locais (e não micro-associações de poderes delegados pelo Estado), de nível intermédio entre o Estado e os municípios, vocacionadas para intervir ao nível do planeamento e da definição das prioridades de atuação do sector público em cada uma das regiões e de apoio os municípios.
A regionalização deverá pois, procurar criar capacidades adicionais de intervenção nos espaços regionalmente partilhados, promovendo a solidariedade e a cooperação entre municípios e entre regiões, evitando o egocentrismo da lógica da capitalidade nacional e dos municípios, contribuindo, assim, desta forma para a coesão e a coerência nacionais. E o aproximar as estruturas e polos de decisão administrativa dos cidadãos deve ser outra das metas a atingir pela regionalização.
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No plano das relações de poder entre Estado e os municípios, tendo presente que os poderes tidos como exclusivos destes pode erodir-se pela via legislativa material, defendemos a instauração em geral do princípio da interadministratividade, em que cada nível de entidade decidirá conforme o interesses dominante e melhor colocação ponderativa mas sempre com audição das entidades de governos dos outros níveis, na linha da solução legislativa alemã e da subjacente doutrina burmeisteriana.
A autonomia deve traduzir-se num direito à intervenção em qualquer matéria que afete a comunidade local, independentemente de ter ou não dimensão supramunicipal, recaindo sobre o legislador a obrigação de prever legalmente as atribuições necessárias ao desempenho da atividade em todas as matérias em que exista um interesse da coletividade local.
A medida do interesse territorial deve ser o critério definidor da responsabilidade direta de decidir. Uma matéria interessando exclusivamente a comunidade local implica poderes decisórios exclusivos. Mas a concorrência vertical de interesses de mais de uma comunidade territorial, designadamente da comunidade nacional, exige uma definição de poderes segundo a sua importância relativa. Devendo, então, decidir quem tiver interesse predominante. A confusão de interesses implica uma articulação de poderes segundo uma solução discricionária que tenha em conta as razões de mérito relativo dos níveis decisores em presença. E a confusão de interesses de intensidade semelhante implica uma solução perequativa de distribuição de poderes, através de fórmulas integradoras ou cooperativas.
A autonomia das Administrações territoriais infra-estatais deve deixar de ser entendida como uma garantia institucional da titularidade de atribuições exclusivas da autarquia e portanto excludentes do escalão administrativo superior em certos assuntos considerados como locais.
A Constituição não contempla o regime local como uma matéria compacta e homogénea para efeitos de imposição de atribuições exclusivas. Reserva exclusivamente para o Estado as bases do regime jurídico das Administrações Públicas e, portanto, também da local. Deve interpretar-se como tal o regime orgânico e funcional destes entes, mas cabendo ao legislador sectorialmente distribuir pelos diferentes entes, as atribuições materiais em cada momento reguladoras da disciplina da matéria, segundo o critério da predominância dos interesses.
O conceito de autonomia ou de autoadministração deve levar a conceber-se a garantia institucional de autonomia como um direito dos municípios a serem investidos com plenos poderes executivos para o cumprimento de assuntos públicos, nos assuntos da comunidade local.Mas como as populações são as mesmas quaisquer que seja o nível de poderes da entidade territorial, embora uns devam decidir, todos os outros dirigentes de outros níveis de poder territorial devem pronunciar-se antes das decisões. Com isto as autarquias garantem voz mesmo em assuntos em que o Estado, pela via erosiva da legislativa ou financeira, as quisesse despir de poderes. E não impede, pelo contrário aconselha, manter-se uma cláusula geral de competências em assuntos locais.
É necessário proceder a uma revisão do sistema de receitas dos municípios, para evitar quer a corrução, quer bancarrotas, quer a proliferação de soluções urbanísticas prejudiciais ao ordenamento do território e ao ambiente urbano e natural."