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Unificação Europeia versus germanização europeia

Unificação Europeia versus germanização europeia

Unificação Europeia versus germanização europeia

Fernando Condesso

 

O papel do eixo germano-francês, ou melhor, de facto, da Alemanha, apoiada pela França (esta para ter o seu apoio na defesa dos seus próprios interesses financeiros implicados nesta crise), traduz o que de pior um Estado poderoso, neste caso territorial e economicamente, pode oferecer de receios para o futuro de uma dada Europa.

Em causa, receios de hegemonia destruidora da ideia de unificação de um espaço de nações independentes.

Já temos um BCE criado à imagem das ideias neoliberais, mas também imposto pelo pensamento germânico (criado no terror da hiperinflação que grassou entre as duas grandes guerras), tido como essencial aos seus interesses. Mas contra a realidade e as necessidades da União de hoje, no seu todo.

Temos uma crise dos países latinos e, em geral, dos do sul da Europa, que está a ser resolvida segundo conceções ditas sancionadoras (embora, de facto, a favor do sistema próprio bancário) e não com o objetivo de para ressuscitar a economia e o bem-estar das populações respetivas, por ter de se seguir as pressões e a gestão alemã da crise europeia.

Teremos um novo Tratado para a zona euro, de mera raiz jusinternacionalista, ou seja de natureza extraunião europeia. Importa perguntar que ideia de democracia, ou seja, no essencial, que governo do povo para o povo, tem a Alemanha conservadora de hoje, com um governo a querer mandar nos órgãos e nos povos europeus: na Europa?

Se a Alemanha quer mandar em toda a Europa, não teria que conseguir primeiro alterar os Tratados europeus, eliminando os órgãos da UE?

E, naturalmente, não teria de abrir o processo eleitoral “alemão” ao voto de todos os europeus?

Se a Alemanha quer que, quem manda na Alemanha, por ser o maior Estado europeu, também mande na Europa, não teria que, para não ofender a ideia de democracia representativa, aceitar que o Chanceler da Alemanha-Europa fosse eleito por todos os europeus.

Os Habsburgo já governaram o Império Austríaco, e simultaneamente imperaram no espaço romano-germânico, no espaço de centenas de Estados na Europa, mas eram eleitos pelo método dos representantes destes Estados, os Grandes Eleitores; tal como o Papa, além de bispo de Roma, que governa toda a igreja universal, também é eleito para esse lugar, não só por um colégio de romanos, mas de grandes eleitores universais (os cardeais de todo o mundo).

E a Alemanha não teria de aceitar candidaturas ao lugar de cChanceler por parte de qualquer europeu (e não só de um alemão ou de um austríaco aí residente, como hoje acontece)? Todos seremos alemães? Ou europeus?

Realmente, pode haver quem pense: que interessa os nomes das coisas se houver democracia?

Já, hoje, somos governados simultaneamente pelo nosso governo e os governos dos outros países, até fora da UE.

Quem duvida que o presidente americano manda mais nos nossos destinos do que o nosso governo?

Mas, ao menos, que aquilo que se quer, em União Europeia, tenha regras. Ou seja, nada de resquícios napoleónicos ou hitlerianos.

Se um português, italiano, espanhol ou francês for eleito para mandar no maior Estado da UE e em toda a Europa será um europeu, mesmo governando a Alemanha também.

Se eu fosse alemão, preferia um governo autónimo, próprio, alemão, mas se a ambição da Alemanha é governar a Europa, isso implica democraticamente ser governada por quem governe democraticamente a Europa.

A única diferença é que a Alemanha, em vez de ser governada desde Bruxelas, continua a ser governada por Berlim, e com isso, sem órgãos de Bruxelas, começa as ser totalmente governada por Berlim, ela e os Europeus em geral.

Embora, por razoes históricas, talvez fosse preferível uma capital europeia num dos berços da nossa civilização, Roma ou Atenas...

Aliás, a França atreveu-se a dominar a Europa num tempo (fim do século XVIII, princípios do século XIX) em que ainda se admitiam regimes absolutistas, e aliás procurando impor regras e valores progressistas, saídos da revolução francesa, enquanto que a tentativa da Alemanha de construir um império alemão sobre a Europa é algo bem recente, em pleno século XX, e para impor ditaduras, racismos, holocaustos e, em geral, contra-valores. A partir de Berlim.

Ser grande não é vantagem. Pode ser asfixiante. O mal da Europa é ter alguns Estados, em que a Alemanha sobretudo se destaca, depois da unificação da Alemanha de Leste, que podem tornar inviável o processo unificador.

A Alemanha, que se tem  desenvolvido excepcionalmente, no pós-segunda guerra mundial, devido à Comunidade Europeia, esquece, como recentemente lembrou SCHMIDT, que os receios da Alemanha e da sua cultura, pois que nada nasce por geração espontânea, perdurarão por muito tempo.

Os Stuart da Escócia, ao passarem a governar a Inglaterra, também tiveram as duas coroas, tal como os Filipes de Habsburgo tiveram a coroa espanhola e portuguesa, desde 1580 a 1640, e os espanhóis ofereceram a coroa de Madrid à casa de Bragança portuguesa, no século XIX. Mas, enquanto Portugal expulsou a casa real Austro-espanhola no século XVII e não quis a coroa espanhola no século XIX, mantendo-se realmente fora de perigo de deixar de ser independente, os Stuart logo foram destronados de Londres e a Escócia perdeu a independência.

Para serem independentes, os portugueses não quiseram governar a União Ibérica, ou seja, também a Espanha.

Se os alemães querem ter o seu governo a governar para além da Alemanha, é lá com eles. Mas que haja democracia: quem governa a Europa resultará da afirmação da plena capacidade eleitoral, ativa e passiva, dos europeus governados.

Se os alemães querem um governo europeu, que haja federalismo europeu. Não germanização da Europa.

Se vou ser governado pelo Chanceler de “Berlim”, eu também quero ser candidato a chanceler e votar nesse chanceler que me vai governar. Fora disso, nada de obediência europeia a um Chanceler de nacionalidade predefinida do maior Estado, apenas eleitos para governar esse Estado e, portanto, eleito apenas para defender os interesses desse Estado.