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TEORIA DAS FONTES DE DIREITO

TEORIA DAS FONTES DE DIREITO

LIÇõES DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 

Tema da aula:

TEORIA DAS FONTES: NOMOLOGIA, PLURALIDADE DAS FONTES DE CRIAÇÃO DO DIREITO E SUA HIERARQUIA

1.CONSIDERAÇÕES GERAIS

 

O direito vigente, na nossa ordem jurídica, é integrado não só por normas de produção nacional, mas também, em grande medida, por normas de direito oriundas da Comunidade Internacional, de âmbito geral, regional ou bilateral, e de Direito Comunitário Europeu ou Direito da União Europeia, oriundo das Instituições Europeias (dotadas de tarefas constantes dos Tratados e de poderes multimateriais de natureza para-estatal, que lhes foram afectadas por atribuição directa ou com base em cláusula de ampliação evolutiva), ou mesmo normas e decisões de Instituições de organizações internacionais clássicas, dotadas de atribuições especificadas, criadas em Tratados, celebrados pelos Estados ou pela celebrados pela União Europeia, nos termos do direito internacional, e cuja aplicação, em caso de divergência reguladora, têm primazia sobre quaisquer normas de fonte nacional (princípio do primado do Direito Internacional e do Direito da União Europeia ou Direito Comunitário Europeu).

 

O Direito da União Europeia contém quer normas sobre a organização e os poderes das Instituições e de outros órgãos da União, quer normas referentes a sociedades europeias e outras de direito privado, devendo, de qualquer modo, reconhecer-se que elas são, na sua esmagadora maioria, pela sua importância e volume, normas de direito administrativo (quer de administrativo geral, quer de vários ramos de direito administrativo especial).

 

Por tudo isto e tendo presente essa importância quantitativa e qualitativa, tanto em domínios substantivos como procedimentais e jurisdicionais, do direito oriundo das Instituições da União, sendo o Estado português um Estado unionista europeu, sujeito à nomogénese comunitária europeia, em processo «aberto» à contínua unificação europeia[1], a teoria das suas fontes é matéria extremamente importante no estudo do direito português.

Estamos perante face a uma temática que as revisões constitucionais (embora o tema as ultrapasse, dado que a sua solução não é de direito positivo, mas de ciência jurídica) têm procurado enquadrar, nos n.º 6 do artigo 7.º e n.º 3 e 4 do artigo 8.º [2].

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Com efeito, Portugal é membro da Sociedade Internacional e da União Europeia, encontrando-se as suas autoridades legislativas e administrativas, enquanto Administração indirecta da União, e tribunais obrigados a aplicar o direito comunitário europeu.

Por isso, além da afirmação inicial da existência do primado do direito comunitário, designadamente dos princípios de direito administrativo geral, designadamente procedimental comunitário, sobre qualquer norma de direito interno, importa tecer algumas considerações gerais quer sobre a nomologia comunitária quer a justinternacional

 

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Começamos por referir que também se integram neste direito de aplicação obrigatória por todas as entidades do Estado e cidadãos as normas de direito internacional, de aplicação ligada à cláusula da recepção plena, e também afastando a aplicação de normas de fonte nacional incompatíveis (princípio do monismo com primado do direito internacional e n.º 1º e 2.º do artigo 8.º da CRP).

Estas afirmações levam-nos a tratar, nesta altura, da nomologia em geral, dado que, numa Administração nomocrática, subordinada não só aos legisladores internos mas também aos supra-nacionais e ao direito internacional, ganha grande importância a questão da identificação e hierarquização das fontes globais do direito que aplicável em Portugal.

 

Vamos fazer breves referências, quer ao DIP e especialmente ao jus cogens internacional, quer ao direito da União Europeia (o direito originário: convencional, cuja fonte está nas normas dos tratados e, em breve, Tratado Único de Lisboa; o direito derivado: institucional, cuja fonte está em normas e actos jurídicos produzidos pelos órgãos cimeiros, de natureza para estatal, as chamadas Instituições da União; e o direito complementar: também convencional constante das normas de tratados celebrados pela União com estados terceiros, estritamente nos termos das Convenções de Viena do Direitos dos Tratados).

 

Depois, uma referência, em geral recapitulativa de matéria tida como dada noutras cadeiras, às normas da Constituição, desde as normas directamente aplicáveis e exequíveis por si mesmas; normas não exequíveis por si mesmas e normas programáticas), interpretação sobre o enquadramento do DIP em geral e do DUE (artigo 8.º da CRP), leis ordinárias de valor reforçado geral e específico, leis ordinárias, regulamentos estaduais (decreto regulamentar, resolução, portaria e despacho normativo, etc.) e infra-estaduais, costume, jurisprudência e doutrina.

 

 


 

 

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Qualquer ramo do direito tem, em geral, as mesmas espécies de fontes, sem prejuízo de poder haver fontes específicas de alguns desses ramos, que não são comuns na generalidade a outros ramos do direito, aplicando-se-lhe a cada ramo os mesmos princípios que, cientificamente, se construam, em geral, em sede da teoria nomocrática.

Mas, tudo isto, portanto, como referimos, sem prejuízo de, por um lado, como é frequente em outros sectores da normatividade, se dever constatar especialidades, que dão especial significado a certos tipos de actos enquadráveis no regime das fontes (com influência no campo da determinação das normas aplicáveis e do especial sentido a atribuir-lhes) e, por outro, depararmos também, por vezes, com certos tipos de fontes com especial importância, como acontece, por exemplo, com os princípios de aplicação à actividade administrativa em geral, em gestão pública ou em gestão privada (direito privado administrativizado), hoje constitucionalizados, que assumem um mesmo valor jurídico, por força da lei e da existência de vastos poderes discricionários em muitas matérias.

Ou, repete-se, ter mesmo de se acrescentar a importância de certos tipos de fontes específicas, como acontece com as praxes administrativas e práticas interpretativas correntes, não só obrigando à fundamentação das soluções deferentes como preenchendo a densificação da cláusula geral de autorização de poderes delegados em imediatos inferiores hierárquicos, adjuntos ou substitutos (n.º1 do artigo 35.º do CPA).

E não pode esquecer-se a especial quantidade e, portanto, importância da multiplicidade, por vezes escalonada, de regulamentos, mas também das directivas internas e pareceres ou recomendações, designadamente do Provedor de Justiça[3] e deliberações de Entidades Independentes[4], etc..

 

Além disso, no caso específico do direito administrativo, realce-se o facto de estarmos perante uma área do direito que vive não apenas de normas verticais, que tratam directamente matérias como o ambiente, directamente aplicáveis, em termos imperativos ou subsidiariamente, mas também de normas de direito judiciário e processual, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fisciais e Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o que significa que, nos termos dos critérios distintivos tradicionais, é enformado por normas quer de natureza orgânica, quer substantivas, quer processuais, e cujas fontes e seus regimes jurídicos diversos adquirem relevo maior ou menor, mas que importa destacar e situar.

 

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Vamos estudar primeiro, sinteticamente, a teoria geral das fontes de direito e depois apontaremos alguns diplomas fundamentais que se lhe referem e abordaremos o papel das outras fontes, sejam as internas (geradas no âmbito da comunidade nacional) sejam as comunitárias europeias e as internacionais (geradas no âmbito supranacional da União Europeia ou da sociedade internacional em geral).

 

2.TEORIA DAS FONTES DE DIREITO EM GERAL

 

A)- TEORIA CLÁSSICA E NEOCLÁSSICA

 

Na teoria clássica das fontes, vigente em Portugal na maior parte do século XX, e cuja orientação aparece seguida no Código Civil de 1966, a fonte formal de direito era a lei (norma positiva) e a jurisprudência apenas a título excepcional, quando imposta por lei (os assentos, enquanto acórdãos uniformizadores da jurisprudência com impositividade prevista a partir de 1926), aparecendo o costume com força obrigatória dependente da lei, mas não se aceitando o costume autónomo, que se afirmasse por si mesmo (apesar de ser a fonte mais antiga e «genuína»[5]), nem a jurisprudência e a doutrina enquanto tais.

Com efeito, segundo o Código Civil (artigos 1.º a 4.º, com estatuições com pretensão nesta matéria, a assumir uma natureza materialmente constitucional; de regulação exclusiva das fontes), a principal fonte imediata era a lei e previam-se como fontes mediatas, dependente da vontade da lei (ou seja, existentes na medida em que do legislador lhe conferisse tal qualidade), os assentos, os usos e a equidade (apesar de não se compreender tal integração, pois esta não é fonte de factos normativos, mas apenas um modo de decisão meramente casuística, ou seja, recurso admissível, em certas situações, para casos individuais e concretos[6]).

 

 

B)- TEORIA GERAL ADOPTADA E POSIÇÃO SOBRE A QUESTÃO DAS FONTES DE DIREITO ADMINISTRATIVO, SUA HIERARQUIZAÇÃO E APLICAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

Nesta matéria, remete-se para os conhecimentos já adquiridos na Introdução ao Estudo Direito ou em Princípios Gerais de Direito[7], limitando-nos antes a expor as questões específicas que se levantam ao nível da aplicação do direito administrativo, e onde há que tomar-se posição clara sobre a aplicação do direito pela Administração Pública, em que, em geral, as posições da doutrina portuguesa não nos têm merecido acolhimento, designadamente quanto às fontes do direito, à sua hierarquização e à aplicação pela Administração Pública.

 

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Os temas que consideramos de interesse desenvolver aos alunos de direito do ISCSP, sobre a teoria das fontes do direito e a sua hierarquia (em que se interligam considerações sobre a teoria da produção das fontes internas, das fontes de direito da União Europeia, das fontes de direito internacional e sua relativa ordenação global), podem ser ordenados do seguinte modo:

 

a)- noção de fontes do direito e a noção de norma jurídica; sentido jurídico-formal de fonte de direito; fontes de actos jurídicos em geral e fontes de normas jurídicas;

 

b)- tipologia das normas jurídicas: tipologia estrutural (regras e princípios; princípios generais do direito); tipologia formal das normas jurídicas (normas de tratados internacionais e unionistas, normas constitucionais, leis, regulamentos); classificação das normas jurídicas;

 

c)- teoria das fontes: teoria nacionalista positivista (clássica) das fontes e o CCV de 1946; teorias neoclássica pós-Constituição da República Portuguesa; reformulação da teoria das fontes imposta pela realidade político-social do país: teoria realista, pan-nomocrática, integradora de todas as fontes e segundo um escalonamento de hierarquização a todos os níveis, coerente com a ordenação relativa dos vários poderes, supra e intranacionais, que é a que corresponde à nossa posição tradicional e à doutrina pluralista das fontes expressa no Manual de Introdução ao Direito, de DIOGO FREITAS DO AMARAL[8]; questão da equidade e o artigo 4.º do CCV;

 

d)- princípio de hierarquia, ordenamento integral das várias fontes[9]e sua razão de ser.

 

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Quanto à noção de fonte, começo por referir que a palavra fonte é equivoca por ser multívoca, podendo atribuir-selhe vários sentidos, desde o sentido físico a sentidos metafísicos. Se de facto, no primeiro sentido, o vocábulo fonte é usado correntemente com um significado, o de nascente de água, já, em sentido figurado, é usado com sentidos mais extensos, normalmente, embora não só, à volta das ideias de causa, factor desencadeante, nascente ou origem de algo.

 

Em sentido figurado, mas próximo do literal, a aplicação do vocábulo fontes no âmbito do direito (fontes de direito, mesmo que um pouco forçada à realidade e ciência do direito) traduziria a ideia de factos de onde parte (origens, causas) o aparecimento de normas de conduta social consideradas como impositivas (com força jurídica), ou que as viabiliza ou que funcionam como circunstâncias que conformam as suas soluções concretas.

Ou seja, não são as normas em si, mas os vários tipos de factos (jurídicos) criadores destas[10], as organizações que a processam ou os factores que implicaram uma dada modelação concreta do seu conteúdo[11].

 

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Mas podemos falar de fonte de direito em vários sentidos:

a)- fonte radical (de radix, radicis, raiz), causal, a um tempo justificativa e aferidora da validade do direito, identificada com o Direito Natural ou Direito Racional, que sem sem necessiddae de positivação seria fonte normal do direito e, mais do que fonte de direito, seria também fonte e medida de validade do direito positivo;

b)- fonte explicitadora do direito (material, explicativa ou fonte ius cognoscendi), para referir a fonte do conhecimento do direito; e

c)- fonte expositiva (ou fonte ius essendi), para significar as normas (o direito exposto, normas que se expõem) em sentido directamente normativo: as normas de conduta e de produção dessas mesmas normas comportamentais (ou normas primárias e secundárias, na construção de H. Hart)[12].

 

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A expressão fontes de direito é usada na teoria do direito em sentido formal, como as maneiras através das quais se efectiva, independentemente das suas modalidades, o aparecimento escrito ou oral (criação ou revelação) de normas com força jurídica.

Portanto refere-se quer às fontes produtoras de factos normativos (quanto ao direito de origem estadual, -e sem prejuízo de outros centros estaduais não oficiais ou supra e infra-estaduais, públicos ou particulares, geradores de normas jurídicas-, o direito estadual oficial nasce dos poderes legislativo, executivo e jurisdicional do Estado), criadores, modificadores ou extintores de normas (actos normativos legislativos, administrativos e jurisdicionais; fontes constitutivas de direito, modos de o produzir, fontes juris essendi,[13]), quer às fontes reveladas, que permitem aceder ao conhecimento do direito complementando (adicionando, suprindo, corrigindo ou modificando) os factos normativos produtores deste (factos de natureza diversa, como a doutrina, as regras de ciência ou de arte, ou mesmo factos normativos de natureza interpretativa: fontes declarativas, reveladoras, modos de o conhecer, fontes juris cognoscendi[14].

 

Quanto às teses sobre as fontes, constata-se que, na literatura nacional, temos, de um lado, as tradicionais teses clássicas, que rejeitamos, e, do outro, a tese realista (que sempre perfilhámos, nas várias disciplinas em que tivemos de expor sobre fontes, designadamente nas cadeiras de direito comunitário, direito internacional público, direito da comunicação social e direito administrativo, e que, recentemente, aparece bastante desenvolvida e fundamentada, em termos muito semelhantes, por DIOGO FREITAS DO AMARAL, no seu Manual de Introdução ao Direito).

Não podemos deixar de nos demarcarmos de teses neoclássicas, em posturas em que se reconhecem progressos de base teórica, mas que, ficando sempre a meio caminho, entre novos princípios e dados políticos, que se aceitam em face da realidade, para a qual se mostra sensibilidade, mas dos quais não se tiram todas as consequências, e, portanto, imprimindo avanços relativos em simultâneo coma a manutenção, em parte, de soluções tradicionais, com conclusões «à la carte» (que lhes introduz toda uma incoerência científica), de que os próprios não conseguem deixar de se admirar e lamentar.

Mesmo que os propósitos afirmados parecem diferentes, em geral, acabamos realmente por nos deparar perante construções globais incoerentes, que só aparentemente poderiam fugir a uma integração no rol de teses neoclássicas, dado que se situam mais numa postura de racionalização de parte do status quo e, portanto, de conformação com as práticas ou na maior parte continuando presas às bases e premissas de reflexão das doutrinas correntes, de que não conseguem afastar-se (por vezes, afirmando o direito a partir de textos e dogmas não jurídicos, mesmo que respeitáveis), até chegarem, finalmente, em sede de antinomias jurídicas a concluir, em sede de regras de hierarquização aplicativa das normas, que as cientificamente válidas o são apenas para os tribunais, mas não para a Administração Pública, ou seja, que a Administração Pública deve aplicar um direito diferente do dos tribunais e, portanto, também daquele a que estão sujeitos os administrados, numa construção dual, pretensamente científica, em que o direito poderia, ao mesmo tempo, ser e não ser, pois que o cidadão, em caso de conflito de normas ou de sucessão de normas ou de cumulação de normas de poderes diferentes, não poderia deixar de procurar reger-se pela norma que deve ser aplicável[15], mas em que a Administração Pública teria que aplicar normas diferentes realmente e não aplicáveis[16], porque pautando-se essencialmente pelo princípio lex posterior ou, quando muito, lex specialis, com desprezo em geral da supremacia da norma constitucional, do DIP e do DUE, para que caiba depois aos tribunais, nos poucos casos que aí vão parar, intervirem para repor a verdadeira legalidade, aplicando as normas que devem ser cientificamente aplicáveis[17]-[18].

Será que é aceitável que os princípios da primazia de normas de direito internacional e comunitárias sobre todo o direito de fonte interna e das constitucionais em relação às outras que destas dependem, pode ter um valor relativo para a Administração Pública, a decidir cientificamente «a la carte», e com um regime diferente do aplicável aos cidadãos e tribunais, que está obrigada ou habilitada a aplicar normas infra-ordenadas com elas incompatíveis?

A minha posição, comungando embora das precauções de JORGE MIRANDireito Administrativo e na linha das posições de princípio de Freitas do Amaral, é a de que a juridicidade que a Administração está obrigada a respeitar, inclui em geral as próprias normas supranacionais[19] e as normas constitucionais, todas elas parte do bloco da normatividade enquanto vigentes, e dotadas de supremacia normadora, embora, quanto à Constituição da República Portuguesa, só em casos de inconstitucionalidade material com uma desconformidade manifesta, especialmente em situações de unanimidade doutrinal sobre o tema, ou em que os tribunais, no controlo difuso ou concentrado, já tenham considerado alguma vez a norma infraconstitucional (pelo menos, recentemente, se se trata de tribunais comuns) como desconforme à Constituição, e desde que a questão seja colocada ao e resolvida pelo órgão máximo do ministério (ou de pessoa colectiva em causa), tudo sem prejuízo do direito normal de impugnação pelo destinatário, público ou privado, da decisão que não aplique a norma tida como inconstitucional, para o tribunal administrativo competente.

 

De qualquer modo, esclareça-se que o termo fonte de direito, será aqui usado, não no sentido corrente em direito comunitário, de modo de produção ou revelação de actos impositivos[20], mas de modos de produção (criam uma norma ou alteram e extinguem normas existente; carácter inovador, natureza constitutiva da norma) e de modos de revelação (dão a conhecer pela primeira vez, em si ou no seu conteúdo, direito pré-existente; sem carácter inovador, mas meramente declarativo) de uma parte desse actos, as normas jurídicas[21].

 

Dado que as fontes tanto se encontram numa relação de paridade (situação em que uma pode revogar as outras: caso do costume, lei e decreto-lei), como, na maior partes dos casos, em pé de desigualdade, numa relação de supra e infra-ordenação (em que a de valor infra-ordenado é inválida (nulidade, anulabilidade, ineficácia) se contraria a de nível superior, enquanto esta pode revoga aquela, ou seja, de hierarquia ou de ordenação vertical (por ordem de supremacia relativa, Direito Internacional Público, Direito da União Europeia, Constituição da República Portuguesa, Lei de Valor Reforçado, Lei Simples, Regulamento, etc.[22].).

 

DIOGO FREITAS DO AMARAL[23], criticando os constitucionalistas nacionalistas (e a desvalorização da norma supranacional, do DIP e do DUE, em face da Constituição da República Portuguesa, cujo «valor» e «significado» exageram), ordena as fontes da seguinte maneira:

 

No topo, coloca o Direito Internacional Público em geral (costume, tratado, princípios gerais, jurisprudência, etc.).

E isto, em face do princípio do seu primado, pese embora aos enunciados, designadamente em sede de fiscalização da constitucionalidade caracterizadores de uma Constituição que pretenderia amarrar-nos ao primado do direito interno, sendo certo que estas «cláusulas constitucionais ilegítimas à face do direito internacional», quer o princípio pacta sunt servanda, transcrito no artigo 26.º, quer o disposto no artigo 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que constituem ius cogens e elas violam, pelo que são inválidas ou, pelo menos, ineficazes e como tal devem ser desaplicadas pelos nossos tribunais[24].

 

E quanto ao direito comunitário, afirma este autor, na linha do Manual de Direito Internacional, de ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA e Função AdministrativaUSTO DE QUADROS e em correspondência com os nossos textos sobre a matéria, que o princípio do primado abrange todas as normas, designadamente as da Constituição da República Portuguesa, o que considera resolvido pelo novo n.º4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, em face da Lei Constitucional n.º1/2004, de 24 de Julho., não tendo o inciso final qualquer interesse prático, porque a União Europeia é um espaço respeitador dos direitos fundamentais[25].

 

Em geral, teremos presente que, no desenvolvimento desta temática, é importante abordá-la, tendo em atenção as questões específicas que se levantam em relação à Administração Pública: o dever de obediência da Administração Pública à lei e o bloco da legalidade, ou seja, os princípios da constitucionalidade, da legalidade, o jus cogens internacional e o primado do Direito Comunitário.

 

 

3. AS FONTES DE DIREITO EM CONCRETO

 

Iremos debruçar-nos sobre as principais e mais correntes, que interessam mais ao dia a dia do direito administrativo.

Não nos referiremos aqui nem aos contratos, que têm força normativa entre as partes, nem aos actos administrativos, que são decisões individuais e concretas, proferidas unilateralmente pela Administração Pública, que, também, a vinculam nos seus termos e da lei, em face dos seus destinatários.

 

a)- Os princípios gerais de direito.

 

Em termos de princípios gerais de direito[26], eles são comuns e juntamente com as regras devem considerar-se normas jurídicas.

 

No direito administrativo em geral, importa destacar sobretudo os consagrados na própria Constituição da República Portuguesa e Código do Procedimento Administrativo, sobretudo os princípios fundamentais de toda a actividade da Administração Pública, princípios gerais «da» actividade desenvolvida pela organização enquanto tal ou por quem, a qualquer título, desenvolva uma actividade considerada no âmbito da Função Administrativa do Estado-Comunidade, em que há que, desde já, começar por destacar não só os princípios da igualdade, imparcialidade, justiça, interdição de excesso, boa fé, legalidade positiva em geral e especialmente o do respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares -dos direitos e interesses legalmente protegidos- e princípios de natureza procedimental, também, pela sua importância fundamental neste campo, outros princípio de raiz constitucional, como os da ponderação de quaisquer interesses relevantes para a actividade decisória, da transparência no funcionamento da Administração pública (livre acesso aos documentos e informações detidos pelos serviços públicos, fora das excepções – que, aliás, apenas permitem o deferimento do seu conhecimento no tempo- ligadas à confidencialidade da vida íntima das pessoas e famílias, juízos de valor negativos sobre pessoas singulares, segredos de defesa nacional e de segurança interna sob prévia classificação governamental, segredo de justiça penal impostos pelos tribunais e, eventualmente, quando se justifique, matérias de natureza económica empresarial)[27], da garantia patrimonial (sujeita ao regime administrativo especial da responsabilização civil-extra-contratual: actos ilícitos, dolosos ou negligentes –responsabilidade subjectiva, pela culpa individualizável, ou pela culpa dos serviços; actos resultantes de actividades perigosas- responsabilidade objectiva, pelo risco-; actos lícitos: legalmente previstos no interesse geral mas que criem sacríficios apenas a alguns; desde qiue entre o acto e o dano produzido haja um nexo de causalidade adequada), matérias que cujo tratamento caberá na parte referente ao direito da actividade administrativa.

Mas muitos outros princípios existem, integrantes dos vários ramos do direito público e privado

 

b)- O costume (supranacional ou interno)

 

c)-A Constituição, as leis e as restantes normas escritas («lei» em sentido amplo, no sentido de «bloco da legalidade»: quer a comummente designada como norma fundamental, texto positivo de impositividade interna, a Constituição, quer as verdadeiras leis, comummente designadas como «leis infra-constitucionais», quer e os regulamentos, quer as normas supranacionais (acordos internacionais e decisões normativas de instituições de âmbito supra-nacional): uma qualquer norma jurídica, originada numa manifestação de vontade impositiva de uma qualquer autoridade com competência para tal)[28]-[29].

 

d)-A jurisprudência e a doutrina. Seu valor como fontes produtoras ou reveladoras do jurídico. A importância do recurso à jurisprudência e doutrina, nacionais e estrangeiras.

 

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Começo por referir já uma noção perfunctória de costume, que justificarei e que se voltará posteriormente.

 

O costume não é uma fonte receptícia de direito, dado que a sua obrigatoriedade não provém do reconhecimento estabelecido positivamente por qualquer norma, de natureza constitucional, legal ou regumentar, nas situações em que o legislador se «esqueceu» de criar uma norma adequada para a situação ou se demitiu de o fazer remetendo para o costume.

 

Ele existe por si independentemente da vontade do legislador representativo, de base directamente popular, sendo uma fonte espontanea do direito (fruto da autonomia privada, que não tem que sere reconhecida pelo Poder, porque, aliás, em democracia, é ela que reconhece o Poder).

 

Em tempos recuados, antes do aparecimento da lei, ele terá mesmo sido a fonte única do direito, tendo ela a partir de certo momento acompanhado o direito costumeiro. Mas, por razões da sua quase instantaneidade de formação e necessidade de se afirmar a actividade legislativa como principal atributo do Poder político na Europa continental (não assim nos países anglo-saxónicos, em que continua a ser a principal fonte normativa), sujeita a períodos de grande mudança política e exigindo alterações normativas rápidas e a subalternização do papel dos tribunais conservadores, a lei viria a impor-se como fonte qualitativamente dominante e viu mesmo os dirigentes políticos procurarem anular ou subalternizar-lhe os costumes, que não não só, quando anteriores, eram objecto de revogação, como, se posteriores, de uma pretensão de desvalor para não poderem ter efeito revogatório das leis.

 

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A teoria da vontade da doutrina tradicional apontava como requisitos fda existência de um costume com valor jurídico, o uso uniforme, frequente e duradouro, a conformidade desse uso com o direito natural e a aprovação expressa ou tácita pelo Estado[30].

 

Independentemente de voltarmos ao assunto mais abaixo, em termos mais desenvolvidos, diga-se, desde já, que esta não é a concepção dominante na doutrina moderna, que perfilhamos.

Os costumes jurídicos são factos normativos, constituídos por condutas ou omissões, seguidas na vida social ou de uma instituição, de modo reiterado ao longo do tempo, por serem tidas como de cumprimento obrigatório, ou por permissões lícitas (e portanto insancionável).

Ou seja, na sua formação congregam-se, pois, dois elementos:

a)- por um lado, o elemento externo: a prática prolongada, generalizada, e uniforme; e

b)- por outro, o elemento interno: a «opinio iuris vel necessitatis», ou seja, a convicção jurídica generalizada da obrigatoriedade de conformar os comportamente a esse costume.

A generalidade dessa prática existe mesmo que não tenha uma abrangência em todo o território nacional, mas apenas que no âmbito em que esse uso exista ele se revele no comportamento da generalidade das pessoas aí residentes ou das que integran uma dada instituição, classe ou actividade.

A uniformidade implica que os actos sejam semelhantes, e não necessariamente idêncticos.

A sua duração no tempo tem que ficar demonstarda, mas não se exigem períodos de tempo determinados à partida, sendo suficiente a sua repetição constante durateb um certo tempo necessário para s econcluir que passou a ser cumprido como sendo obrigatório.

 

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Em direito público, designadamente internacional, constitucional ou administrativo, acontece a formação de uma norma consuetudinária quando se constate que uma norma, legal ou do costume, com solução contrária, já não é aplicável e exigível.

 

Quanto ao costume e aos usos sociais, como dizem MARCELO REBELO DE SOUSA E SOFIA GALVÃO, ao lado do direito estadual, gerado a partir do poder político do Estado, direito escrito, «existe um Direito estadual não escrito, costumeiro ou consuetudinário, que é «fruto das pulsões diárias do grupo e da sociedade, sem necessidade da intervenção do poder político do Estado», ou seja, que resultam da própria dinâmica da sociedade civil», que «Brotam de um jogo de vida entre forças que procuram soluções para um projecto de construção colectiva em permanente revisão», afirmando-se como tal apenas logo que reunidos os dois requisitos que são o usus e a opinio iuris vel necessitas, não dependendo nem de um reconhecimento da lei nem de uma efectiva aplicação coactiva, sendo uma forma autónoma de criação do Direito [31].

 

No direito administrativo, DIOGO FREITAS DO AMARAL refere a existência de numerosos casos, quer de uns, quer de outros, designadamente de costumes vigentes a todos os níveis[32], v.g., o poder regulamentar para a boa execução das leis detido pelos órgãos dirigentes da Administração directa e institutos públicos estaduais, na medida em que não estejam previstos em norma positiva, tal como, em geral, o reconhecimento pelo ordenamento jurídico do poder regulamentar de auto-organização, em termos de estrutura e funcionamento, dos órgãos administrativos colegiais (elaboração e aprovação dos seus regimentos); amplos poderes de delegação dos superiores nos seus subalternos; costumes regionais sobre feriados e locais sobre feiras; e mesmo costumes universitários sobre os intervalos académicos, «voto de Minerva» (que, assente em mito tradicional sobre a vontade da Deusa da Sabedoria, leva a que, «no caso de dúvida ou empate num júri académico, a votação ser desempatada a favor do aluno»), a tradição que leva a dever suspender-se as aulas e exames durante o período de duração da «Queimas das Fitas».

 

O costume não seria fonte imediata de direito, segundo as disposições iniciais do CCV sobre a matéria, mas o próprio Código Civil viria posteriormente também a reconhecer que o costume pode ser aplica­do pelos tribunais do Estado e, portanto, pode ser um fonte de direito (com primazia sobre a lei: n.º1 do artigo 348.º do Código Civil[33]), embora, como já dizia J. BAdministração PúblicaTISTA MACHADO(-Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra: Almedina, 1983, p.158), tal não tenha carácter decisivo, pois a sua força não só não advém da lei como esta também, por isso mesmo, não tem, só por si, força social própria para proibir o costume, dado que se este onde existir tem primazia face à lei, então esta não pode ditar genericamente a sua sorte, o que significa que, onde o costume se impuser, ele será fonte autónoma de direito, de aplicação preferente à lei, sem prejuízo da possibilidade de revogação recíproca casuística.

 

A questão que importa dirimir é a de saber se o costume é uma fonte primária do direito, nos termos da definição perfunctória, dada acima, ou não?

Ora, as duas principais teses sobre o assunto são a teoria estatista e a teoria sociológica.

Segundo a primeira teoria, clássica entre nós, o costume já não é, em Portugal, como foi no passado, uma fonte primária do direito, pois a única fonte primária é a lei, aparecendo o costume com vigência apenas nas situações e na estrita medida em que ele for mandado aplicar pela lei[34].

Para a segunda teoria[35], não positivista, realista, o costume continua hoje a ser, embora nos países do continente e designadamente em Portugal, com muito menor importância e densidade normativa, uma fonte primária do direito, o que aliás se constata em situações muitos claras, mesmo contra legem, que a doutrina vai apontando (como referimos anteriormente e a que poderíamos acrescentar outros exemplos colhidos na doutrina, v.g., número de litros da pipa de vinho por regiões, touros de morte nas touradas de Barrancos, etc.)

Portanto, neste debate, há que considerar inaceitável a irrealista teoria estatista e positivista, segundo a qual o costume é obrigatório se e apenas na medida em que é consentido pela vontade do Estado, ou seja, pela lei, dependendo desta no seu valor jurídico, e adoptar a doutrina romana do tacitus consensus populi (longa consuetudine comprobavit), na expressão de ULPIANO, sintonizada com a teoria sociológica, para a qual o costume é obrigatório porque e sempre que seja querido pela vontade popular ao criá-lo, mesmo que opondo-se a regras anteriormente escritas e, portanto, de facto, socialmente rejeitadas.

Ele identifica-se por se traduzir num comportamento habitual na vida social, mesmo que apenas seguido por uma parte das pessoas que a integram, devido à convicção de que se está perante uma prática de regras permissivas ou impositivas do ordenamento jurídico, neste caso passíveis de a sua violação permitir a aplicação de sanções pelas às instâncias de controlo social.

Em conclusão, constituem costumes quaisquer condutas ou omissões reiteradas ao longo do tempo, habitualmente respeitadas por serem tidas como de cumprimento obrigatório ou com permissão lícita, e, portanto, não sancionável, na vida social ou de uma instituição.

Na medida em que tais práticas sejam aceite como fonte de direito, são criadoras de chamado direito costumeiro ou direito consuetudinário

Dito isto, é fácil destacar os elementos essenciais do costume, que são o corpus e o animus:

a)-O corpus, que é a prática generalizada, ou seja, habitualmente seguida pelos membros da respectiva comunidade. A habitualidade implica uma dada reiteração ao longo do tempo e uma dada generalização dos comportamentos em cada momento durante esse tempo, sem prejuízo de condutas divergentes, que podem traduzir meros incumprimentos da regra.

Hoje, devido ao ritmo acelerado da vida social, quer no decurso do tempo, quer em cada momento, que permite constatar rapidamente a repetição e generalização maior ou menor com as práticas sociais se processam, já não se exigirá um período tão longo de tempo, como o fazia o DIP ou, no direito interno, a Lei pombalina da Boa Razão (100 anos), para que um costume deva ser aceite como fonte de direito, nem mesmo uma «prática imemorial» (ou seja, uma prática que ninguém sabe quando começou por se perder na memória dos tempos).

No domínio do direito público, basta que se entenda que uma norma positiva contrária já não é aplicável, exigível, para desde logo, sem mais indagações, devermos considerar estarmos perante um costume

 

b)-O animus (opinio juris vel necessitatis), que é a convicção da obrigatoriedade (regras impositivas) ou da licitude (regras permissivas).

 

Posto isto, vejamos as diferentes espécies de costumes, para podermos, desde já, manejar os diferentes conceitos.

 

Quanto ao âmbito territorial de abrangência, ele pode ser internacional, se gerado na sociedade internacional; comunitário, se gerado no âmbito das Instituições da União Europeia; regional, se gerado a nível de uma região político-administrativa ou meramente administrativa[36]; e local, se meramente ao nível da autarquia de base de uma povoação[37].

 

Quanto às suas posição em face das normas escritas, temos os costumes secundum legem (desenvolvendo o seu conteúdo aplicativo, muitas vezes em termos regulamentadores), praeter legem (complementando a norma escrita, em termos inovadores, em termos que normalmente caberiam a outra norma escrita) e contra legem (efectivando uma normação diferente da que está consignada na norma escrita (caída em desuso -eficácia social-, com consequente perda de eficácia jurídica), apontando assim soluções em sentido diferente).

 

De qualquer modo, como diz DIOGO FREITAS DO AMARAL, que defende uma teoria pluralista das fontes de direito, em face do CCV português, «o tribunal só está autorizado a julgar o caso por aplicação da lei, se não existir (ou não puder determinar-se o respectivo conteúdo) uma norma consuetudinária mais adequada que deva ser aplicada», pelo que numa «interpretação actualista» deste artigo o costume e a lei são –no entendimento da própria lei- duas fontes do Direito primário, colocadas em pé de igualdade», de tal modo que o tribunal «se puder conhecer bem o conteúdo da ambas as normas» deve aplicar ao caso sub judice«aquela das duas normas que se mostrar mais adequada à resolução correcta desse caso», ou seja, «aquela das duas normas potencialmente aplicáveis que se mostrar mais adequada à resolução do caso» [38]-[39].

 

E, em relação à questão mais delicada do costume contra legem ou contra constitucionem, devem ter-se como aplicáveis estes critérios de preferência normativa em relação à lei (ou a costume anteriormente afirmado):

- aplica-se o costume contra legem, que faz cair em desuso a norma legal, operando a sua caducidade, tal como o costume contra constitucionem faz cair a norma constitucional escrita (ou costumeira anterior);

- aplica-se a norma para que este costume remeter;

- em caso de normas legais ou costumeiras internas contrárias a uma norma supranacional (internacional ou comunitária), aplica-se esta fonte, sendo aquelas ilegítimas, por não poderem afectar o princípio da supremacia normativa desta e, portanto, a legitimidade aplicativa da norma do DIP e DUE;

-se se tratar de uma norma geral e outra especial, aplica-se esta;

-se se tratar de uma geral ou especial e outra norma excepcional aplica-se a norma excepcional, desde que seja legítima;

E se ambas regularem a situação de maneira semelhante, ou se houver «identidade de situações, tipos e circunstâncias»? Segundo DIOGO FREITAS DO AMARAL, no primeiro caso, prevalece a que «melhor se ajustar às circunstâncias específicas de caso concreto», e, no segundo, a que «proporcionar uma solução mais justa do caso concreto em apreciação», em homenagem ao valor justiça.

           

Mas uma coisa é o costume e outra são as praxes administrativas e os usos sociais. Começo por referir o conteúdo do n.º 1 do artigo 3º do CCV sobre o valor jurídico dos usos, que afirma que «Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. Estes usos seriam meros costumes de facto, simples práticas sociais (tidas como destituídas de animus cogentis), que não só são diferentes do costume como fonte de direito consuetudinário[40], como não seriam fonte senão quando a lei para eles remetesse. Aqui, a não afronta aos princípios da boa fé traduz uma exigência, a apreciar em cada caso, relacionada o estado ético-moral do momento[41].

 

Quanto às praxes administrativas, que traduzem condutas usuais que, em termos idênticos, os órgãos da Administração costumam ter habitualmente para solucionar alguns problemas de gestão corrente.

Temos aqui, v.g., no âmbito da vida universitária, a não se considerar como costume, a prática em geral sedimentada no tempo de se fazer «intervalos académicos» de 10 minutos entre as aulas e mesmo de um período adicional de tolerância de duração semelhante para o início das prelecções (não só para permitir a troca de salas e docentes, mas também para satisfação de necessidades fisiológicas e descanso regenerador dos alunos e docentes, com vista à aula seguinte), a que se poderia acrescentar-se, v.g., uma prática académica sobre a leccionação de aulas, que se pode enunciar assim: prima non datur, ultima non reciptitur, ou ainda a prática de menor exigência sobre conhecimentos para a aprovação na última cadeira de licenciatura etc..

O carácter usual de uma prática constante e idêntica, constituindo o seu corpus identificativo, aponta para um elemento semelhante ao do direito consuetudinário, tendo como especificidade o âmbito restrito dessas posturas comportamentais, apenas referentes à vida da Administrações públicas e não à vida social em geral, pelo que se impõe perguntar se não estaremos perante o costume administrativo, ou melhor, um costume criador de direito administrativo, ou, antes, face a meros usos académicos

A alínea d) do n.º 1 do artigo 124.º (Dever de fundamentação), diz que, «devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais».

 

E, assim, podemos concluir que de duas uma: se tal prática não for contra legem, situação em que o preceito não é aplicável a menos que deva sê-lo obrigatoriamente por ser costume, temos práticas interpretativas ou integrativas de lacunas, e portanto, meramente secundum legem ou praeter legem, em que importa procurar distinguir a sua natureza jurídica segundo a sua intensidade normativa mas não segundo a sua natureza jurídica e não jurídica, pois não é possível defender-se a tese de que tais práticas são indiferentes ao direito, ou seja, não vinculam minimamente a Administração Pública.

Ou seja, caso não se comprove que existe o animus suficiente para se considerar que estamos em face de costume e portanto de uma regra de cumprimento obrigatório sem mais, então estaremos perante uma mera «praxe» administrativa, mas que, por força da lei procedimental geral, de qualquer maneira continua a ser obrigatória e, portanto, também, fonte de direito, se não houver razão aceitável para a alterar, mudando de critério justificadamente.

A menos que, o que nada impede, entretanto, mesmo sem justificação, comece a ser desrespeitada por uma prática diferente, criada e reiterada com animus próprio do costume, ou apareça norma escrita distinta, a sai não aplicação sem qualquer razão válida é ilegal, não só por força directa da norma citada, mas de verdade em geral também por força do princípio constitucional da igualdade de tratamento, pelo que temos que convir que em princípio a praxe é vinculativa e, portanto, fonte de direito e como tal só passível de revogação por outra fonte de direito ou por outra orientação devidamente justificada, que, por sua vez, se poderá vir a afirmar também, se ganhar estabilidade aplicativa, e como tal merecer integrar o ordenamento jurídico, como fonte de direito.

 

No que se refere à norma jurídica positiva («lei em sentido amplo»), importa esclarecer o seguinte:

A norma interna escrita, lei ou regulamento, é fonte primária do direito[42].

Qualquer comando de carácter geral e abstracto, regra ou princípio, na medida em que obriga a um comportamento social é fonte de direito e, portanto, uma norma jurídica, embora só se considere como leis aqueles que simultaneamente tenham origem numa instituição do poder legislativo e formalmente se designem de lei ou decreto-lei, dado quer os titulares deste poder também podem produzir actos de outra natureza, cuja distinção material é em geral questionável (v.g., resoluções ou normas regimentais, a AR, e regulamentos, o governo).

Mas, além destes actos normativos, quando em Direito Administrativo nos referimos ao princípio da legalidade, devemos considerar incluídas quaisquer outras normas, não apenas convencionais, de natureza legal ou regulamentar, de fontes supranacionais, internacionais ou unionistas (da CE ou da EU em geral) e nacionais (também a Constituição da República Portuguesa), regionais (leis e regulamentos) como as regulamentares locais.

 

*

 

5.DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA E SUAS FONTES

 

Remetendo os alunos para os conhecimentos já transmitidos a quando do tratamento do módulo referente aos vários Ramos de Direito, sobre o DIP e o DUE, recapitula-se, pela sua importância actual, o sistema jurídico das Comunidades Europeias.

 

Uma ordem jurídica é o conjunto organizado e estruturado de normas jurídicas, dotado de órgãos e procedimentos, aptos a criar e interpretar as suas próprias fontes e, sendo necessário, a fazê-las aplicar e a sancionar as suas violações.

Ora, a União Europeia têm uma ordem jurídica.

E a ordem jurídica comunitária europeia[43] existe porquanto o direito comunitário é uma ordem jurídica própria, integrada no sistema jurídico dos Estados membros (a característica mais original da ordem jurídica comunitária)[44].

 

Os tratados comunitários não se limitaram a criar obrigações recíprocas entre os diferentes sujeitos de direito a que se aplica.

Estes estabeleceram «uma ordem jurídica» nova, que regula os poderes, direitos e obrigações desses sujeitos, assim como os procedimentos necessários para fazer constatar e sancionar qualquer eventual violação.

 

O Tratado da União Europeia, apesar de concluído sob a forma de acordo internacional, não deixa de ser a carta constitucional de uma Comunidade de Direito. É mesmo o mais avançado Tratado-Fundação existente pelas Atribuições e Poderes, já estabelecidos ou passíveis de se desenvolver, com uma clara fisionomia de estadualidade situando a União como uma construção política parafederal.

 

Os tratados comunitários criaram uma nova ordem jurídica, em benefício da qual os Estados têm limitado, cada vez mais, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados mas também os seus cidadãos e residentes.

E as características essenciais desta ordem jurídica são sobretudo a sua primazia em relação aos direitos estaduais e o efeito directo de toda uma série de disposições aplicáveis aos Estados e aos seus residentes, o que coloca a teoria da sua nomogénese como questão fundamental do estudo sobre os métodos da sua aplicação na ordem interna e da sua relação com a Constituição, designadamente em termos de debate sobre a aferição da constitucionalidade das normas constantes das suas várias fontes.

E quanto às fontes do direito comunitário, começa-se por referir que o direito comunitário não indica as suas fontes taxativamente através de uma lista, à maneira do artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, mesmo que esta hoje já se considere desactualizada.

 

O regime das fontes (catálogo e hierarquia) resulta não só dos tratados como da prática das Instituições, da prática dos Estados, e, sobretudo, da sistematização feita pelo Tribunal das Comunidades[45].

 

Quanto ao direito comunitário originário ou primário, temos tido, por razões históricas, uma multiplicidade de tratados comunitários.

Com efeito, o direito comunitário primário ou originário tem sido constituído pelos tratados institucionais comunitários (três, um dos quais já expirara a sua vigência temporal, o da CECA), procurando-se hoje, com o novo projecto de Tratado Europeu de Lisboa, após a inviabilização pela França e Holanda da Constituição Europia, a unificação de todas as matérias num só texto). Mas os Tratados constitutivos anteriores haviam já sido modificados por muitos instrumentos convencionais posteriores.

No chamado direito originário, integram-no, por isso, todas as normas dos tratados originais e as de tratados posteriores que as modificaram.

No entanto, os tratados comunitários, embora tendo vivido integrados no chapéu do Tratado da UE, mantêm a sua autonomia.

O Tratado de Bruxelas de 1965 sobre a fusão dos executivos manteve as Instituições exercendo poderes no quadro das diferentes Comunidades, deixando no artigo 32.º para data indeterminada a unificação dos tratados, o que coloca problemas no âmbito das relações mútuas entre os vários actos convencionais, ou seja, entre os tratados, que se regem pelo disposto no artigo 232.º do Tratado da Comunidade Europeia (seguem as regras do direito internacional público): o tratado geral não modificava as normas do Tratado da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, nem derroga o Tratado da Comunidade Europeia da Energia Atómica, porque são tratados especiais, pelo que as regras específicas da CECA não se aplicavam no quadro da Comunidade Europeia, mas as normas do tratado geral e do direito derivado da Comunidade Europeia aplicam-se nas lacunas dos tratados especiais, sem necessidade de acto específico ou de outra interpretação ou declaração interpretativa[46]. O Tribunal da Comunidades procurou a harmonização, interpretando as disposições de um tratado à luz dos outros como tratados especiais, que são interpretados sistematicamente à luz do Tratado da Comunidade Europeia.

 

Quanto ao conteúdo dos tratados, temos 4 categorias de cláusulas, estruturando os tratados. Podemos distinguir o preâmbulo e as disposições iniciais, que contêm os objectivos sócio-económicos próprios das Comunidades, princípios de carácter geral e as acções a prosseguir pelas instituições. São disposições sem aplicação directa, embora não sejam só declarações de intenção, bastando recordar que o princípio do efeito directo é confirmado pelo Tribunal das Comunidades a partir do Preâmbulo do Tratado da Comunidade Europeia[47], parte do Tratado aliás com papel fundamental na explicitação de competências potenciais das Comunidades. Na fundamentação sobre o «efeito directo imediato no direito interno», afirma-se no seu § 3 que «Atendendo a que o objectivo do Tratado da C.E.E., que é instituir o mercado comum cujo funcionamento respeita directamente aos cidadãos da Comunidade, implica que este tratado constitua mais do que um mero acordo que só criaria obrigações mútuas entre Estados contratantes; que esta concepção se encontra confirmada pelo preâmbulo do Tratado que, para além dos Governos, visa os povos, e de maneira ainda mais concreta, pela criação de órgãos que institucionalizam direitos soberanos cujo exercício afecta tanto os Estados membros como os seus cidadãos» e, no § 6 «Que é preciso concluir, deste estado de coisas, que a Comunidade constitui uma nova ordem jurídica de Direito internacional, em benefício da qual os Estados limitaram, ainda que em domínios restritos, os seus direitos soberanos, e cujos sujeitos são não só os Estados membros mas igualmente os seus nacionais».

 

O Tratado não estabelece a hierarquia no interior dos objectivos fundamentais, todos tendo um carácter igualmente imperativo, apesar de isso implicar problemas de conciliação.

E há as cláusulas materiais que definem o regime económico e social, criando, numa visão técnico-jurídica, tratados com a natureza de tratados-leis (tratados especializados da CECA e EURATOM) e de tratado-quadro (CEE e depois CE).

O Tratado da Comunidade Europeia contém claúsulas materiais que se limitam geralmente a formular objectivos e princípios a cumprir, deixando às instituições a tarefa de legislar, e no Tratado EURATOM, a maior parte das vezes, as instituições têm competências mais operacionais do que normativas. Quanto à natureza e efeitos das disposições materiais dos Tratados, há disposições de aplicação directa e outras sujeitas a medidas prévias de desenvolvimento por parte quer dos Estados quer das Instituições[48].

 

Quanto à autoridade dos Tratados, há que destacar a sua proeminência. O direito originário está no topo da hierarquia da ordem jurídica comunitária, prevalecendo sobre qualquer outra norma de direito comunitário sem excepção, sendo o fundamento, o quadro e os limites do direito derivado e dos tratados saídos das relações exteriores, no fundo em sistema de parametricidade agindo segundo o modelo de aferição de «constitucionalidade».

No caso dos tratados internacionais concluídos pela Comunidade, há a fiscalização preventiva pelo Tribunal das Comunidades Europeias dos textos a aprovar, com exigência de revisão formal do tratado, em caso de parecer negativo.

O direito originário prevalece sobre outros Tratados entre os Estados membros, mesmo anteriores, os quais só mantêm valor quando compatíveis. Prevalece sobre Tratados concluídos entre Estados membros com terceiros Estados posteriormente à entrada em vigor.

De acordo com o direito internacional público, o direito originário só cederia perante Tratados concluídos anteriormente por Estados membros, na medida em que os Estados não podem invocar o Direito Comunitário para deixar de cumprir as obrigações internacionais anteriores.

Mas as obrigações comunitárias implicam que os Estados membros se devam desligar-se desses acordos que se revelam contrários ou que se tornem supervenientemente desconformes. E não podem usufruir contra a Comunidade dos direitos usufruíveis por força de Convenções anteriores.

O direito comunitário derivado não é direito convencional, mas direito legiferado. Resulta e traduz a institucionalização da capacidade de criar regras de direito, confiada a certos órgãos, segundo procedimento pré-estabelecido. É um direito derivado de um poder normativo.

O Tribunal da UE fala de um sistema legislativo do Tratado,e de um poder legislativo da Comunidade (Acórdão de 9.3.78, Simmenthal).[49]

 

As fontes de direito típicas (nomenclatura oficial do TCE), são os Regulamentos da Comunidade Europeia (correspondiam às decisões gerais da CECA), as Directivas (correspondem às recomendações) e as Decisões (às decisões individuais). No entanto, a natureza do acto não depende da sua denominação, mas do seu objecto e conteúdo.

O Tribunal das Comunidades reserva-se o direito de proceder à sua requalificação.

Por isso, a recomendação ou o parecer podem ter carácter vinculativo, conforme o Tribunal da CE já declarou em várias situações, tendo dependendo do seu conteúdo.

 

O Regulamento é a principal fonte do direito derivado, por onde se exprime, sobretudo, o poder legislativo das Comunidades, conferindo-lhe o Tratado da CE uma eficácia comparável à de lei no sistema nacional.

As suas características são as seguintes: o Regulamento tem alcance geral, de carácter essencialmente normativo, aplicável a categorias visadas abstractamente e no seu conjunto e não a destinatários limitados, designados e identificáveis. Correspondia à anterior Decisão no Tratado da CECA que também estabelece princípios normativos, condições abstractas aplicáveis com consequências jurídicas decorrentes. Tem um carácter normativo «erga omnes».

O Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos, impedindo a aplicação incompleta aos Estados. Traduz o poder normativo completo das Comunidades, porque não só prescreve o resultado, como acontece com as Directivas, mas as próprias modalidades de aplicação e de execução julgadas oportunas.

Embora possam existir regulamentos incompletos, que reenviem, explicitamente ou implicitamente, para as autoridades nacionais ou comunitários a tomada de medidas de aplicação ou de execução. O Regulamento é directamente aplicável em todos os Estados (única fonte de direito que é directamente aplicável, nos termos expressos do Tratado).

Produz, por si, automaticamente, efeitos jurídicos na ordem jurídica interna dos Estados, sem interposição das autoridades nacionais45. Dirige-se directamente aos sujeitos, seus destinatários, criando por si direitos e obrigações aos particulares.

Tem efeitos imediatos, porque são aptos a confiar aos particulares direitos que as jurisdições nacionais têm de proteger obrigatoriamente.

Tem eficácia em todos os Estados, pois um Regulamento não pode reger a situação específica dum determinado Estado, com exclusão dos outros, porque tem de entrar em vigor e aplicar-se simultânea e uniformemente no conjunto das Comunidades.

 

Quanto à Directiva, definida no Tratado da CE, trata-se de um método de legislação em duas etapas (como técnica de lei-quadro) completada por diplomas de aplicação). É um instrumento de uniformização jurídica, assente na divisão de tarefas e na colaboração clara entre o nível comunitário e o nível nacional. Pode não ter alcance geral, obrigando só os Estados, dirigindo-se a Estado(s) ou empresas, pois pode não ser dirigida a todos os Estados.

Tendo alcance geral, deve ser executada e, portanto, adquirir efeito normativo simultaneamente no conjunto dos Estados. Então, é um processo legislativo indirecto (Acórdão de 22.2.84, Kloppenburg).

Há uma total liberdade na escolha do acto jurídico de transposição (lei, decreto, despacho, circular e designação entidades competentes e dos meios, conforme a finalidade).

Neste plano da intensidade normativa das Directivas, a margem de escolha deixada aos Estados (forma, meios) depende do resultado pretendido pela Comissão ou Conselho.

Em princípio, não é directamente aplicável, havendo no final do articulado um artigo a fixar o prazo de transposição. Portanto não tem efeitos obrigatórios por ela, mas não deixa de ter efeitos jurídicos, designadamente para os particulares, na medida em que o Estado não pode exigir o seu cumprimento nem pode criar regras desconformes com as suas orientações enquanto não a transcreve, e pode ainda adquirir efeito directo, ou seja, tornar-se invocável pelos destinatários dos seus objectivos, após o decurso do prazo de transposição, em relação a normas passíveis de execução, por serem claras, precisas e incondicionais.

 

A Decisão obriga em todos os seus elementos os destinatários indicados, mas não tem alcance geral (obriga um Estado, uma empresa ou um indivíduo). Normalmente aplica o direito dos tratados a um caso particular (acto administrativo comunitário), como instrumento de execução administrativa do direito comunitário. Mas também pode ser instrumento legislativo indirecto, quando prescreve a um Estado ou a um conjunto de Estados um objectivo que passa pela criação de medidas nacionais de alcance geral. Pode ser muito detalhada e prescrever os meios para atingir o resultado imposto, deixando aos Estados apenas a escolha das formas jurídicas de execução nacional. Consequentemente, tem efeito direito, quando o destinatário é um particular porque modifica por si a situação jurídica. Mas essa modificação da situação jurídica do particular só ocorre com a transposição estadual quando o destinatário é um Estado, embora com efeitos internos directos também, se inaplicada, tal como Directivas. Na primeira situação há aplicação directa, na segunda há efeito direito possível.

 

Quanto às Recomendações e aos Pareceres, não têm em princípio força obrigatória, enquanto instrumentos típicos de intervenção comunitário, porquanto não aparecem expressamente referidas no Tratado como fonte de direito.

A Recomendação é um convite para a adopção de regras de conduta, como fonte indirecta de uniformização legislativa, mas sem a obrigatoriedade das Directivas. 

O Parecer é uma opinião, servindo de instrumento de orientação dos comportamentos e da legislação.

No entanto, o Tribunal da Comunidade atribuiu a estes actos efeito jurídico, obrigando os Estados a considerá-los, quando clarificam a interpretação das disposições nacionais para plena execução ou visam completar disposições de direito comunitário com carácter obrigatório, em que correspondem à Decisão (v,.g., Acórdão Grimaldi, de 13.12.89).

 

No que se refere ao regime de edição do direito derivado, o sistema legislativo comunitário implica o respeito do princípio do uso previsto dos actos comunitários.

Em termos de atribuições das Comunidades e da UE em geral, vigora o princípio da competência de atribuição, pelo que as instituições, Conselho, Comissão, Parlamento Europeu e Banco Central Europeu não têm um poder normativo geral. A competência nacional é a regra e a competência comunitária é a excepção.

Portanto, trata-se de competências específicas, porque funcionais.

Assim, quanto aos vários princípios que regem os limites ao poder normativo das instituições comunitárias, começarei por referir que as principais competências de atribuição estão ligadas às competências funcionais (poderes e meios para o cumprimento de uma «missão» cometida à Comunidade).

O princípio da atribuição é completado pela reserva de competências subsidiárias e o conceito pretoriano de competências implícitas.

As competências subsidiárias impõem-se quando necessário, para realizar um objectivo com falta ou insuficiência de poderes. As competências implícitas são competências não escritas ligadas à teoria dos poderes implícitos (com origem jusinternacionalista, no Parecer do Tribunal Internacional de Justiça de  11.4.49: trata-se de novas competências e funções necessárias à realização dos fins fixados no Tratado ONU).  O princípio da legalidade comunitária (art.º4 do TCE) implica que cada instituição aja nos limites das atribuições conferidas pelo Tratado, com controlo jurisdicional que o operacionaliza (173CE/33CECA). O poder comunutário tem de respeitar normas habilitantes (base jurídica do acto) e o conjunto de disposições gerais dos Tratados (Ac. Bela-Mühle de 5.7.77). Ele tem de respeitar o conjunto ou bloco da legalalidade comunitária, os Acordos internacionais e os princípios gerais de direito não escritos. E impera o princípio da vinculação aos instrumentos normativos consagrados, embora as instituições escolham o tipo de acto jurídico que consideram apropriado segundo a natureza e conteúdo das medidas queridas quanto o tratado não prevê o tipo instrumento a utilizar. Se não não há escolha, embora a Comissão tenha à base do artigo 155º o poder geral de Recomendação ou Parecer e na prática siga também emita programas ou declarações de intenção, actos principalmente políticos. O princípio da hierarquização do direito derivado resulta do não esgotamento de toda a regulação comunitária num momento e acto. O processo de criação do direito derivado pode ter duas fases sucessivas, numa aparecendo um direito derivado de primeiro grau, com regulamentos ou directivas de base (medidas assentes directamente no tratado) e um direito derivado de segundo grau (visando assegurar a execução das primeiras medidas), com regulamentos ou directivas de execução, actos normativos adoptados quer pela Comissão, com habilitação do Conselho (artigo 155º CE), quer pelo próprio Conselho de Ministros (e na prática também directivas de execução adoptadas pela Comissão, com fundamento num regulamento ou numa directiva do Conselho de Ministros. Portanto, os regulamento e directiva de execução não podem modificar nem desconhecer os regulamentos e directivas de base (Ac. Tradax 10.3.71).

actos comunitários fora da nomenclatura, ou seja, não previstos no articulado dos actos jurídicos, mas previstos nos Tratados.

São os actos atípicos, usados com os nomes referidos na normas referente aos actos tóipicos, mas sem a natureza nem os efeitos típicos desses actos.

E não são submetidos ao mesmo regime de edição.

Ou seja, também se designam como Regulamentos os regulamentos internos das instituições, regimentos, que assim são partes integrantes do direito orgânico das Comunidades; sem alcance geral, obrigando só as instituições, mas com importância porque têm alcance externo, contendo, v.g., regras sobre delegação de oderes que condicionam a validade dos actos.

Há Directivas, Recomendações e Pareceres que são actos dirigidos a outra Instituição comunitária sem efeitos jurídicos fora das relações interinstitucionais.

Exprimem o exercício de funções de certos órgãos consultivos (pareceres) ou directivas de orientação das negociações da Comissão com Estados terceiros, após a recomendação da Comissão em comunicação ao Conselho de Ministros, para ser autorizada a abrir negociações.

Ou Decisões sui generis, sem destinatários e sem sujeição a regras de notificação da norma referente às Decisões típicas, emnqunto actos administrativos individuais e concretos.

Estas Decisões estão na hierarquia máxima do direito derivado, acima dos regulamentos de base. São utilizadas pelo Conselho de Ministros para exercer poderes de revisão dos tratados, autonomamente, modificando disposições institucionais.

As Decisões podem ser emitidas ao abrigo do artigo 235.º do Tratado da CE (disposições mais genéricas que específicas) ou dos artigos referentes às várias modalidade de estabelecimento de programas económicos de médio termo ou fundados sobre os tratados (Decisão de 29.12.81 sobre actividades da pesca enquanto não tomadas medidas definitivas).

Podem, ainda, ser Decisões orgânicas de criação organismos subsidiários, de criação de estatutos, de nomeações. Isto é, de alcance interno ou orgânico.

Toma, também, a forma de Decisão a obrigação de os Estados-Membros cobrarem e verterem os recursos próprios da Comunidade.

Há Decisões do Presidente do Parlamento Europeu sobre a aprovação do orçamento e Decisões da conclusão de Tratados (acordos externos) no processo de comprometimento internacional (sem ser o acto vinculante).

 

Há, ainda, os Actos das instituições, não previstos pelos Tratados (actos extra-convencionais).

E temos os Actos nascidos da prática comum: resoluções, deliberações, conclusões, declaração, comunicações, cuja adopção começou por ser criticada pelo Parlamento Europeu, pelos riscos de falseamento dos mecanismos comunitários; mas a jurisprudência aceitou-os, sob reserva de não poderem derrogar os tratados constitutivos e reconheceu a alguns carácter obrigatório.

Na prática do Conselho de Ministros (Oficializada pelo artigo 3.4 do Acto de Adesão de 1972),temos também Programas com princípios fundamentais de acção, v.g., os referentes à política ambiental comunitária, com prazos de desenvolvimento, que são declarações de intenção, expressão da vontade política, documentos preparatórios de futuros actos obrigatórios[50].

De qualquer modo, alguns destes Actos são obrigatórios.

Quando independentemente da denominação formal, o seu conteúdo mostra que o Conselho de Ministros teve a intenção de se vincular, tomando disposições visando produzir efeitos de direito.

 

E há as Declarações que acompanham a adopção de um acto típico (visando condicioná-lo) do Conselho de Ministros, da Comissão e dos Estados membros[51].

 

Na prática da Comissão, temos as Comunicações, de alcance geral, em matérias onde só há poder de decisão casuística.

Vêm fixar orientações ao exercício futuro do poder discricionário. Ou os simples pareceres de carácter geral (com alcance jurídico indirecto, porque responsabiliza a Comunidade a segui-los, em face do princípio da confiança legítima dos administrados nas declarações da própria Administração[52].

 

A prática passa ainda por declarações comuns a várias instituições, com compromissos recíprocos de seguir um dado procedimento ou a respeitar certos princípios de funcionamento[54], o que pode implicar obrigações jurídicas, quando contêm obrigações precisas e incondicionais para as instituições[55].

O que importa reter, em geral em relação a actos comunitários, é que juridicidade está ligada à vontade manifestada de os aplicar.

 

Também são importantes as regras sobre as formas dos actos e a sua vigência.

 

Quanto às formas, os regulamentos internos do Conselho de Ministros e da Comissão dispõem que o acto comunitário deve ser precedido da indicação dos dispositivos que legitimam a sua criação, os vistos respeitantes a propostas, pareceres e consultas recolhidas, a motivação do acto.

 

Quanto à entrada em vigor, impõe-se a sua publicidade prévia à execução.

O acto só é oponível depois da possibilidade de se tomar conhecimento dele.

Há a obrigação de publicação dos Regulamentos da CE e da EURATOM, regulamento, directiva e decisões em co-decisão, directiva do Conselho de Ministros e Comissão dirigidas a todos os Estados-Membros, e das decisões e recomendações gerais CECA.

E as disposições de aplicação de um acto não publicado só entram em vigor após a publicação do texto principal. Se não, impõe-se a notificação. São notificáveis as decisões do Conselho de Ministros e Comissão, mesmo que os destinatários sejam todos os Estados-membros e as directivas dirigidas só a certos Estados membros.

As formas de notificação e de publicação são as seguintes: a notificação é feita por via postal, registada com aviso de recepção, envio contra recibo a uma pessoa com qualidade para os receber; ao Estado membro através representantes permanentes em Bruxelas; aos particulares por via postal ou via diplomática quanto ás empresas sujeitas jurisdição de Estados terceiros. E na língua do Estado a cuja jurisdição o particular está sujeito. Quanto aos prazos (contagem para efeitos da entrada em vigor), os actos consideram-se notificados, normalmente, no dia da notificação.

Quanto aos actos publicados: as instituições fixam livremente a data, sob reserva de regras referentes à retroactividade. Ou no seu silêncio, 20 dias após publicação.

Considera-se como dia da publicação, o dia em que a publicação do JOCE fica disponível na sede serviço publicações oficiais da Comunidade no Luxemburgo que, salvo prova em contrário, coincide com a data do nº do Jornal, que está no texto, independentemente da data da chegada ao território de cada Estado-Membro (Ac. Racke 15.1.79).

Na solução habitual, prevê-se a entrada em vigor retardada (após 20 dias). Mas pode ocorrer a aplicação diferida (produção efeitos após entrada em vigor) para permitir Estados tomar medidas de aplicação requeridas.

Nas situações urgentes, a entrada em vigor não respeita o prazo mínimo de 20 dias, mas não deve ser inferior a 3 dias (necessários para o encaminhamento para o território dos Estados). A entrada em vigor imediata, no dia da publicação JOCE so é aceite quando há a obrigação de evitar o vazio legislativo ou de prevenir a especulação.

Tal invocação é controlável pelo Tribunal da Comunidade Euroepia, que afere caso a caso a possibilidade de prejuízos comunitários, pela não entrada imediata (Acórdão Max Neumann 13.12.67): v.g., um regulamento fixando montantes a receber por importação ou exportação de produtos agrícolas. E a Comissão comunica na véspera ou no dia de manhã via telex a aparição do regulamento.

 

Quanto à transposição das directivas, a data da aplicação na ordem jurídica dos Estados é fixada na própria directiva. No plano da aplicação dos actos comunitários no tempo, a regra é a do efeito imediato das novas regulamentações (Ac. Westgucker 4.7.73): as normas modificativas de disposição anterior aplicam-se, salvo disposição em contrário, aos efeitos actuais e futuros das situações materiais criadas sob o império da norma antiga.

Sob reserva que não sejam ofendidos direitos definitivamente adquiridos é livre a modificação ou revogação de regulamentos (princípio da não retroactividade).

Mesmo sem direitos adquiridos à manutenção do regulamento, os seus destinatários beneficiam da teoria da protecção da confiança legítima na regulamentação existente que responsabiliza a Comunidade na supressão ou modificação com efeito imediato, sem aviso, e sem medidas transitórias adequadas, excepto existindo um interesse público peremptório ou fosse previsível para o operador económico.

Portanto, em termos de aplicação do direito comunitário no tempo, temos o efeito imediato dos regulamentos modificativos das normas anteriores.

O problema da retroactividade (efeitos jurídicos fixados para situações anteriores à publicação) leva-nos às seguintes considerações: vigora o princípio da não retroactividade para as situações constituídas ao abrigo da regulamentação anterior criadora de direitos definitivamente adquiridos. A retroactividade dos regulamentos é excepcional.

 

Quando o fim a atingir o exige e é devidamente respeitada a confiança legítima dos interessados (Ac. Racke 25.1.79). Ou seja, a retroactividade é condicionada a duas condições: que a confiança na manutenção da regulamentação não seja legítima porque seria possível ou pelo menos previsível a intervenção de medidas retroactivas (v.g. sistema a que seja conatural qualquer alteração produzida); que a instituição cuide de fazer conhecer aos Estados em tempo útil, vg. telex, as alterações (Ac. IRCA, 7.7.76).

 

No plano da revogação retroactiva dos actos administrativos, a jurisprudência admite a revogação dos actos ilegais unilaterais por parte da autoridade competente (A. Algera 12.7.57).

Quanto aos actos criadores de direito só são revogáveis quando ilegais (Ac. SNUPAT 22.3.61). O prazo para reforma dos actos ilegais, deve efectuar-se só em tempo razoável: actos criadores direitos, dentro de mais ou menos seis meses; actos não criadores de direitos, até a um máximo de 2 a 3 anos (Ac. Hoogonens 12.7.62).

Impõe-se a ponderação de interesses, em face da irregularidade do acto, da necessidade de retroactividade entre o interesse público e interesses privados (Ac. Lemmerz-Werke 13.7.65), senão haverá simples abrogação para o futuro do acto ilegal.

 

Em termos de características, o direito comunitário não é um direito exterior às ordens jurídicas nacionais, mas um direito próprio de cada um dos Estados membros, na medida em que é aplicável nos seus territórios nos mesmos termos que os direitos nacionais e colocado no topo da hierarquia das normas aplicáveis em cada um dos Estados, porque o direito comunitário adquire automaticamente o estatuto de direito positivo na ordem interna dos Estados (princípio de aplicação imediata).

O direito comunitário pode criar por si mesmo direitos e obrigações para os particulares (princípio da aplicabilidade directa).

 

 O direito comunitário aplica-se nas ordens jurídicas nacionais, mesmo que conflitue com as normas de criação interna de qualquer natureza (princípio da primazia).

Hoje, podemos falar na construção de um direito público europeu, numa linha de evolução jurídico-administrativa ocidental, em que não só o Tribunal dos Direito do Homem, de Estrasburgo, ao interpretar o direito referente aos Direitos do Homem, como o Tribunal da União, a nível dos seus Estados, ao erigir os Direitos do Homem em princípios gerais dos Estados membros, tal como a europeização dos Tribunais Constitucionais nacionais, com recurso à análise comparada na aplicação dos direitos fundamentais nos ordenamentos internos, propiciam a europeização dos direitos públicos nacionais.

O Tribunal da União é um órgão jurisdicional muito marcado pelas experiências nacionais, e com uma jurisprudência construtiva que exerce grande influência nos Estados membros, implicando a União uma profunda e constante interacção entre os ordenamentos comunitário e os dos diferentes Estados, o que faz prefigurar uma dada uniformização do direito administrativo na Europa, com raízes no Direito Comunitário.

Os Tratados ou o direito derivado consagravam alguns princípios gerais do direito administrativo, como o dever de motivação dos actos normativos ou a enumeração dos vícios substantivos passíveis de revisão judicial, mas a sua maior parte foi elaborada pela jurisprudência, com base nos princípios comuns dos Estados membros, v.g., desde o Acórdão Algera, em matéria de funcionários, caso 7/56, referente à revogação dos actos administrativos, não prevista no Tratado da Comunidade Europeia, o que colocava a questão da denegação da justiça, se o Tribunal das Comunidades não avançasse pela aplicação de princípios comuns aceites pela doutrina, legislação e jurisprudência dos Estados.

Depois veio o princípio da legalidade da acção administrativa, o direito ao processo devido, nomeadamente o direito a ser ouvido, o princípio da igualdade, da interdição de excesso (proporcionalidade) e da confiança legítima.

 

E há não apenas a emergência de um direito administrativo, substantivo e procedimental, mas uma emergência jurídico-constitucional comunitária.

Este plano do direito constitucional constitui o segundo bloco normativo material emergente do Direito Público Europeu.

Depois da primeiro abordagem de reticência no reconhecimento de direitos subjectivos positivados no âmbito da protecção dos direitos fundamentais, o TCE inflectiu a sua orientação a partir do Acórdão Stander de 1959, reconhecendo o enraizamento dos direitos fundamentais nos princípios gerais do Direito Comunitário, de modo que logo em 1970, o Acórdão Insternacionale Haudelsgesellschaft, em que parte das tradições comuns dos Estados quanto à protecção destes direitos, reconhece que os mesmos tinham que ser garantidos no âmbito da estrutura e objectivos da Comunidade.

No Ac. Nold de 1974, após a ratificação francesa da Convenção Europeia Direitos do Homem, o TCE declarava que o Direito Comunitário pode integrar princípios gerais e critérios a partir dos tratados internacionais de que os Estados sejam parte.

O Tratado de Maastricht, no artigo F2, veio consagrar expressamente esta doutrina, sobre Direitos Fundamentais, especialmente quanto à CEDH de 1950 e às tradições constitucionais comuns.

Há, pois, hoje, princípios gerais comunitários no âmbito dos direitos fundamentais, que importa considerar.  

Esta supremacia absoluta do direito da União Europeia impele à sua consideração como direito supraconstitucional (independentemente das normas constitucionais sobre a regulação do tema, ou mesmo da sua inexistência, e da divisão doutrinal dos autores sobre o modo de enquadrar a aplicação da regra da sua supremacia, pelo menos, suspensão da vigência das normas que o contradigam) ou, não se aceitando tal, e impelindo-se assim à obrigação sistemática de uma revisão constitucional prévia à sua adopção (embora sem real autonomia da vontade nacional, só formalmente soberana, do parlamento estadual, obrigado a ir a reboque da vontade comunitária, em que a vontade nacional dos representantes governamentais ou dos parlamentares europeus se impõe), sempre que haja desconformidade de preceitos.

 

Quanto às fontes não escritas do direito comunitário, temos o Costume (de facto, pela joventude da União e sua forte dinâmica legisladora e evolutiva, ele é uma realidade quase inexistente: (v.g., havia a exigência de parecer conforme do Parlamento Europeu na fixação do orçamento operacional da CECA) ea Jurisprudência, que, esta sim, tem tido um lugar importante e memso fundamental na criação jurídica, podendo falar-se de um direito de fonte jurisprudencial, aparecendo sobretudo ao nível da explicitação de princípios gerais de direito a partir dos Tratados constitutivos e dos ordenamentos jurídicos dosn Estados.

O direito jurisprudencial tornou-se importante devido ao carácter geral, impreciso e incompleto das regras dos Tratados, à rigidez do direito primário, rigidez do seu procedimento revisão, inércia do direito derivado por bloqueamentos de membros do Conselho de Ministros, aptidão do Tribunal da União de criar direito devido à igualdade institucional que sempre teve com o Conselho de Ministros e a Comissão Europeia e à sua capacidade operacional em face do monopólio da interpretação autêntica.

A missão normativa do Tribunal da União afirma-se no devido ao uso de métodos interpretativos dinâmicos e no recurso generalizado aos princípios gerais de direito.

Quanto aos métodos de interpretação, eles correspondem às ecxigências de uma jurisprudência construtiva. Há a preferência pelos métodos sistemáticos (contexto geral) e métodos teleológicos (objecto e fim), ultrapassando a interpretação literal, em termos diferentes, portanto, do disposto no art.º 31.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

O método sistemático é explicitado perfeitamente no Acórdão Manghera, de 3.2.76, que prossegue uma interpretação no contexto em relação com outros parágrafos do mesmo artigo e no sistema geral do tratado (interpretação sistemática).

Mas, como o Tribunal refere, é menos importante a conexão das disposições do que as relações estruturais (interpretação dos artigos, tendo presente os títulos das subdivisões do Tratado) ou do seu lugar nessas subdivisões (v.g., Acórdão Unger de 19.3.64; Acórdão Comissão contra o Luxemburgo e a Bélgica, de 14.12.82). Noutras alturas, refere que o efeito directo do Direito depende da sua função no sistema do Tratado (v.g., Acõrdão SACE, de Bergame).

O método teleológico é resultante da busca do sentido, apreendido no quadro dos objectivos propostos pelo Tratado (Preâmbulo e disposições iniciais, interpretáveis à luz das finalidades do Tratado: Ac. Mij PPV 13.3.73; RFA cntra COM 16.6.66), como princípio de interpretação.

Conclui-se várias vezes pelo efeito directo de normas dos Tratados (v.g., artigo 119 do TCEE), tendo presente a natureza do princípio da igualdade das remunerações, do objectivo perseguido e do lugar no sistema do Tratado (Ac. Defrenne 8.4.76).

O método sistemático e teleológico (usado na interpretação dos regulamentos em relação direito originário e também em relação regulamentos de base para medir poderes de execução da Comissão (v.g. Ac. Koster, de 17.12.70), é sobretudo importante nos Tratados, pois os princípios da interpretação são instrumentos directamente operatórios, tanto para interpretar restritivamente excepções (Ac. Reyners 21.6.74), como para afastar as consequências duma omissão normativa do Conselho, assim evitando aplicar princípios de interpretação do juiz internacional (vg. Ac. Charmusso, de 10.12.74).

Há a desvinculação em relação aos métodos de interpretação do juiz internacional (DIP). No DIP, o princípio da soberania dos Estados obriga a uma interpretação estrita dos compromissos dos Estados, enquanto a jurisprudêncua comunitária vai contra a soberania dos Estados em nome das finalidades da integração: não se presume a caducidade das normas Tratado e portanto não renacionalização atribuições conferidas Comunidade, não exercidas sem disposições expressas Tratados (Ac. Comissão contra França, de 14.12.71), atribuição implícita competência compromissos internacionais (Parecer 1/76, 26.4.77), rejeição regra §3, artigo 31 da Convenção de Viena do Direito dos Tratados, quanto ao valor das condutas posteriores dos Estados para deduzir a vontade inicial das partes ou constatar a modificação implicitamente do conteúdo do tratado na insuficiência de reacção contra a Comissão (Ac. Defrenne, 8.4.76), sendo tais condutas sempre violações (para não esvaziar os tratados e a Comunidade).

A utilização da regra do efeito útil leva a afastar as interpretações que fazem perder tal efeito, enfraquecer ou limitá-lo em relação a qualquer norma, com consequências na afirmação da interpretação actualista (Parecer 1/75 11.11.75 e 1/78 4.10.79, em que se afirma que a leitura dos Tratados deve ser feita segundo as necessidades actuais).

Ou seja, não segundo uma leitura indutiva (pensamento dos autores dos textos), mas uma leitura dedutiva, a partir da noção de Comunidade, com consequências inelutáveis. Desde logo, a ideia do respeito pelo acervo comunitário (estado do avanço da construção europeia e implicações necessárias, e, desde logo, a salvaguarda da existência e unidade do direito, através do princípio da primazia do direito comunitário (Ac. Costa, de 15.7.64; San Michele, de 22.6.1965); e princípio da autonomia do direito comunitário (não aplicação regras nacionais para apreciar a validade dos actos jurídicos comunitários ou para limitar o alcance das suas disposições, atacar a unidade e eficácia do direito comunitário (Ac. internationale. Handelsg. 1970).

 

Da noção de Comunidade e da noção de política comum resulta o princípio do paralelismo de competências internas e externas da União, para contratar com Estados terceiros: o carácter exclusivo das competências externas comunitárias, após as competências internas da Comunidade começarem a ser exercidas, em face do princípio da preempção.

 

E temos, ainda, os princípios gerais de direito, já referidos anteriofrmente.

Em termos de natureza, são regras não escritas, que o juiz, constatando existirem, compatibiliza e aplica, integrando na ordem jurídica comunitária, a partir dos diferentes sistemas jurídicos, designadamente dos dos Estados membros.

três categorias de princípios: os princípios gerais de direito (princípios comuns ao conjunto dos sistemas jurídicos nacionais e internacional, que dão resposta a exigências supremas de direito e da consciência colectiva, v.g., o do carácter contraditório do processo judicial65, ou princípio geral da segurança jurídica, com conteúdo operativo mais difícil de indentificar; os princípios de direito internacional público, só aplicáveis a título excepcional, v.g. matéria de tratados contraditórios, dado que normalmente são incompatíveis com a estrutura e as exigências do sistema comunitário (pois a noção de Comunidade impede que os Estados façam justiça por si mesmos ou se desobriguem, invocando o princípio de direito internacional da reciprocidade, em face da inexecução de obrigações que lhes incumbam, por incumprimento por parte do outro Estado, etc.); e os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados membros, que traduzem um património jurídico comum, o ponto de convergência do conjunto dos sistemas nacionais ou uma corrente dominante, mas também pode ser minoritária (v.g., o princípio da proporcionalidade, da confiança jurídica, próprios da RFA.) quando os outros Estados não têm disposição significativa na matéria. No caso Sayag (Ac. 11.7.68), adopta-se a noção restritiva de exercício de funções de agentes públicos, só vigente num Estado. Por vezes, adopta-se um princípio transposto de dada regra, derivada da autonomia do Direito Comunitário (o Ac. International Handelsgesellschaft, de 17.12.70, rejeita princípios comuns não compatíveis com as exigências comunitárias: Ac. Dausin 11.7.68).

 

No que diz respeito às fontes complementares do direito comunitário, temos o direito resultante de Acordos entre os Estados membros, nos domínios de competência nacional «reservada», situando-se no desenvolvimento dos objectivos definidos pelos tratados. Ou seja, direito que ainda é direito comunitário em sentido amplo, porque apesar do regime inter-estadual têm relações com a ordem jurídica comunitária.

E assim, temos as Convenções Comunitárias, as Decisões e Acordos convencionados pelos representantes dos governos dos Estados membros reunidos no seio do Conselho de Ministros em conferência diplomática e as Declarações, resoluções e tomadas de posição relativas às Comunidades, adoptadas por comum acordo dos Estados membros.

 

Há, ainda, outros actos jurídicos que vinculam a Comunidade.

Há, ainda, a considerar o direito resultante dos compromissos externos das Comunidades. Trata-se de acordos celebrados no quadro das competências externas, que obrigam internacionalmente (pela simples conclusão internacionnal). Integram-se na ordem jurídica comunitária, e, portanto, dos Estados membros, tendo aplicação interna com a mera publicação.

E a integração de qualquer Estado aderente na ordem jurídica comunitária processa-se desde a entrada em vigor dessas normas ou das sentenças proferidas pela Jurisdição da União (com informação no Jornal Oficial da anteriores Comunidades e da União).

Há, depois, os actos unilaterais dos órgãos criados por certos Acordos externos (sejam tratados da UE sejam mistos), com poder decisional adequado, verdadeiro direito derivado dessas organizações. Refiro-me a órgãos de gestão com poderes para adoptar actos obrigatórios unilaterais (sem necessidade de ratificação ou aprovação). São fontes de direito comunitário.

 

As Decisões de órgãos criados por acordos externos ou de organização internacional em que a Comunidade se integre fazem parte integrante do Direito Comunitário desde que produzam efeitos jurídicos sobre a Comunidade, adquirindo força obrigatória segundo o direito internacional, mesmo que a Comunidade não os transponha para regulamentos, como é habitual e mesmo que não os publique autonomamente.

 

E os tratados concluídos por Estados membros com Estados terceiros, em que a Comunidade não foi parte, vinculam-na quando esta dever considerar-se «substituída» pelos Estados, comprometidos em tratados multilaterais anteriores a 1958.

Quanto aos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, em vez de considerar a Comunidade vinculada à Convenção Europeia como fonte formal da legalidade comunitária, o TUE limitou-se a considerar CEDH como fonte inspiração indirecta, junto com catálogos constituições nacionais, pela via dos princípios gerais de direito.

 

E quanto às Convenções Internacionais concluídas pelos Estados depois da entrada em vigor do Tratado da CEE, em domínios de competência residual ou transitória, v.g., no domínio do trabalho, a Organização Internacional do Trabalho, ou no quadro Conselho da Europa?

É uma questão não resolvida pelo Tribunal das Comunidades Europeias.

A resposta parece dever ser no sentido da sua não integração automática na ordem jurídica comunitária, ou seja, enquanto não haja a sua aceitação (declaração de aceitação).

 

No plano da hierarquia entre normas vigentes na ordem jurídica comunitária, começo por referir que, quanto à hierarquia do direito convencional, celebrado com terceiros, obrigando a Comunidade, alguma doutrina a considera como inferior ao direito comunitário primário, mas superior ao direito comunitário derivado (GUY ISAAC, -Direito Comunitário Geral, 1996), embora se deva aplicar aqui o mesmo princípio da supremacia aplicável em relação ao direito interno dos Estados.

 

Quanto ao princípio da primazia do direito convencional complementar sobre o direito derivado, ele assegura o seu respeito em via contenciosa ou prejudicial e em relação aos actos comunitários anteriores ou posteriores, independentemente da forma da conclusão do tratado internacional.

 

Quanto direito primário orgânico e procedimental, que fixa normas atributivas de competências externas e regras de procedimento no seu exercício, há nulidade dos Acordos internacionais se faltarem atribuição à Comunidade na matéria e pode haver a invalidade no plano interno por falta de procedimento, mesmo que seja válido internacionalmente à face da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

 

Quanto direito primário material, a sua violação pode ser evitada pelo controlo preventivo do Tribunal da União, segundo o procedimento organizado nos termos da respectiva norma do Tratado da UE.

 

No que diz respeito às fontes complementares do direito comunitário, em relação ao direito originário, elas são fontes de igual valor convencional, sem relação de subordinação.

Mas as finalidades do direito complementar exige uma relação de compatibilidade (pelo que não há por princípio antinomias a resolver), e implica, de qualquer modo, sempre, uma interpretação não prejudicial do direito comunitário, presumindo-se que os Estados não derrogaram o Tratado da União Europeia, em face da cláusula de fidelidade do artigo 5.º: dupla obrigação dos Estados-membros, expressamente veículado no Tratado de Roma, sem prejuízo da aplicação do novo princípio da subsidiariedade.

 

Quanto às relações entre o direito complementar e o direito comunitário derivado, importa distinguir entre as matérias da competência comunitária exclusiva, situação em que a regulação convencional pelos Estados traduz violação do tratado, por incursão dos Estados membros nas atribuições transferidas. Quanto às matérias da competência concorrente, especialmente no âmbito do artigo 235.º do Tratado da CE, impera o princípio da prioridade do direito derivado.

E nas matérias de competência nacional exclusiva, só pode haver actos comunitários com fundamento e para execução de actos de direito complementar, subordinados a estes.

 

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6.HIERARQUIA DAS NORMAS JURÍDICAS

 

Quanto à sua hierarquia, temos o direito internacional geral, a Constituição, as leis de valor reforçado, as leis e decretos-leis, os decretos legislativos regionais, os regulamentos gerais (do Estado), os regulamentos regionais e os regulamentos locais.

 

Os princípios sobre a hierarquia das normas, pode enunciar-se assim: a norma de valor superior pode revogar a norma inferior que não se conforme com ela (afectada de ilegalidade, e se, implicar directa ou indirectamente (directamente: lei de valor reforçado) a Constituição da República Portuguesa, a nulidade de que fica afectada (ilegalidade ou inconstitucionalidade), é declarável pelo Tribunal Constitucional; se ofender norma internacionalista ou comunitária/unionista, é inaplicável, considerando-se, no mínimo como de vigência suspensa).

 

Quanto à jurisprudência, os três sentidos correntes em que é entendida são correspondem a ciência do direito, actividade casuística cogente dos tribunais (jurisdicional na resolução dos casos concretos submetidos a julgamento) ou actividade doutrinal resultante da actuação corrente (traduzida em orientações gerais dedutíveis das resoluções dos tribunais na solução de casos semelhantes. ou seja, questões factuais idênticas com aplicação das «mesmas» normas jurídicas). É em relação ao conjunto destas orientações que se põe a questão de saber se elas são ou não fontes de direito. E em sentido criador ou revelador?.

 

Seguindo de perto DIOGO FREITAS DO AMARAL, que distingue entre fontes juris essendi e fontes juris co­gnoscendi, podemos encontrar várias teorias sobre a matéria:

a)- Segundo a teoria montesquiana da negação da autonomia teórica da qualificação da jurisprudência como fonte do Direito, que é a teoria clássica, resultante do próprio pensamento de MONTESQUIEU[56], e que tem sido seguida pela maioria da doutrina portuguesa, os juízes não criam direito, tendo apenas uma função secundária, que se traduz na mera aplicação do direito, pelo que sendo as fontes do direito são apenas a lei e o costume, a jurisprudência não o é. Como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, esta teoria é inaceitável, porquanto os tribunais não são meras máquinas de reprodução exacta da vontade do normador, constituídos por juízes transformados em puros agentes passivos, meros conversores de «ditados» exteriores em soluções concretas, e portanto a jurisprudência não é um mero altifalante da voz do legislador, neutra, sendo certo que os tribunais ultrapassam o mero labor de executores da norma escrita ou costumeira, pelo que tal teoria é de afastar.

 

b)- Segundo a teoria realista radical, defende-se não só a autonomização conceptual da jurisprudência como fonte do direito, como a secundarização em geral do papel da lei e do legislador. Com efeito, para esta concepção americana, quem cria o direito são os juízes, afirmando rotundamente que antes dos tribunais de um país se pronunciarem, não se sabe verdadeiramente qual é o direito vigente nesse país. Nesta linha de pensamento, o célebre juiz americano HOLMES[57]chegava ao ponto extremo de dizer que as leis não passam de meras «pro­fecias» daquilo que os tribunais acabarão por decidir quando julgarem os casos concretos. Mais concretamente, escreveu HOLMES, em 1897, que uma obrigação legal não é mais do que a predição de que, se um homem faz ou deixa de fazer certas coisas, terá de sofrer desta ou daquela maneira, por sentença dum tribunal», as profecias do que farão os tribunais, e nada mais pretensioso do que isso, é o que eu entendo por Direito, num caminho de mera análise do funcionamento real dos tribunais com rejeição do direito como sistema lógico[58]. Comentando estas afirmações, DIOGO FREITAS DO AMARAL demarcando-se, diz que «as leis não são meras ‘profecias’», pois «têm valor próprio, são obrigatórias por si mesmas, independentemente de virem ou não a ser interpretadas e aplicadas pelos tribunais. Aliás, a maioria das leis são obedecidas espontaneamente pela maioria dos cida­dãos na maioria dos casos, sem recurso a qualquer tribunal», pelo que haverá aquialgum excesso no modo de encarar a relação lei-sentença.

Consideramos que, quer a teoria clássica em Portugal, quer a teoria realista radical, generalizam «o campo factual» que seleccionam e a que se agarram redutoramente nas suas análises, pois, não é pelo facto de, muitas vezes, os juízes tal como os órgãos das Administração Pública, na aplicação de certos conceitos e previsões normativas não terem margens de inovação jurídica que pode negar-se as outras, e são muitas, em que o têm, por não se estar perante conceitos e previsões muitas precisas (em que se limitam à efectivação de operações de cálculo matemático) ou perante uma estreita margem de densificação jurídica, em que não há espaço para grande criatividade apreciativa e decisória.

Como é possível desconhecer-se que há situações típicas em que a jurisprudência aparece como um fonte não só reveladora como realmente autónoma em termos de criação de direito e, assim, é fonte de direito, tal como: acontece com os acórdãos com força obrigatória geral, acórdãos uniformizadores de jurisprudência com eficácia jurídica, acórdãos de actualização de jurisprudência uniformizada, as correntes jurisprudenciais uniformes?

 

c)-Nesta linha de constatação e numa postura teórica realista moderada, em que nos colocamos, e que em Portugal vemos perfilhada, desde logo, por DIOGO FREITAS DO AMARAL, há que considerar que, embora na maioria dos casos, a fonte primária do direito seja a lei ou o costume, a jurisprudência, também pode ser fonte juris esssendi, e fonte cognoscendi. Com efeito, nas situações em que os tribunais intervêm, os juízes, de facto, muitas vezes, desempenham uma função criativa, que há que reconhecer que integra o seu espaço institucional de intervenção.

 

Há situações em que os juízes, nas suas tarefas de aplicação de conceitos e previsões normativas operam operações com clara criatividade apreciativa e decisória, reservando-lhes o próprio direito espaços heurísticos no plano da conformação dos factos a subsumir ou decisórios seja em termos de tempo de actuação e conteúdos das soluções que revelam remissões criativas mais ou menos significativos, através do uso de conceitos imprecisos (vagos, indeterminados), seja pelo recursos a termos e saberes técnicos e científicos de implicam uma mobilidade de soluções à medida dos avanços na densificação desses conceitos extra-jurídicos, seja pela atribuição de poderes discricionários, sendo certo que, no caso dos tribunais, isso dá origem à afirmação do direito vigente no caso e, por influência posterior da própria decisão precedente, a orientações generalizáveis na jurisdição, e embora nem todos os casos de aplicação do direito cheguem a tribunal propiciando este espaço reorientador ou corrector da aplicação do direito, as suas orientações, na medida em que existam, influenciam a doutrina e os destinatários das normas, designadamente os poderes públicos, devendo, de qualquer modo, evitar confundir os planos de intervenção pois estamos perante aspectos distintos que a análise dos processos revela claramente: se é verdade que os tribunais não criam normas jurídicas, pois a decisão dos casos concretos não traduzem comandos gerais e abs­tractos, de eficácia erga omnes, pelo que as sentenças, sendo, em si e em geral, meras decisões individuais e concretas, não têm natureza normativa[59], também é verdade que não sendo realmente as sentenças fonte de direito, não deixa de se constatar como historicamente sedimentada a realidade de um fenómeno extremamente relevante que é a existência de decisões jurisdicionais criativas na solução casuística das questões jurídicas colocadas aos tribunais, que não podem considerar-se derivadas, automaticamente, de uma mera aplicação da norma ao caso concreto. Independentemente de haver países (Inglaterra e em parte também nos E.U.A.), em que o «precedente judicial» é obrigatório nos casos julgados posteriormente, e, em regra, tal não ocorrer em Portugal, onde a lei, no entanto, não deixa de, excepcionalmente, impor uma jurisprudência obrigatória (de jure) em certas situações[60]: o preenchimento de casos omissos, com o dever não só de julgar, mesmo que ocorra falta ou obscuridade da lei ou dúvida acerca dos factos em litígio; o dever de tomar em «consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito»[61], a concretização de conceitos imprecisos, geralmente designados como conceitos vagos ou indeter­minados (situações de uso de margens de livre decisão ou de poderes discricionários pelo juiz), as sentenças especiais, a que dá lugar, os acórdãos de uniformização de jurisprudência, que implicam a sua obrigatoriedade para todos os tribunais hierarquicamente subordinados, instituto do julgamento ampliado de revista e agravo para assegurar a uniformidade da jurisprudência[62], recursos para uniformização da jurisprudência penal (artigo 437.º do Código de Processo Penal, e recurso de reexame actualizador da jurisprudência, no interesse da unidade do direito, do artigo447.º do Código de Processo Penal, que DIOGO FREITAS DO AMARAL considera de aplicação analógica a todos os tipo de processos[63]) e da administrativa[64]-[65]-[66].

 

Além disso, a jurisprudência dos tribunais será também fonte indirecta do costume, designadamente quando leve à afirmação de normas claramente contrárias ao direito tido como vigente até aí ou quando seja manifestação da sua existência, em que ela apareça como nomogenética, na medida em que seja inovadoramente «geradora» de actos jurídicas gerais e abstractos, que posteriormente não só a generalidade dos tribunais como também as autoridades administrativas e os cidadãos acatem como sendo de natureza obrigatória, ou seja, verdadeiro direito. No entanto, como se constata, neste caso de co-autoria material de direito, juridicamente a verdadeira fonte é o costume, cuja lógica protocriativa propicia ou a cuja afirmação responde, embora o arranque da sua prática reiterada possa partir da própria actuação dos tribunais, em processo algo semelhante à do costume internacional com base nas resoluções parlamentares da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (que alguns autores chamam de fonte parlamentar, para distinguir do costume de criação normativa não escrita e inicialmente não intencional).

 

Isto pode aconte­cer sobretudo em dois tipos de situações:

Quando se criem correntes jurisprudenciais claramente maioritárias, que criem a convicção de que um caso idêntico virá a ser decidido segundo essa orientação (da mesma maneira), e que portanto comecem a ser acatadas, de facto, como se fossem obrigatórias até que entrando na prática social corrente, acompanhadas da convicção da sua vinculatividade, se tornem obrigatórias ou seja acatadas de iure.

De qualquer modo, quer para os tribunais, quer para a Administração Pública e os cidadãos em geral, o valor prático da jurisprudência, seja na interpretação e aplicação da lei aos casos concretos, seja como fonte excepcional de normatividade ou como sua base nomogénica, é bastante muito importante, pois o direito socialmente «vigente» é o que o juiz diz que é direito e aplica, pois as sentenças obrigam todos os seus destinatários, cidadãos ou poderes públicos[67]-[68].

Em conclusão, o conhecimento do direito de um dado país não passa apenas pelo conhecimento da norma-regra, pois há, além dos princípios gerais (embora estes tenham perdido muito do seu anterior sentido autónomo, ao serem paulatinamente consagrados em normas escritas, muitas vezes mesmo de natureza constitucional) e do costume, a jurisprudência dos tribunais, sobretudo a dos tribunais superiores.

 

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No que se refere à problemática relacionada com o papel da doutrina na construção do direito, ou seja, ao valor da doutrina como fonte do direito, temos em pólos opostos, a doutrina (teoria clássica) que se rejeita como fonte do direito e as posições doutrinais, como a expressa por Diogo Freitas do Amaral, segundo as quais a doutrina é simultaneamente uma fonte juris essendi e uma fonte juris cognoscendi.

Desde já, se afirma que não se considera nunca doutrina em geral como fonte primária de direito. Mas afirma-se que ela pode exercer um papel protonormador ou conformador do conteúdo ou interpretação concretos de normas pré-existentes, pois, por vezes, exerce uma influ­ência decisiva não só na criação de normas positivas e outras na explicitação de normas consuetudinárias, quer junto do legislador e Administração Pública (elaboração de novas leis e regulamentações e alteração de normas existentes), como na aplicação das normas pela Administração Pública e, sobretudo, pelos julgadores, desde logo junto dos tribunais superiores, ajudando, juntamente com a acção casuística dos advogados, a construir aquela parte da jurisprudência que muitas vezes se revela mais estável.

E, sobretudo, a «doutrina unânime» ou, pelo menos, «maioritária» têm realmente uma influência marcante, junto dos tribunais. Com efeito, quotidianamente a jurisprudência portuguesa, em apoio aos fundamentos das suas decisões judiciais, recorre e cita essencialmente a doutrina, que assim, por esta via, ganha foros de uma «fonte ‘indi­recta’ do Direito» (Diogo Freitas do Amaral).

 

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Não terminaremos estas breves considerações sem lembrar que a Administração Pública portuguesa é chamada a aplicar directamente normas comunitárias, quer as de vigência directa e transcrição interdita em normas nacionais, como acontece com os regulamentos da CE, quer as dependentes de transcrição obrigatória, e mesmo que não efectivada, apesar de decorrido o tempo para o efeito (Directivas; e mesmo Decisões dirigidas ao Estado) desde que tenham efeito directo (nos termos fixados pela doutrina pretoriana do Tribunal do Luxemburgo)[69].

Pela sua importância, vejamos especificamente a teoria das fontes unionistas

 

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7. FONTES DE DIREITO E SUA APLICAÇÃO. PRINCIPIO DA SUPREMACIA DAS NORMAS INTERNACIONAIS E UNIONISTAS. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA CONSTITUCIONALIDADE E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

A Administração pública portuguesa tem os seus princípios organizatórios e de actividade inseridos no texto constitucional.

Vivemos em Estado constitucional democrático, o que implica um conjunto de considerações que permitam fazer a ligação do direito constitucional e suas exigências ao direito administrativo.

No Estado democrático actual, a Constituição não um mero conjunto de linhas programáticas a juridificar pelo legislador ou a concretizar em políticas públicas pela Administração. É normação. Não só a sua criação deve ter eficácia imediata mesmo não exequibilidade ou aplicação directa, como cumprimento das normas constitucionais, tal como o controlo deste, assumem uma importância fundamental.

E isto não pode deixar de implicar que qualquer teoria de exercício e de limitação dos Poderes a nível nacional só ganha sentido numa abordagem constitucionalocêntrica.

Não significa isto que a tripartição clássica dos Poderes ou mesmo mais, aceitando a função política, designadamente a moderadora do Estado, tenha que perder interesse. E isto não tanto por corresponder ou não à delimitação material de distintas funções (que é, hoje, secundário na perspectiva garantística, reganhando sobretudo valor, no plano da eficácia organizacional do Estado), sendo certo que tal distinção não existe senão tendencialmente, com «confusão» das várias funções nos vários Poderes.

Mas porque hoje o heterocontrolo não deriva apenas da pluriorganicidade do Estado, em termos do exercício da soberania, mas porque há uma função básica que exprime a totalidade da soberania popular, de cuja expressão resulta a conformação concreta de todos os poderes, a sua importância e a validade dos seus actos. Porque a soberania está no Povo, os Poderes de Estado não são apenas Órgãos de Soberania. São Órgãos Soberanos, não poderes instituídos. Há aqui uma ideia de Poder e Função Constituinte que tornam fundamentais e superiores, no plano do exercício interno de poderes, as normas que criam.

Por isso, a Constituição é a Grande Norma, a Lei Fundamental do Estado. Todas as actividades necessárias ao desenrolar quotidiano da sociedade, criando normas e aplicando-as em concreto ou actuando para a sua concretização em geral, têm que a respeitar e aplicar. Isto é, os Poderes que dirigem o Estado são poderes juridicamente subordinados à Constituição, o que se exprime e cumpre na perspectivação teleológico-constitucional da sua actividade e no respeito do princípio da constitucionalidade.

Ou seja, as funções clássicas de MONTESQUIEU são hoje apenas sub-funções referentes à gestão corrente de Estado: sub-funções da Função Governativa (governação em sentido amplo, aqui usado). A própria função tida como a mais importante no Estado, a Função Legislativa, porque é uma função subordinante, também é uma função subordinada, porquanto a nomocracia e a nomogénese estão constitucionalmente definidas. Toda a função governativa - seja ligada ao Poder Legislativo, ao Poder Executivo ou ao Poder Judicial, ou seja, que satisfaça necessidades de enquadramento de conveniência  -é constitucionalocêntrica e, portanto, não tem sentido falar a este nível de uma função política ou governativa senão  como actos derivados da Constituição e, assim, passíveis de controlo aferidor do seu cumprimento. Neste aspecto, não haveria actividade anómica do Executivo e dos órgãos de soberania, visto que as actividades governativas são nomocêntricas, quanto mais não seja penduradas directamente na Constituição.

 

Quer a normação entregue pelo legislador à Administração Pública, quer a execução, interpretação e aplicação das normas pela Administração Pública e Tribunais, são actividades legitimadas e guardadas na Constituição, que aplicam. Classicamente, entendia-se que o Parlamento seria fiscalizador do cumprimento da Constituição e das leis que ele próprio elaborava, devendo não só perder a capacidade de controlar o Executivo, dada a evolução dos regimes democráticos para a partidocracia que acabou com a subordinação do Executivo ao Parlamento, ambos sujeitos a uma direcção política única.

E, de qualquer modo, os Parlamentos podem ser constitucionalicidas, liberticidas. Impõe-se o controlo da função governativa, para verificar a sua conformidade com a vontade soberana expressa na Constituição.

A Constituição, base do consenso social, do contrato social, só persiste pela função reconstituinte e actualizadora permanente do Tribunal Constitucional e dos tribunais em geral, que devem fiscalizar as actividades nomocêntricas bem como os actos que têm sido enquadrados como anómicos, não sindicáveis. Uma função reconstituinte porque elimina do ordenamento jurídico as normas que ensombram (revogam) a Constituição, actuando como legislador inconstitucional, ou seja, em nosso entender, tal como HANS KELSEN pensava, como «legislador negativo».

 

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Tema a destacar é o da supremacia do direito supranacional, internacional e unionista, e da Constituição e da eficácia das suas normas.

 

O Direito Administrativo é um subsistema normativo dentro do ordenamento jurídico global, que tem a sua base no DIP, DUE e Constituição, sendo certo que todo o direito positivo terá de se adequar a ela e interpretar-se a partir dela.

o DIP, o DUE e a Constituição contêm enunciados fundamentais de muitos ramos do direito., que  se impõem, aqueles a todo o direito de fonte interna, e o direito constituciona, não àqueles, mas a todo o restante direito de fonte nacional.

 

Quanto ao direito constitucional, OTTO MAYER, no seu Direito Administrativo Alemão, acentuava o carácter de permanência do Direito Administrativo em face do carácter passageiro do Direito Constitucional. E FRITZ WERNER não deixaria de proclamar que o Direito Administrativo era Direito Constitucional concretizado.

 

A Administração e o Direito Administrativo são uma realidade histórica, porque instrumento ao serviço de opções constitucionais, em cada momento assumidas pela soberania popular.

O Direito Administrativo constrói-se em grande parte a partir de parâmetros consensualizados na Constituição, a cujos postulados tem de se adaptar.

Aqui, tal como no DIP e DUE, e aliás com primazia relativa para estes, há princípios que se impõem ao legislador e, no caso do DC, tal ocorre quer na construção da Administração, como na conformação dos regimes jurídicos nas diferentes matérias, e posteriormente na actuação concreta da Administração.

E, dado o carácter jusprogramático da Constituição, há orientações dirigidas à Administração em diversos sectores, que cobrem as atribuições dos vários ministérios.

Normalmente não são normas de aplicação directa, porquanto dependem da interpositio legislatoris, e assim condicionadas organicamente e, nas suas exigências materiais, pelo estado de desenvolvimento do país.

De qualquer modo, toda a norma constitucional é obrigatória.

A sua aplicação é que pode não ser imediata.

No entanto, a questão da aplicabilidade directa continua, hoje, a provocar reflexões doutrinais inacabadas.

 

No Brasil, em face do artigo 5.º da Constituição de 1988, referente ao direito de acesso à informação administrativa, este direito é declarado de aplicação directa.

Com efeito, ressalvando as várias situações de excepção (que não devam resultar já de outros preceitos referentes à intimidade e honra das pessoas), ligadas à segurança nacional, apenas se deixa para o legislador, tal como em Portugal, a fixação do prazo máximo de resposta obrigatória ao requerimento de acesso.

Mas não fora a possibilidade de o cidadão recorrer ao «mandado de injunção» e a declaração da «aplicabilidade imediata» desta norma poderia ver-se paralisada.

É verdade que a questão da aplicabilidade de certos direitos proclamados na Constituição brasileira se complicou, com alguma doutrina e jurisprudência a ler desinserida a letra do § 1 do artigo 5º, que, apesar de colocado apenas no capítulo dos direitos e deveres individuais e colectivos, fala na aplicação imediata das «normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (a que justamente se refere todo o título II), que logo a seguir tem o capítulo dos Direitos Sociais, a que aqueles sectores querem estender o mandado de injunção (que permite o suprimento pelo juiz da falta de regulamentação pelo legislador, apenas aplicável na situação em apreço, e a efectuar segundo parâmetros de equidade). Esta divisão doutrinal tem prejudicado o desenvolvimento da jurisprudência que, receosa das consequências da extensão do âmbito da sua aplicação, em vez de o clarificar, começou a corromper a própria construção teórica deste mandado.

Importa ainda referir que, no Brasil, o cidadão pode impugnar directamente qualquer agressão aos direitos fundamentais (à semelhança do recurso de amparo espanhol e de alguns países latino-americanos, bebido na experiência piloto da Constituição mexicana de 1917, e que tem geminação no recurso público suiço e nos recursos constitucionais alemão e austríaco), através do mandado de segurança (que acaba por se ir construindo em reacção à evolução restritiva do habeas corpus, acantonado à ofensa ou ameaça de violação da liberdade de locomoção).

 

Mas qualquer que seja a técnica garantística criada para obviar à falta da interpositio legislatoris, prevista na Constituição, e o sentido das declarações sobre a aplicabilidade inseridas na própria lei fundamental, a questão da eficácia das normas constitucionais mantém todo o seu sentido.

Dizer que certas normas são de aplicação directa significa reconhecer que outras o não são. Mas se a distinção tem sentido, só pode querer dizer que todas as normas têm valor jurídico. No entanto, há normas que não são passíveis de aplicação senão em termos mediatos, porquanto só podem ser aplicadas após a verificação de certas alterações, sejam elas de ordem programática (implicando inovações a executar pelo governo, com uma dada margerm de liberdade, dado que seria ilegítimo, o quer se poderia designar por um governo de Constituição, o confiscar da governação pela «geração» criadora da Constituição, sem prejuízo do respeito do fim pretendido, sob pena de inconstitucionalidade por desvio de poder legislativo), de ordem institucional ou simplesmente legislativa (muitas vezes, explicável para evitar uma excessiva regulamentação constitucional, outras para fugir à regidificação das regras de funcionamento, a ir fixando e alterando de acordo com as lições da experiência).

Mas se é assim, por mais hábeis que sejam as reflexões sobre o tema, só tem sentido falar de aplicação directa a propósito de uma norma que puder ser imediatamente aplicada, ou seja, que puder ter eficácia plena, por ela ter o enquadramento mínimo para a vivencialidade social que pretenda regular, porquanto se todas são normas jurídicas todas produzem certos efeitos directos em face do legislador (obrigado a cumpri-las), ou de outras normas (cuja conformidade àquelas e interpretação e integração à base delas se imporá). Neste aspecto, poderá dizer-se que, na ausência da atribuição de um poder de regulamentação concreta atribuído ao juiz e de lei regulamentadora com carácter geral, a norma ou é ou não é directamente aplicável por si mesma, independentemente da declaração que sobre a sua eficácia imediata o legislador constituinte puder efectivar, a qual, como o demonstra a realidade da sua não aplicação (em muitas situações declaradas nas Constituições como de aplicação directa ou imediata), até à criação da respectiva regulamentação quando esta não é elaborada em simultâneo com a própria lei fundamental.

 

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A Constituição encerra macroprincípios que implicam, explícita ou implicitamente, a Administração Pública e o direito administrativo.

As normas constitucionais têm força vinculativa. E mesmo as cláusulas gerais, como a do Estado de Direito Democrático, que integram a macro-estrutura normativizadora do sistema constitucional, traduzindo tecnicamente princípios gerais de direito, princípios de princípios, encarnando valores superiores da ordem jurídica: a liberdade, a justiça e a igualdade perante a lei, como valor superior do Estado de Direito; a Justiça Social e a Promoção da Igualdade, como valores ínsitos ao Estado Social; o pluralismo e liberdade de informação, activa e passiva, como valores ligadps á formação da opinião públiac e ao estatuto do cidadão, condição de participação e escolha, livre e esclarecida, do seus representantes, no Estado Democrático, e a unidade, a autonomia e a solidariedade, como valores que traduzem a ideia da realização adequada da vida de um Estado único mas com autonomias regionais e locais.

Estes princípios colocam questões de eficácia concreta (operatividade) e de coexistência.

Em termos de eficácia, como princípios gerais de direito, são autênticas normas jurídicas que se impõem como fonte de poderes dos vários poderes públicos, critérios interpretativos de todo o sistema jurídico, até das outras normas constitucionais, orientações para a actividade positiva de todos os poderes públicos e limites jurídicos a essa actividade.

Em termos de coexistência, o facto de alguns destes princípios chocarem entre si tem que ser superado, tendo presente que eles regem em simultâneo e com o mesmo valor jurídico, sem sobreposição, o que obriga a encontrar o ponto de equilíbrio entre todos num dado caso concreto.

A organização e a actividade administrativas encontram-se integralmente imbuídas e condicionadas por estes princípios, que são as suas autênticas bases jurídico-constitucionais, pelo que há que analisar as disposições constitucionais referentes ao Estado de Direito, Estado Social, Estado Democrático, Estado Autonómico e Unificação Europeia.

 

O Estado de Direito constitucional implica além do princípio da pré-determinação normativa, o da injunção normadora primária da Constituição.

A expressão Estado de Direito tem assumido historicamente um significado que tem evoluído. Deve-se a ROBERT VON MOHL a criação do termo Rechsstaat, que veio a cristalizar a concepção teórica de Estado do primeiro liberalismo alemão, com raízes em KANT, FICHTE e ALEXANDER VON HUMBOLDT, em oposição ao Estado de Polícia ou Estado de Bem-Estar, designações de Estado da monarquia absoluta que, no entanto, aparecia ligada a preocupações de felicidade e bem-estar dos súbditos.

O Estado de Direito aparecia exigindo que o Estado se limitasse a garantir a liberdade dos cidadãos, através da criação e manutenção de uma ordem jurídica adequada.

É um Estado que se define axiologicamente como garantidor da Liberdade e do Direito - portanto, um Estado limitado, não intervencionista.

O Estado de Direito é o antimodelo dialéctico ao modelo endemonista do Estado idealizado por CHRISTIAN WOLFF, e que perpassa a ideologia do despotismo iluminado.

Depois, ocorre um processo de desubstanciação e, portanto, de formalização do conceito, iniciado em meados do século com F.J.STAHL, que se aprofunda com o positivismo de LABAND e JELLINEK, no fim do século, culminando com HANS KELSEN, que esvazia o conteúdo originariamente liberal do conceito, agora confinado à identificação absoluta entre Estado e Direito, na preocupação de reduzir toda a actividade do Estado ao Direito.

Os juristas alemães do primeiro terço do século XX acabariam por caracterizar o Estado de Direito como aquele que é regido pelo princípio da legalidade da Administração Pública, em que esta não pode intervir na esfera da liberdade dos cidadãos senão com expressa habilitação legal e em que impera a divisão de poderes, a supremacia e reserva de lei, a protecção dos cidadãos mediante órgãos jurisdicionais independentes e a responsabilidade do Estado por actos ilícitos.

O desastre nacional-socialista revelou a insuficiência das técnicas jurídicas, ínsita ao Formalles Rechtsstaat, pelo que a doutrina do pós-guerra procurou criar um Materialles Rechtsstaat, dando àquele um conteúdo material complementar de natureza axiológica, a beber nas suas origens históricas.

O Estado de Direito aparece então concebido como um princípio material de ordenação da actividade estatal, dirigido a valores, entre os quais têm de sobressair o da garantia e protecção da liberdade pessoal e política, assim unificando a forma e o conteúdo na densificação do Estado de Direito.

Hoje, entre os princípios integrantes da ideia de Estado de Direito, afectando directamente a Administração Pública, temos, desde logo, o princípio da legalidade, o princípio da tutela judicial efectiva e o princípio da garantia patrimonial, além da imperiosidade de respeitar o princípio da divisão de poderes e as regras estruturais do sistema normativo que traduzam a Administração como organização e actividade ligada a um dos poderes e a sua subordinação aos outros poderes.

Outra dimensão desta exposição referente ao Estado nomocrático tem que ver com a submissão da Administração ao direito, em que importa tratar alguns tópicos explicativos, referentes às manifestações históricas do Estado de Direito em relação à Administração Pública.

 

Há uma relação entre acção administrativa e direito.

Mas será que essa relação é indispensável? Historicamente, essa relação nem sempre existiu. E além disso, há modelos diferentes de submissão da Administração ao Direito.

Com efeito, a Administração pode, teoricamente, não estar submetida ao Direito. Por exemplo, antes dos regimes democráticos, durante as monarquias absolutas, a administração actuava, de certo modo, arbitrariamente. Isso não significa que não houvesse regras.

Pode haver regras sem haver subordinação ao Direito.

Se há regras mas a Administração tem toda a liberdade de as fazer e de as mudar, se elas se criam para ter influência apenas no círculo dos administradores, é óbvio que não nos encontramos numa Administração submetida ao Direito.

Uma Administração submetida ao Direito é aquela em que as regras existem para a defesa do cidadão e, quando não são cumpridas, aquele tem o direito de reagir, se se sentir prejudicado por isso.

O chamado Estado de Polícia é o Estado em que a Administração, que nessa altura se designava Polícia, está submetida a uma dada regulamentação, mas não tendo essa regulamentação qualquer valor jurídico no plano exterior à Administração.

Era assim, ainda, a Administração no século XVIII, no tempo do Absolutismo, do Iluminismo ou do Despotismo Iluminado. Ainda hoje, por vezes, se encontram vestígios deste modo de actuar em certos documentos de valor interno, chamados circulares ou directrizes, que são documentos que têm, por vezes, repercussões, que não são neutras, na vida dos cidadãos, bem como nos seus interesses.

A Administração tem de ser objecto de controlo exterior. Não pode ser um simples assunto interno. Por contraposição ao Estado de Polícia surge-nos, assim, o Estado de Direito, em que é suposto reger totalmente o princípio da legalidade.

 

O Estado de Direito é característico dos regimes modernos, dos regimes democráticos.

O seu princípio fundamental é o liberalismo político, que nasceu com a Revolução Francesa que teve, desde logo, a ver com a ideologia da criação e defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, a ideologia de 1789.

 

A existência de separação de poderes está ligada à prevenção contra a queda na ditadura.

Os poderes devem ser divididos por várias entidades, de modo a não haver a hegemonia de uma só pessoa e, por outro lado, devem assentar na supremacia do Parlamento, órgão directamente legitimado pelo Povo. A lei, uma vez criada, tem de ser respeitada - é este o papel da Administração. É daqui que vem o hábito de chamar aos Governos o Poder Executivo. A Administração tinha, e ainda hoje tem, uma função essencialmente executiva, embora também já possa legislar. A Administração também pode criar regulamentos, mas estes têm que ser permitidos pela lei, nunca podem ser independentes desta.

 

O princípio da legalidade (positiva: só é legítimo actuar nas áreas em que a lei expressamente dá poderes para tal, sendo a lei que define os limites em que ser pode actuar), embora, de facto, não seja aplicado em relação à actividade prestacional e de fomento, senão na sua formulação de vinculação negativa, é fundamental para enquadrar e legitimar a Administração Pública.

 

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Mas, como já dissemos, existem também os princípios da primazia do direito supranacional e o princípio da constitucionalidade, ou seja, o princípio da supremacia do direito supranacional e da Constituição.

Quanto à Constituição é um conjunto de normas de imposição prevalecente no plano do direito de fonte nacional.

Todos os Poderes lhe devem respeito e, portanto, a Administração deve-lhe também respeito.

Tema importante é o da posição dos cidadãos perante normas inconstitucionais, e, em especial, sobre a inconstitucionalidade das normas administrativas e o sistema institucional de controlo pela Administração e pelos tribunais[70], matéria que melhor cabe ser desenvolvida na cadeira de Direito Constitucional e Direito Político.

Mas, sobre ela, pela sua importância, referiremos alguns apontamentos, com a nossa posição, no que essencialmente importa à Administração Pública.

 

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O regime geral das inconstitucionalidades é a invalidade na forma de nulidade de regime misto[71], enquanto segue os elementos caracterizadores da anulabilidade (as autoridades e os cidadãos devem obedecer à norma enquanto não declarada nula) e da nulidade (efeitos ex tunc, porque ab inicio inválida, pois a declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional retroage ao momento da sua produção: nulidade radical, de direito; excepto se o Tribunal Constitucional decidir diferentemente e com possíveis efeitos putativos, mas em direito constitucional determinar-se o respeito por expectativas razoáveis e com base em condutas públicas ou particulares a respeitar (n.º 4 do artigo 282.º), tal implica um desvio que revela uma nulidade não radical.

 

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Mas e qual a posição da Administração face a normas inconstitucionais e também de direito supranacional que seja chamada a aplicar em casos concretos ou a executar?

No que concerne à aplicação da Constituição pela Administração Pública, em geral (e mesmo em caso de normas de aplicabilidade directa ou de exequibilidade de per se, se acontece haver normas de desenvolvimento desconformes), tem-se afirmado a tese da não atribuição constitucional de poderes de inaplicação de normas aos órgãos administrativos[72], por força do princípio da legalidade, quando estas sejam inconstitucionais, perante o artigo 204.º, o qual só manda fazê-lo aos tribunais. E mais, Paulo Otero no seu último livro sobre a Legalidade, vai mesmo ao ponto de defender uma tese sobre a hierarquia das normas que implica a dualidade de vigências normativas sobre uma mesma matéria, ou seja, a existência de dois direitos, um aplicável aos cidadãos e pelos tribunais e outro aplicável pela Admibnistração pública, na medida em que aqueles têm que aplicar a norma que em cada momento dever consider-se vigente na ordem jurídica portuguesa, e Aquela a norma que resultar dos princípios da posteridade e especialidade, sem curarem de saber qual a que é de valor superior em face de princípios da constitucionalidade ou supranacionalidade (DIP e Direito originário ou derivado da União Europeia, podendo e devendo desconhecer o impostivo princípio da primazia destas normas), tudo numa construção aberrante, totalmente alheia à ideia de Estado de Dereito e da unidade da ordem jurídica no plano da sua aplicação material. Recentemente, no seu Manual sobre Introdução ao Direito, vem Freita do Amaral tomar em toda a matéria das fontes e hierarquia as únicas posições que nos parecem aceitáveis e correspondem ao nosso ensino desde sempre.

Ou seja, e falando agora especificamente sobre a questão da aplicação ou não do constitucionalidade, tal posição dual é, pelo menos, numa dada leitura radical, totalmente questionável, pois a Constituição da República Portuguesa manda a todas as autoridades respeitar a Constituição e há um afloramento de um princípio que deve reputar-se geral, nos nºs 6 e 7 do artigo 19.º (não respeito dos limites dos poderes materiais e orgânicos em situação de estado de sítio). Assim, parece não dever seguir-se totalmente por esta posição, desde que os actos dos distintos poderes possam ser controlados pelos tribunais, o que só não ocorre na actividade governativa: actos políticos, constitucionais ou de governo do Executivo.

Esta tese de exclusão por princípio não o permitiria nem sequer, pelo menos, quando haja direito de resistência, no caso de direitos fundamentais?

Somos de parecer que não há,por princípio, uma faculdade genérica de inaplicar normas com fundamento na invocação da inconstitucionalidade, mas (sem prejuízo de tal só dever caber aos órgãos máximos da Administração Pública, suscitada a questão pelos subalternos, e da consagrada sindicabilidade jurisdicional de todos os actos pelo destinatário da decisão, neste caso com inaplicação da lei ou regulamento) em casos limite de inconstitucionalidade manifesta ou quando a doutrina ou a jurisprudência já se venham pronunciando nesse sentido, isto é, desde logo quando os tribunais ou o Tribunal Constitucional, mesmo sem declaração obrigatória (porque neste caso é pacífico: não há aplicação, dada a sua eliminação do ordenamento jurídico), se pronunciaram já nesse sentido, a Administração Pública pode decidir os casos em apreciação, com inaplicação da norma considerada inconstitucional, notificando sempre do fundamento de suas decisões concretas os destinatários, para efeito de impugnação.

 



[1]   Usando aqui a expressão «aberto» com um sentido já anteriormente utilizado em outra obra (Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001), e que, à falta de melhor terminologia, também LUCIANO PAREJO ALFONSO, em seu recente Manual, acabou por acolher.

[2]   Domínio em que seguimos os tópicos da exposição relativamente sintética «Nomologia comunitária», inserida na nossa publicação Direito do Ambiente, edição da Almedina, 2001, p.283 e ss.

[3]   E as decisões, se, ao na linha da teoria do DUE, incluirmos também os actos administrativos como fonte de direito.Vide, v.g., CONDESSO, F. – «A nomologia comunitária». In Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2001, p.283 e ss.

[4]   Artigo 24.º, n.º2, al.c) do EERC: «Aprovar regulamentos, directivas e decisões, bem como as demais deliberações que lhe são atribuídas pela lei e pelos presentes Estatutos». N.º 6 do artigo 65.º: «Os regulamentos, as directivas, as recomendações e as decisões da Entidade Reguladora da Comunicação (…)».

[5]   AMARAL, Diogo Freitas do  –Manual de Introdução ao Direiuto. Colaboração Ravi Afonso Pereira. Coimbra: Almedina, 2004, p.371.

[6]   AMARAL, D.F. –o.c.,  p.359.

[7]   Quer em termos de fontes, quer de competências para legislar (Assembleia da República, Governo, Assembleias Legislativas Regionais) ou regulamentar, quer sobre a forma e publicação das leis e a sua vigência Ou a teoria jurídico-política da lei, processos legislativos, etc., matérias que, a não serem dadas em PGD, melhor caberão na cadeira de Direito Político ou de Direito Constitucional.

[8]   AMARAL, D.F.-Manual de Introdução ao Direito.Coimbra: Almedina, 2004, I Vol., p.343 e ss. Índice temático do capítulo sobre o sistema da hierarquia das fontes: O problema da hierarquia das fontes, O problema em face da teoria clássica, A teoria neo-clássica: um constitucionalismo nacionalista, A Posição de DIOGO FREITAS DO AMARAL: As fontes internacionais, As fontes comunitárias europeias, A guerra e a revolução, A Constituição, O Direito ordinário, ou infra-constitucional.

[9]   Artigo 1º do CCV (Fontes imediatas): «1São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas. 2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos. 3. As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter imperativo»; Artigo 2º (Assentos): «Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral» (Revogado pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12-12); Artigo 3º (Valor jurídico dos usos):«1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine. 2. As normas corporativas prevalecem sobre os usos; Artigo 4º (Valor da equidade): Os tribunais só podem resolver segundo a equidade): Quando haja disposição legal que o permita; b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; c) Quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória» (Código Civil, Livro I, Parte Geral, Título I, Das leis, sua interpretação e aplicação, Capítulo I, Fontes do direito).

[10]   MARQUES, José Dias –Introdução ao Estudo do Direito .3.ªEd., Lisboa: José Dias Marques, 1970, p.197 e ss.

[11]   Os diplomas concretos em que aparecem escritas na medida em que são apenas o continente das normas, são designados como fontes em sentido textual, para se distinguir do seu sentido jurídico-formal, ou seja, dos factos normativos.

[12] Próximo desta catalogação, no plano jurídico, veja-se De Castro, enunciando como principais, os três tipos de fontes que considera utilizados na ciência jurídica, que denomina fonte filosófica (raíz do jurídico), fonte técnica (fontes de direito positivo, com a sua variada tipologia de normas constituindo o ordenamento jurídico positivo, determinadas legitimamente por organizações jurídicas, v.g., lei, costume) e fonte instrumental («fontes de conhecimento do direito positivo ou o material que se utiliza para averiguar o conteúdo das normas jurídicas»):DE CASTRO, F. – Naturaleza de las reglas para la interpretación. Madrid, 1978, p.139-140.. há quem fale no direito como faculdades (como direitos subjectivos), como norma (como fonte xe direito objectivo) ou como conhecimento ou ciência (como fonte do conhecimento do direito ): CASTAN TOBEÑAS, J –Derecho Civil Español Común y Foral.  Ed.rev.ista por  José Luis de los Mozos. Madrid, 1975.

 

[13]   Traduzindo à letra: fontes do ser do direito.

[14]   Traduzindo à letra: fontes «de conhecimento do direito».

[15]   O cidadão não tem de conhecer a norma que é aplicável em cada momento e interpretá-la correctamente (ignorantia legis non excusat: vide artigo 6.º do CCV)?

[16]   E na medida em que, quem desobedecer às autoridades, comete o crime do artigo 348.º do Código Penal (desobediência à autoridade pública), sujeitando-se o cidadão, por princípio, a estar sujeito a processos crimes se quiser cumprir, contra a posição errada da autoridade, a norma aplicável, sob pena de se sujeitar a julgamento e provar em tribunal a ilegalidade da ordem por invocação de norma indevida, para obter a justa absolvição? Se os tribunais não podem aplicar normas injustas ou imorais, por força da própria cRP, como pode admitir-se tal postura injusta e até imoral, por princípio, no agir da Administração Pública?

[17]   Em geral, comungamos das posições e argumentos de DIOGO FREITAS DO AMARAL, que explanaremos, posições que sempre foram em geral as nossas, constantes de textos (e lições policopiadas desde 1992), sofrendo a influência da universidade de Bruxelas, onde, na década de oitenta, estudamos, sem prejuízo de mantermos definições, expressões, argumentos e até algumas posições distintas, na linha do que sempre ensinamos.

[18]   Vide, v.g., JORGE MIRANDA –Direito Constitucional. 3.ª Ed, Vol III.Não nos referiremos desenvolvidamente às posições com que PAULO OTERO, em recente livro denominado Legalidade e Administração Pública, enfileira na defesa de uma doutrina que obriga ou dispensa a Administração Pública de pocurar aplicar a norma que resulta aplicável, para os cidadãos e os tribunais, segundo os critérios científicos da hierarquia das normas, após um esforço de longa investigação neste caminho (tal como não é aqui o ligar para desmontar todas a argumentação em que assentam estas doutrinas criadores a de uma dualidade de direitos aplicáveis num só ordenamento jurídico). Mas, repescando algumas passagens mais significativas deste autor, no que se refere à aplicação das normas pela Administração Pública, não deixamos de referir que o autor opta por preferir «sacrificar momentaneamente a discussão sobre a validade do fundamento normativo da actuação administrativa e, nesse sentido, a própria validade da respectiva decisão» por considerar de «preferir a segurança (…) fundada numa norma inválida, à legalidade ou inconstitucionalidade», assim acabando por chegar a um «opção subjacente à excepcionalidade da vinculação administrativa ao critário hierárquico», a uma «preferência pela invalidade do fundamento normativo da actuação dos órgãos administrativos» (sic), concluindo, entre várias coisas, face às posições que vai tomando, que «vinculada normalmente a ter de aplicar uma normatividade inconstitucional ou ilegal, enquanto expressão da ausência de um poder administrativo genérico de rejeição aplicativa de normas inválidas, a Administração Pública pode encontrar-se obrigada a praticar actos ilegais». E, por isso, o autor não tem outro remédio senão, em coerência, reconhecer a aberração a que as suas argumentações dão origem, concluindo, pelos vistos tranquilamente, dado que não reviu: «revelando-se aqui a incoerência da configuração global do princípio da juridicidade e a quebra da ideia de sistema jurídico-administrativo: em tais casos, o sentido vinculativo dos órgãos administrativos à juridicidade é contraditório, imperfeito e incompleto» (ponto c) da conclusão geral, ou ponto 21.7, sétima conclusão, da Parte II). O autor, prisioneiro das suas posições ultraconservadoras sobre a relação da Administração Pública com o direito, não pode deixar de concluir pelo absurdo da normalidade da «auto-vinculação da Administração Pública à invalidade» e, portanto, pela normalidade de um obrigatório e sistemático recurso aos tribunais pelos cidadãos e outras administrações em relação interadministrativa, transformando a jurisdicção em verdadeira administrada quotidiana da legalidade administrativa, e nem intenta voltar ao início para se obrigar a rever todas as bases dogmáticas ínsitas nas suas posições anteriores, de modo a ter de concluir da única maneira possível em Estado de Direito, para o qual a sua reflexão devia contribuir, aceitavelmente: que o sentido vinculativo dos órgãos administrativos à juridicidade, tal como deve ser cientificamente configurado pelo sistema jurídico, não é (pelo menos no campo dos princípios, do dever-ser, independentemente das práticas ou doutrinas erradas), nem contraditório, nem imperfeito e nem incompleto. Até porque se a conclusão, com as suas teses, o que é, e não devendo, não podendo ser, então haveria que dizer o que deve ser feito para não o ser, o que levaria, na mesma, o autor a dizer à frente o que evitaria se voltasse atrás e tivesse refeito todas as suas posições teóricas anteriores que o obrigaram a cair nesse inaceitável abismo teórico da ilegalidade que teve de considerar «insuperável». Basta ler a doutrina defendida por DIOGO FREITAS DO AMARAL ou por nós mesmos sobre a hierarquia das normas para se perceber como as conclusões sobre o tema se situam ou podem situar em termos bem diferentes.

[19]   E mais do que isso, inclui mesmo a obrigação de aplicar as Decisões da União Europeia, que em geral são meros actos administrativos, mesmo que contrárias a normas nacionais.

[20]   No direito comunitário abrange não só actos gerais e abstractos, mas até os actos concretos e individuais. No Tratado da Comunidade Europeia, temos como actos típicos «criadores de direito», os regulamentos, directivas, decisões e, por vezes mesmo, tudo dependendo do seu conteúdo real, independentemente da designação atípica, os pareceres e recomendações.

[21]   Princípios e regras jurídicas constituem as normas jurídicas. Sobre estes conceitos, vide, v.g., Souda, Marcelo Rebelo de; Galvão, Sofia –Introdução ao Estudo do Direito. 4.ª Ed., Lisboa: Europa-América, 1998, p.188 e ss.

[22]   Vide, AMARAL, Diogo Freitas do –oc, p.483 a 562: como actos produtores de direito, as praxes administrativas e usos sociais, convenções colectivas de trabalho, normas corporativas e profissionais, adopçãp de normas técnica, declarações políticas orais.

[23] Tal como nós sempre havíamos feito no ensino em geral e, também, já no debate em Comissão de Revisão Constitucional, no processo não acabado de finais da primeira metade da década de noventa e, simultaneamente, em textos académicos, designadamente no capítulo sobre fundamentos comunitários da política e do direito do ambiente: CONDESSO, F. –Direito do Ambiente. Coimbra:Almedina, 2001, p.282 e ss.

[24]   AMARAL, D.F. –oc,P.570.

[25]   A. e o.c., p.575 e 576.

[26]   CRISAFULLI, Vezio –«Per la determinazione del concetto dei principi generali del diritto». In Studi sui principi generali dell’ordinamento guiridico. Pisa, 1941.

[27] Constante da Lei n.º 46/2007, 24 de Agosto de 2007, que regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização, revoga a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com a redacção introduzida pelas Lei n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho, e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/98/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Novembro, relativa à reutilização de informações do sector público (D.R. n.º 163 Série I)

 

[28]   V.g., MENDES, João de Castro –Introdução ao Estudo do Direito. Lisboa.PF, 1994, p.77.

[29]   E normas, segundo a seguinte ordenação de valor hierárquico: normas internacionais, normas comunitárias e da União Europeia em geral, normas constitucionais nacionais, leis de valor reforçado, leis simples, regulamentos (de acordo com a diferente ordenação se supremacia dos órgãos emissores), etc.. Neste âmbito, há que referir o fenómeno do declínio e relativização da lei em sentido estrito como fonte do direito.

[30] MARTÍNEZ ROLDÁN, L; FERNÁNDEZ SUÁREZ, J.A.-Curso de teoría del Derecho y metodología jurídica. Barcelona: Ariel derecho, 1994 , p.167.

[31]  SOUSA, Marcelo Rebelo de; GALVÃO, Sofia –Introdução ao Estudo do Direito. 4.ª Ed., Lisboa: Europa-América, 1998, 130 e ss.

[32]   Manual de Introdução ao Direito. Coimbra: Almedina, 2004, p.379.

[33]   Artigo 348.º (Direito consuetudinário, local, ou estrangeiro): «1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local ou estrangeiro, e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do direito comum português». Trata-se, aliás, de uma norma que vem no seguimento da solução já constante do artigo 521.º do CPC de 1939. Vide REIS, José Alberto dos –Código de Processo civil Anotado, Vol.III, 3.ª Ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1950, p.304 e ss, e AMARAL, D.F. do –o.c., p.382,  nota 17.

[34]   Como acontece, v. g., nos artigos 1400.º e 1401.º do Código Civil; tese assente no dogma positivista mas que, mesmo assim, vai ao ponto de esquecer o próprio mandato geral dado aos tribunais e em geral aos aplicadores do direito, constante do n.º1 do artigo 348.º também do Código Civil.

[35]   Na linha da doutrina anglo-saxónica, que sempre valorizou o costume e a jurisprudência como fontes de direito.

[36]   Seria o caso de costume fomado nas regiões Autónomas dos Açores ou/e Madeira, ou de qualquer maneira em áreas geográfica infraterritoriais alargadas, v.g., para lá do Marão (onde «mandam os que para lá estão»), no Algarve, no Minho, etc.

[37]   Exemplo de um costume meramente local é o da morte pública dos touros em praça, na povoação de Barrancos.

[38]  Oc, p.384.Tese de igualdade e disponibilidade judicial de escolha de norma aplicável, que, a nosso ver, foi concebida por um legislador que não pretendia atribuir ao costume natureza de fonte primária, mas se viu confrontado com a necessidade de enquadrar a aplicação por tribunais nacionais de direito estrangeiro, sendo certo que, nalguns sistemas, o costume é direito aplicável, pelo que a jurisdição nacional, de qualquer modo, teria de o aplicar em situações definidas pelo direito internacional privado. Trata-se, pois, de um artigo que pretendeu em geral responder a essa necessidade, como se vê quando fala na parte final do n.º3 em direito comum «português», mas a que o legislador acabou por referir o direito consuetudinário, mas meramente o local, em que, nas condições aí referidas, admitiria a preterição da lei, aliás parecendo mesmo pretender acentuar, em princípio, a preferência pela aplicação do costume.

[39] 

[40]   PINTO, Carlos Mota –Teoria Geral. 2.ª Ed.,Coimbra, p.49.

[41]   Vide, v.g., LIMA, Pires de; VARELA, Antunes –Código Civil Anotado, 1.º, 11.

[42]   Os tipos de actos legislativos encontram-se previstos no artigo 112.º, n.º 1, da Constituição, sendo as leis, os decretos-­leis e os decretos legislativos regionais.

[43] conforme afirmou o Acórdão M. Flamino Costa contra ENEL, de 15 de Julho de 1964: assunto n.º6-64, sobre questão prejudicial ao abrigo do art.º 177.º do TCE, a solicitação do Giudice Conciliatore de Milão, Recueil, 1964, págs.1141 e segs. e GEORGES VANDERSANDEN, Droit des Communautés Européennes, Recueil de Documents et Textes, Universidade Livre de Bruxelas, PUB, 2.ª Ed. 1994-1995/1, pág. 26.  (sumário: «3.«Comunidade CEE-ordem jurídica comunitária-carácter particular- classificação com referência aos sistemas nacionais, primado das normas comunitárias- limitação definitiva dos direitos soberanos dos Estados membros».

[44] Acordão de 13.11.64, COM c/. Luxemburgo e Bélgica; proc. 90/63, Rec. 1964, p. 1217.

[45] Segundo a jurisprudência do TJC do Luxemburgo. Mas o núcleo central destas fontes resulta do direito comunitário em sentido estrito (art.º 5, 177 C.E.), compondo-se dos Tratados institutivos - fonte primária ou direito originário, e das regras contidas nos actos criados institucionalmente em aplicação dos Tratados - fontes secundárias ou direito derivado. No entanto, nas fontes em sentido amplo, global, integra-se todo o conjunto de regras de direito aplicável na ordem jurídica comunitária (164, 173 C.E). Ou seja, também, as normas não escritas, como os princípios gerais de direiro e a jurisprudência, as regras com origem exterior à ordem jurídica comunitária, como o direito das relações exteriores da comunidade, o direito complementar derivado de actos convencionais celebrados pelos Estados membros para a aplicação dos Tratados.

 

 

[46] Acórdão de 15.12.87, Deutsche Babcock contra Hauptzolland Lübeck-Ost, Rec. 1987, p.5119

[47] Acórdão de 5 de Fevereiro de 1963, Assunto n.º26/62, N.V. Algemeine Transport en Expeditie Onderneming van Gend & Loos contra a Administração Fiscal Holandesa, em pedido de parecer, apresentado por Tariefcommissie de Amesterdão, em 16.8.1962). O método da interpretação finalista assente nesta parte do Tratado da Comunidade Europeia (Acórdão de 21.2.73, no caso Europembalage) que orienta imperativamente a interpretação do conjunto dos Tratados. O Acórdão Van Gend En Loos resulta do processo n.º 26-62, em pedido de decisão prejudicial ao abrigo do art.º 177.º do TCEE, apresentado pela TariefCommissie de Amesterdão, em 16.8.1962 no litígio N.V.Algemene Transport –en Expeditie onderneming Van Gend & Loos contra a Administração Fiscal Holandesa, Recueil, 1963, pág. 1 e segs..

[48] Depois temos as cláusulas institucionais, que, materialmente, aparecem como a constituição das CE. Finalmente, os tratados contêm declarações finais, que tratam das modalidades de comprometimento dos Estados, posicionamento em face dos compromissos internacionais dos Estados membros, entrada em vigor e revisão dos tratados.

 

 

 

 

[49] Assunto 106/77, Administração de Finanças do estado contra a Sociedade Anónima Simmenthal, apresentado pelo pretor de Susa¸versando sobre a não aplicação pelo juiz nacional de uma lei contrária ao direito comunitário (GEORGES VANDERSANDEN, Droit des Communautés Européennes, Recueil de Documents et Textes, Universidade Livre de Bruxelas, PUB, 2.ª Ed. 1994-1995/1, pág.68).

 

 

D  45 sem a sua recepção-transcrição ou transformação como acto jurídico interno, que é proibida.

[50] V.g., Ac. Comissão contra o Conselho, de 31.3.71, sobre deliberação obrigatória das instituições e dos  Estados membros; Ac.France contra Reino Unido de 4.10.79 e da Comissão também contra o RU, de 10.7.80, sobre a Resolução de 3.11.76 -anexo VI à Resolução de Haya, autorizando os Estados transitoriamente a proteger recursos piscatórios, com associação da Comissão e Declaração complementar de 30.1.80.

 

[51] A Jurisprudência serve-se delas para confirmar interpretação assente noutras condiderações (Ac. Auer 7.2.79), mas despreza os elementos não conformes ao acto, designadamente declaração unilateral dos Estados membros (Ac. Comissão contra Dan, de 30.1.85).

 

 

[52] V.g., ac. Companhie Continental France, de 4.2.75.

 

 

[54] q  57 Vg. sobre os direitos fundamentais JOCE 27.4.77.

[55]   58 Vg. Acordo Interinstitucinal de 29.6.88 sobre disciplina orçamental e melhoria procedimento orçamental JOCE 15.7.88.

56 Vg. Comunicação de 7.11.74, relativa ao enquadramento no plano comunitário das ajudas de Estado em matéria de ambiente; Comunicação de 26.2.75, referente aos novos princípios de coordenação de ajudas nacionais com finalidade regional, acto que vincula juridicamente a Comissão (correspondendo ao regulamento de auto-vinculação no direito administrativo.

 

 

 

 

 

  63

 

 

[56]   Segundo ele, «le juge c’est la bouche qui prononce les paroles de la loi».

[57]   HOLMES, O.W. –The Path of Law. In The Holmes Reader, oc, p.60, apud LATORRE, Ángel –«Los Realistas Norteamericanos». In Introducción al derecho: Nueva edición puesta al día. Barcelona: Ariel, 1997, p.142, tradução portuguesa de Manuel de Alarcão: Introdução ao Directo. 5.ª reimpressão, Coimbra: Almedina, p.191.

[58]   A. e o.c., p.192.

[59]   Noutro lugar nos referimos ao papel do TC nas suas declarações de inconstitucionalidade com eficácia geral, eliminadora das normas jurídicas. E do STA, em aplicação da al.g) do n.º1 do artigo 119.º da CRP, ao produzir declarações de ilegalidade com força obrigatória geral (artigos 72.º, 73.º e 76.º do CPTA).

[60]   Recorde-se que, em Portugal, existiu até 1993 o chamado instituto chamado dos «assentos», previsto no artigo 2.º do Código Civil, que foi declarado inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Consti­tucional n.º 810/93, de 7.12.93, solução que, aliás, tem sido criticada por alguma doutrina.

[61]   Artigo 8.º (Obrigação de julgar e dever de obediência à lei): «1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito».

[62]   Artigos 732.º-A e n.º3, 762.º.

[63]   O.c., p.477.

[64]   Artigo 152.º do CPTA.

[65]   Vide, desenvolvidamente sobre o tema, AMARAL, DIOGO FREITAS DO –o.c., p.459 e ss.

[66]   Em plenário das secções cíveis, requerido pelas partes ou MP, sugerido pelo relator ou adjuntos, presidentes das secções, parecer MP, publicação 1.ª Série A do DR: artigos 732.º-A e 732.º-B do Código do Processo Civil). Sobre os assentos, na sua configuração antiga, sem contraditório e imodificáveis: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º810/93.

[67]   De facto, mesmo quer toda a doutrina defenda uma dada interpretação de uma norma que pode ter mais do que uma interpretação possível, se o juiz optar por uma interpretação diferente, é esta a que passa a valer, enquanto a doutrina, sendo uma mera opinião de especialistas, existente a montante do momento aplicativo, por muito conceituada que seja, não é aplicável por si, ao não obrigar nem cidadãos nem autoridades.

[68]   Com efeito, o cidadão ou a Administração Pública ficarão sujeitos à interpretação em que assenta a sentença, no caso submetido a julgamento, independentemente das posições científicas propostas pelas Escolas e seus Doutores. Para se compreender a diferença, basta reproduzir a seguinte explicação dada por AMARAL, DIOGO FREITAS DO: «se acerca de um dado assunto, toda a doutrina entender A e a jurisprudência decidir B, um advogado português, interrogado por um cliente estrangeiro sobre qual é o Direito português sobre a matéria, terá de responder B; se responder A, estará a enganar o cliente - e poderá ser responsabilizado pelos danos que lhe causar».

[69]   Sob pena de condenação pelo TUE. Seria, v.g., impensável que um dirigente da Administração Pública tivesse punido um funcionário, que acabasse de ser progenitor e, à falta de legislação de aplicação da Directiva sobre a igualdade dos cônjuges, tivesse gozado desse direito com ausência ao serviço, nos termos da normativa europeia, que teve efeito directo no período de inadimplemento estatal, até ser objecto de transcrição em fonte interna.

[70]  Ou seja, a inconstitucionalidade em geral, noção de inconstitucionalidade, o sistema constitucional de garantia da Constituição, a hierarquia das normas, inconstitucionalidade e ilegalidade controlável pelo Tribunal Constitucional de normas desconformes com leis ordinárias paraconstitucionais, tipologia da inconstitucionalidade e das formas de invalidade das normas inconstitucionais, inconstitucionalidade e desvio de poder legislativo; norma jurídica, imperatividade e meios de garantia de sua efectividade; sistemas de garantia institucional e o modelo hiperbólico português: caracterização geral, falta de recurso geral de amparo, a fiscalização difusa e concentrada, critérios substantivos e processuais de fiscalização, consequências da declaração de inconstitucionalidade e, por fim, a margem de sindicabilidade administrativa da constitucionalidade: a Administração Pública, princípio da legalidade e princípio da constitucionalidade, a Administração Pública perante norma declarada inconstitucional erga omnes, a Administração Pública e as situações de inexistência jurídica-constitucional, a Administração Pública e as situações de mera irregularidade orgânico-formal, a Administração Pública perante a normal figura de paranulidade da norma, Administração Pública e direito de resistência dos cidadãos no caso de matéria de Diretos, Liberdades e Garantias, os requisitos orgânicos gerais de ponderação administrativa da inaplicabilidade da norma, os requisitos substantivos da inaplicabilidade da norma, critério de invalidade manifesta, a Administração Pública estatal e a infra-estatal no caso da inconstitucionalidade orgânica, o caso da inconstitucionalidade formal, vícios de procedimento documentado, vícios de forma, o caso de inconstitucionalidade material manifesta, as situações consideradas na doutrina unânime, as situações já apreciadas pelo Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva e sucessiva, as normas dependentes de leis de revisão constitucional com ofensa do clausulado sobre limites materiais, as normas e actos praticados com ofensa do artigo 19.º da Constituição, a Administração Pública e a apreciação jurisdicional de regulamentos e actos administrativos, a situação de regulamentos inconstitucionais ou ilegais em face de leis paraconstitucionais, a situação de normas e actos dependentes de leis paraconstitucionais declaradas inconstitucionais, a declaração de inconstitucionalidade e a modulação dos seus efeitos na actividade disciplinar e contra-ordenacional da Administração Pública, a interdição de indefesa procedimental e processual e o ordenamento jurídico português.

[71]   Vide síntese recapitulativa de suas características, embora chegando a conclusão distinta, MIRANDA, J. –Manual de Direito Constitucional: Constituição e Inconstitucionalidade. Tomo II, 3.ª Ed. (reimpressão), Coimbra: Coimbra Editora1996, p.372-373.

[72]   MIRANDA, J. -oc, p.373.