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O FIM DA EUROPA

O FIM DA EUROPA

 

O Fim da Europa

Fernando Condesso

A Europa da segunda metade do século XX começou a querer pensar-se como um continente político-económico. Mas, afinal, hoje, a Europa acabou. Balcanizada por interesses nacionais, sem solidariedade e sentido de comunhão de destino. A Chanceler alemã domina a nível paneuropeu mas agindo segundo os meros interesses alemães. Antes, a Alemanha teve um Hitler, que queria dominar a Europa pela via militar. Muito antes, a França de Napoleão Bonaparte também quis esse domínio mas, em geral, sem eliminar Estados ou povos. Mais como Estaline. Aos Estados submetidos eram impostas lideranças fraternas. A Europa vintecentista prometia acabar com todos estes sonhos hegemónicos e desenhos pseudo-unificadores. Começou pragmaticamente. Mas, de repente, acabaram as grandes figuras da governação que a Europa conseguira produzir. Os génios democráticos e europeístas do século XX. Já não há mais esses Robert Schuman, nem Winston Churchill, nem Alcide De Gasperi das democracias-cristãs e das doutrinais dos pontífices sociais, nem Konrad Adenauer, Charles De Gaulle, Willy Brandt, Helmut Schmitt, François Mitterrand ou Helmut Kohl. Se a Europa de Pompidou já tremerá com o cavalo de troia inglês, que ele meterá dentro, ainda teve, depois, um Jacques Delors, na Comissão Europeia, que teve estatura suficiente para se impor a uma Thatcher. Mas, já sem os grandes líderes do passado, a Europa começou a morrer após Delors, Mitterrand ou Kohl. Ninguém o diagnosticou. Foi a atual inércia, incapacidade de reação, hegemonia alemã, subserviência francesa e as terapêuticas mortais para a crise que o revelaram estrondosamente. Quando a Europa, tendo que ter meios para evitar o agudizar das crises das dívidas soberanas, decidiu demitir-se, chamando o FMI, que, aliás, exigia menos austeridade suicida do que a própria UE, percebeu-se que a Alemanha, que se refizera no pós-guerra, apoiada na Comunidade Europeia Ocidental, agora já não precisava dela. Mal dos homens, mal do sistema. Mal da Europa no seu todo. A Europa acabou quando desapareceu a Alemanha Europeísta. Anunciada com a derrota de Kohl, por ter ousado avançar com o euro. Dos que lhe sucederam esperou-se, ainda, um rápido acelerar da integraçao política, pois não podia manter-se com um euro e uma pseudo-Reserva Federal Europeia, apelidada de BCE (o banco alemão rebatizado, de composição plurinacional alargada, mas blindado por Estatutos impostos pela Alemanha), a menos que iniciasse o avanço para uma governação económica, um poder fiscal e uma real “europeização” do papel do sistema monetário. Entalada entre uma visão e interesses alemães e o egoísmo nacionalista, a la carte, do Reino Unido. Os erros dos últimos anos impostos pela Alemanha já são irrecuperáveis para os países periféricos. Mas, para ainda salvar o sistema europeu, de qualquer modo, teria que ocorrer já uma revolução radical nas política europeias e dos seus Estados. Impunha-se, de imediato (apesar de, por tardias já não impedir anos difíceis de recuperação para os países em crise do sul europeu), uma política expansionista monetária do BCE, aceitando uma dada inflação, e impõe-se um a política fiscal, de aumentos salariais e de consumo, por parte dos países ricos do Norte, Alemanha, Holanda, etc., para compensar a austeridade dos países periféricos e as crises dos países que ela implicou. É neste momento a única alternativa ao fim do euro, de uma grande crise europeia e que terá repercussões a nível global.

Conheci e convivi pessoalmente com um Delors, durante alguns anos no PE. Anos difíceis de permanente agressão thatcheriana, de natureza nacionalista, “eftista”, antissocial e ultraliberal. Assisti, aterrado, ao seu célebre discurso no Colégio de Bruges. Mas saber que coexistia uma RFA e uma França europeístas, com um presidente da Comissão Europeia de índole, força, visão e dinamismo de um Delors, europeísta bem preparado e tendo atrás de si um Estado poderoso, tranquilizava-me, apesar de perceber que os ventos do bernsteiniana social-democracia, do keynesianismo, da teorização económica das escolas antiliberais sueca e alemã, das democracia-cristas das encíclicas leoninas, começavam a ceder, com exceção dos países escandinavos, à pressão do contágio do ultraliberalismo político anglo-norteamericano de um Reagan e seus mentores Friedman e Schumpeter e de uma Thatcher e do seu mestre Hayek.

Participara no anterior processo português da década de oitenta, de diálogo com o FMI, enquanto líder de partido de governo de então. Os excessos liberalizantes do FMI ainda estiveram arredados das nossas aceitações. É verdade que, hoje, o problema é maior e são menores os instrumentos disponíveis nas mãos do país para a sua solução. Mas, quanto mais estreitas são as soluções possíveis, mais tempo é necessário para a reparação do problema. Hoje, enfatiza-se a noção perdedora de solução em tempo curto. E, com isso, perde-se, na UE e no país, a noção da distinção entre porções de cura e punções de morte. Ou seja, não há tempo, logo não há proporcionalidade, face às margens de manobra existentes. Não se pode, sem tempo adequado à realidade, aproveitar o estreito espaço de solução deixado pela lógica europeia entre os condicionamentos do excessivo endividamento, “certa” austeridade reparadora e os estímulos necessários. Quando o medicamento é menos eficaz, não se dão doses tóxicas, que matam, mas atua-se durante mais tempo para poder resultar. Se não se tem antibióticos fortes, que resultam em três dias, tomam-se os mais fracos durante oito ou quinze dias. Durante o tempo necessário para a cura. Não resulta e é perigoso tomar os antibióticos de oito dias num só dia.

Com a adesão à UE e a ida para o PE, percebi que a lógica integracionista, apesar de simultaneamente centrada no comércio livre e na coesão com fundos de financiamento ao desenvolvimento, era insuficiente para superar a diferença de riqueza entre os países europeus. Toda a literatura integracionista norte-americana, referente ao seu século XIX, permitia chegar à conclusão de que as percentagens de transferências disponíveis para levar a um equilibrado desenvolvimento no conjunto na Europa eram claramente inadequadas e sê-lo-ia sempre com a estrutura de receitas e a consequente miniatura de Orçamento com que a integração europeia se dotara. E Orçamento que, aliás, fora ratado com a entrada do Reino Unido e, também, seria dividido com regiões menos desenvolvidas dos próprios Estados mais ricos, como o novo território leste-alemão. Mas só com a hipótese de alargamento aos novos países do leste europeu, após a derrocada da União Soviética, percebi que os fundos, a continuar a perigosa lógica do magro Orçamento Europeu, seriam desviados significativamente para os novos Estados-membros e os do Sul europeu, sem transferências significativas, quando seriam mais necessários (com o continuado aumento de diferença do crescimento económico dos países mais desenvolvidos do Norte face à diminuição relativa do desenvolvimento dos mais débeis), a Europa podia fracassar, vergando-se aos perigos derivados das deficiências orgânicas e orçamentais integracionistas. Isto, sem recuperação, a menos que se democratizasse, federasse e revisse os mecanismo institucionais e normativos que impõem a visão e interesses da Alemanha e, também, em parte, do Reino Unido.

Aconteceu. A Europa já não existe. Não é sequer projeto. A Alemanha acabou com o euro e com a UE. Vamos assistir ao fechar das portas. Arrastadamente, agora. Ruidosamente, no fim. Todos perderemos. No curto prazo, os menos desenvolvidos, mas logo depois, e muito mais, os mais ricos. A quem as abriu e, por vezes, também as entrefechou, em momentos perdidos de avanços decisivos, a França, vai caber a tarefa gloriosa de o declarar, no Palácio de Versalhes, onde um rei da Prússia, no século XIX, vitorioso sobre os exércitos de Napoleão III, proclamou a vingança alemã, pela ousadia anterior de seu tio Bonaparte, no início desse século, festejando o nascimento da Alemanha moderna. Viva, de novo, a Alemanha. E nasçam outros Estados Unidos da Europa. Logo que a Alemanha volte ao seu marco. E, então, que o estes se apropriem, de novo, dessa “res nullius” que será o euro, com um Banco Central Reserva Federal e, porque não, a capital em Roma, que sempre teve mais êxito histórico, até virem os “bárbaros”, que a julgaram vencer, sendo vencidos pela sua superior civilização mediterrânica.