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PORTUGAL EM CRISE- PROPOSTAS DE REFORMAS

PORTUGAL EM CRISE- PROPOSTAS DE REFORMAS

PORTUGAL EM CRISE. Pela Reforma Global do Sistema Político e das Políticas Públicas

Fernando dos Reis Condesso

Proposta de Reformas Institucionais em Momento de Debate Anti-Crise, situadas no âmbito das concepções do Estado Constitucional Democrático Social de Direito

Prefácio de Eurico de Figueiredo, Catedrático A. da Universidade do Porto, Ex-deputado do Partido Socialista

1.ª Edição: LIVROS DO BRASIL, Lisboa, Abril 2011

Texto em contra-capa:

Este livro do antigo deputado porrtuguês e europeu e actual catedrático de ciência política e direito público, Fernando Condesso, versa sobre os défices do modelo concreto de democracia em que vivemos. Este tema está antes dos temas das crises, que ciclicamente aparecem como a sua epiderme, consequência e logo também causa desse modelo.

A democracia, na sua concretização histórica, é e será sempre um ideal de realização inacabada, com avanços e retrocessos. E, por mais avançada que pareça, não evita que todo o governo, inclusive “representativo”, se não devidamente controlado, tenda a combinar elementos democráticos com uma dimensão oligárquica, ou mesmo à criação de contextos propiciadores de atitudes autocráticas.

Hoje, em Portugal, constata-se que a situação de crise e medidas avançadas pressupostamente contra ela convivem com faltas de legitimidade originária e funcional dos Poderes, desde o poder governativo ao judicial. E défices de democraticidade interna dos partidos. E erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos.

Os caminhos defendidos não passam pelo ataque aos direitos adquiridos, elementos fundamentais do Estado Social, descidas de remunerações, aumentos de impostos ou questionamento da segurança social.

Após quase quatro décadas de vivência democrática, segundo o modelo experimentado com base na formulação constitucional saída do processo constituinte originário de 1974-1975 e da primeira revisão de 1982, há que reconstruir um novo quadro de referência para a vida política que, desde logo, aponte para a formação de governos de apoio maioritário.

São muitas as parcelas dos sistemas sociais a recriar, a reformar ou a regenerar. Portugal vive uma crise generalizada. Os factores mais profundos estao antes desta crise. E estão na base da dificuldade da sua ultrapassagem. Urge alterações corajosas e imediatas. Os titulares de poderes públicos têm que apontar caminhos. Têm que criar condições viabilizadoras de uma reforma, radical e urgente. Com um novo enquadramento. Não para continuar a rasgar a Constituição. Não para questionar o Estado Constitucional Democrático Social de Direito. A visão reformista geral do Estado deve ser a adequada às realidades mundiais e europeias, em que o país se insere, neste novo século.

Ele nem é a do liberalismo do início do século XIX, do modelo instalado no período pós-monarquia do início do século XX, do período pós-25 de Abril, nem a da Revisão Constitucional de 1982. O Mundo e a Europa mudaram e continuam a mudar, cada vez mais rapidamente. Portugal não pode agarrá-los com soluções do passado. Tem de aceitar repensar-se. Tal como fizeram os revolucionários e reformistas que a história regista.

Nota introdutória, dedicatória e conteúdo fundamental do texto

 1

 (capa)

FERNANDO CONDESSO

 

 

 

 

 

 

 

 

PORTUGAL EM CRISE

 

Pela Reforma Global do Sistema Político e das Políticas Públicas

 

*

Proposta de Reformas Institucionais

em

Momento de Debate Anti-Crise

situadas no âmbito das concepções do

Estado Constitucional Democrático Social de Direito

 

 

Prefácio

Eurico Figueiredo

 

 

 

 

 

 

 

LIVROS DO BRASIL

Lisboa

Março 2011


 

 

Fernando Condesso é catedrático e coordenador do grupo de disciplinas de direito público e de ciência política no ISCSP e de direito da arquitectura e urbanismo da faculdade de arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, ex-coordenador dos Cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento de ciência política do ISCSP, Ex-Director do CEJ-UML, Investigador do CAPP, regente de direito administrativo e de direito constitucional, políticas públicas e de desenvolvimento socioeconómico, professor visitante de política e direito ambiental do IUCA-UCM, agregado em ciências jurídico-políticas, doutor em direito, PLD em direito do Estado, doutor em planeamento e ordenamento do território (geografia humana), DEA em Direito e DEA em geografia, licenciado em filosofia (FDB) e em direito (FDUC). Efectivou estudos superiores, investigação e leccionação em Espanha (FDCS-URJC, FFL e FD-UNEX), Portugal (IPI, UM, UI, IP, ISCSP, FA-UTL), Bélgica (IEE-ULB) e Brasil (FD-UGF).

Foi co-fundador do PSD, deputado europeu, observador à UEO e vice-presidente da AP da Convenção ACP-CEE, presidente de assembleia municipal, deputado nacional e presidente de grupo parlamentar, presidente de comissões parlamentares de defesa nacional, do trabalho, de investigação em matérias ambientais, de justiça e de cooperação, etc..

Na sua carreira académica, regeu e publicou obras concernentes a várias disciplinas, sendo o autor com publicação de uma tríade de manuais sobre políticas e direitos administrativos inter-relacionados de protecção territorial (direito do ordenamento do território, direito do ambiente e direito urbanístico, com os títulos “Desarrollo e cohesión na Península Ibérica: El problema de a ordenação territorial”, "Ordenamento do Território: Administração e Políticas Públicas, Direito Administrativo e Desenvolvimento Regional", "Direito do Ambiente” e "Direito do Urbanismo”), e também lições de Direito Administrativo Geral, Direito e Governo Municipal, Direito Comunitário, "Caminhos da Europa", Direito Internacional, Direito Constitucional, etc.

Membro da Direcção da Ceditex/Fundicotex (Espanha), representante para Europa da Liga Mundial de Juristas Ambientalistas (México), membro da direcção da Rede Internacional de Cientistas e Especialistas Ambientais (Recientea), membro permanente de comissões científicas de várias revistas internacionais. http/:condesso2011.no.comunidades.net

 

FERNANDO CONDESSO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PORTUGAL EM CRISE

 

Pela Reforma Global do Sistema Político e das Políticas Públicas

 

*

Proposta de Reformas Institucionais

em

Momento de Debate Anti-Crise

situadas no âmbito das concepções do

Estado Democrático Social de Direito

 

 

Prefácio

Eurico Figueiredo

Catedrático A. da Universidade do Porto

Ex-deputado do Partido Socialista

 

 

 

 

LIVROS DO BRASIL

Lisboa

2011


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nota introdutória e dedicatória

 

Esta publicação é, na sua maior parte, uma tradução do capítulo inicial do livro, elaborado em 2010, publicado em Espanhol, pela Editora Dykinson, de Madrid, com pólogo do Catedrático, antigo Vice-Reitor e Decano da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade pública Rey Juan Carlos, de Madrid, Cástor Díaz Barrado e traduzido para português, no início deste ano de 2011, com Prefácio do Prof. Cat. A. Eurico Figueiredo e com adaptações à nossa realidade constitucional e política e em que, em vésperas de impressão, ainda foi possível efectivar algumas correcções e acrescentar, nas conclusões finais, algumas observações muito breves sobre o processo de resgate da dívida externa.

 

Dedico esta obra:

 

Aos homens que, chefiando Governos nos momentos difíceis, governaram com coragem, procurando escolher os melhores e as soluções menos gravosas para os cidadãos e o país, amando sobretudo Portugal e a Democracia, Mário Soares e Francisco Sá Carneiro.

E, ainda, a muitos e muitos, que, apesar da vontade de servir a coisa pública, da sua experiência e de reconhecido mérito profissional, académico, político, administrativo e ético, acabaram por decidir abandonar ou foram forçados a desistir do exercício de funções públicas.

Também, a Tina Oliveira, pelo seu apoio permanente, e a todos os amigos e colegas, pelos seus comentários e estímulos, especialmente aos Professores das Faculdades de Direito e Ciências Políticas de vários países, Cástor Díaz Barrado, Catedrático de Direito internacional e Comunitário e Director do CEIB da Universidade Rey Juan Carlos, Madrid; José Eugenio Soriano, Catedrático de Direito Administrativo da Universidade Complutense de Madrid; Julián Mora Aliseda, Catedrático de Administração Pública da UTL e Presidente da Fundicotex-Ceditex, Espanha; Santiago Rosado Pacheco, Catedrático de Direito Administrativo da URJC, Madrid; Aquilino Vásquez, Presidente da Liga Mundial dos Juristas Ambientalistas, Universidade Autónoma do México; Dino Bellorio, Presidente do Fórum Mundial do Ambiente, Universidade Autónoma de Buenos Aires; Genaro Uribe Santos, Presidente da Academia Transdisciplinaria Internacional del Ambiente, Universidade Católica de Santa Maria de Arequipa; e, especialmente, Professor Eurico de Figueiredo, catedrático A. da Universidade do Porto, ex-deputado do PS, a quem agradeço o Prefácio.

 

 

ÍNDICE

 

Siglas utilizadas

Prólogo

Introdução: identificação, justificação e demarcação politológica do tema e sua estrutura

                   expositiva

I-Do actual sistema de poderes públicos

1.1. Ambiente geral de crise do regime democrático na actualidade

1.1.1. Considerações gerais

1.1.2. Mito da aplicação da teoria montesquiana da separação de poderes

1.1.2.1. Teoria da separação e insindicabilidade dos actos políticos

1.1.2.2. Crise do modelo de separação de poderes na UE

1.1.3. Separação de poderes, crise de representatividade e sistema eleitoral

1.1.4. Poderes de governação em sentido amplo e necessidade do seu controlo quotidiano

1.1.5. Controlo e livre acesso à informação

1.1.6. Sentido da liberdade da comunicação social, sua relatividade e ideia de controlo

          público generalizado dos poderes públicos. Questão informacional e organizacional

          administrativa. Importância da informação possuída por entidades públicas

          na actualidade

1.1.7. Liberdade de comunicação social e segredo de justiça

1.2. Importância das autoridades públicas independentes

II-Da Administração pública, políticas públicas e gobernança em Estado de Direito

    Democrático. Hipertrofia normativa e ademocraticidade das políticas públicas. Da Democracia, transparência e legitimidade funcional

2.1.Administração pública, políticas públicas e gobernança em Estado de Direito

    Democrático. Hipertrofia normativa e ademocraticidade das políticas públicas

2.2. Democracia, legitimidade funcional e transparência

2.2.1.Hegemonizaçao partidária e degradação da democracia representativa

2.2.2.Crise da prática democrática

2.2.3.Financiamento partidário e transparência na sua utilização

2.2.4. Controlos institucionais sobre a Administração e sua inoperância. Longo caminho da transparência total de todos os poderes públicos

2.2.5. Democracia e conhecimento da vida pública. Enunciação perfunctória acerca do debate geral sobre a importância e utilidade da informação detida pelas entidades públicas

2.2.6. Objectivos e funções em geral da transparência administrativa

IV- Principais conclusões gerais acerca da actual situação política, económica  e social de crise generalizada, propostas democratizadoras no plano institucional e síntese da sua fundamentação

Bibliografia



SIGLAS

AP - Administração Pública

APDAI - Agência de Protecção de Dados e Acesso à Informação

AR – Assembleia da República (parlamento português)

CA/CCAA – Comunidade(s) Autónoma(s)

CADA – Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

CE – Constituição Espanhola ou Comissão Europeia, de acordo com o contexto

CMUE – Conselho de Ministros da UE

CPA – Código (português) do Procedimento Administrativo

CPTA – Código do Processo nos Tribunais Administrativos

CRP – Constituição da República Portuguesa

CSMJ - Conselho Superior da Magistratura Judicial (português)

CSMP – Conselho Superior do Ministério Fiscal (português)

DIP - Direito Internacional Público

DC/DUE – Direito Comunitário Europeu/ Direito da União Europeia

DOUE – Diário Oficial da UE

EPI/EAI – Entidade Pública/Administrativa Independente

EUA – Estados Unidos de América

FJ – Fundamento jurídico

FOIA – Freedom of Information Act

LADA – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos

LAIA – Lei de Acesso à Informação Ambiental

LRJAPPAC/LRJAP/LAP – Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum

LGS – Lei General de Saúde

LOPCDF - Lei Orgânica 1/1982, de 5 de Maio, de Protecção Civil do Direito ao Honor, à Intimidade Pessoal e Familiar e à Própria Imagem

LOPDCP/LOPD - Lei Orgânica 15/1999, de 13 de Dezembro, de Protecção de Dados de Carácter Pessoal

LPH – Lei do Património Histórico Espanhol

LRBRL – Lei Reguladora das Bases do Regime Local, Lei 7/1885 de 2 de Abril

LSE – Lei portuguesa de Secreto de Estado

LSO - Lei de Secretos Oficiais

ONGA – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

OT – Ordenamento do Território

PE – Parlamento Europeu

PH - Património Histórico Espanhol

PI – Península Ibérica

RAP – Revista espanhola de Administração Pública

REAP - Revista Espanhola de Direito Administrativo

RVAP – Revista Basca de Administração Pública

SSTA – Sentencia do STA

STA – Supremos Tribunal Administrativo português

STC – Sentencia do TC

STPI- Sentencia do Tribunal de Pequena Instancia da UE

STS – Sentencia do TS

TC – Tribunal Constitucional

TCE/TUE- Tratado da Comunidade Europeia/Tratado da União Europeia

TJCE/TJUE – Tribunal de Justiça da UE

TPI – Tribunal de Pequena Instância da UE

TS – Tribunal Supremo de Espanha

UE – União Europeia

 

Prefácio

 

Conheço o Fernando Condesso há muitos anos da Assembleia da República: desde a minha efémera passagem pela Assembleia, nos tempos do Bloco Central, quando Fernando presidia ao Grupo Parlamentar do PSD. Acompanhei o seu percurso político com curiosidade e curioso achei o seu afastamento da vida política. Como já estamos habituados, os mais independentes, capazes e criativos são afastados por carreiristas cinzentos e gananciosos que progressivamente se apoderaram de todos os partidos portugueses.

A história pessoal do excelente deputado nacional e europeu e grande universitário Fernando Condesso é um bom exemplo do que neste livro também se denuncia. Assim como é um dos maiores desafios que se põe à democracia portuguesa. Como fazer uma selecção positiva e não negativa dos dirigentes dos partidos, cujo funcionamento é pago por todos os contribuintes?

 

Reencontramo-nos em 1996 do mesmo lado da barricada: na defesa da regionalização. A independência e coerência pessoal de Fernando Condesso vieram ainda reforçar mais o afastamento do seu partido. A coerência, independência e competência, nos partidos políticos portugueses, é um mal a combater a favor do malabarismo, carreirismo e fidelidade ao último “chefe” que acedeu ao poder.

Os grandes combates fazem grandes amizades: assim aconteceu connosco.

O Fernando é por características mentais um tratadista, espécie, infelizmente, em vias de extinção: extraordinária erudição, grande memória e fluente capacidade de expor as suas ideias, prodigalidade na escrita. A que se alia uma enorme criatividade nas propostas, nos mais diversos domínios da sua vasta actividade docente e de investigação, a nível nacional e internacional: ambiental, urbanístico, constitucional, administrativo, ordenamento do território, património cultural, desenvolvimento regional…

Neste último livro, Fernando Condesso mantém as suas características, mas acrescenta-lhe um dado de circunstância crucial: a sua enorme actualidade política.

 

Portugal vive, neste início de década, um conjunto de crises de grande gravidade, algumas tendo que ver com todo o planeta, outra envolvendo o processo de construção europeia, outras tipicamente nacionais: de valores, económico-financeira, ambiental, demográfica, social…, mas todas passando, obrigatoriamente, para serem resolvidas, pela dimensão política, área actualmente em colapso!

Compreendo que o Fernando não tenha querido avançar com análises, que a mim me parecem fundamentais, noutros domínios, como o da problemática do emprego, demografia, ambiente, defesa do património, designadamente natural, etc. Já fez algumas destas análises noutros livros. E preferiu, compreensivelmente, valorizar o nível por onde todas estas têm que passar: o nível político.

Pessoalmente, não posso deixar de destacar que o desemprego e a precariedade no trabalho são, neste momento, a expressão mais dramática da grave crise social que atravessamos.

Do ataque às reformas nem vale a pena falar. Exigiria mais do que algumas breves linhas. Falhada a ideia do partido dos reformados, que teve representação parlamentar na década de oitenta (mas cuja voz logo foi silenciada por alterações ao regimento por parte dos partidos da maioria), seria urgente tentar soluções novas da sua defesa, senão ao nível do poder, pelo menos dos contra-poderes, por exemplo com a criação de um sindicato dos reformados.

A convergência da dependência da dívida pública e privada dos empréstimos dos mercados, a relevância que a Alemanha, liderada pelo Partido Democrata Cristão, tem no Concelho Europeu, conduziu o governo, quando tínhamos sido, nas últimas décadas liderados por “cigarras” tentadas pela corrupção, a avançar agora com absurdas medidas de austeridade num período de recessão económica. Obrigando o país a uma previsível recessão.

Neste contexto, e com estes condicionamentos, não nos parece possível que seja o crescimento económico que vai criar novas possibilidades de emprego. Dificilmente, se poderá dar boa resposta ao desejos de emprego estável tão bem expresso pela autoproclamada “geração à rasca” sem procurar outras vias, a curto prazo, mais eficazes que o crescimento.

A redução dos horários de trabalho, a dignificação do trabalho a tempo parcial com garantia de progressão na carreira e reforma condigna, a valorização do trabalho doméstico socialmente remunerado são fórmulas a estudar e desenvolver.

A crise do ambiente é das que implicam a globalidade do planeta. Sendo um dos cenários previsíveis para o Portugal futuro, dentro de meio século, uma desertificação física de dois terços do território, passando Viana do Castelo a ter um clima semelhante ao de agora em Tavira, é exigível uma acção concertada da União Europeia e de todo a planeta para contrariar cenários como este.

Mas há objectivos nacionais que urge cumprir. O primeiro é o de conservar o património natural. A destruição deste, no nosso país, é marcante. Bem podem os governantes esmerar-se em procurar seduzir-nos com eólicas e automóveis eléctricos. A obsessão em destruir o património natural do vale do Tua e Sabor, por um punhado de quilowatts, revela bem o desprezo do socratismo pelo principal património a proteger: o natural.

A absurda auto-estrada de Trás-os-Montes é outro projecto insólito. Quando a região sofre de muitas falhas nas estradas inter-municipais e, mais ainda, nas vicinais. Para pouco servirá a auto-estrada com portagens, à exígua população transmontana, e nada para Portugal. A Norte já temos duas saídas por auto-estrada para Espanha por Valença e por Chaves.

A crise da quebra da natalidade é uma das mais preocupantes que o país atravessa. O índice sintético de fecundidade evoluiu de 3.2 filhos por mulher em 1960, para 1.4 em 2008 quando a renovação de gerações só está garantida acima de 2.1 filhos por mulher. Com a agravante de, obedecendo a ritmos biológicos, ser lenta a ser superada, mesmo se forem tomadas medidas radicais para a combater. Esta evolução compreende-se quanto mais não seja pelos custos para os pais em criar um filho. Estes estão avaliados em mais de 650 mil euros para a classe média alta e mais de 200 mil euros para as classes médias baixas, admitindo-se que os filhos se mantêm dependentes economicamente dos pais até aos 25 anos. Serão de mais de 30 mil euros para as classes de menores recursos, admitindo-se que os filhos se mantêm dependentes até aos 16 anos (Comunicação do Prof.J.P. Barbosa de Melo, no VII “Colóquios do Porto: Psicanálise e Cultura”, sobre o tema genérico de “Psicanálise e Cidadania”, Fundação Eng. António de Almeida, 5 e 6 Novembro de 2010, integrado no Programa das Comemorações do Centenário da República).

Sem jovens, Portugal vai ver reduzir-se a sua capacidade criativa e de iniciativa empresarial, assim como da sustentabilidade do nosso sistema de reformas. Só um fortíssimo e inovador apoio à maternidade e aos casais com filhos permitirá inverter uma tendência que significa, a prazo, um suicídio nacional. O actual governo optou por cortar no abono de família!

 

É a dimensão política da actual crise de democracia, da administração do estado, do estado de direito, dos partidos políticos e da sua representatividade, da assembleia da república, das assimetrias regionais de desenvolvimento, da comunicação social, tendo que ver com tudo isto, que Fernando Condesso entendeu privilegiar neste relativamente conciso, mas sempre erudito ensaio, cuja ousadia nas críticas e propostas não posso deixar de saudar.

Sendo certo que a actual crise de confiança dos portugueses em tudo e em todos, a partidarização da administração e serviços públicos, a concupiscência entre as elites partidárias e os interesses económico-financeiros dominantes, o desprestígio dos tribunais, a irrelevância dos deputados, o controlo dos meios de comunicação ora pelo estado ora pelos grandes interesses económico-financeiros, torna o país irrespirável, como nunca depois do 25 de Abril.

 

O certo é que o PS, PSD, e CDS são irreformáveis e todos são cúmplices do estado a que se chegou, com uma dívida externa pública e privada insuportável, com um nível de desemprego nunca dantes atingido e com risco de recessão económica tendo em conta as medidas adoptadas pelo actual governo pressionado por uma Europa à deriva e ao serviço do que o actual governo alemão julga serem os seus interesses nacionais.

Quanto ao PCP e BE, estes são irrelevantes, ainda agarrados, mesmo o Bloco, a um paradigma marxista-leninista, há décadas desacreditado pela construção do socialismo real e fugindo aos compromissos da governação como o diabo da cruz. São apenas partidos de protesto.

Dir-me-ão que este diagnóstico tão radical aponta para a criação de novos partidos ou movimentos políticos?

Porque não? E será talvez inevitável, para não conduzirmos o país para um estado de anomia. A abstenção nas eleições é um mau sintoma. A votação em Fernando Nobre, 15% dos votos para as presidenciais num candidato sem qualquer apoio partidário revela a disponibilidade dos votantes para a novidade.

Mas a iniciativa só vale a pena se funcionarem em moldes completamente diferentes dos existentes. Se criarem condições internas para não esclerozarem.

 

O diagnóstico que Fernando Condesso faz do país é tão deprimente, quão estimulantes são os desafios que nos faz.

Que fazer?

Esta questão põe-se a todos os Portugueses. Mas Fernando Condesso dá-nos boas sugestões!

Lisboa, 19 de Março de 2011

Eurico Figueiredo

 

INTRODUÇAO: identificação, objectivos, justificação e demarcação politológica do tema e sua estrutura expositiva

 

 

«O maior problema que se coloca às Administrações é o de governarem com transparência, equidade, celeridade e sem conflitos».

WOODROW WILSON -«The Study of Administration». In Political Science Quarterly, 1887, republicado em Stillman (Ed.) –Public Administration,o.c, 1992.

 

 

 

1.Esta publicação é um ensaio sobre a temática dos défices do modelo concreto de democracia em que vivemos, que está antes dos temas das crises, que ciclicamente aparecem como a sua epiderme, consequência e logo também causa desse modelo.

Situa-se ideologicamente no âmbito de um Estado Constitucional Democrático Social de Direito, mas não necessariamente no quadro do texto constitucional vigente, cujas soluções não se coíbe de questionar. Não é uma análise sobre o direito constituído nem pretende ser uma obra científica, obrigada a propósito de todos os temas a citar, concordando ou contraditando, todos os autores de referência e fundamentar cabalmente todas as afirmações e opções que marquem as minhas posições, sendo mais propiamente uma Ensaio livre, uma reflexão frequentemente com implicações em termos de iure constituendo, seja de normas constitucionais seja de matéria, de natureza constitucional ou não, constante legislação ordinária, especialmente centrada em questões que implicam normas de valkor reforçado, sem dificuldade de alteração temporal, mas cuja flexibilidade não deixa, por vezes, de implicar maiorias qualificadas.

Dito isto, fácil é concluir que, neste ensaio, não nos tolhe o pensamento o sabermos da dificuldade da sua aceitação pelo quadro partidário actual, desde a esquerda à direita.

*

2. No plano concreto de desenvolvimento deste ensaio politológico, do seu iter expositivo, começaremos pela análise politológica e conceptual da problemática ligada à actual vivência concreta do sistema político e referindo concentradamente elementos doutrinais acerca do seu enquadramento factorial.

Vivemos nas nossas sociedades, numas de modo mais sentido, noutras menos, mas, em geral, uma crise do sistema político, administrativo e jurisdicional. Quanto aos aspectos que, nesta publicação nos ocuparão, e que de facto são causa das crises gerais que Portugal, ciclicamente, vai atravessando, e que agora certos factores permitiram tornar mais perceptíveis, eles viabilizando o poder nas mãos dos agentes destas crises, também põem nas suas mãos o poder de bloqueamento da sua própria resolução institucional, constituindo os temas estruturais, anteriores e permissivos, senão mesmo causantes, dos temas conjunturais.

Podemos resumi-los do seguinte modo:

a)- disfuncionalidade dos tribunais;

b)- gestão política de processos penais e desprestígio galopante do poder judicial;

c)- partidarização do sistema de poderes;

d)- desregulação de âmbitos essenciais da vida social;

e)- crise de confiança nos dirigentes;

f)- corrupção;

g)- desprezo pelo mérito na atribuição dos cargos públicos;

h)- osmose funcional entre os titulares dos distintos sistemas sociais (político, económico, administrativo, com nomeações para cargos políticos visando compensar financiamentos empresariais aos partidos ou para cargos empresariais para pagar favores anteriores de políticos corruptos ou na expectativa de capacidades corruptores futuras para captar influencias partidárias e governamentais);

i)- crise de representatividade dos políticos;

j)- distorções democráticas dos sistemas eleitorais (desde logo, as listas fechadas), e consequentes distanciamentos dos eleitores dos «’pseudo’-eleitos»;

l)- necessidade de reformas radicais da organização e funcionamento das Administrações públicas.Etc.

 

3. Na parte final, abordar-se-á a crucial questão da necessidade da existência de um eficaz sistema normativo de acesso à informação possuída pelas entidades públicas e seus objectivos essenciais em ligação com o tema desta publicação. Ou seja, introduziremos o tema da transparência dos poderes públicos, pela sua importância em conexão com a matéria politológica aqui abordada.

Este ensaio, sem pretender expor e criticar o direito vigente em matéria da transparência no exercício dos poderes públicos, não deixa de, na parte final, coerentemente com a análise feita, concluir pela sua necessidade e analisar os fundamentos e o exercício de um instrumento que, se devidamente construído, o que, no caso português, exige ainda modificações legislativas e institucionais importantes, pode ajudar, embora relativamente e a pouco a pouco, a este objectivo.

Aliás, em concreto, importa referir que estamos face a um direito fundamental do homem à transparência informativa no exercício de poderes públicos; ou direito de livre acesso ao conhecimento de informações possuídas por qualquer entidade que efectue tarefas públicas.

Com efeito, este tema também nos merece, sobretudo na parte final, uma breve referencia, cuja importância não pode ser reduzida apenas ao campo dos interesses difusos, como o ambiente, pese embora a sua extrema importância neste tema, mas também especialmente nos da saúde, alimentação, ecotoxicidade, corrupção, eficácia do funcionamento dos órgãos de soberania em geral, especialmente o funcionamento da Administração Pública e dos tribunais e suas organizações dirigentes.

A título de exemplo, quanto ao ambiente, repare-se que essa transparência é condição da sua defesa preventiva, perante a dimensão material da degradação permanente (a unidade do bem directamente a proteger, o ambiente em sentido amplio, e indirectamente outros valores, como se referiu, dada a sua conexão com a saúde e a qualidade de vida), onde, desde logo, se destacam os elementos naturais (que não conhecem fronteiras).

E onde os poderes públicos e os cidadãos (por si ou através de organizações não governamentais) são chamados, em conjunto, a participar nas tarefas ecófilas do dia-a-dia, intentando prevenir e corrigir contaminações desses componentes, água, ar, solo; ou impedir a destruição da flora, fauna, habitats e paisagem; ou evitar o ruído, defender o ambiente urbano e, em geral, proteger o património natural e cultural.

Perante um desafio de tanta importância, em que tudo está, muitas vezes, envolvido e em que os poderes e as Administrações Públicas, incluindo as ambientais, nem sempre defendem os interesses colectivos, é importante fazer referencia a que o acesso às informações que detenham é condicio sine qua non para habilitar os particulares a exercer condutas de sensibilização e contrapoder.

Daí, a relevância de uma construção, em todos os âmbitos e domínios, da atribuição aos cidadãos do adequado direito de acesso à informação detida pelos poderes públicos.

O acesso directo dos cidadãos à informação, assim como a adequada densificação da actuação activa prestadora de informação, permitindo conhecer e analisar, pela generalidade das pessoas, as decisões, «as sementes e a origem de todas as decisões», são elementos essenciais de uma Administração aberta e transparente e de um open government.

Mas, não sendo o tema desta obra, deixaremos para posterior e breve publicação a apresentação e crítica, em geral, dos aspectos essenciais do direito unionista aplicável nas instituições da União Europeia e do direito nacional de aplicação da transparência no funcionamento dos poderes públicos, tratando especialmente o direito unionista de acesso à informação das Instituiçoes e em matéria de informação ambiental, com as orientações aplicáveis nos Estados, tal como os direitos concretos vigentes a nível interno, assim tratando globalmente o direito de acesso aos documentos das Instituições da União Europeia e das Administrações nacionais.

Analisaremos estas deficiências da legislação nacional e peninsular em geral: as condições jurídicas do exercício do direito e a efectividade e aplicação administrativa da transparência documental.

Expor-se-á a nossa posição, para ajudar a dar efectividade à aplicação do regime legal de acesso, em defesa não só de um Estatuto próprio destas entidades públicas independentes de acesso à informação administrativa, como acontece em Franca e Portugal, mas também da reformulação do seu quadro de poderes, perante a experiência adquirida, sobretudo, no funcionamento da Comissão portuguesa de Acesso aos Documentos Administrativos.

 

 


I - DO ACTUAL SISTEMA DE PODERES PÚBLICOS

 

 “(…) tendo nascido todos iguais e livres, só alienam a sua liberdade por sua própria utilidade. Toda a diferença consiste em que numa família o amor do pai para com os filhos paga o cuidado que por eles se teve; e no Estado, o gosto de mandar supre o amor que o chefe não tem aos seus povos”.

“Não entendo por isso que tenha de haver escravos, nem que seja legítimo o direito de escravidão, suposto que se provou o contrário: indico tão só os motivos porque os povos modernos, que se crêem livres, têm representantes, e faço ver porque razão os povos antigos não os tinham. De todo o modo, no instante em que um povo nomeia representantes, já não é livre; deixa de existir”.

 

 JEAN JACQUES ROUSSEAU, Do Contrato Social ou Princípios de Direito Político

 

 

1.1.Ambiente geral de crise do regime democrático na actualidade

 

1.1.1. Considerações gerais

 

A democracia na sua concretização histórica é e será sempre um ideal de realização inacabada, com avanços e retrocessos.

Todo o governo, inclusive “representativo”, combina elementos democráticos com uma dimensão oligárquica[1], ou tende mesmo à criação de contextos propiciadores de atitudes autocráticas.

E, por isso, ROUSSEAU já desconfiava da noção de representação («a soberania não pode ser representada»[2]).

Fazer da política a profissão principal (e além disso continuada, como é tendência dos conquistadores de lugares partidários e dos poderes públicos, inclusive em democracia), gera interesses e lutas específicas em torno desses interesses.

Não só se vive para a política, mas sobretudo da política.

Mas a oligarquização do poder não é uma «lei» histórica, como tangencialmente crêem G. MOSCA ou VILFREDO PARETO. É só, como refere ROBERTS MICHELS[3], uma tendência propiciada pela lógica da divisão de tarefas nas organizações da sociedade.

A história moderna pode entender-se como uma luta entre essa tendência para o governo oligárquico (dado que a representação permanente se plasma numa hegemonia dos representantes sobre os representados, uma irretratável delegação, entre eleições, do poder dos cidadãos de dirigir os seus destinos colectivos) e a «capacidade individual para a crítica e o controlo» (R. MICHELS).

O fenómeno que chamaria de representação-delegação política aparece como um «despojamento» dos representados a favor dos representantes, que, com a continuidade de funções no tempo, se tornam profissionais da dominação política, sendo certo que a fronteira dominantes-dominados passa hoje pela divisão entre “profissionais” da política e os cidadãos em geral.

O trágico para os cidadãos resulta do facto da autonomia inerente ao político estar em que «só se se desapossarem a favor de um porta-voz, expondo-se à ‘alienação’, é que escapam «à alienação política»[4].

Perante a experiencia de desvios, a alternativa ao cepticismo está na afirmação da necessária intersubjectividade, no espaço público, com o cidadão. Frente aos riscos de perda, nessa alienação inscritos, ou às tendências para os desvios funcionais da institucionalização, há que opor essa dimensão dinâmica das heterosubjectividades activas[5].

Na verdade, o que importa é constatar quão distantes estamos do ideal da realização da República de Platão, governada pela «sabedoria» do filósofo-rei, que acede ao domínio superior das «ideias» (as «essências», não as «aparências»)! Ou das preocupações pragmáticas e empíricas, normativas, da Política de Aristóteles, na busca do «melhor sistema», para quem importava, analiticamente, construir o «mais adequado» para cada sociedade concreta.

Mas é nesta última abordagem que propomos inserir-nos.

Como ressalta da Utopia de TOMÁS MORO, na sua reflexão sobre a tensão permanente entre as pressões da realidade imperfeita e a busca ideal da sua superação, num caminho de realismo, deveria aceitar-se o compromisso com as instituições com que haja discordância para tentar melhorá-las?

Impõe-se uma permanente tensão num “sentido do possível e do praticável”, de uma abertura contínua ao impossível (FICHTE, BENJAMIM, RANCIÈRE, DERRIDA, LÉVINAS), entre o diálogo do pragmatismo e da utopia. Ou uma dialéctica democrática infinita, como pretende MERLEAU-PONTY.

Acontece que a política democrática não existe na estabilização hierárquica institucional, inclusive se na teoria politológica e constitucional se considera como representativa, pois só se constata e vive com verdade no permanente “ressurgimento da colocação em comuns do conflito”[6].

Já HITLODEU entendia que o compromisso só vem legitimar, permitindo encobrir e manter, debaixo de formas distintas, a corrupção das estruturas dirigentes, embora ele não deixe de demonstrar um optimismo antropológico quando estão verificadas certas condições sociais, que não permitam que certas pessoas e grupos dominem os restantes.

Na verdade, a democracia, como obra do ser humano, é uma promessa, constantemente por realizar.

O ser humano e as suas sociedades são fundamentalmente algo histórico, em movimento de autoconstrução, de emancipação criadora e recreadora.

Nenhuma construção política pode ser imóvel, pois a imobilidade do contrato social seria contrária ao espírito da humanidade.

Qualquer que seja a definição desta, ela caracteriza-se num movimento para a perfectibilidade (FICHTE) e portanto só tem sentido num movimento constante de mudança.

Há que reconhecer que inclusive a utopia (ou reflexão genérica, face à praxis do mundo existente, tal como se apresenta à observação) tem sempre uma função heurística[7], porque quem sente necessidade de a pensar acaba por se afastar da resignação, ao voltar a olhar a realidade que o rodeia.

A utopia é o alimento da crítica social, porque o horizonte utópico nos convida a não nos contentarmos com «o dado», o existente, buscando o possível[8], mesmo no desejo do impossível.

Vivemos numa «sociedade de comunicação «de-formada», distanciada de uma teoria da acção comunicativa, segundo o modelo que permita a «crítica da sociedade tal como é» (JÜRGEN HABERMAS).

De qualquer modo, entendemos que há que partir da dimensão analítica e da crítica social para a dimensão «ideal», normativa, descobrindo e inventando, tentando perseguir «o limite do impossível» (SOPHIE WAHNICH), para poder ousar chegar ao tal limite do possível.

O paradoxo fundamental da política pode sintetizar-se nesta frase de JACQUES RANCIÈRE: «Não há ordem na sociedade senão porque uns mandam e outros obedecem. Mas, para obedecer a uma ordem requer-se pelo menos duas cosas: há que compreender a ordem e há que compreender que é preciso obedecer». E acrescenta: «E para isso, já há que ser igual a quem manda»[9].

Além disso, hoje, à vigência da democracia não basta ganhar eleições. Pedir o voto impessoal.

Os cidadãos exigem comunicação permanente (e uma direcção organizada, uma liderança para o seu poder, não a delegação do seu poder), através das tecnologias disponíveis, e protagonismo activo no processo de mudança para o modelo de Administração e de Governo Abertos (transparência – acesso à informação; participação individual – influir e orientar as políticas, incluindo os assuntos exteriores e a política internacional[10] e normação; finalmente, colaboração, acompanhando-as ou como grupos organizados ou mesmo como pessoas).

É necessária uma mudança de paradigma relacional governantes-governados: relação horizontal e directa, sem necessidade da sua difusão, dissolução participacional, unicamente em termos da sociedade civil, com um novo contrato social de co-responsabilização.

Não se pode desconhecer e aceitar as análises potenciadoras dos melhores resultados na gestão pública, sejam as teorias de “criação de forma interactiva” de BERNEERS LEE, da “arquitectura da participação” de O’REILLE, da “sabedoria das multidões” de SUROWIECRI ou da”inteligência colectiva” de LÉVY.

Hoje, o cidadão quer transparência no exercício dos poderes públicos e possibilidades de participação, compartilhar a liderança, com dirigentes gestores de propostas e não «soberanos» iluminados e intocáveis, confiscadores do poder geral[11], sabendo «escutar tudo o que o rodeia e mediar entre as diferentes instituições e estratos sociais para encontrar ali a saída para os problemas concretos», pois «a modernidade não reclama lideranças messiânicas, mas gestão de grupos e propostas». Sic condicunt.

 

A opinião pública assiste à revelação da realidade de um sistema social que põe de manifesto as suas insuficiências, contradições, tensões, corrupções, frequentes decisões parciais e erradas.

E, por isso, conscientes de que já não vivemos num mundo dogmático, mas de pensamento científico, as pessoas crêem que, «como nas origens do ser humano, o líder não é eleito por desígnio divino, mas por ser o que mais sabe» e trabalhando com todas as janelas abertas, pois esta sociedade-rede pretende ser protagonista activa de um profundo processo de mudança from below, que as classes políticas e dirigentes administrativos bloqueiam sistematicamente.

O conceito de open government permite terminar com a ideia actual de que é «impossível influenciar as decisões dos políticos»[12], ao defender que os cidadãos actuem, cada vez mais, «abrindo o código do funcionamento de nossos governos e Estados, e desenvolvendo o código de controlo desses redutos à comunidade», numa evolução em que possam questionar permanentemente as verdades oficiais e «supostamente inquestionáveis»[13], afirmadas por qualquer poder público.

Só esta postura nos coloca a caminho de um novo modelo de democracia, deliberativa e colaborativa (e não só representativa ou representativa-participativa), a resultar de mudanças (funcionais, de representatividades, culturais, organizacionais, processuais e relacionais, marcantes do novo paradigma de Governos e Administração Pública, seus procedimentos e dogmas).

Este novo paradigma deve basear-se em três eixos centrais definidores[14]: conhecimento, participação e colaboração.

Desde logo, accountability. O direito a conhecer em quê se gastam os dinheiros dos impostos; favorecendo as condições de abertura dos dados: adequada estruturação, catalogação e legibilidade; informação, explicação e motivação; seu tratamento de maneira clara, compreensível, utilizável e abrindo sempre oficiosamente os processos administrativos de relevância para permitir o empowerment real da cidadania.

Participação nas iniciativas e agendas políticas, legislativas, regulamentares, administrativas e mesmo de gestão das organizações jurisdicionais e de política anti-criminal, imigratória, saúde, etc..

E colaboração entre administrações públicas e entre estas e as privadas e os cidadãos.

Tudo isto, exige mudanças profundas (uma nova tomada da Bastilha), culturais, procedimentais, orgânicas e relacionais, implicando a sociedade no ciclo completo de construção e execução das políticas públicas.

No domínio cultural, pondo o cidadão como centro do serviço público, ditando o modo de fazer e atitudes. No dos processos de trabalho, reordenando-os para o único objectivo de servir facilmente o cidadão, De organização, fazendo a transição de modelos hierárquicos para modelos em rede, orientados à intersubjectividade, projectos comuns e resultados hipercontrolados.

E, em geral, nas formas de relacionamento, com comunicação on-line, relação à distância, etc.

A abertura à cidadania exige reinventar e reorganizar os sistemas sociais, com radical evolução para formas purificadoras da ideia democrática, supondo um funcionamento dos partidos políticos sem confiscar a informação privilegiada, sem estruturas fechadas, com flexibilidade relacional e decisória, convertidos em «espaços abertos, dinâmicos e permeáveis»[15], numa democracia em reconversão, através de adaptações urgentes às novas realidades globais, uma ampla participação dos cidadãos, novos métodos de funcionamento, representação e controlo.

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Hoje, em muitos países, omo em Portugal, onde não está em questão o regime democrático, na medida em que haja garantias mínimas de defesa das liberdades e dos direitos fundamentais, não deixa de existir um sentimento generalizado do estado de enfermidade e incapacidade da classe dirigente neste período de grave crise nacional, agravada pelo contexto internacional desfavorável. Ou seja, da sociedade política instalada ou das crescentes metástases do mal, difundidas no mundo económico como no político.

Pelo que se impõe um profundo debate, com objectivos reformistas, sobre o actual sistema político, cuja experimentação histórica na Península Ibérica, a partir do último quarto do século passado, é já suficiente para considerar que o sistema, tal como está, realiza deficientemente o princípio do governo democrático. Uma reforma que os factos – os directamente sofridos pela população em geral ou os que são continuamente publicitados e multiplicados na comunicação social dos últimos tempos -, mais acentua e faz urgir.

 

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Nunca, como hoje, parece oportuno recordar a afirmação do céptico ROUSSEAU (para quem “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade e aos seus próprios deveres”), segundo a qual os povos se crêem livres, mas estão equivocados, porque só são livres durante as eleições. Uma vez estas terminadas, voltam a ser escravos, não são nada. Acrescentando que, pelo uso que dela fazem no curto tempo do seu acto de liberdade, bem merecem perdê-la.

Em geral, os regimes democráticos revelam uma grave crise do funcionamento das instituições públicas. E, daí, a importância das regras sobre a transparência e a defesa de organizações imparciais que a garantam.

 

A interpretação que, em geral, é dada a uma célebre frase de um dos grandes políticos do século passado, WINSTON CHURCHILL, de que a democracia era um mau regime, mas a ditadura era pior, não me merece concordância se se cita esta frase com o sentido de uma mera afirmação -constatação ou de mera resignação, perante os desvios, imperfeições ou insuficiências da ideia e do projecto democrático.

Com efeito, a construção concreta ou a vivencia conjuntural do regime democrático não pode levar a estabilidades conservadoras, se são constatadas como inadequadas ou podres. Antes exige reflexão, ousadia e capacidade de adequação dos sistemas sociais às necessidades ou contrariedades de cada momento histórico, com a certeza de que tudo pode ser reformado, mesmo que paulatinamente. E, portanto, aperfeiçoado, afastando-nos de uma visão pessimista hobbesiana do homem, na sua vivência em sociedade; e, desde logo, do homem político e do homem que sofre os efeitos do político.

A ideia democrática moderna de um governo do povo para o povo assenta no princípio da representatividade dos membros do corpo dirigente integrante da função política em sentido amplo. E, desde logo, da estrutura do poder parlamentar, com valorização do papel do deputado, que deve passar a ser cumprido sem mandato imperativo.

E só pode assentar na ideia de um órgão governativo minimamente respeitador dos compromissos eleitorais, que hajam marcado a campanha eleitoral; no reconhecimento garantido dos direitos fundamentais, desde logo na liberdade da comunicação social perante o poder económico e político e no respeito pela relativa mas real divisão de poderes, capaz de um recíproco controlo efectivo desses poderes.

Mas também a realização desta ideia básica, fundadora da régie, se encontra em crise perante um sistema que parece dar mostras de grave dificuldade de adaptação e correcção de desvios e incorrecções funcionais.

Embora não implique especiais questões de legitimidade original, de designação, todavia não deixa de permitir questionar a legitimidade funcional, já tão importante para o tomismo na Idade Media e, hoje, em democracia, afinal tão esquecida, a qual só é mensurável na actuação do dia-a-dia.

 

Não obstante, não podem esquecer-se as constitucionalizações de desvios ademocráticos e a dificuldade de constituir governos de personalidades de maior mérito, afirmado na sociedade, profissionalmente experimentados na vida extrapartidária, e não de maior militância ou do domínio dos aparelhos dos partidos. E tal situação conta negativamente, com a concomitante incapacidade dos governos para estar à altura dos problemas concretos, que a dinâmica social impõe, sobretudo em períodos de crises graves, em geral provocadas pelos mesmos ou seus antecessores, agravados ou não por momentos internacionais desfavoráveis.

 

A democracia, além de ser a única fórmula política institucional que resiste ao decurso dos tempos, e aquela que, pelos seus fundamentos, nos resta defender, não se mostra perfeita na prática. Merece críticas construtivas e exige permanentes alterações funcionais, que melhor realizem a sua ideia subjacente.

Em termos de realização ou não do ideal de democracia, da construção de regimes a ter como mais democráticos ou mais igualitários, recordo as queixas de N. BOBBIO, em 1984, sobre o fracasso das suas promessas, destacando a incapacidade revelada para, v.g., conduzir a uma sociedade de iguais, sem corpos intermediários, eliminando interesses organizados e particulares que se oponham aos da colectividade, consubstanciados na representação política, acabando com as oligarquias e destruindo os poderes invisíveis.

Isso, como vemos no seu pensamento, expresso em 1984, não o leva a condenar as democracias reais ao banco das não democracias, antes concluir que a complexidade da sociedade actual ultrapassa e, por isso, dificulta o projecto político democrático, idealizado para algo menos sofisticado, sem prejuízo da possibilidade de medir as diferenças dos distintos regimes que não deixam de merecer a designação de democracias, em função da capacidade de cumprimento maior o menor de tais promessas explicitadas por BOBBIO.

ROBERT DAHL, há mais de vinte anos, avançou com três mudanças possíveis para melhorar as democracias, em que inclui, na linha de BOBBIO, embora sem exigências de todas as promessas, a ampliação do processo democrático a instituições importantes, dado que, num país democrático avançado, v.g., a ordem económica não pode ser entendida só como meio orientado para a produção e distribuição de bens e serviços, mas também para a promoção de valores, entre os quais estão os democráticos.

Ou seja, os regimes democráticos podem difundir-se, como aconteceu nas últimas décadas, e podem e devem aproveitar o fenómeno generalizador para aprofundar a vivência democrática, pois a teoria democrática parte do pressuposto de que eleitores e governantes, uns racionalmente, outros responsabilizadamente, estão em condições de ir melhorando as qualidades e valores exigíveis em democracia, num processo sempre inacabado de reconstrução de uma sociedade cada vez mais avançada.

Em questão não está a defesa de qualquer evolução ou processos de mudança rápido e radical. Não se desconhece que, perante problemas de ingovernabilidade, corrupção ou insegurança pública, em certas épocas processaram-se modificações radicais, que depois nem sempre criaram soluções melhores. Não só em Portugal no final do primeiro quarto do século passado, mas também em Itália, a final, as crises conduziram a soluções piores. Aqui, os escândalos sobre corrupção e as “caras” ocultas da direcção da alta criminalidade, não alterando nem o regime nem o sistema de governo, não deixaram de levar à modificação para pior do sistema de partidos e das soluções governativas, telecomandadas pelo dinheiro e a imprensa já dominada por ele. Ou seja, nem sempre objectivos regeneradores, purificando o passado, fazem melhorar o futuro.

Todas as alterações têm incógnitas e custos, que só se justificam quando abrem vias alternativas suficientemente credíveis e proporcionalmente melhores que o status quo. De qualquer modo, o medo do «depois» não pode fazer-nos aceitar um qualquer presente, antes obriga a analisar o presente pensando nos perigos possíveis do seu descalabro, o que exige não só acção mas a construção de um pensamento estratégico de reforma, para que o salto para o futuro não seja cego mas propiciador de algo melhor[16].

Veremos o que irá acontecer no mundo islâmico, agora em luta dita democratizadora, mas não sem riscos de substituição de ditaduras laicas por regimes totalitários ou sistemas desestabilizados e desestabilizadores, construídos à sombra dos movimentos democratizadores, como ocorreu na Pérsia recente.

Ave, Cæsar, morituri te salutant

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Os partidos são uma modalidade de organização política relativamente recente, iniciada no Reino Unido e nos EUA no século XIX: ou a partir da reunião nos parlamentos dos eleitos com afinidades políticas (grupos parlamentares) ou no exterior, a partir da criação de comités eleitorais locais com a missão de mobilizar os eleitores, entre uns e outros instituindo-se relações regulares. Ocorre que, contrariamente ao que acontece nos EUA, desde logo na Europa passou a haver tendências hegemonizadoras da vida dos representados e da política, que, tomando como exemplo os EUA, importa erradicar.

 

Não vamos expor e criticar as múltiplas funções hoje desempenhadas por eles no interior do sistema social, enunciadas em análises clarividentes das doutrinas funcionalistas, à maneira de R.K. MERTON, ou sistémicas, de D. EASTON. Mas não deixo de registar algumas considerações teóricas pertinentes perante as funções dos partidos políticos peninsulares: podemos falar em geral de funções de formação da opinião pública e funções programáticas (propostas de governação, etc.). Só que têm assumido a hegemonia de funções de selecção de pessoal político e administrativo, elegível ou não, com monopolização dos candidatos na sua origem e actividade. Os partidos aproveitam a sua organização e poder para actuarem como veículos de correntes, ascendentes e descendentes, de circulação de quadros (conselheiros regionais ou locais, que vão para membros dos órgãos de soberania e estes que vão para cargos regionais ou locais ou empresas), independentemente de critérios de mérito (com prejuízo da apreciação de qualidades reais, só passível de ser feita em grupos alargados, que não meramente partidários). Os seus critérios são antes, como hoje é normal, critérios de adesão aos dirigentes ou estratégias de conquista de apoios para futuras lideranças.

 

Ora, tomando como exemplo os EUA, vemos que os partidos seguem sendo organizações de missão, como simples aparelho que actuam em momentos de competição eleitoral, com funções de assistência e mobilidade social e económica, como canais de conexão entre eleito e população e de reivindicação desta. Mas e é isto que importa reter –apesar das referidas funções importantes que desempenham, não caiem na tentação de confiscar a política, ou seja, deixam a política para os eleitos, que têm uma grande margem de liberdade de manobra. Não impõem adesões a linhas de actuação ou soluções definidas pelo partido.

Já, pelo contrário, aqui na Península e em muitos Estados europeus, resvalamos para um sistema partidário assente em formas oligárquicas de poder, traduzindo mais ou menos tipos de partidos autocráticos, que não se limitam a anunciar o programa eleitoral elaborado pelos candidatos, mas o elaboram de cima para baixo, em comités tecnocráticos, que nomeiam livremente, controlados pelos dirigentes partidários, totalmente à revelia dos candidatos. E impõem-nos ao eleitorado e aos candidatos, sem se preocuparem com o seu cumprimento futuro. Com isto perde-se a sua individualidade funcional e a conexão construtiva dos deputados com o eleitorado.

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Quanto à legitimidade originária, desde o início dos actuais períodos constitucionais democráticos não pode esquecer-se que, v.g., para a investidura parlamentar do governo, em certos casos, como o português, nunca se exigiu uma tomada de posição positiva dos deputados. Perante a fragilidade e grande divisão partidária e ideológica, visa-se assim facilitar governos minoritários e especialmente ao centro, uma vez que os partidos dos extremos-direita e esquerda têm sempre dificuldade em se entender e muito menos em se coligar.

O Governo, desejavelmente, deveria estar legitimado democraticamente, e por isso merece forte crítica a não exigência de aprovação positiva pelo Parlamento.

De facto, estamos face a aprovação meramente fictícia de toda a Câmara. Ou seja, menos que presumidamente ou tacitamente, o que pressuporia uma vontade favorável da maioria, embora considerada sem necessidade de declaração expressa, o que não corresponde exactamente ao facto de os deputados dos vários partidos ouvirem no Parlamento o seu programa de intervenção, sem se pronunciar expressamente: uns presumem-se a favor e outros, muitas vezes em maioria, declaram que estão contra o programa e o governo. Isto é, o Parlamento aceita um governo contra a vontade da maioria da representação popular, logo democraticamente ilegítimo, mesmo que constitucionalmente legítimo, situação que ocorrerá não em todas mas na maiorias dos casos em que se constituem governos ditos minoritários ou mesmo maioritários em períodos de grave crise nacional, exigente de opções e políticas com amplos consensos.

E, em geral, assistimos ao fenómeno da doutrina também vir deixando cair a ideia de que o programa partidário não faz parte da natureza da instituição. Nem este nem a sua formulação concreta na campanha eleitoral, o programa-já-promessa, compromisso, têm que passar ao programa de governo, a apreciar pelo Parlamento.

O que, mesmo que não fosse totalmente conforme, pelo menos teria de ser compatível, sob pena de se admitir que é legítimo que o eleitorado seja enganado, com viciação da sua vontade, o que retira legitimidade aos governantes e aos eleitos que os viabilizam, por acção ou omissão.

E questiona o interesse de campanhas eleitorais, à partida viciadas pela promoção da mentira que rende votos. Assim, é fácil um líder partidário, bem-falante mesmo que néscio, carismático mesmo que não imaginativo nem construtivo, mentiroso quanto baste ou inocentemente irresponsável, ganhar eleições, face a um líder não carismático mas sério e que fale verdade, não prometendo o que não pode cumprir. E depois é só esperar por programas nunca imaginados, um país em crise acelerada e governações incompetentes e irresponsáveis.

Farei algumas observações, a modo de enunciado, sobre os constatados deficits de legitimidade e de controlo do sistema orgânico geral do funcionamento do Estado.

Começo por afirmar preliminarmente que há, hoje, em Portugal, deficit de legitimidade originária e funcional da representação popular e forte supressão da democraticidade interna dos partidos, deformantes no seu conjunto do sistema global da governação e da sua fiscalização.

Tal exige uma ressistematização democratizadora das soluções governativas e parlamentares, do quadro de funcionamento dos órgãos dos partidos e da organização jurisdicional e uma ampliação das soluções de controlo de todos os poderes públicos, constitucionalizados ou de facto, desde logo do poder judicial, como ocorre em grande parte dos países europeus, v.g., em Espanha, com o directo “recurso de amparo”, “recurso público” ou “recurso de constitucionalidade”, por parte dos cidadãos, aqui inexistente, apesar de já ter sido instituído, pela primeira vez, há quase 100 anos, no México (1917), donde, com designações várias, há muito irradiou para outros países democráticos, especialmente europeus[17].

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Importa começar por, desdobrando alguns aspectos da genérica afirmação de estado de crise, reconhecer o fracasso parcial da fiscalização do Poder pelo Poder, na mera lógica da separação das “funções”, de Two Treatises of Government (1690), de LOCKE e de L’Ésprit des Lois, de MONTESQUIEU (1747).

E isto por dois tipos de razões:

Por um lado, a teoria da separação de poderes nunca correspondeu à separação de funções. E, por outro, inclusive o modelo democrático é frágil sem um sistema eficaz, no plano institucional, de controlo dos próprios poderes que controlam a actividade pública.

Em alguns casos, houve retrocessos, como aconteceu em Portugal, onde – caso único num país democrático na fase pós-Ancien Régime - o Poder Executivo acumula um normal poder legislativo concorrente, podendo em geral substituir-se e revogar ou derrogar normas do Parlamento, com excepção de certas matérias especiais, taxativamente fixadas na Constituição: umas nomeadas de reserva absoluta (o governo só pode apresentar propostas de lei ao Parlamento); outras, em grande número de casos, de reserva relativa (passível de autorização legislativa pelo Parlamento, sujeita embora a uma paralisante ratificação modificativa, em geral excepcional, dado que o poder partidário-governativo se impõe sobre os dependentes deputados).

Por isso, o governo é o maior legislador e derrogador de normas, designadamente do Parlamento, sem prejuízo do tal poder deste para efectivar a sua posterior alteração, através de procedimento legislativo especial de ratificação.

Em verdade, o governo, em nome de uma presumida falta de preparação, capitus diminutio parlamentar (os partidos escolhem candidatos a deputados “amigos”, fiéis, preferentemente do partido e até do aparelho; não os cidadãos ou mesmo os militantes mais competentes), legisla sobre as grandes matérias do Estado, domínios onde, de qualquer modo, dada a exigida especialização, que a escassa qualidade da generalidade dos deputados não tem, a falta de capacidade revelada pelo Parlamento para se antecipar ao Governo na contratação de especialistas e conhecido apetite governamental para legislar em vez de governar, acaba por impedir o papel principal do Parlamento (que é legislar e fiscalizar o Governo e a Administração). Solução fácil de impor, pela via do “diálogo” sobre os montantes financeiros, no Orçamento do Estado, a atribuir ao Parlamento. Mas, contraditoriamente não se inibe de reservar para si as verbas referentes a encomendas de estudos e projectos de leis a especialistas, textos que depois aprova em Conselho de Ministros (na sua função político-legislativa, que acumula com a executiva-administrativa) ou faz aprovar no Parlamento, face aos abusos de disciplina partidária, que, com líderes no governo, funciona ao contrário da teoria da divisão de poderes, que deveria ser de controlo do Governo pelo Parlamento.

 

Segundo um sentimento, cada vez mais generalizado, nunca se atingiu, em Portugal e em Espana, e não só, tão profunda e rapidamente, situações sociais e políticas especialmente preocupantes. Desde níveis de desorientação de objectivos, degradação económico-social, com aumento de assimetrias regionalo-sociais, denúncia de alta corrupção[18], ataque a contra-poderes legítimos, empobrecimento dos quadros dirigentes partidários e políticos a todos os níveis, governantes frequentemente condenados perante as opiniões públicas no seu prestígio e honorabilidade, altas magistraturas jurisdicionais tidas como influenciáveis pelo poder político, ocultadoras de crimes de titulares de altos cargos, ou seja funcionalmente corrompidas ao serviço de pseudo-“razões de Estado” e de seus dirigentes máximos, comunicação social, nas mãos do poder económico, e portanto reorientada para valores financeiros ou sensacionalistas e de defesa de interesses dos grupos que a dominam, com desprezo da verdade e do papel sociopolítico que em democracia devia caber-lhe, e com Parlamentos onde, cada vez menos, aparecem quadros inovadores e competentes (a não ser em saberes de livro de bolso e habilidades discursivas).

E, de qualquer modo, mesmo os que são qualificados, parecem paralisados ou telecomandados.

Uns, em geral já profissionalizados, seguem continuamente em funções, sem grande renovação, sem imaginação nem iniciativa própria.

Outros estão bloqueados, individual e colegialmente, pela prática de um modelo de “mandatos imperativos” atípicos, ao estar sujeitos ao domínio do “dirigente” partidário máximo, primeiro-ministro ou líder de partido da oposição. E, no caso do partido maioritário, à supremacia demo-orgânica governamental, disfarçada com a existência de um quase pseudo-líder/porta-voz parlamentar.

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Com deputados eleitos em listas partidárias fechadas, pré-elaboradas em “gabinetes” fechados, ao mero gosto dos poucos membros das direcções partidárias, em que o eleitorado apenas se pode limitar a ratificar o elenco já previamente forjado por essas pessoas, meramente designadas por militantes, uns e outros em geral sem nunca se terem sujeitado a uma eleição pessoal directa.

Quanto aos representantes do povo, importa lembrar que os Deputados estão, há muito, sujeitos a mandatos imperativos, já não do povo (menos mal!) como no Terceiro Estado no período pré-democrático do Estado estamental, mas do líder ou da direcção do partido, com políticos com patente profissionalização, se não talvez vitalização, e cuja subsistência económica passa a depender da sua continuação a qualquer preço na vida pública, o que, à falta de limitação temporal contínua dos cargos (à semelhança do Presidente da República ou dos membros eleitos dos municípios, estes todavia em tempo excessivamente dilatado), faz acentuar a corrupção do funcionamento orgânico dos aparelhos partidários, a todos os níveis

Em verdade, deixou de haver um mandato imperativo, do período pré-liberal, ao modo do período estamental, que o liberalismo do fim do século XVIII eliminou. Mas passou a haver um novo e bem mais difuso e autocrático. Dado que o chefe ou secretário do partido (em nome do perigo de que toda a informação ou negociações da constituição de listas ou elencos governativas, saia na Comunicação Social antes do momento de constituição dos nomes finalmente escolhidos), decide tudo só, constitui os grupos parlamentares a seu belo prazer e, depois, pode nele mandar, porque todos sabem que poderá eliminar quem quiser no processo eleitoral seguinte. Fá-lo “invocando” um genérico mandato (em geral, anti-estatuário) dos restantes membros da direcção partidária, membros que o mesmo escolheu e pode não voltar a propor, pois dele podem depender no futuro, tal como os deputados, que assim se submetem, como cordeiros mansos, transformados em pseudo-representantes, porque inúteis, meras cadeias de transmissão da vontade do chefe. Vulnerant omnes ultima necat.

 

A inserção da instituição parlamentar no actual regime democrático representativo exige que constatemos uma distorção fundamental na relação entre os eleitores, partidos e deputados, dada a falta de autonomia dos deputados e grupos parlamentares face aos aparelhos partidários e a excessiva fungibilidade do seu exercício nos nossos direitos parlamentares, com os consequentes desvalor político da sua actuação e sua desresponsabilização. Não é aceitável que alguém engane o eleitorado dando o seu nome, ou seja apresentando-se a eleições e no acto inicial de constituição do Parlamento, acabado de eleger, apareça para se demitir, sendo certo que este favor feito ao partido – dar um nome que tem algum prestígio mesmo que criado à custa do próprio partido ou experiência profissional numa área, com que o eleitorado contaria - será compensado com um cargo mais apetecível (instituições europeias, administração de empresas, embaixadas, etc.); ou a aceitação de substituições livres sem ser para o exercício de funções governativas, enfermidade ou outras com clara justificação em termos que nau possam aparecer como um meio de fugir às responsabilidades políticas pessoais em certas matérias ou ao exercício normal do cargo a que se candidata (como homem de “palha”).

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O líder partidário, eleito em congresso ou por voto directo (normalmente em resultado de ser o mais favorecido por jogos de aparelho, até porque em congressos os votos por inerência normalmente viciam o jogo democrático e afastam da apresentação à liderança os mais qualificados, por temerem essa influencia corruptora decisiva), pode dizer veni, vidi, e, se está dotado de uma psicologia de atrevimento, inclusive errando e com média capacidade de resistir contra o evidente, com habilidade discursiva, qualquer que seja o seu quociente intelectual, experiência de vida e saber (talvez com meros conhecimentos de tudo por leituras apressadas e só de livros de bolso), facilmente conclui também vinci. E o sistema favorece os seus responsáveis máximos, permitindo que uns ocultem ou sugiram ameaças aos outros, pois todos têm a sua parte de comprometimentos eticamente desviados (ou estão mesmo criminalmente implicados). E, por outro lado, neste pântano de imagem do político e também de viciação do jogo democrático e partidário, eliminam ou fazem fugir os de maior mérito.

Em muitas eleições, constata-se que as alternativas, posicionadas ao governo instalado, e depois vitoriosas, não revelaram nem um passado intelectual nem uma autoridade nem um prestígio social suficientes para se imporem em períodos de crise grave. E, com os melhores, muitos outros desertaram, sem alma para se opor a este estado do Estado.

Vivemos num Estado de discurso, engano eleitoral, omissão, de perdedores, e não um Estado de acção, de méritos, de vencedores. Não vivemos num Estado em que todos se sintam com esperança, antes vencidos pela força obscurantista e encobridora de erros e actuações corruptoras dos titulares de todos os poderes. Os cidadãos saem vencidos, mas não convencidos. Apenas submetidos ao destino. E, às vezes, já tão vencidos que não acreditam sequer que valha a pena mudar o seu sentido de voto.

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Faz falta voltar à supremacia dos deputados e Parlamentos, inerente à lógica das democracias liberais, com mandatos individuais livres, partidos sem poderes de “soberania” e sem poder tomar decisões acolegialmente, governos essencialmente executivos sujeitos à legislação e fiscalização do Parlamento e Poder Judicial realmente independentes do Governo.

E não magistrados que apreciam casos ao serviço do seu antigo partido e antigos correligionários (perante uma chamada telefónica ou convite para um almoço, em que se começa por recordar o tempo da sua juventude militante ou algum comportamento menos correcto cujo conhecimento os prejudicaria). Os magistrados podem desfiliar-se e simbolicamente devem fazê-lo, mas isso não impede que os registos e as memórias continuem nos arquivos dos partidos. E, assim, seguem julgando e absolvendo, sem transparência conhecida publicamente sobre os seus passados e solidariedades e sem se inibirem de favoritismos em relação a altos cargos, o que não permite o controlo da parcialidade.

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E acrescentaria, tudo isto perante a existência também de um poder moderador, um chefe de Estado, que se é monarca “não” tem qualquer poder para corrigir todos estes desvios. E, se é cargo electivo, sempre está mais preocupado com a reeleição seguinte do que com o país, como tem acontecido em Portugal, com um Presidente sem poder ou melhor, às vezes, sem querer recorrer aos poderes constitucionais que tem, inclusive em situações de grave degradação democrática, económica e social. Na prática, falece a tal cargo, não tanto a legitimidade constitucional e popular (esta incoerentemente directa, dados os seus escassos poderes ou a prática de parca intervenção decisiva), antes a coragem de intervenção. E, embora possa ter uma forte popularidade ou autoridade social, além da legitimidade original e constitucional, procurará não assumir riscos com imposição ou intervenção de apoio à criação de alternativas, mesmo com más governações em governos minoritários, mesmo com adopção de “consensuais” medidas erradas e de crises de governabilidade real de gravidade extrema e portanto sem necessidade de dissolução do Parlamento (levando à formação de novo governo do mesmo partido, ou a um bloco estável com apoio parlamentar maioritário, ou ainda a um governo de responsabilidade presidencial, negociado entre uma dada maioria parlamentar). E isto inclusive perante um não cumprimento ostensivo de programas eleitorais, escândalos e corrupções, incredulidade colectiva e clara limitação na sua capacidade de governar.

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A imprensa, com medo e perseguida pelo governo, e a opinião pública, facilmente captada nos diálogos populares (estes, generalizadamente e sem receios), dão conta do Estado do país, económica, financeira, politicamente e em termos de agressão a direitos fundamentais, como é a liberdade de informação. E assim, mesmo urgindo actuar sem demora, e com uma construção constitucional que o admite, perante o facto de o sistema permitir que os homens fiquem hipotecados a ambições políticas futuras, normal é que estas os paralisem, sempre que possam ser atacados e as medidas necessárias possam ser impopulares.

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Em conclusão e sinteticamente, em geral em Portugal, em muitos aspectos, pode afirmar-se que há:

 

a)- deficit de representatividade popular da classe política.

 

E, desde logo, do próprio Parlamento, na sua constituição e no seu funcionamento, devido ao sistema eleitoral, com eleições em listas nacionais partidárias imodificáveis (o eleitorado limita-se a votar nos candidatos já previamente escolhidos e ordenados pelos directivos dos partidos), numa lógica de afastamento directo do povo em relação com os seus mandatários eleitos, com eliminação da liberdade individual destes, com a consequente atrofia dos seus papéis constitucionais e o desprestígio político generalizado da «classe» política e do Parlamento, e consequente falta total da fiscalização popular indirecta dos actos dos poderes (que lhe caberia efectuar) e não efectivação da responsabilização política dos governantes, com perda frequente de legitimidades funcionais durante os respectivos mandatos;

 

b)- deficit da legitimidade originária e funcional, desde o poder governativo ao judicial[19].

 

O deficit frequente da legitimidade funcional deriva do incumprimento ostensivo dos programas eleitorais e do partido e da opacidade sistemática no exercício dos poderes, sobretudo por ausência de transparência na Administração Pública que os governos dirigem e os parlamentos enquadram -legislativamente e a perda do conteúdo funcional de cargos representativos, desnudados de instrumentos de orientarão de políticas e posterior falta de responsabilização da governação perante o eleitorado.

E esta perda frequente de legitimidade funcional, sem consequências correctoras, devido a bloqueamentos sistémicos, ao fazer-se depender a substituição de altos cargos das mesmas regras procedimentais e paninstitucionais implicadas na nomeação, mesmo em situações anómalas, de crises prolongadas; e

 

c)- deficit de democraticidade interna dos partidos.

 

Deficit acompanhado de um poder quase total de um restrito grupo de dirigentes na conformação da organização do sistema, das escolhas de parlamentares e dos governantes e das soluções referentes ao funcionamento da vida política, num processo ilegítimo hiperbolizador da sua intervenção.

 

E, se é assim, importa reconstruir o sistema, a partir de uma base democratizadora em geral, efectuando:

 

1.º- A democratização das soluções governativas no plano pessoal e programático, com a exigência de governos de legitimidade eleitoral-parlamentar directa, com Primeiros-ministros obrigatoriamente sufragados previamente no plano programático e pessoal, sem prejuízo de moções de censura construtivas.

Temos sempre Primeiros-ministros eleitoralmente previsíveis no sentido de que já estão definidos pelo partido, forçando o povo muitas vezes a escolha entre líderes de partido sem querer nenhum deles, à maneira do sistema parlamentar britânico, em cuja família de modelo constitucional não nos inserimos.

Não são seleccionados em eleições com ampla margem de escolha do eleitorado, a partir das listas de deputados candidatos ao parlamento e depois propostos para o cargo, a confirmar por legitimação orgânica posterior, de modo directo e positivo, pelo Parlamento.

Tudo passa em termos que se pode sempre concluir que tudo já está decidido.

O povo nunca é acolhido de boas surpresas, dado que nem pode ordenar a lista de deputados vencedores, nem estes, uma vez eleitos, têm influência na designação do primeiro-ministro.

O povo não pode apontar candidatos distintos dos partidos.

E os seus representantes parlamentares, da maioria ou mesmo da oposição, nada mandam na solução governativa.

Todos têm que suportar durante uma ou parte de uma legislatura uma solução governativa e programática prevista, conforme ganhe o partido A o B, e partilhar depois uma clara ilegitimidade funcional do governo, que não respeite compromissos nem com o povo nem com o parlamento.

 

 2.º- A atribuição de representatividade directa, e consequente forte promoção da participação cidadã, nos modelos de governação regional, supramunicipal;

 

3.º- A democratização e moralização dos partidos, na constituição dos seus dirigentes, escolhas dos cargos e pessoal político que viabilizem, no seu funcionamento interno e, em geral, na sua intervenção quotidiana na vida política.

 

4.º- A democratização do Parlamento, em termos originários e funcionais, com repersonalização da função parlamentar individual, pela restituição aos deputados de um papel pessoal livre de qualquer mandato imperativo das direcções ou seus grupos partidários, com subjacente alteração do sistema eleitoral no sentido da criação de uma ligação dos cargos electivos (deputados ou dirigentes da Administração territorial) ao eleitorado e não ao partido, cuja conquista maior o menor do poder deve funcionar não como a finalidade do sistema, mas como um instrumento ao serviço dos concretos deputados ou dirigentes territoriais.

Não pode aceitar-se que uns poucos dirigentes partidários confisquem concentradamente para si o poder que deveria pertencer difusamente aos mandatários eleitos;

 

5.º- A democratização da Administração Pública, com o fim da osmose corruptora dos sistemas sociais dependentes da Administração Pública (mundo empresarial) ou funcionando como anti-poderes (comunicação social) e com instauração de um sistema de transparência no funcionamento de seus órgãos singulares, em open file ou «casa de vidro» e com aplicação do regime das sunshine laws nos seus órgãos colegiais, abertos à livre assistência pública (como acontece em muitos Estados anglo-saxónicos);

 

6.º- A democratização dos aparelhos de justiça, de investigação e de política anti-criminal do Estado e do governo autónomo das magistraturas face às instâncias de jurisdição; e

 

7.º- O controlo directo pelos cidadãos e por instituições independentes dos poderes públicos dos actos da governação em geral, ou seja, de todos os órgãos de exercício de poder, sejam de soberania ou suas fracções ou a Administração Pública, sejam os partidos políticos, que tudo condicionam e telecomandam, inclusive clandestinamente.

Isto é:

 

a)- controlo objectivo do funcionamento dos órgãos não independentes: com limitação temporal dos mandatos dos altos cargos do Estado não representativos, sem renovação dos mesmos decorrido o período normal de funções; com cessação de funções, quando ocorram situações de perda objectiva de legitimidade funcional, desde logo presumível quando haja perda da confiança funcional perante um dos intervenientes no processo de nomeação.

 

Para o bom funcionamento do sistema, é preferível que as funções cessem, por exigência de um dos órgãos de soberania, face a um bloqueamento institucionalizado sistemático, com a flexibilização da substituição de um alto cargo da Administração pública (como é o caso, em Portugal, do Procurador-Geral da República, dirigente máximo do Ministério Público), ou a sua viabilização apenas com negociações demissivas do poder do Estado, que passam por inultrapassáveis promoções?

 

b)- sindicabilidade jurisdicional de todos os actos do Poder, não só normativos mas também de sua pretensa aplicação, de todos os actos, inclusive dos actos políticos (constitucionais ou de governo), sem o que continua inacabado o Estado de Direito; e, no caso português, introdução urgente da impugnabilidade dos actos jurisdicionais terminais através de recursos de amparo (“recurso público”, de constitucionalidade directa), para defesa dos direitos fundamentais; sem o que seguirão a ocorrer actos liberticidas dos Poderes governamental e judicial, muitas vezes atentados quotidianos aos direitos que fazem parte do jus cogens universal (aliás constitucionalizados ou automaticamente recebidos na Constituição, no funcionamento de órgãos de soberania do Estado;

 

c)- «independentização» dos órgãos da comunicação social, instituições essenciais de informação e controlo não oficial, impedindo não só a concentração empresarial mas também a posse de órgãos comunicacionais de massas por parte de órgãos de poder político (a quem deve caber só a fiscalização do cumprimento das leis de independência estatutária e respeito da linha editorial proclamada) ou por empresas não especificamente comunicacionais (que vêem transformando a notícia em mera mercadoria), interditando a subsidiação pública ou privada, confiscadora da liberdade de expressão, através da promoção incentivadora da cooperativização ou democratização difusora do seu capital social, especialmente entre os próprios profissionais; e

 

d)- criação, em domínios sensíveis em que importe afastar soluções e composições de base partidária, de Entidades Públicas Independentes da governação representativa geral e da Administração pública, com decisões só sindicáveis pelo Poder Judicial.

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Teoricamente, a Administração pública responderia perante o Governo e não directamente perante o Parlamento, sendo o Governo que seria responsável por ela face ao Parlamento, mas, de facto, deparamos com o fracasso da responsabilização política, objectiva, por actos da Administração Pública, bastando que os governantes não deixem falar os seus subordinados ou invoquem o desconhecimento de actos destes e já ninguém é responsável. Assim ficando todos, administradores e governantes, sempre sem responder, mantendo-se em funções nos seus cargos como se nada tivesse acontecido.

Tal como não desempenam as suas funções de controlo as Comissões de Investigação Parlamentar, irrecuperáveis na sua capacidade de querer averiguar e dizer a verdade, branqueando sistematicamente as situações, o que só se ultrapassaria, naturalmente, seguindo o modelo de composição e funcionamento da Comissão de contabilidade pública do Parlamento inglês, sempre presidida por um membro da oposição, que fica em maioria.

Como é possível a imparcialidade de comissões de inquérito a actos do governo ou da sua Administração, se não há imparcialidade congénita por os seus partidários institucionais ficarem sempre em maioria: ou seja, sem a garantia da maioria de membros da Comissão serem deputados da oposição, aliás acompanhada pela atribuição das presidências e designação de relatores ligados às forças políticas em questionamento? Com a simetrizarão da maioria no inquérito com a maioria sustentadora do governo, que tem configurado os nossos regulamentos parlamentares, pondo os correligionários dos questionados em julgadores, como seus «juízes», não podem afastar-se as suspeitas de parcialidade, aliás totalmente justificadas na prática parlamentar corrente destas décadas de funcionamento do Parlamento.

Enquanto tal não ocorrer, para averiguar situações sensíveis, inclusive alheias ao poder governamental em sentido estrito, somente Entidades Públicas Independentes de análise e investigação a actos da Administração Pública - e as polícias e o Ministério Público também são Administração Pública - poderão merecer credibilidade para averiguar eficazmente e propor reformas, protegidas por uma autêntica garantia de independência perante outros poderes, com composição de “sábios”, de figuras de grande prestígio e inquestionável reputação moral, e com um estatuto parajudicial e irrevogabilidade dos mandatos no período legal de funções[20].

 

E dito isto, adiantaria já algo sobre um mecanismo fundamental de controlo dos Poderes Públicos, ao permitir a sua transparência: o direito de acesso cidadão à informação deve servir especialmente para suprir deficiências de controlo do governo e da Administração.

O reconhecimento do direito dos cidadãos a aceder aos documentos na posse da Administração, como manifestação maior do princípio da publicidade da actividade administrativa, é um fenómeno recente, inclusive em Estados democráticos, salvo na experiência sueca.

O Estado liberal integrava, na exigência democrática, unicamente o princípio da publicidade das actividades parlamentares e jurisdicionais. E, naturalmente, a mera comunicação de decisões concretas aos seus destinatários.

Só mais recentemente, com a obrigação adicional de se dar conhecimento dos motivos destas, concebendo a Administração Pública «axiomaticamente limitada a uma mera execução objectivo-jurídica da Lei e sujeita, portanto, exclusivamente a um controlo jurisdicional de legalidade», e mesmo assim até bem recentemente em Espanha (e ainda hoje na generalidade dos Estados e, mesmo em Espanha, quanto a decisões implicando invocadas necessidades de confidencialidade por segredo oficial), com amplas áreas não sindicáveis, em nome da construção da teoria dos actos de governo ou políticos.

Quanto à publicidade do procedimento administrativo, tem que ver com o Estado de Direito, não com o Estado Democrático, porque só está vinculado ao necessário conhecimento do destinatário e eventual direito de defesa.

Pelo contrário, o segredo administrativo construiu-se como uma exigência natural, consubstancial ao Estado liberal, exigindo a separação da Administração em relação com a sociedade, e não uma Administração aberta à sociedade, à excepção dos arquivos históricos, em geral abertos com a Revolução Francesa. E impôs-se, inclusive sem regra expressa, bastando a obrigação estatutária de discrição dos funcionários públicos.

O princípio geral do segredo ou da discricionariedade comunicacional segue sendo exercido, inclusive contra as normas, fora do imposto Segredo do Estado ou confidencialidades legalizadas.

Pode permitir-se que os poderes Públicos sigam tal prática (se não nas leis, pelo menos na realidade da Administração), quotidianamente mantida, por falta de mecanismos orgânicos de acompanhamento e superação dos bloqueamentos ao cumprimento das normas, suficientes para acabar com esta linha resistente da concepção do poder absolutista, anterior ao liberalismo: do poder como arcana imperii?

 

Este direito de acesso vem, assim, complementar e potenciar a transparência e responsabilização da sua actuação.

Mas, a sua eficácia também ficará comprometida sem a existência de uma Comissão ou agência Independente de Aceso à Documentação (ou à informação) administrativa, que zele e faça cumprir as normas sobre a matéria (tal como a Constituição, sem um Poder jurisdicional de controlo da sua aplicação, ficou historicamente e seguiria ficando muitas vezes uma norma morta).

Em geral, como diz RUJO, o aceso é (eu diria que deveria ser entendido e há muito desenvolvido legislativamente como) «um princípio objectivo, básico para entender a imagem constitucional da Administração como poder imerso num mandato geral de transparência. Mas, «ao mesmo tempo, a referência aos cidadãos funda um direito subjectivo».

 

1.1.2. Mito da aplicação da teoria montesquiana da separação de poderes

 

1.1.2.1. Teoria da separação e sindicabilidade dos actos políticos

 

Começando pela primeira questão: sem a absolutizar mas também sem a desvalorizar, importa que se constate que a teoria montesquiana da separação de poderes nunca foi aplicada, a não ser tendencialmente (com maior o menor intensidade, em termos da procura de não confusão num só detentor do Poder dos diferentes poderes materiais do Estado), segundo marcos variados, efectuados pelas diferentes Constituições.

Estas, de facto, também em República, mesmo que sem o peso da tradição monárquica, nunca eliminaram essa acumulação de matérias de todos os poderes na Administração pública, nem deixaram os tribunais assumir-se plenamente em relação a esta nem em todas as decisões desta.

Em Estado de Direito, qualquer acto do Executivo deve ser sindicável por natureza. Mas, de facto, não o é. Não porque não possa haver legislação que enquadre a sua justiciabilidade, antes porque, em certos países, se continua declarando a incompetência dos tribunais administrativos e judiciais para apreciar certos actos dos diferentes poderes, previstos na Constituição.

É um privilegio de sindicabilidade injustificado não só quando causem prejuízos aos particulares (em que deveriam inquestionavelmente ser sempre passíveis de apreciação pelos Tribunais, desde logo os Administrativos), como em geral, quando interferem no exercício de competências ao mais alto nível, pois sempre existiria o Tribunal Constitucional, como órgão jurisdicional, para proceder ao controlo desses actos, na perspectiva do controlo público de sua constitucionalidade, alargando-se os seus poderes de fiscalização para lá do campo meramente normativo.

O Tribunal Constitucional, hoje órgão jurisdicional separado das outras organizações jurisdicionais, mas não deixo de dizer que (sobretudo, porque o modelo de fiscalização da inconstitucionalidade é originalmente misto: fiscalização difusa, em todos os tribunais e fiscalização concentrada, fazendo interagir todas as jurisdições com o Tribunal Constitucional) não sou contra a ideia de se unificarem totalmente as jurisdições na cúpula, num único tribunal supremo, como já ocorre no sistema judicial espanhol com o contencioso administrativo. E nada impede inclusive a integração da jurisdição constitucional numa nova Secção (Sala), em vez de um tribunal autónomo para o direito constitucional.

E, aliás em geral, defenderia concursos generalizados para juízes dos tribunais superiores, permitindo a apresentação e livre selecção de grandes doutrinadores ligados ao ensino universitário, como ocorre noutros países

 

Voltando ao tema dos actos políticos, aqui estamos perante uma zona de actuação do Estado enquadrada pelo Direito, que pode comportar-se como zona livre, porque nem sindicável nem sancionável, em que a summa potestas pode passar ao lado do Direito, incumprindo-o, o que significa que a construção global do Estado de Direito é ainda um processo não totalmente concluído.

Com efeito, a teoria dos actos políticos (actos de governo ou actos constitucionais), tradicionalmente considerados não sindicáveis, deriva de construções jurisprudenciais complexas, já historicamente sem qualquer justificação, devidas ao temor dos administradores-juízes perante os Executivos todo-poderosos e não sujeitos a um verdadeiro poder judicial independente (nesse antigo modelo de justiça retida ou delegável, há muito ultrapassado, inclusive em França).

Ou seja, só explicável no século XIX pelo tipo de relações subordinadas existentes entre a pseudo-“jurisdição” administrativa, dependente de nomeações governamentais, não judicial e o Poder Executivo, o Governo.

Hoje, há que reconhecer que a lista desses actos de governo diminuiu nos distintos países europeus, devido à contínua penetração do princípio da juridicidade na jurisprudência, e, desde logo, por força de imposições do direito intergovernamental e supranacional, tal como o unionista europeu, regido pelo princípio da primazia aplicativa nos nossos territórios nacionais.

Mas, não chegou ainda o momento da sua eliminação total, formal, mesmo que só em relação com actos lesivos, opressivos, dos direitos dos cidadãos. Tal só ocorrerá com a declaração de susceptibilidade geral de sindicabilidade contenciosa de toda a actuação do Poder Executivo (em Espanha, «acabou», em 1999, a aplicação de tal teoria, por força de legislação do contencioso administrativo, embora, de facto, o regime dos secretos oficiais não permita, ou postergue no tempo, a sua plena concretização[21]).

O Estado contemporâneo é um Estado executor da Constituição e por ela controlado, vinculando todo o poder estatal que o funda, porque Estado teleocrático-programador.

Assim, a função política, assentando sempre na Constituição, já não pode ser aceite como juridicamente livre, porque qualquer acto do Estado necessita de habilitação constitucional, pois é a Constituição (desde que não contrarie o direito intergovernamental e supranacional), que é juridicamente vinculativa no seu todo, limitando e dirigindo toda a actividade estatal. O que só permite uma relativa heterodeterminação, ou no plano internacional (basta ver os princípios a aplicar nas relações internacionais, expressos nas Constituições), ou no plano nacional com orientações de actuação.

Na verdade, há que constatar que a tarefa histórica da construção de um Estado de Direito ainda não terminou, embora esteja mais avançado numas experiências democráticas do que noutras.

 

1.1.2.2. Crise do modelo de separação de poderes na UE

Não nos referiremos à questão dos poderes funcionais ao nível da proto-estadualidade unionista europeia, embora seja conhecido o permanente debate teórico sobre o todavia não superado deficit de democraticidade na construção da «Constituição» orgânica, concretizada nos tratados negociados pelos governos, que se têm reservado poderes leoninos e distorçores do sistema orgânico e da própria eficácia no funcionamento da UE.

Por quê uma dupla titularidade de presidentes, um eleito para presidir às Cimeiras dos Chefes do Governo, espécie de Conselho Federal, e outro rotativo para presidir a uma imitação de «Bundesrat» itinerante (chamado Conselho de Ministros)? Um Conselho de Ministros aliás, braço principal do poder decisório legislativo, e portanto claramente assumido como Câmara Alta, “sem” poderes executivos, que logicamente devem caber à Comissão e aos Governos nacionais enquanto tais, como Administrações nacionais indirectas, e não a membros dos Governos nacionais travestidos em agentes europeus depois de uma viagem até Bruxelas.

Porque não uma solução, que, inclusive diferente da aplicada à instituição senatorial americana, de representação sufragada e igualitária dos Estados, e portanto continuando na linha actual da representação dos governos, mas com um peso votacional igual de todos os Estados e que acabe com a duplicação de funções pela mesma pessoa (o membro do governo nacional, simultaneamente membro desta Câmara legislativa europeia chamada Conselho de Ministros), em vez dos governos designarem representantes permanentes de cada governo nacional segundo o modelo e poderes do Bundesrat da Alemanha?

Porque não um Banco Central, não meramente tecnocrático, em que, pelo menos, a falta de legitimação democrática originária seja compensada por um institucionalizado controlo externo, legitimador democrático funcional e não totalmente afastado no plano programático do querer e necessidades do conjunto dos povos europeus?

E, porque não uma Comissão executiva mais eficaz em composição e competências, concebida como órgão complexo: ou seja, simultaneamente com poderes colegiais e individuais. Explico: por um lado, poder colectivo (com deliberações formais nas reuniões periódicas da Comissão), nas questões fundamentais definidas como de reserva absoluta (só decididas colegialmente) ou de reserva relativa (também de competência do plenário da Comissão, mas passíveis de autorização de decisão por parte do colectivo de Comissários no Comissário competente na matéria, debaixo de prévia definição do sentido e dos limites do exercício desse poder do colectivo) e, por outro lado, dotando os seus membros também com poderes decisórios individuais em todas as restantes matérias (a menos que, pela natureza ou sensibilidade do tema, queiram comprometer o colectivo), tudo em termos e com as formalidades necessárias a prever no respectivo Regulamento? E, porquê o presidente não constitui livremente a sua equipo governativa (uma equipa funcional coesa, flexível, na sua composição e número, e não de obrigatória representação panestatal), sendo certo que a representação dos Estados-Povos (esta proporcionalmente aos cidadãos de cada país) e Estados-Governos “Soberanos” (estes com número igual de representantes) se deve fazer respectivamente nas duas Câmaras legislativas (no Parlamento como Câmara de representantes do povo, e no ainda denominado “Conselho de Ministros”, Câmara de representantes, hoje ainda «itinerantes», dos governos dos Estados), sendo depois a Comissão apenas dependente da aprovação e manutenção parlamentar?

 

1.1.3. Separação de poderes, crise de representatividade e sistema eleitoral

Este tema obriga a considerações sobre a realidade actual da separação e exercício dos poderes de soberania e a referir a situação do estatuto de facto dos deputados, telecomandados perante partidos autocráticos, conduzindo a Parlamentos decepados.

A teoria da separação não resulta se há falta de controlo dos poderes em geral, sendo certo que hoje se constata que, em verdade, é menos importante a questão da separação dos poderes do que a do controlo de todos os poderes, e também do poder dos guardiães dos outros poderes.

Com efeito, há que reflectir sobre a crise, insuperável, da representatividade clássica, em que assentam os sistemas de democracia indirecta, com o fracasso da teoria da responsabilidade política, objectiva, quotidiana, dos governantes perante o Parlamento, por actos das Administrações Públicas, aparelhos ao serviço do Poder Governamental e, por isso, considerado como nem responsável nem fiscalizável totalmente de modo directo, pelo Parlamento; só indirectamente através dos governantes, que cada vez mais se proclamam irresponsáveis, invocando “desconhecimento” desculpável perante o parlamento. Esta situação exige uma imediata alteração de quadro teórico de referência actuante, com atribuição do direito de investigação e controlo directo dos deputados em relação com os titulares dos órgãos administrativos, inclusive contra a posição dos governantes.

Mas, constate-se a decepção face à falta de fiscalização efectiva e responsabilizante do Parlamento sobre o Governo e, por meio dele, da Administração Pública dele dependente, com relação a um e outro em contínuo processo hiperbolizador.

E há que reconhecer a sedimentação da prática do centralismo partidocrático, generalizado nos partidos peninsulares num deslizante processo histórico contemporâneo (em efeito de contágio, pelos mesmos anteriormente tão criticado -e teoricamente mal interpretado- centralismo democrático dos partidos comunistas), que vai desde a transferência da soberania monárquica até à soberania popular, e desta até à soberania parlamentar, até ao fenómeno actual da soberania factual partidária).

Com efeito, assistimos ao fenómeno de, num sistema partidocrático, o representante político, uma vez eleito, se ver obrigado a transformar o partido que o propôs, e não os cidadãos que representa, “no centro real das suas decisões”[22].

*

DAHL afirma que, em democracia, nem governa a massa (pois o modelo rousseauniano é impraticável), nem a elite (pois nenhum grupo é capaz de monopolizar os recursos do poder), mas um conjunto de elites associadas ou rivais (modelo poliárquico).

Todavia, o que interessa destacar [com P. BIRBAUM[23], na linha de WRIGTH MILLS[24] e sem poder dar razão a J.K. GALBRAITH (na sua previsão para uma evolução do poder em mãos de uma oligarquia do saber e do mérito)], é que se assiste ao exercício do poder por «um grupo endógeno, vivendo em vasos comunicantes, monopolizando os lugares de comando, autoreproduzindo-se de geração em geração» (BAUDOUIN[25]).

E, com isso, vem ocorrendo a erosão da qualidade dos dirigentes políticos e consequentemente do mérito dos governantes, com a consequente erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos (mesmo que apresentem capitais simbólicos, como é o carisma pessoal ou o discurso fácil, a revelação de uma personalidade auto-convencida), e também a erosão na capacidade do poder político não se submeter ao poder económico.

Contrariamente a um dogma maior do neoliberalismo económico, embora incorrecto, na versão marginalista de F.A. HAYEK (Droit, Legislation et Liberté, 1984), segundo o qual o mercado, não sendo justo, é espontâneo, sendo predizível que os indivíduos se acomodem melhor aos seus defeitos, a verdade é que, na política, mesmo em democracia liberal, nenhuma espontaneidade no seu funcionamento normal garante o rompimento das suas deficiências e desvios.

Nenhuma mão invisível (ADMA SMITH) regula as coisas, reconduzindo-as a uma harmonia geral.

Também os regimes democráticos têm problemas de corrupção oligárquica, de  vigilância e de acção cidadã.

Quatro princípios dominam o que poderíamos chamar a teoria institucional da corrupção oligárquica: toda a organização tende a emergir o poder através de uma minoria à custa da maioria; a minoria dirigente tudo faz para conservar e estender o seu poder; e esta confiscação do poder tende a ser irreversível (ROBERT MICHELS).

E, como já afirmava GAETANO MOSCA, em formulação que designaria de teoria dinâmica da procura de legitimação da dominação pela classe dirigente, inclusive as elites democráticas aceitam um mínimo de mobilidade ascendente com integração de elementos exteriores.

Com efeito, a classe política com a experiência que adquire,mobiliza facilmente as crenças dos profanos e institui lógicas de recrutamento político (D. GRAXIE) que garanta, não o mérito ao serviço da Comunidade, mas a defesa da sua própria continuidade.

Por isso, uma teoria de natureza psico-sociológica, ao jeito de VILFREDO PARETO, não deixando de referir que a classe dirigente tem o sentido do complot, sempre visando desenvolver estratégias para fazer triunfar os seus interesses, destaca a extrema importância da promoção da circulação das elites. Num país minimamente construído e dotado de quadros, só há a ganhar na não manutenção continuada de mandatos.

A prática e a capacidade densificadora dos poderes das organizações partidárias, numa lógica em que se pode reler uma das ideias centrais da sobre a lógica das organizações de MAX WEBER, levou à partidarização da representação como uma experiencia quotidiana cada vez mais assumida de mandato imperativo sobre os formalmente representantes eleitos pelo povo. Já não perante os eleitores locais, mas praticado pelos dirigentes partidários sobre os deputados.

Ou seja, hoje temos o controlo do Parlamento pelos Governos, através das lideranças dos partidos, que aqui tomam assento. E, em geral, dos líderes dos grupos parlamentares pelos partidos. Só ficticiamente por eleição dos seus pares, inclusive fora de regimes parlamentares puros, como aconteceu com o caso português, em que os membros do governo não têm que ser deputados, nem sair do parlamento nem cumular com a função parlamentar.

Provavelmente, não devia descartar-se a ideia de eleições primárias (à americana), a reconfigurar em termos adequados para garantir o respeito pela fidelidade das opções individuais, a nível do país, como dos partidos, questão já colocada por alguma doutrina constitucionalista peninsular[26].

Mas, o problema da falta de personalização da função parlamentar e do afastamento dos deputados em relação aos seus eleitores[27] exige soluções relativamente despartidarizadoras, a montante, no processo de recrutamento e legitimação originária (ou seja, de selecção), e no seu exercício concreto, que deve deixar de ser concebido como um quase braço telecomandado da direcção ou do líder do partido, para poder ser individualmente responsabilizante, o que implica uma margem relativa de autonomia.

Autonomia condicionada, mas autonomia real. Não, em princípio, ao nível de votações ligadas à garantia em geral de estabilidade governativa, sem haver no próprio partido ou grupo parlamentar alternativas visíveis, mas, mesmo nesta situação, admitindo-se a não disciplina quando se apresentem moções construtivas de alteração governativa, o que pode facilitar mudanças no sentido de melhor governação (desde logo dentro do próprio partido do governo, em caso de novo governo de iniciativa presidencial), sem o peso de eleições antecipadas.

 Aliás, também a nível local, onde é indesejável a parlamentarização global do sistema de administração, da sua actividade corrente, conduzida pelo executivo camarário, até pela natureza de entidade de funcionamento intermitente das assembleias municipais, já seria desejável a legitimação originária da câmara municipal e a capacidade por parte destas, dos deputados municipais, de tornar insubsistentes executivos ineficazes, através da atribuição de real valor político às moções de censura ao executivo ou seus membros, assim sancionando ilegitimidades supervenientes de natureza funcional.

Mas, pelo menos, quanto aos governos nacionais e regionais autónomos (político-administrativos, das ilhas), nas questões que impliquem opções materiais e procedimentais, ou seja, legislativas e fiscalizadoras dos agentes políticos e administrativos, os deputados devem poder assumir as suas próprias responsabilidades individualmente.

E, em geral, devendo os governos coibir-se de continuar actuando sistematicamente como legisladores concorrentes, particularmente em diplomas de especial importância, cuja elaboração confiscam ao Parlamento. Deve caber ao legislador parlamentar, apoiado pelos mesmos especialistas a quem o governo recorre e paga, pois embora a Constituição portuguesa o permite fora das áreas de reserva de lei formal, há que recordar que esta competência genérica, compreensível no Ancien Régime, eliminada na teoria liberal clássica, vem actualmente da ditadura. E Portugal é a única excepção em países democráticos em que isso ocorre.

Os partidos devem deixar de poder impor orientações ou disciplinas de voto, no plano da aprovação de legislação parlamentar.

Urge uma verdadeira reforma do sistema eleitoral para listas abertas, o que ajudará à personalização dos deputados.

Esta abertura eleitoral, nas eleições parlamentares, não tem que passar em Portugal por uma opção de meros círculos uninominais (que, onde exista, como no Reino Unido, sempre deveria ser de duplo escrutínio, quando um candidatos não tenha a maioria absoluta dos votos expressos, pois que uma só volta falseia as maiorias reais, ou seja, a vontade supletiva do eleitorado, que fica implícita, mas sem tradução na real representatividade, absoluta ou relativa, dos eleitos). Em vez dos actuais círculos distritais, miniregionais, de sufrágio em lista, em Portugal, deve admitir-se ampla concorrência na escolha dos melhores. Tal pode passar por um sistema misto de círculos de âmbito e expressão diversos.

Um sistema em parte plurinominal, com apresentação livre (de base partidária ou independente) de listas abertas, e, em parte uninominal (municípios sozinhos ou agregados, de acordo com a densidade populacional), também com a máxima abertura à capacidade de apresentação de candidaturas independentes, que não só por parte dos partidos.

É tempo de se acabar com a protecção ademocrática original, do pós-25 de Abril, autêntica discriminação positiva apenas transitoriamente justificável pela fragilidade da sociedade civil e pela necessidade de ajudar à forte e necessária afirmação e sedimentação de um sistema partidário democrático, após um longo período de vivência ditatorial.

 

Urge restaurar o papel indelegável e inalienável do deputado como tal, livre no exercício do seu mandato popular, quanto às propostas a fazer e defender e à escolha do governo ou tomada de posição perante moções de censura ou de confiança. Só deputados livres podem ser a base democrática de partidos e de governos e de uma real ligação ao eleitorado, verdadeiramente representativa e responsabilizante.

Só assim, se criará uma nova cultura de vivencia partidária e relacional.

Importa que se encare a questão dos círculos eleitorais para o Parlamento nacional, a nível dos círculos nacional e regionais e do círculo “local” de escolha única, em conexão com o problema do número de deputados, tendo presente a sua importância fundamental na problemática interrelacional com uma correcta proporcionalidade, princípio que já consta das modernas Constituições (embora a sua maior exigência ocorra em Estados plurinacionais ou com minorias, não deixam de ser mais representativas, noção charneira em qualquer país de regime verdadeiramente democrático).

No actual sistema peninsular coexistem múltiplos círculos plurinominais parciais e listas fechadas, sem os eleitores disporem do poder de alterar a ordem de conversão de seus votos em mandatos[28].

Quanto aos círculos plurinominais, eles são coincidentes com a região ou distrito, que tem sido em Portugal a opção territorial para permitir a adopção do método de conversão proporcional, desde logo desejável em 1975, para, como já se referiu, não impedir a afirmação de vários partidos, numa altura em que acabavam de nascer e necessitavam de ter representação para se poder afirmar no futuro segundo os méritos que revelassem no funcionamento quotidiano da vida democrática. Mas com a regionalização, os distritos devem desaparecer e com eles os respectivos círculos para a Assembleia da República, que deverão passar a coincidir com as novas Regiões Representativas do Continente.

As eleições, cuja importância central, sin qua non, em democracia não se questiona, são o mecanismo mais determinante, com consequências que os politólogos consideram “vinculantes”, em termos de cidadania, sobre a governação democrática. Mas, esta afirmação não é às vezes demasiado excessiva ou na prática irrealista? Sobre este tema de eleições-representatividades, a forma como os candidatos são essencialmente encontrados-seleccionados pelas direcções partidárias e não eleitos, não escolhidos livremente pelo eleitor (eleições periódicas, sim, mas livres e justas? Liberdade para quem? Liberdade para se apresentar a uma assembleia de voto é igual a livre escolha de seus representantes? Já previamente seleccionados e hierarquizados sem que os cidadãos tenham alguma opção sobre pessoas, em termos reais? E, se a democracia em grande escala e com sistema proporcional dificulta uma liberdade absoluta de opções pessoais, isso nem evitou que a generalidade de outros países hajam adoptado métodos distintos dos consagrados nos Estados Ibéricos, bem mais próximos do ideal (voto preferencial dentro da lista do partido ou mesmo voto misto, em panaché, a partir de todas as listas apresentadas), nem impede sistemas de dualidade de círculos eleitorais (uns proporcionais, a nível nacional e regional, e outros uninominais, a um nível mais local). E naturalmente apresentação livre de listas de cidadãos, que não só através dos partidos.

Ou seja, é inaceitável a inexistência de uma, pelo menos, mínima capacidade de escolha personalizada, entre os candidatos concretos apresentados, porque tudo se limitaria a listas elaboradas livremente pelos aparelhos dos partidos e postas à votação bloqueadas (opção, como sempre referimos, só existente na Europa Ocidental, em Portugal e Espanha, solução nascida também de preocupações da época pós-revolucionária, em que parecia necessário ajudar a consolidar os partidos).

Mas não parecem defensáveis alterações profundas, passando de círculos plurinominais para um sistema unicamente maioritário, que prejudicaria os benefícios do método de conversão proporcional e dificultaria uma maior expressão de diversidade de interesses, pela eventual ascensão de novas forças políticas. Ou seja, não defendo a existência só de círculos uninominais, embora personalizados, dado que não se deve pôr em causa o método proporcional, em círculos territoriais mais amplos, com voto pessoal para cada círculo existente, pois se menos personalizado, partidariamente, em sistema de lista, globalmente mais representativo do todo nacional. Ambos tendo vantagens e desvantagens, um supre as deficiêcnias do outro.

Quanto à solução meramente maioritária, ela seria, aliás, ultradeficiente, no plano da sua representatividade e, assim, democraticidade, se não fosse naturalmente de duas voltas. Tal impede que uma maioria de eleitores, sem êxito na intenção de contribuir com o seu voto para criar uma maioria parlamentar, a final fique sujeito a um governo que, entre todos os possíveis, menos desejaria e nunca votaria se soubera que a sua primeira escolha não venceria, ou seja, que o candidato votado nunca seria eleito, como tem ocorrido no Reino Unido, em técnica que favorece artificialmente a bipolarização, com a eliminação de representaçao parlamentar por partidos mais ou menos ao centro.

E, assim, desejável é a coexistência de um círculo nacional de representação razoável, para garantir não só a eleição dos principais dirigentes partidários, uma representatividade da elite partidária, para lhes garantir um número suficiente para a estabilidade partidária, sem o que, aliás, é de crer que os directivos partidários não admitiriam, hoje (porque tendo o poder de decidir, têm o poder de bloquear), alterações do sistema eleitoral (representação garantida embora limitada, mas suficientemente adequada à visibilidade das estruturas partidárias nacionais), mas também a possibilidade da existência ou emergência de pequenos partidos e círculos uninominais. E, se existem ou logo que existam regiões político-administrativas ou só administrativas, ainda com círculos intermédios, parciais, a esse nível intermédio.

Mas, nunca a nível de estruturas artificiais, sem real poder político ou administrativo, como ocorre com os «distritos» portugueses, dado que são uma criação artificial (nem são “autarquia”, ou seja, estrutura de poder administrativo autónoma infra-estatal dotada de atribuições próprias, nem área dotada de qualquer centralidade de poder político, apenas uma circunscrição com um representante do governo e partido governante (sendo certo que o Estado não só multiplica diferentes circunscrições territoriais, estruturas periféricas do Estado, conforme os ministérios e, às vezes, dentro do próprio ministério e o governador civil além disso nem sequer dirige os serviços estatais existentes nessa área regional do Estado, diferentemente do que ocorre com o Prefeito francês).

 

Recapitulando, no plano do ideário democrático e de sua prática organizacional actual, há que reconhecer que, nos países de nossa envolvente geográfica (portanto, em que não se incluirão os anglo-saxónicos, particularmente nem os EUA nem os nórdicos) ocorreu o declínio da ideia de governo representativo de parlamento, dos deputados (aliás, os da maioria, transformados numa espécie de membros de um «Bundesrat», representantes directos dos governos e não dos povos), seja sistema de governo na fórmula Convenção/Comissários, seja na parlamentarista ou semiparlamentarista, com a possibilidade de existência de governos sem base parlamentar actualizada; possibilidades de governos sem apoio positivo do Parlamento e eventualmente sem base eleitoral positiva; governos constituídos completamente à revelia de eleições (nas costas do povo ou da sua representação parlamentar), e, a montante, muitas vezes, parlamentos sem deputados livres ou não livremente eleitos, porque saídos de listas fechadas, elaboradas mais ou menos autocraticamente, por líderes partidários, e colocadas ao voto formal do eleitorado, sem possibilidade de preferência entre os propostos: sem voto de preferência ou sem sistema de panaché.

Não interessa nada a defesa populista no sentido de cortar no número de deputados ou de ministros do governo. O que interessa é que os lugares sejam ocupados por quem sabe e tem experiência comprovada. Ou seja, segundo critérios de mérito. Aliás, quanto aos deputados, um novo sistema eleitoral misto, com triplo território de expressão, para viabilizar os círculos uninominais de dimensao aceitável em termos de conhecimento dos candidatos e posterior actuação personalizada, exige uma agregação não excessiva de municípios para formar a estrutura de tais círculos, isto é, a manutenção de uma Assembleia com um número não demasiado restrito de deputados, não compaginável com as reduções que têm sido proclamadas.

No fundo, temos não só governos partidários, mas também governos de legitimação sociológica partidária. E, além disso, com elencos ministeriais que, tal como as listas para o Parlamento, derivam de escolha intrapartidária não claramente colegial e, assim, ademocrática, com soluções resultantes de um partidário centralismo «pseudocolegial»; ou talvez, presidencialismo partidário, ou seja, em sistema de funcionamento partidário não democrático, com escolhas para os membros dos governos não aprovadas pelos orgaos competentes do partido, ou apenas posteriormente pelos órgãos partidários estatutários, no caso das escolhas para as listas parlamentares, depois apenas plebiscitadas pelo eleitorado em listas fechadas, através no voto “obrigatoriamente cego” nas siglas partidárias. Tudo, fazendo vencer a ideia de uma soberania partidária, ou quiçá caudilhista, com afirmação na prática de novas instituições, ou melhor de órgãos de poder supremo dentro do Estado: o partido ou frequentemente o líder do partido, nacional, distrital ou local.

Falta democracia interna no funcionamento dos partidos, que nem congressos nem eleições directas conseguem ultrapassar, pois a afirmação das legitimidades funcionais não passa por aí.

A questão do exercício de funções por um elenco governativo escolhido autocraticamente por um presidente de partido à revelia dos seus órgãos estatuários, com invocação do medo da dança dos nomes na imprensa, tal como a possibilidade, quando o governo instalado se demite, de ascensão a Primeiro-ministro de um dirigente da cúpula partidária, não sujeito ao voto popular, deixa muito a desejar numa abordagem democrática de legitimidade originária, criando a convicção, sobretudo quando afirmada pelo costume nunca contrariado, de que nas eleições gerais se “escolhe” deputados de um partido como mera técnica para designar o líder (que os pré-seleccionou), como primeiro-ministro.

Nesta perspectiva, não seria, por exemplo, de considerar que o exercício do Poder, assente na ideia de herança de uma solução baseada numa recuada maioria eleitoral e, portanto, parlamentar, sufragada com base no anúncio de um outro Primeiro-ministro, só excepcionalmente e com grande consenso nacional é aceitável, mas, pese uma frequente prática britânica, não pode ser considerada como inserida linearmente na vivência da ideia democrática? E isto, sobretudo, em situação de crise política e quando já decorreu tempo significativo depois do acto eleitoral ou factos anormalmente desprestigiantes para a condução da governação, em que importaria não reconduzir a função da figura e representante máximo do Estado a uma função meramente moderadora, cujos limites param na possibilidade de viabilizar governos, mesmo num contexto em que a direcção pessoal e a execução das linhas programáticas em aplicação não estejam sufragadas.

No caso português, podia dizer-se que, neste sistema dito “semipresidencialista”, a sua legitimação essencial está coberta originariamente pela designação do Presidente da República?

Mas, salvar algo não aceitável em termos de legitimidade originária directa com a «mão livre» da legitimidade presidencial significa ancorar a solução governativa em termos essencialmente presidenciais, o que só em situações excepcionais o sistema justificaria.

E não será uma aparente solução de força legitimante presidencial, pois realmente é prisioneira da potestativa indicação partidária. E que dizer se o novel primeiro-ministro nem ocupa o cargo em virtude de apresentação em eleições gerais? Nem sequer recebe previamente a designação em Congresso partidário?

Pelo menos, os governos presidenciais da década eanista, setenta- oitenta, traduziam verdadeiras escolhas do Presidente, que partia de uma plena capacidade sua de escolha do Primeiro-ministro e de influência na conformação do elenco governativo e que mantinha totalmente a sua capacidade renovadora ou demissionária.

Realmente, porque é que um governo de responsabilização presidencial num sistema que há muito vinha funcionando segundo uma lógica originária, pelo menos paraparlamentar e em que o papel legitimador fundante do governo por parte do Presidente da República, logo deu lugar a uma proclamada legitimidade presidencial anulada funcionalmente, porque aprisionada por uma viabilização que deixaria de poder questionar, perante a alteração da capacidade de livre demissão governamental introduzida na primeira revisão constitucional de 1982?

 

Tudo isto nos leva a algumas breves considerações sobre a instituiçao Presidente da República.

Embora não se entenda por quê, hoje, o Presidente não exerce a margem de poder de demissão do governo que a Constituiçao, na revisão de 1982 lhe manteve. Com efeito, o artigo 195.º, articulando-se com a alínea g) do artigo 133.º e alínea b) do artigo 145.º da Constituição, trata da demissão do Governo, estipulando, designadamente, o seguinte: “O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado”.

Ora, não é verdade que as peripécias desgastantes e desprestigiantes e a situaçao a que o actual governo, para mais minoritário, conduziu o país, bem poderia, se não estivéssemos protegidos com o capote da integração na UE, conduzir a um golpe militar? Mais do que as manobras contra a Comunicaçao Social e outras, que colocam em causa uma instituiçao essencial ao funcionamento da democracia, em causa estaria até mais, o fim dela. Que o anterior presidente tenha tido dúvidas quanto ao anterior governo maioritário e seguido a via, aliás também duvidosa no estrito plano da constituionalidade, ao manter-se a coligação governamental, da dissolução do parlamento, ainda se compreende. Mas em relação ao actual governo, é incompreensível que não se tenha tentado um caminho novo, sem o peso de um processo eleitoral, não dissolvendo a Assembleia da República, mas demitindo o governo; e, assim, mantendo-se o contexto parlamentar, para permitir um novo governo saído dele, com indicação de um novo primeiro-ministro, titulado numa outra personalidade indicada pelo mesmo parrtido ou por acordo entre todos partidos governantes, caso se entendessem no sentido de uma coligação mais ou menso alargada. E só se tal escopo falhasse, é que então passaria à dissolução do Parlamento.

A densificação desta norma constitucional nunca foi tentada por nenhum Presidente; de qualquer modo, quer porque é um acto e não uma norma (único tipo de comando controlável pelo TC), quer porque é acto político, constitucional (e, portanto, também por tal razão não sofreria qualquer controlo jurisdicional), só uma prática iniciada e depois repetida pode apontar caminhos futuros de um direito consuetudinário que preencha a aplicação em concreto do conteúdo a dar à norma constitucional, seja secundum constitucionem, seja praeter constitucionem, admitindo-se que nenhum Presidente, pelo menos, no primeiro mandato, se atreva a uma prática contra constitucionem, sempre sancionável politicamente). Porque não o fez, com um governo minoritário, numa clara situação de crise governativa, acusações recorrentes de corrupção, endividamento contínuo do estado, falta de transparência ou memso engano doloso na actividade administrativa estadual, incumprimento do programa eleitoral e atentados à Comunicação Social e em geral à Constituição?

Permanentemente, mês após mês, exerceu a presidência de conestação “estratégica” da governação, parecendo não reparar que se exigia uma solução governativa maioritária e, aliás, de grande consenso nacional, para se efectivassem grande reformas do Estado, medidas globais anti-crise (financeira, económica, institucional, moral), que respeitassem os direitos adquiridos, a Constituição, as adquiridas remunerações e rendimentos de jubilações (num país em que os preços do que consumimos são europeus, mas os ganhos que arrecadamos são de segundo mundo, com excepção dos dos dirigentes das empresas estatais, que chegam a ser de um super-primeiro mundo).

Não uma governação que aumentou mais os já exagerados impostos, antes reduzisse os gastos públicos e a hipertrofia das Administrações, promovesse a produtividade económica, reorientasse os apoios financeiros para os sectores de exportação ou substituição de bens de importação e bens de alto valor acrescentado, etc.

Já não refiro outras razões que se prendam com aquilo que um dia será uma evidência geral, mas alguns ainda teimam em não perceber: ”eliminando” globalmente as dispendiosas e dispensáveis «freguesias» (inventadas pelo liberalismo do início da monarquia parlamentar), reformulando o conceito de autonomia dos entes territoriais infra-estatais em geral, criando uma adequada regionalização (meramente) administrativa do Continente e fazendo coincidir as circunscrições regionais do Estado com a área territorial dessas futuras Regiões Administrativas, acabando com os partidários governadores civis distritais (e instalando governadores regionais com um estatuto de designação segundo critérios de mérito, em ordem a coordenarem todos os serviços estatais periféricos), terminando com os atrasos do poder jurisdicional (tão prejudiciais para a economia, voltando a uma organização da carreira jurisdicional com ascensão só depois de um longo período de amadurecimento pessoal e jurídico perante um passado de experiência na magistratura pública não jurisdicional), e, em geral, reformando todo o sistema de legitimação dos governos e dos deputados, etc.

 

Fora disso, importa ter presente a via da recondução plena da legitimidade fundante da governação nas mãos directas do eleitorado. Aliás, por exemplo em Portugal, como hoje está prevista a legitimidade presidencial de empenhamento governamental (reduzido à mera presumida legitimidade parlamentar, dado que o governo é inaceitavelmente investido sem necessidade de voto positivo do Parlamento), tal devia, coerentemente, levar à recondução da instituição presidencial (que não lidera o governo, não é responsável por ele, nem se sintoniza realmente com um verdadeiro sistema semipresidencial) a uma normal eleição não directa, que seria suficiente para a legitimação dos seus gerais parcos poderes.

 

E, porque têm os partidos em Portugal medo de uma Câmara Alta, um “Senado”, representativo das regiões e com assento para aqueles cuja experiencia é importante, porque desempenharam altos cargos na nação? Por os seus membros, seguramente, actuarem, pedagogicamente em relação aos deputados, sem controlo partidocrático, que estes veteranos já não admitiriam?

Mas, os senadores já existem de facto, embora não de direito e sem Câmara parlamentar que valorize a sua experiência em termos nacionais: ex-presidentes da república e da assembleia nacional, ex-primeiros-ministros, ex-presidentes da assembleia-geral ou secretários-gerais da ONU e outros altos cargos internacionais e da UE, como ex-comissários europeus, ex-líderes de grandes grupos parlamentares e partidários, ex-presidentes de governos regionais, ex-presidentes de alguns grandes municípios com longos mandatos (que seriam designados em termos a fixar legalmente).

Como referiu Braga da Cruz, actual reitor da Universidade Católica[29], eles têm passado, têm experiência política reconhecida e continuam a falar em público quando querem sem marco institucional que ponha o seu saber ao serviço permanente e organizado da sociedade.

Para isso, há que vencer as resistências de uma classe dirigente «reaccionária», profissionalizada na habilidade da manutenção das suas próprias posições. Impõe-se uma reformulação bicamarária do parlamento português e um novo sistema eleitoral, aberto e de livre apresentação de candidaturas.

 

1.1.4. Poderes de governação em sentido amplo e necessidade do seu controlo quotidiano

 

Regressando à questão do controlo dos poderes da governação em geral, a relativização da teoria da separação de poderes tem de considerar-se na ordem do dia no debate da reforma política. Se o princípio da separação de poderes assenta também, subjacentemente, na ideia de fiscalização e coordenação-interdependência, não é de estranhar que se deva averiguar se essa ideia continua vivendo através dele, ou se, por mecanismos da evolução histórica, esta se perdeu em parte, sendo necessária uma outra construção global que a refaça.

A distinção entre as funções do Estado surgiu com intenções garantísticas, dado que a separação orgânico-pessoal daquelas funções visava assegurar a liberdade e a segurança individuais.

Foi o dogma da redução do Estado ao Direito e deste à Lei positiva, assente no postulado de que o Estado e o Direito se identificam, que converteu a tripartição funcional em teoria das Funções Estatais com pretensões de validade universal.

O Governo, apoiado na “sua” Administração Pública, desenvolve actuações em todos os domínios da vida em sociedade e não só actividades executivas de normas do Parlamento, mas igualmente comandos de carácter geral e abstracto, normalmente camuflados na designação de regulamentos ou inclusive em Portugal aceites como leis no desenvolvimento normal de um poder legislativo próprio de base constitucional, ao lado do poder do Parlamento, a quem se reserva algumas matérias mais importantes. E além disso, na sua maioria, passíveis de autorização legislativa ao governo, ocupado por dirigentes partidários que as impõem aos deputados do partido; (umas e outras leis rebaptizadas, na designação portuguesa, de Decretos-Leis e unificadas no conceito impreciso de leis materiais, versus leis formais do Parlamento, o que em termos de poder legislativo dual (competência distribuída) – fora das áreas de reserva de lei formal, estas normalmente leis de bases, de valor reforçado ou de natureza orgânica – é, como se referiu, um resquício do Antigo Regime, só constatável, entre os países democráticos, em Portugal) e tem também poderes jurisdicionais, através de uma Administração sancionadora, arbitral e “conciliadora”, etc..

E, por outro lado, o Governo desenvolve igualmente actividade política e administrativa em todos os domínios da vida em sociedade. E, em “regime administrativo” continental, aplicável em Portugal, não deixa também de actuar prescindindo em geral do poder jurisdicional (autotutela em geral de natureza declarativa e executiva, com faculdades de coação directa à base de habilitação geral, segundo a jurisprudência administrativa portuguesa -embora doutrina eventualmente errada, face à Constituição - e, em matéria de infracções não penais, de natureza sancionadora).

É excessivo poder para poder fugir a uma legitimação eleitoral, ou pelo menos parlamentar expressa, a actualizar sempre que haja propostas de novos chefes de governo. E a sua legitimidade funcional deve ser permanentemente relida por um controlo activo e eficaz de instituições imparciais, o que o poder parlamentar já não faz. Mas, não só ela, pois é necessário que as sentenças também sejam controladas sempre por princípio. E não é suficiente que as normas sejam controláveis pelos tribunais em geral, por referência ao quadro constitucional (controlo difuso da constitucionalidade, nos processos concretos, que, em sistema de fiscalização misto, como o português, se une ao controlo em última instância pelo Tribunal Constitucional -ou seja, só quando o assunto já foi controvertido nesse processo concreto em outro Tribunal -, além de que também pode ocorrer, em geral, em termos abstractos e a pedido de certas entidades oficiais, políticas e magistrados do próprio TC, após triple pronúncia por inconstitucionalidade. Falta, no entanto, uma peça fundamental, já anteriormente referida, a do controlo pelo TC da inconstitucionalidade, não face aos sistemas de produção normativa, mas também do próprio sistema de produção de decisões judiciais, sem questionamento no processo porque a norma ou actuação inconstitucional não pode ser questionada (falta da paret no processo por citação irregular) ou é aplicada apenas na fase decisória finais, sem possibilidade de qualquer recurso normal, ou seja sem possibilidade de ser objecto de contraditório no processo. Portanto, em geral agressão a norma materialmente constitucional (inconstitucionalidade material, orgânica ou formal, face regra ou princípio consagrado expressamente na Constituição ou ilegalidade por antinomia com norma ordinária de valor reforçado: inconstitucionalidade indirecta), não controvertida no processo concreto, pelo menos quando, designadamente a final, a acabe por ofender direitos fundamentais, desde logo processuais (v.g. princípio de interdição de indefesa, tudo situações merecedoras da consagração constitucional ou por via legal do recurso de amparo para o TC)[30].

Ou seja, importa enquadrar o controlo eficaz de todos os poderes.

Por isso, LOEWENSTEIN fala de uma função de controlo como função autónoma do Estado, com seus controlos políticos, jurisdicionais, seja da legalidade da Administração Pública, seja da constitucionalidade da legislação, explicando o papel crescente do poder judicial, verdadeiro poder e contrapoder e, assim, instrumento da função política, porque fiscalizador de todos os poderes. E portanto também já do próprio poder legislativo, cujos actos «anula», como «verdadeiro» legislador negativo (julgador metamorfoseado de legislador revogatório), ideia que a criação dos tribunais constitucionais, por inspiração de HANS KELSEN, veio reforçar.

Isto leva-nos a concluir que a peça central da ideia de separação de poderes, cuja possibilidade histórica ficou comprometida com o fenómeno partidocrático, unificador oculto da intervenção de todos os poderes, passa hoje pelo sistema de controlos, individuais ou colectivos, comunicacionais de massas, jurídicos e sobretudo jurisdicionais e jurisdicionais de jurisdicionais.

O Estado de Direito passou de um reducionista Estado de Legislação Parlamentar a Estado de Jurisdição, executor da Constituição, em que o primado político do jurídico e a quotidianização do Administrativo não deviam obstar ao seu controlo pleno e limitação pelo Poder Judicial e outros tipos de controlo, inclusive do próprio Poder Judicial.

*

A tripartição clássica das funções do Estado, esfumadas as suas fronteiras e relativizados os critérios de caracterização material e de distinção, fez acabar com a pretensão de uma teoria geral das fundões estatais, de valor universal e intemporal.

Hoje, o princípio da separação, mesmo numa perspectiva institucional de âmbito horizontal, só pode enquadrar-se em termos constitucionalmente situados. Isto, quanto ao Poder Executivo, a que melhor cabe a designação de Poder Administrativo, porque é muito mais que meramente executivo das leis e porque já não é só do Estado, enquanto administração geral, nacional, ao ganhar importância constitucional a sua segmentação perante o princípio da descentralização administrativa, exigente em Portugal também de uma verdadeira regionalização do continente, embora formada de meras administrações autárquicas de âmbito territorial alargado, supramunicipal, regional (e, portanto, sem qualquer poder político-legislativo ou político-administrativo-jurisdicional), mas com atribuições administrativas próprias, autónomas do Poder Executivo Central e do municipal (segundo um critério de subsidiariedade racionalizadora, na linha aliás já legislada na LQRA, em 1991) e com representatividade eleitoral desses interesses simultaneamente infra-estatais e supermunicipais.

Hoje, temos de considerar que os clássicos três poderes funcionais do Estado não enquadram em geral devidamente a constituição orgânica de um país.

E o Tratado de Lisboa, em vigor, também não resolveu ainda adequadamente a questão dos poderes funcionais ao nível da UE, embora seja conhecido o permanente debate teórico sobre o deficit de democraticidade na sua construção orgânica, concretizada nos sucessivos Tratados negociados pelos governos, que se limitam a complexificar e tornar cada vez mais infuncional o sistema geral de poderes.

O segundo império alemão foi desenhado na Conferência de Frankfurt composta de deputados dos Estados de então, tal como a federação norte-americana pelos representantes do povo em Filadélfia, enquanto que os textos europeus, aliás por isso, não verdadeiras Constituições, mas Tratados-Constituição ou Tratados-Fundação, o têm sido pelos governos, que continuam dominando todo o processo político europeu como se estivéssemos no seu início e lhes coubesse, já não o mero papel propulsor, mas decisor total, e mesmo que em causa esteja a transferência de poderes à custa não dos governos mas dos Parlamentos nacionais.

Entendemos que os proclamados clássicos Poderes, nunca coincidentes com os órgãos do Estado e o princípio da separação de Poderes, que tal pressupunha, na perspectiva da defesa da liberdade e dos direitos fundamentais, não passam de três sub-poderes, todos poderes «materialmente governativos» do dia-a-dia: uns desenvolvendo actividades de satisfação de necessidades colectivas (Administração Pública), outros fazendo normas (legislativos) e outros impondo-as normalmente de modo provocado, quando não aplicadas voluntariamente (tribunais), mas todos podendo agredir direitos e desrespeitar a Constituição, referência da regularidade de sua acção. Por isso, sendo passível de ser desconsiderada, necessita de um controlo imparcial que garanta a reposição da regularidade.

Daí, a necessidade da criação também dos já falados anteriormente recursos de amparo, recursos públicos ou recursos directos de constitucionalidade contra agressões a direitos fundamentais por actos ilegais dos juízes (que, em matérias importantes para o cidadão, honorabilidade do Estado, defesa da liberdade de comunicação social e, em geral, dos direitos fundamentais, nunca poderá aceitar-se que decidam contra a Constituição sem amplo controlo, inclusive quando a inconstitucionalidade ocorre na decisão final, já sem recurso, por aplicação de uma norma por iniciativa do juiz, nunca ponderada anteriormente, ou para se ter a possibilidade de invocar a situação de interdição jurisdicional de indefesa[31]).

A importância e urgência do “recurso de amparo”, nos países onde não exista, pode medir-se referindo que, por exemplo, em Espanha, estes processos se cifram em mais de 60% dos processos globais do Tribunal Constitucional.

*

E, perante o bloqueamento da fiscalização representativa (pelos deputados), da “opa” lançada à comunicação social pelos poderes económicos e da hiperbolização do fenómeno partidocrático, alguns temas de reflexão se impõem ainda.

Em geral, e teoricamente, não podemos descansar na simples divisão de poderes.

O mais importante, como se intui, é a disseminação de um efectivo controlo difuso, não só de uns órgãos de poder sobre os outros, mas também controlos sobre todos os órgãos de Poder, tendo como referência o projecto societário expresso na consensualidade relativa da Constituição evolutiva. Particularmente, o acentuar da importância do controlo judicial, embora sem cair em momentos de «governo de juízes», não representativos, e não desconhecendo todos os perigos da parcialidade jurisdicional que continuam a ocorrer nos nossos países[32].

Mas, este crescente e generalizado controlo judicial (que se justifica social e constitucionalmente numa afirmada «imparcialidade» funcional na aplicação da lei), de facto, ao vir ostentar a generalização da supremacia do saber juricrático (permitindo a extensão da jurisdição sem limites materiais a todos os actos de todos os outros Poderes, incluindo do próprio poder judicial, e, sendo certo que o direito vigente não é realmente o que o legislador quer e redige, mas o que o juiz «diz que é», aplica, tornando-o no autêntico legislador do caso; ou seja, no único “ditador” em concreto da norma sociologicamente constatável), obriga a reponderar a questão de sua legitimação.

Tal implica a leitura subjectiva dos poderes judiciais pelo eleitorado. Sem a democratização não ocorre a integração do judicial na soberania (popular), inclusive indirecta, pela superação do exercício dos poderes governativos do CSMJ e dos tribunais dele dependentes, em mero confisco paracorporativo, reduzido apenas a uma força legitimada e legitimante pelo texto constitucional.

Portanto, este controlo alargado implica a legitimação da jurisdição pelo eleitorado, pelo menos indirectamente através da conquista de uma legitimidade própria do órgão de Governo dos Tribunais, o CSMJ.

Não basta a um órgão de soberania, para ser democraticamente investido, invocar a legitimidade bebida na Constituição: o Governo embora sem legitimidade parlamentar não se sujeita a passar em moção de confiança, não pode invocar a investidura parlamentar, mas ainda pode invocar a indirecta ligação ao eleitorado, por nomeação presidencial, mas os tribunais vivem apenas de uma legitimidade funcional na medida em que decidam bem, porque nem o eleitorado nem nenhum órgão de soberania os investiu, contrariamente, v.g., ao que se passa na maioria dos países, com excepção de Itália, seja de presidencialismo americano ou de semi-presidencialismo à francesa ou de generalizado parlamentarismo europeu.

De qualquer maneira, o CSMJ, que deriva de eleições e cooptações, não deixa de ser um órgão sucedâneo dos poderes que são, noutros países, em geral, naturalmente de um governo democrático.

A sua existência, além disso, justifica que se declare a não necessidade de um Ministério, que não existe, o da Justiça, pois as habituais preocupações legislativas (em que há convolado, para se justificar, as suas tarefas históricas, melhor cabem ao Parlamento, onde deviam, há muito, ter a sua sede natural) e a gestão do sistema policial-penitenciário pode passar inteiramente para a Administração Interna.

E, ao ritmo da privatização a que nem as funções tradicionais de soberania escapam, poderá acabar por ir mais depressa para uma qualquer “Securitas”, nacional ou estrangeira, num bem “preparado” concurso público, semelhante a todos os outros de “regularidade” sistematicamente bem conhecida.

Quanto ao deficit de legitimidade governante democrático-representativa do Conselho Superior da Magistratura Judicial portuguesa (CSMJ), basta repetir que ele é um órgão de Administração da Magistratura independente do governo geral do país e da sua Administração. E, por isso, por um lado, não legitimado através deste e, por outro, não legitimável indirectamente através de uma eleição parlamentar do seu elenco completo (o que aliás seria uma politização indesejável, porque o partidarizaria ainda mais claramente, dada a actual dependência partidos-parlamento e não deputados-parlamento). Uma coisa é certa, em Portugal, a questão da legitimidade democrática dos diferentes órgãos de soberania não está bem resolvida, tal como o enquadramento concreto do CSMJ deixa muito a desejar: toda a história das funções sucessivas e finalmente a vitória eleitoral e comportamentos no STJ do seu actual presidente basta para mostrar que algo tem estado errado. Para já, a palavra aos próprios juízes, mas os legisladores, designadamente constitucional, em seu momento, não pode lavar daí as mãos. É altura de reponderação do modelo.

O Estado Democrático assenta no sistema político em que a soberania pertence ao Povo. E os titulares dos poderes supremos são eleitos periodicamente pela totalidade dos cidadãos em regime de livre concorrência de opções políticas. E com respeito dos direitos e liberdades fundamentais, implicando que os titulares do poder actuem por “delegação” e respondam pela totalidade do eleitorado, pelo menos periodicamente, pelo seu exercício, com conferimento da sua actuação geral.

Em síntese, o Conselho Superior da Magistratura Judicial portuguesa, tal como existe, com mais ou menos juízes designados pelos próprios, naturalmente sem mandato popular, não passa de um “ministério da justiça” paracorporativo, composto unicamente de juristas, cuja legitimidade geral, bebida numa base meramente constitucional, não supre o seu deficit e o dos tribunais no plano da representatividade geral, exigível a órgãos de «soberania governante» da vida dos cidadãos.

Quanto ao Ministério Público, que é autónomo, comporta-se como independente. Governa-se a si próprio. E, em verdade, impõe orientações genéricas ou casuísticas conformadoras de uma política criminal, qual “Ministério” (Público) da Justiça, substituindo-se à política anticriminal que caberia ao Governo, através de um Ministro (cujo nome se mantém embora, como dissemos, só «dirija» prisões e se substitua ao parlamento fazendo leis que melhor competia a este) e, portanto, política anti-criminal traduzida em opções sobre prioridades e iniciativas dos processos, à revelia do eleitorado, sem qualquer sufrágio popular, tudo com a sistemática invocação da sujeição única ao princípio da legalidade, como se toda a Administração Pública não estivesse sujeita a este princípio e, mesmo assim, sujeita a hierarquias legitimadas no topo por um governo democraticamente investido. Autonomia não é independência.

Que seria de todos os trabalhadores públicos e serviços do Estado, se, invocando este princípio fundante de qualquer Administração pública, recorressem à sua invocação para se furtarem a cumprir as políticas dos governantes sufragados (boas ou más, ao eleitorado em democracia cabe pronunciar-se, o que não pode fazer em relação à actuação do MP?

O que exige a clarificação do Estatuto funcional do Ministério Público, para se saber onde colocar funcionalmente estes funcionários públicos (dirigidos pelo PGR, em Portugal), um dos sectores orgânicos da Administração Pública do Estado integrado no Ministério da Justiça.

A questão não é fácil de resolver, mas é simples e é esta: onde está o espaço da governação democrática na imposição de uma política anti-criminal eleitoralmente controlável?

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A polémica dos últimos anos à volta do segredo de justiça, que se mantém (demonstrando o óbvio, ou seja, que não depende do seu regime jurídico, dado que não foi a mudança de regime e bem acentuada ela foi e para melhor, que fez terminar o debate), serve para uma outra reflexão autónoma sobre a dificuldade de substituir um sistema humano e a cultura instalada nem os seus titulares não cumpridores (pelo menos, sem promoções acordadas ou aceitações prévias de sucessores dinásticos), ou seja, uma reflexão sobre o estatuto em termos de designação, independência e isenção, do dirigente máximo dos agentes de investigação e acusação criminal (em Portugal, Procuradores Gerais da República), independentemente do juízo sobre o seu modo de exercer funções, que o eleitorado ou pelo menos “todos” os órgãos de Poder sobre ele façam, o que tem colocado frequentemente também quanto a ele a questão da sua ilegitimidade funcional, sem consequências.

Como tenho insinuado, o princípio legitimador do exercício do poder democrático ou de órgãos dependentes dos seus titulares tem que assentar cada vez mais na ideia da legitimidade funcional, cada dia mais importante que a originária, como bem discorreu TOMÁS DE AQUINO, o que exige visibilidade sobre a sua actuação, mais que sobre os seus microprocessos de designação.

Se esta última garante necessariamente a democraticidade do início das funções, só aquela justifica a sua continuidade.

Por isso, considero inaceitável que o titular de um cargo, cuja titular dependa da vontade de um conjunto de órgãos eleitoralmente legitimados e assim, “democraticamente” investido, se possa manter quando entra em crise a sua legitimidade funcional, perdendo a confiança de um deles e de outros sectores sociais que garantem a respeitabilidade geral da tarefa em que se integra. Quão esquecidos estão exemplos históricos que nos deveriam orientar, v.g., o de WILLY BRAND.

Em certos países, o Ministério Público, cada vez mais decisor e gestor único das políticas anticriminais, e as magistraturas judiciais em geral (designadamente, pelos seus atrasos, em especial no campo da vida económica), têm protagonizado um dos aspectos mais graves de disfuncionalidade do Estado. E, embora este seja só um dos fenómenos reveladores da crise do sistema que vivemos, assume uma tal importância, por tocar com o sistema de justiça e dos direitos fundamentais e o bloqueamento da vida económico-social do país, que importa destacá-lo como algo a que urge pôr cobro, perante a questão social da sua continuada deslegitimação perante o exercício considerado demorado, ineficaz, incorrecto ou não imparcial dos poderes atribuídos, inclusive das instâncias oficiais de controlo social ou, em termos mais amplos, da problemática do sistema jurisdicional e especialmente o penal, em que tem sobressaído o debate sobre o segredo de justiça e a prisão preventiva.

 

1.1.5. Controlo e livre acesso à informação

 

Falando da democracia que faz falta, hoje há que colocar várias exigências fundamentais para a recuperar, todas implicando como condição o aceso livre à informação pública: além da atribuição de condições de igualdade política das preferências de cada membro da sociedade e da inclusão de todos os sectores de direitos, pretensões e oportunidades, o controlo pleno e final pelo povo (desde logo, de tudo o que não possa seguir o procedimento democrático, que fuja das suas origens directas, dos seus limites e dos seus efeitos), a promoção de uma participação política efectiva para todos os cidadãos (a «expressão de suas opiniões e a consideração destas com igual respeito»), um e outra pressupondo o conhecimento real dos projectos, decisões e seus fundamentos. Ou seja, a compreensão ilustrada actualizada, de modo que cada homem possa ser capaz de, em tempo adequado, saber quais são as razões técnicas, jurídicas e morais que justificam as opções concretas e seus objectivos, através do «conhecimento dos fines e dos meios para conseguir tais fins».

Para isso, deve a Administração assegurar-se a «diversidade de fontes de informação e de pensamento», sendo certo que constitui «em si mesma um viveiro de opiniões que se debatam, pelo menos para a definição dos planos e políticas essenciais de cada organização», com um desenvolvimento maior dos «procedimentos de consulta e discussão com os distintos sectores implicados e as políticas, maior descentralização e desconcentração e um progresso importante nos mecanismos de aceso à informação»[33].

Não se pode desconhecer, desde logo, a importância da avaliação dos agentes e das políticas públicas.

A teoria contemporânea da avaliação, desenvolvida mais amplamente nos EUA, expandiu-se na Europa, sendo mais influente em alguns sectores de orientação de políticas e em alguns países que em outros, v. g.,  no Reino Unido. Esta assumiu um quadro de pluralismo político e uma epistemologia antipositivista.

Conforme os modelos racionalistas e sinópticos de orientação de políticas deram a sua vez a modelos baseados em incrementalismo, negociação e «regateio», então, o ideal de uma avaliação objectiva e livre de valores perdeu-se.

Como diz MARY HENKEL[34], durante a década de oitenta, a avaliação e os organismos avaliadores alcançam uma importância sem precedentes no governo inglês. A missão do governo conservador para dirigir os gastos públicos e implantar uma nova cultura de gestão no sector público, requeria novos mecanismos de vigilância e de revisão.

A avaliação era apresentada como um pré-requisito de responsabilidade efectiva e mudança significativa. A medida do desempenho perante objectivos claros estava no âmago da iniciativa de gestão financeira para uma gestão mais responsável no governo central

Mas, os seus objectivos e eficácia não contendem com os objectivos e o papel singular de uma comunicação social livre, ao serviço de uma ampla difusão do conhecimento da coisa pública. Importa clarificar e demonstrar a importância (muitas vezes, excessivamente sacrificadora dos cidadãos enquanto administrados ou empregados), da reflexão e aplicação que envolve, em termos das invocadas dinâmicas da eficácia, o que tudo deve aparecer com total transparência perante a sociedade.

Com efeito, a própria legitimação da Administração Pública e das suas evoluções, no caminho da sua modernização e eficácia, passam, também, pelo debate sobre a transparência administrativa, ao exigir o conhecimento e o juízo permanente que os cidadãos dela façam.

*

O vocábulo modernização vem sendo usado nos diversos países para acolher todo um vasto conjunto de fenómenos de adaptação das suas Administrações Públicas, «implicadas numa série de profundos mudanças e transformações, como as que, em princípio, tratam de melhorar a prestação de serviços públicos».

E, uma coisa é certa: não passa só (e, muitas vezes, não pode passar sequer, tendo presente valores ínsito à sua natureza de serviço público), por meras soluções de racionalidade e eficácia financeira dos serviços administrativos ou critérios quantitativos[35].

Para superar isto, há que partir da realidade da coexistência entre Estado e sociedade civil. E, por isso, como diz KEANE, aceitar que «sociedade e Estado devem converter-se em condição de democratização recíproca»[36], sendo necessária a afirmação constante de uma esfera pública, em que os agentes debatam entre si e com o Estado os assuntos de interesse público, além de se comprometerem nas actividades públicas[37].

O Estado deve reformar-se para actuar, não como uma empresa, mas para «estabelecer o quadro para a autêntica comunicação e deve garantir os processos que permitam um debate amplo, aberto e em condições de igualdade»[38], debate empírico e normativo[39], tendo presente um Estado que «parte de um cidadão que actua como tal, como co-partícipe da acção global do governo e sua produção de serviços».

É verdade que o resultado final não tem que ser o da harmonia do consenso, pois, naturalmente, sempre continuarão existindo diferenças, mas concessões, desde que haja garantias de comunicação e participação[40].

A via da crescente promoção da participação e da natural evolução para um, cada vez mais escancarado, conhecimento quotidiano dos poderes que nos governam, no sentido da comunicação geral da sua actuação, é um desafio permanente e não ultrapassável, dos poderes públicos, dos cidadãos e especialmente dos profissionais dos órgãos de comunicação social.

Citando, de novo, VILLORIA, poderia dizer-se que o Estado enfrenta, hoje, a crise do Estado de Direito, optando por «relegitimar a legalidade»; enfrenta a crise normativa da democracia, abrindo vias de participação e co-responsabilidade; tal como devia enfrentar a crise do Estado Social, reforçando a solidariedade, «através de um compartilhado afã para tornar reais os direitos humanos», tudo para iniciar também «una nova via para a legitimação da Administração»[41].

Neste aspecto, não pode deixar de se assinalar que, hoje, perante a sensação de crise que se generaliza, com a frustração partidocrática[42], a que se referem, entre outros, v.g., MONTERO[43] ou ÁGUILA[44], frente à sensação de inacção de certos grupos tradicionais de interesses (v.g., sindicatos), a subsidiação pública de Organizações Não Governamentais e consequente perda da função de denúncia, etc., ocorre o aumento gradual do interesse teórico da politologia ocidental pelas formas não tradicionais de organização do público, do sociopolítico, que existe em relação com os diferentes temas, como o da sociedade civil[45], que muitos, como revelaram as publicações de MICHNIC (1985, 1990), e de VACLAV HAVEL, em 1992, analisaram e encomiaram a propósito da queda dos regimes de Este, e outros consideram um conceito que é «um elemento chave a recuperar para as democracias (VILLORIA, p.91), ou o desenvolvido por HABERMAS sobre as esferas públicas autónomas (1992), da praxis de ARENDT (1977), da cultura cívica de BELLAH (1991) ou do ethos democrático de LEFORT (1986) ou o dos movimentos sociais de TOURAINE (1989).

Mas, se, em muitos doutrinadores, essa sensação de menos intervencionismo reequilibrador se estende aos meios de comunicação social, não podemos aceitar um baixar dos braços quanto ao não ultrapassável papel social e político destes, independentemente do aparecimento ou reforço de novos movimentos sociais (e, desde logo, os ecologistas, que exigem um «novo paradigma comunicativo»[46], e sem prejuízo dos sintomas da crise profunda na nossa vivência em sociedade exigir um reforço de soluções novas[47].

Hoje, é dever geral do Estado «observar certas obrigações de publicidade ou de informação». E, embora isto nem seja um fenómeno jurídico uniforme, nem a sua sede normativa deva procurar-se sempre num mesmo ramo do direito, ou no regime de um só direito fundamental. A verdade é que a base fundamental que lhe dá dignidade constitucional, em Estado de Direito, está ligada ao estatuto da cidadania.

Desde logo, há um direito a receber informação, embora com «diversas facetas»[48] [(começando com o primordial dever de informação jurídica, que deriva do principio da publicidade das normas, que sempre teriam que ser públicas, publicadas, para serem conhecidas pela generalidade dos cidadãos, sem o que não teriam eficácia aplicativa - ninguém pode fazer o que não sabe nem teve oportunidade de saber que pode fazer ou não fazer o que não sabe ou não teve oportunidade que é proibido fazer-, e quanto aos Tratados internacionais, o dever de informação jurídico-política, porque a ONU também pretende impedir «o secretismo do Estado” (que deu origem a várias guerras, sem controlo dos cidadãos), ou seja, tornar conhecido, explicável e até controlável, e não tanto meramente “o tornar acessível a qualquer pessoa este tipo de informação»].

Inclusive, é possível que uma dada informação nem sequer esteja «destinada, em princípio, ao processo de comunicação pública».

Depois, o dever de informação participativa[49], que, segundo VILLAVERDE, cabe neste direito a receber informação[50].

É a sua «faceta participativa», exigindo do Estado «una política dos direitos fundamentais que torne efectiva essa discussão dos ‘assuntos públicos’ que se realiza no processo de comunicação pública».

Esta faceta participativa do direito mostra que, por vezes, «um efectivo exercício do direito a receber informação» pode «exigir, em alguns casos, que o Estado estabeleça prestações a favor dos receptores»[51].

Como refere ROMERO COLOMA, «a informação configura-se, hoje, como uma das bases da sociedade, reconhecida e regulada em todo o mundo civilizado»[52].

Falando da opinião social e política, individual e colectiva, que, sobre os assuntos públicos, se forma na sociedade, VILLAVERDE MENÉNDEZ defende que «o Estado não pode subtrair a essa sociedade aquela informação necessária para a formação de sua opinião, que se integra no processo de formação da vontade do Estado», embora esta posição coloque o problema da determinação dos limites da acção estatal em matéria de promoção pública do direito do cidadão a ser informado. Deve reduzir-se a uma actuação supletiva, perante a falta de informação, de modo que «a liberdade e igualdade de terceiros» não fique lesada, além da natural função de garantir que os outros não vulnerem o direito do cidadão a ser informado?[53].

Neste sentido, entendemos que o Estado, além de fonte de informação, pelo menos em certas ocasiões, deve actuar «como um meio de difusão-transmissão da sua própria informação», participando directamente, «de forma activa, no processo de comunicação pública, aumentando a concorrência plural de informação, com a que ele transmite»[54]. Embora, então, concordemos com VILLAVERDE, ao dizer que «esse dever já não é de publicidade e não é o objecto do direito a receber informação». Tal como não é um dever nascido da «garantia institucional do pluralismo», que se orienta só à preservação «de um procedo livre e aberto da comunicação pública.

Mas não deve, hoje, mesmo ou apesar da Comunicação Social, até porque cada vez mais dominada pelo poder económico, servir também, uma leitura ao serviço do sistema democrático, à correcta formação da opinião» em matérias em que «o Estado oferece informação»?

Aqui discordo do autor antes citado, pois entendo que deve e aliás, hoje, em muitos domínios, como o do ambiente, é já a UE que o impõe.

 

1.1.6. Sentido da liberdade da comunicação social, sua relatividade e ideia de controlo público generalizado dos poderes públicos. Questão informacional e organizacional administrativa. Importância da informação possuída por entidades públicas na actualidade.

 

A liberdade dos meios de Comunicação Social de dar informação e a liberdade de a receber por parte dos cidadãos são pedras angulares do regime democrático, mas não podem ser concebidas em termos absolutos. Como bem escreveu ALBERT CAMUS, «a liberdade absoluta mata a justiça».

Na defesa da intimidade de um processo julgador, uma certa reserva ou inclusive um mínimo de segredo poderá impor-se em certas situações, mas sem nunca pôr em causa a transparência da acção dos poderes públicos, designadamente o jurisdicional, com o máximo de expressão possível.

A informação pública foi, na concepção liberal, e seguirá sendo um poderoso instrumento ao serviço da eficácia e da imparcialidade do julgador. E, também, cada vez mais, com importância acrescida ao serviço do investigador, do inquiridor e do acusador, na aldeia mediática, em que a investigação jornalística pode desencadear, enformar, acelerar e controlar a inércia ou o actuar errado ou quiçá branqueamentos telecomandados, que podem desencadear sentenças judiciais.

Embora também propicie, bem ou mal, julgamentos extra-judiciais, feitos fora e com anterioridade a elas. Se a democracia é «o Governo do poder visível, o Governo do poder público em público»[55], temos de reconhecer que a validade e legitimidade do exercício dos poderes, do poder sancionador como de todos os poderes, em sociedade de matriz democrática, realizadora da ideia de justiça, exige controlo.

E a ideia de controlo público depende da transparência geral ao longo do próprio iter processual. A construção do processo e a transparência dos procedimentos em que se desdobra, são hoje de considerar tanto ou mais importantes que os julgamentos formais, pois não é a sua ritualização estigmatizante que dá o carácter de verdade aos testemunhos falsos, às investigações deficientes ou às provas erradas.

Não é verdade que, num mundo em que a palavra do homem actual perdeu a seu valor afirmativo de comportamentos, tornada mero produto mercantilizado, traduzindo já não um valor do ser mas do ter, do possuir, a prova testemunhal é correntemente fabricada, sem que o crime de perjúrio praticado diariamente em todos os tribunais sofra sistematicamente qualquer punição. Aliás, nos tribunais já se constata impunemente que há mesmo a “profissão” de “perjuriador”, testemunha de nada, de ninguém e de todos, naturalmente paga, como forma de prostituição da personalidade que se vende, produto frequente de uma advocacia que vai abandonando os padrões éticos dos causídicos do passado e ofende mesmo a normatividade processual e deontológica da Ordem do Advogados.

Neste âmbito, não deixaria de intercalar algumas considerações generais sobre a transparência nesse poder que é hoje o mais necessário e presente, mas por vezes sufocante e, muitas vezes, actor ilegal, cheio de abusos e de cultura de corrupção a todos os niveles, a Administração Pública.

Num mundo, em que os dirigentes públicos, em democracia, se devem entender, não só legitimados originariamente, mas funcionalmente no exercício quotidiano das respectivas funções, exige-se um permanente e livre conhecimento da sua actuação. Exige-se algo mais do que a mera interdição de silêncios, demissões decisórias, ausência de audições de interessados e contra-interessados nas suas futuras decisões ou regulamentações, falta de explicação sobre o tempo e o sentido da sua actuação ou o controlo da aplicação da juridicidade pelos tribunais, por violação de leis ou princípios jurídicos cogentes, como a frustração da confiança perante a boa fé devida a comportamentos expectáveis, desigualdades injustificáveis de tratamento, excessos de intervenções ablatórias prejudiciais aos direitos e interesses dos cidadãos, agressão ao princípio do primado da materialidade subjacente (com invocada falta de uma mera formalidade quando o seu objectivo já se mostra realizado), não ponderação dos justos interesses relevantes dos particulares ou da colectividade, usurpação de outros poderes soberanos, sobretudo jurisdicionais, o desvio de poder discricionário, execução de operações materiais com excesso ou mesmo sem base decisória controlada pelos implicados, frequentes actuações individuais em desrespeito do princípio da não derrogação concreta das normas, atentados pontuais ao princípio da continuidade do serviço público, participação em tomadas de posição com interesse próprio ou de pessoas próximas ou contra adversários, interpretações flexíveis -quando não ilegais- para favorecer os amigos e apoiantes e igualmente ilegais para os prejudicar se tal for conveniente a objectivos pessoais, concursos documentais generalizadamente viciados para favorecer os conhecidos ou do próprio organismo contra candidatos exteriores com mais mérito, etc.

Exige-se mais. O cidadão exige entrar e ver tudo o que se passa dentro dos serviços onde se desenvolvem as actividades dos diferentes poderes públicos.

Mas, este objectivo de transparência não é afectado apenas por falta de informação, por ocultação activa. Antes, também, simultaneamente, por excesso de informação.

Ou seja, por seu ocultamente oceânico, que as novas tecnologias irreversivelmente nos trazem. E a própria comunicação social ou não  consegue abarcar (tal como os parlamentares, a quem caberia a fiscalização activa dos poderes administrativos e há muito deixaram de a fazer), ou, aumentando o seu tratamento e difusão (aumentando-se a informação produzida pelos próprios meios tradicionais de veicular notícias, desde logo os jornais), vem dificultar a percepção relativa dos acontecimentos, independentemente de sua importância social e política.

Tudo isto reforça a própria importância do direito do cidadão, enquanto meio cada vez mais privilegiado de defesa informal da democracia e da legalidade, com esta sua capacidade de voltar atrás nos eventos, por sua livre escolha do que quer e quando quer «ver», em ternos do conhecimento factual, mesmo que revisitado, do que há sido ou não há sido notícia.

Neste aspecto da abundância de informação e de seus problemas, há que dizer que a informação[56] está essencialmente ligada à ideia de liberdade, dada pelo crescimento dos instrumentos cognoscitivos[57] e da sua possibilidade de difusão.

E, neste aspecto, a Internet, sendo ainda um espaço libertário, anti-autoritário, ao dar acesso a tanta informação, também participa deste fenómeno criador do excesso de informação em bruto, onde nem sempre é fácil encontrar o que se quer. Mas há que reconhecer que, muitas vezes, mesmo assim, o cidadão pode principiar a ficar sensibilizado para novas interrogações.

Como diz  MICHEL ALBERGANTI[58], as características maiores do século XXI são a abertura (dado que «a internet põe em contacto cada um à efervescência permanente das ideias e à complexidade da vida real») e à interactividade (uma vez que «Nada, com efeito, é já unidireccional, nem sequer ou sobretudo o escrito»).

Todavia, tanta informação e tão descontrolada e, simultaneamente, tanta informação nas mãos dos grandes grupos económicos multinacionais[59], não poderá levar à «liberdade fatal», para utilizar a conhecida frase do grande cineasta italiano, que foi FELLINI?

Não ocorrerá que, neste novo século, de um mundo telecrático[60], embora cada vez mais cheio de informações que circulam também a um ritmo cada vez mais veloz, não «em termos monológicos ou através de um fluxo de ‘pirâmide’, mas sim em fluxos network media» (e, sendo certo que, desde logo com a «sociedade em rede»[61], cujo paradigma é o «arquivo exaustivo»[62], isto é, a Internet e o ciberespaço[63], e ainda a desregularão e a globalização de tudo, que não só da economia[64] em rede e a logística planetária dos fluxos, materiais e imateriais, de que falam ALAIN FINKIELKRAUT e PAUL SORIANO[65], apesar do entusiasmo dos tecnófilos), «a informação que geramos ameaça amontoar-se inutilmente?

Porque podemos chegar a tudo, “o nosso grande bem é, simultaneamente, o nosso grande problema». E, por isso, como diz DÍAZ BARRADO, «Tanta informação abafa-nos e desorienta-nos»[66], pelo que o novo, ou pelo menos principal, meio para a defesa da democracia, terá que ser, realmente, o próprio homem, o cidadão[67] e o seu critério de livre aceso à informação.

 

Brevitatis causa, o problema toca também à questão do conhecimento correcto e, em momento útil pelos cidadãos, da informação detida pelas Administrações públicas, em domínios sensíveis. Com fins correctivos, sancionadores e, preferentemente, de interesse preventivo, como são, em termos colectivos, entre outros, os da saúde, alimentação, ambiente, urbanismo, ordenamento territorial e defesa do património cultural, ataque à corrupção, simulações concursais em geral, gastos descontrolados, desperdícios e inércias dos agentes públicos, etc..

Posto isto, e como comenta ALAIN CLAISSE, há que assinalar que «cada país exprime a sua cultura através de um modo específico de relações Administração/administrado», acrescentando o autor, summa divisio, que é possível identificar «três indicadores de transformação das relações entre o Estado e o administrado», aparecendo cada um destes em correspondência com uma «qualidade de qualquer maneira ‘funcional’ de utilizador», o administrado, o indivíduo e o cidadão[68].

 

A transparência informativa, ou, rectius, pelo menos, a documental, é um elemento essencial na realização da plena dimensão cidadã.

E, por isso, conhecer o sistema normativo em que se baseia e a sua prática, é fundamental para a revelação do estado de transformação das relações da Administração com o cidadão nos nossos países. E, assim, saber em que nível de cidadania se vive.

Neste aspecto, comunga-se da posição de GARCÍA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ que (na terceira edição do seu Curso de Direito Administrativo), lamentavam que, então, em Espanha, a regra geral continuasse a ser o segredo, enquanto a publicidade era a excepção, apesar do texto constitucional de 1978, e aderindo à crítica da tese da não «operatividade» da alínea b) do art.º 105.º da Constituição Espanhola (seguida no Acórdão do Tribunal Supremo, de 16 de Outubro de 1979[69]), feita por SAINZ MORENO[70], vêm, depois da aprovação da Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e do Procedimento Administrativo Comum, a qualificar o novo direito de aceso aos documentos administrativos como o mais transcendental dos direitos consagrados no art.º 35.º[71], porque orientado para a modernização da actuação administrativa no futuro[72] (de facto, as excepções aí previstas e os conceitos imprecisos usados quase o anulam na prática, mas foi este diploma que o consagrou, face à sua previsão constitucional).

Já, antes disto, em 1988, PHILIPPE BRACHET, em França, assinalava que «a noção de ‘transparência administrativa’ se inscreve como uma das peças-chave do modelo administrativo ‘moderno’, que se opõe correntemente ao modelo ‘tradicional’ e burocrático, de que, a contrario, o segredo é uma das características principais»[73].

Deveria, além disso, ir-se mais longe e, como acontece nos EUA, com as sunshine laws (que impõem, nas reuniões deliberativas de todos os órgãos administrativos colegiais, a assistência do público), abrir-se, nos diferentes organismos, as portas aos cidadãos e à comunicação social.

No fundo, todos os órgãos administrativos colegiais só devem poder funcionar “à vista”, não só os do poder territorial infra-estatal, como os regionais e municipais, mas também os das Administrações institucionais, fundacionais e dos estabelecimentos públicos de prestação de serviços (universidades, hospitais, etc.), associações de fins públicos, pessoas de utilidade pública e outras, incluindo as empresariais de direito público ou privado (estas, desde que de regime jurídico misto ou recebendo apoios públicos), ou seja, todas as entidades e órgãos colectivos, desde logo sempre que actuem no exercício da Função Administrativa do Estado-Comunidade, quando debatam e tomem deliberações, tal como acontece em geral com os órgãos das Funções Legislativa e Jurisdicional (o parlamento e os tribunais), orgãos que, de qualquer modo, sendo apoiados por serviços administrativos, que praticam actos materialmente administrativos, a eles se deve também aplicar a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).

Como refere EDUARDO COUTURE, falando das audiências judiciais, a publicidade, com a consequência natural da presença do público, «constitui o mais precioso instrumento de fiscalização popular perante a acção dos juízes e advogados», pois, em «última instância, o povo é juiz dos juízes»[74].

Assim, não terá também que ser em relação ao poder que ainda resta opaco ao exterior, o poder das Administrações públicas?

 

A sua importância objectiva é óbvia. Esta insere-se em debates fundamentais reconfiguradores ou relegitimadores do funcionamento da organização do Estado, relacionados com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da imparcialidade[75] e da eficácia. E, no plano material, do deslizar contínuo da defesa do ambiente e de outros interesses difusos (e de aspectos sensíveis e de conhecidas situações funcionais desviadas, como a corrupção, a ineficácia, a inércia, o imobilismo, etc.), de assuntos dos antipoderes para atribuição maior dos Estados. E, desde logo, das suas Administrações.

Tudo questões que se impõem, nos dias de hoje, no centro da reforma e reestruturação da Administração Pública, revestindo-se da maior actualidade e transformando o aceso geral à informação num seu instrumento essencial.

 

A transparência da Administração perante os cidadãos, directamente e não só através da comunicação social, deve existir enquanto direito geral à informação destes e meio de livre controlo comportamental exterior, independentemente de outras técnicas de promoção da eficácia e transparência da actuação da Administração e da construção de critérios próprios de realização activa da publicidade e de fiscalização dos seus actos.

É necessário dar aos próprios cidadãos o controlo deste funcionamento e, em geral, da sua actuação. E é aqui que o direito do cidadão de aceder à informação administrativa ganha importância, ou ut cives, directamente, ou por meio da imprensa, rádio e televisão, Internet, etc.

 

A opacidade da vida administrativa não é boa companheira da eficácia, da eficiência e da imparcialidade da Administração Pública, pois encobre a existência de vícios da burocracia, desperdícios e ilegalidades.

 

O secretismo, não deixando pôr em questão o funcionário, põe em causa o sentido da existência da Administração. E «ofendidos» não são só os destinatários concretos de um determinado acto ilegal ou incorrecto, pois potencialmente serão todos no futuro; e são, desde logo, todos como membros do Estado a que a Administração pertence. A Administração Pública deve responder bem em cada acto, qualquer que seja o seu destinatário concreto e qualquer que seja o tipo de procedimento, de iniciativa particular ou de interesse colectivo, a alcançar por iniciativa pública (a construção de uma estrada, escola, hospital, etc.).

 

A transparência dos Poderes do Estado e especialmente das distintas Administrações Públicas, sem prejuízo da democracia representativa e do sistema normal de integração de interesses, não pode deixar de servir à melhoria dos serviços prestados à sociedade civil, aprofundando novos mecanismos relacionais, de comunicação, abarcando e dando importância aos «procedimentos de participação da sociedade civil[76] e à reconfiguração de um centro articulador do discurso colectivo».

A liberdade de comunicação social, embora não seja senão um dos aspectos da liberdade de comunicação e não o único meio de aceso geral à informação da actividade dos poderes públicos, não deixa de ser uma pedra de toque sobre a saúde de qualquer democracia.

Além disso, o Estado democrático de direito é, hoje, entendido como operando um salto de exigências em relação ao mero Estado liberal, na medida em que implica uma nova concepção de liberdade.

A ideia de participação já não aparece apenas como um instrumento de garantia da liberdade individual, como ocorria numa mera concepção de democracia representativa liberal, mas como um fim a prosseguir.

Entende-se que só quem participa é que é verdadeiramente livre, abandonando-se o seu carácter meramente negativo, numa modulação em que ao Estado de Direito cabe «regular a máxima participação cidadã nos assuntos públicos».

Tal exige uma ampla margem de difusão, activa e passiva, de tudo o que passa dentro das paredes do exercício dos poderes públicos.

Mas só a garantia do pluralismo da informação, exigindo em absoluto, dentro da lei, a não intervenção do poder político e impedindo o domínio do poder económico, um e outro em choque com a actual realidade portuguesa, pode garantir a função político-social da comunicação social.

E, de facto, a mera liberdade de informação não induz, por si só, nem a garantia de isenção, de verdade (sendo certo que é a opinião publicada, que sem outras fontes de verificação e emissão de informação, faz a opinião pública) nem de pluralismo (elemento essencial formador da opinião pública, para orientar a expressão da vontade política). Exigindo-se a regulação legal, desde logo, em termos da organização da concorrência e de controlo dos movimentos de concentração, tudo com preocupações de impor o respeito do direito dos cidadãos ao conhecimento da verdade e das várias opiniões.

O novo direito de acesso à informação pelos cidadãos, suprindo deficiências ou erros ou corrigindo inércias, incompletudes e incorrecções dos media, não deixa de ser um instrumento democrático fundamental, enxertado no âmbito deste direito geral a receber informação, uma informação verídica, uma informação confirmada, informação actual ou passada, e livremente procurada e investigada.

Ou seja, a que se deseja receber e não a que quiserem, comunicação social ou poderes públicos, que recebamos.

Além disso, numa sociedade, como as nossas, em que o fenómeno da corrupção é suposto atingir níveis desmesurados e claramente prejudiciais aos interesses gerais, a exigir um, cada vez maior, controlo exterior aos procedimentos intra-administrativos correntes, que são inexistentes ou ineficazes, torna algo de transcendente importância não só o aceso pela comunicação social à informação, como o livre conhecimento público desta, além da urgente criação de outros mecanismos específicos que impeçam a corrupção.

Uma Administração Pública mais democratizada implica os conceitos de transparência da sua actividade e uma organização que a favoreça, desde logo, a transparência documental. Mas, também em geral a obrigação activa de informação e de prestação de explicações sobre o conteúdo dos documentos com que trabalha.

Com efeito, a transparência integra o conceito de democracia[77], tendo uma carga axiológica que contribui para facultar à Administração um novo reforço legitimador, ao mesmo tempo que procura garantir a eficácia e imparcialidade administrativa.

Como refere LAPIDO ADAMOELKUN, a Administração Pública «deve operar num ambiente aberto, onde os cidadãos comuns e grupos de interesses possam seguir o seu comportamento (sendo certo que, desde logo, «o secretismo entre burocratas e funcionários nomeados politicamente facilita a corrupção»)[78], para se evitar o rent-seeking[79], o self-dealing[80], a cleptocracia e a corrupção[81], fenómenos que têm uma clara influência (v.g., no enriquecimento sem justa causa de políticos e quadros superiores das Administraçoes  e designadamente na violação das leis do ambiente[82].

E permite, em geral, evitar a injustiça na prática das distintas formas da actividade, inclusive na formulação dos actos administrativos e na adjudicação e formulação dos contratos públicos, criação de situações de parcialidade, excessos no sacrifício dos particulares, cláusulas modais ilegais ou inexigência das devidas, em geral ofensa dos princípios constitucionais e gerais ínsitos à actuação dos poderes públicos em qualquer tipo de intervenção destas, em ordem a dar confiança e obter o apoio do público para a actividade administrativa[83]. E, assim, ajudar à sua reforma e modernização[84]-[85].

 

Há uma relação inversamente proporcional entre o controlo público ou a sua mera possibilidade e a confiança creditada nos dirigentes, porque ninguém desconfia do que sabe que o outro sabe que pode ser visto, descoberto, punido, sendo certo que a corrupção e ineficácia diminuem onde a cidadania pode dialogar livremente com o Poder. Ou seja, em que tudo se decide em movimentos bidireccionais ou multipolares, com total conhecimento, partilhado, da sua evolução e da informação em que vai assentar a decisão última.

 

Quanto ao problema dos malefícios da corrupção, propiciados pela falta de Blind Trust[86] e de transparência da Administração, importa dizer que «os conflitos resultantes de interesses e corrupção, corroeram seriamente a eficiência do Estado» em todos os domínios, desde logo perante o «problema das lealdades divididas»[87]. E, devido a esta, não só a «implementação de reformas é frequentemente pobre»[88], como fica sem aplicação ou com frequente agressão, v.g., em matéria ambiental, o princípio da inderrogabilidade singular das normas.

 

O conceito de transparência faz apelo ao de publicidade da actividade administrativa (visibilidade, acessibilidade), oposto a segredo ou a reserva de comunicação, mas não é uma instituição jurídica homogénea[89].

A publicidade da actividade administrativa plasma-se na publicação de textos, desde logo, os que dependem dela para as decisões ou as normas produzirem eficácia, face aos seus destinatários, e a difusão de outros documentos que a Administração decida difundir, segundo o seu critério, para informar (e, também, para sua propaganda).

Mas, isto não é suficiente em termos de exercício da cidadania, pois quem decide pode ocultar, desinformar e mesmo propagandear. Complementarmente, exigem-se outros dois institutos típicos: a publicidade provocada por quaisquer cidadãos ou organizações de cidadãos de todos os documentos não publicados e a publicidade das reuniões dos órgãos colegiais, no exercício de um direito de liberdade do cidadão a informar-se directamente nas fontes de informação públicas, que complementam também o direito a receber informação de modo mediato, pelos meios de comunicação social.

 

Não deve integrar-se tudo num mesmo fenómeno, nem se justifica, por razões principiológicas e de regime jurídico, com apoio ou não do legislador, que não se façam distinções. Na Península Ibérica, o princípio da transparência como está juridificado? Terá significado jurídico autónomo a sua utilização normativa? Em Portugal, o art.º 1 da Lei do Aceso aos Documentos Administrativos («Administração Aberta») proclama que «o acesso dos cidadãos aos documentos administrativos é assegurado pela Administração Pública de acordo com os princípios da publicidade, da transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade».Mas, estes princípios estão sendo cumpridos?

 

Em regime democrático, os cidadãos também confiam que a comunicação social, motu propio, investigue e difunda os eventos públicos que permitam conhecer a vida dos titulares dos poderes do Estado-Comunidade, incluindo ineficácias, corrupções, erros, autorizações e licenciamentos, concursos, acordos e contratos, que podem ser polémicos ou mesmo prejudiciais aos cidadãos e designadamente aos interesses difusos, como os ambientais, os patrimoniais, os urbanísticos, os do ordenamento territorial, sobre ecotoxicidade, medicamentos ou alimentos, etc.

Por exemplo, há que terminar com os simulacros de concursos para a contratação de trabalhadores e dirigentes da Administração.Os cidadãos devem controlar estes procedimentos. Esta técnica deveria servir para captar os melhores, segundo critérios de mérito, mas é continuamente corrompida pela partidocracia e parcialidade dos dirigentes ou orientações de governantes aos dirigentes da Administraçao directa e indirecta (institutos, etc.), saídos das fileiras dos partidos ou do “sindicato” de circulação dos gestores públicos.

Isto só será corrigido com concursos generalizados mas «cegos» e apreciação do mérito dos candidatos sem conhecimento dos nomes e das partes que conduzam à identificação dos candidatos (por sombreamento). Isto é, assentes em curricula vitae e projectos funcionais baseados em critérios de promoção de eficácia e de racionalidade financeira, apreciados em termos despersonalizados, por membros de júris independentes, nomeados para o efeito com especialistas nas matérias, em conjunto com cidadãos (donos da Administraçao Pública, organização instrumental ao seu serviço, paga por eles e, portanto, obrigatoriamente sujeita ao seu controlo), ambos designados segundo a sua ordem alfabético resultante dos cadernos nominativos (nacionais ou regionais de especialistas, aqueles, e eleitorais, estes), todos assim devendo decidir, por unanimidade, sem pressões, só segundo deduções e comparações de mérito relativo.

Em causa está o saber tudo o que possa interessar à vida da sociedade e permitir acções de oposição a actos considerados como não aceitáveis pelos cidadãos.

*

Os políticos e a opinião pública, estão preocupados e com razão, devido ao ruído surgido com os processos investigatórios, preocupados com os julgamentos na praça pública, apesar do proclamado[90] segredo investigatório, não respeitado pelos seus guardiães e o não controlo dos processos, pelos arguidos e defensores, para poderem clarificar de imediato factos, devido à existência desse próprio segredo, que só funciona a favor da máquina da «justiça».

Quanto aos ditos julgamentos na praça pública, o que desperta hoje mais os medos dos detentores de poderes públicos é algo que justificou historicamente a tese liberal da assistência às sessões do legislativo e do judicial e justificaria, como ocorre com as sunshine laws nos Estados anglo-saxónicos fora de Europa, a abertura à imprensa e ao público em geral das reuniões de todos os órgãos colegiais das Administrações públicas.

É o facto dos actuais potentes meios de difusão hiperbólica da Comunicação Social estarem a transformar, cada vez mais, a visibilidade simbólica da teoria liberal (visibilidade meramente proclamada, formal, jurídica, pois poucos cidadãos foram sendo os que tinham disponibilidade profissional ou poder financeiro para se dirigir sistematicamente à capital, para se sentarem nas escassas cadeiras dos Parlamentos, ou a possibilidade de assistir às investigações e rituais dos julgamentos dos tribunais) numa visibilidade geral, efectiva, de toda a sociedade, perante milhões de leitores, espectadores, ouvintes. Isto é, vivemos num mundo em que já é possível uma visibilidade geral real do funcionamento dos órgãos do Poder.

O segredo de justiça é gerido pelos seus guardiães, mas por vezes contra os suspeitos ainda «presumidos» inocentes. Preocupados em evitar condenações públicas infundadas. Embora também possa haver absolvições oficiais infundadas, com recurso pelos aparelhos partidários às «fichas» arquivadas (ou tratadas de modo automatizado) dos antigos militantes das juventudes partidárias e pela via da ascensão às magistraturas destes antigos correligionários e inclusive recentes filiados.

O que, em teoria, permite (através dos registos de mero conhecimento interno, opacos à sociedade e ao governo das magistraturas), que se possa manobrar investigadores e julgadores, pressionando-os para evitar acusações (processos remetidos para uma qualquer circunscrição judicial, onde ficam guardados em gavetas “esquecidas”), para aguardarem intencionalmente a prescrição ou para, já sem testemunhos ou documentos, perdidos, se obterem absolvições, mesmo que tais favores políticos tenham de ser compensados, depois (com revolta popular silenciosa), nesta osmose corruptora de cargos públicos e privados, com indemnizações judiciais ou com postos públicos apetecíveis aos dóceis membros das magistraturas.

Neste aspecto, não sendo aceitável limitar essa ascensão (castrando em adulto as opções profissionais de quem civicamente entendeu e, legitimamente, partidarizar-se na sua juventude), porque não, pelo menos, impor-se, como princípio, a transparência da sua acção (pois a interdição de manutenção de filiação só simbolicamente ganha relevo, não sendo eficaz para evitar posteriormente todas as pressões políticas e parcialidades), obrigando a declarações, no Tribunal Constitucional e no CSMJ, sobre todas as ligações passadas, públicas ou particulares, que possam corromper o exercício da função jurisdicional ou d einvestigaçao criminal no futuro?

E assim, permitindo ou impedindo (oficiosamente ou por iniciativa pública), que antigos militantes de partidos (ou quadros empresariais ou de universidades privadas), de participar em investigações ou julgamentos que impliquem quadros partidários ou políticos ou instituições para que se haja trabalhado, o que só tem sentido com possibilidade de controlo público do processo e, portanto, a publicação desta pertença anterior, referente a titulares de poderes decisórios e especialmente sancionadores, quando iniciam as suas profissões.

E, já agora, porque não a efectivação de uma genérica declaração de rendimentos e interesses passados e actuais, para controlo de eventuais corrupções ou simplesmente impedir suspeitas, num mundo em que, generalizadamente, embora ineficazmente, já toda a classe de dirigentes nacionais e da UE fazem tais declarações de interesses e de evolução de rendimentos, inclusive em Portugal o próprio Presidente da República?

E declarações não guardadas em gavetas, mas livremente acessíveis na Internet, nos sites das instituições detentoras, ou seja, por princípio, públicas enquanto se mantiver o exercício de funções públicas.

É que a declaração de rendimentos e inetresses é algo que já não pode conceber-se como uma via pensada por se suspeitar de alguém ou genericamente dos agentes públicos, mas para não se suspeitar das instituições em si.

 

***

Mas, o segredo procedimental ou processual deve ser admitido e enquadrado, embora só na medida estritamente necessária à realização procedimental da justiça. Isto é, em termos que não podem pô-la em causa. Mas também deve ser afastado, se contrariar a ideia de justiça ou em nada a servir.

Um sistema estereotipado de secretização, temporal e situado por fases, independentemente de razões substantivas casuísticas, não tem sentido.

Porque permitir, assim, a gestão política discricionária, por parte das instâncias investigadoras? É aceitável a ameaça que impende sobre os jornalistas de crime de não revelação de fontes?

O segredo de justiça por fases-padrão, que tivemos durante longo período de tempo e alguns pretendem ainda ressuscitar, é uma normatividade sem conteúdo.

A questão é quem zela pelo cumprimento do segredo de justiça por parte dos possuidores dos segredos? Os próprios que podem violá-lo ou usar a imposição de segredo para, a coberto da opacidade imposta, alterarem impunemente os factos apurados? O Ministério Público? A polícia judiciária? Quando ofendidos, devido aos agentes das instâncias oficiais, que controlo cabe aos cidadãos materialmente envolvidos, sujeitos ao mesmo desrespeito ao princípio da interdição de indefesa que vigorara nas notícias ofensivas da presunção de inocência, saídas na comunicação social? Quem serve e a quem serve este sistema realmente praticado de segredo de justiça, legalmente não querido, mas viabilizado pelo sistema institucional e também pelas soluções criminalizadoras excessivas e inadequadas aos objectivos a salvar?

 

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Quanto ao tema da informação e da comunicação social, há que dizer que ele não é, como afirma PAUL LOUIS BRET[91], um fenómeno moderno, aparecendo desde sempre o tema de sua necessidade envolvido no debate sobre as duas exigências da natureza humana, com o que se enfrenta a informação -comunicar e saber- que são «apetências tão antigas como o homem», devendo ser consideradas como uma «função biológica essencial que precede à acção»[92].

O desenvolvimento das sociedades caminha a par com o fluxo de informação, sendo certo, como considera WRIGHT, que, em toda a sociedade humana, o fundamental é «a capacidade que o homem tem de transmitir as suas intenções, desejos, sentimentos, saberes e experiencias»[93].

Como assinala outro autor, GONZÁLEZ CASANOVA, num trabalho com o sugestivo título de «comunicação humana e comunidade política», a comunicação é a base e fundamento de um «tipo de criação cultural que chamamos comunidade»[94].

 

A evolução técnica dos meios de comunicação criou a aldeia global, o mundo uno, que implica a ideia da universalidade informativa, a importância para todos da informação sobre o que passa em qualquer lugar, que possa ter consequências gerais. E, por isso, embora falando só em termos de acesso mediatizado pelas instituições de comunicação, GONZÁLEZ BALLESTEROS afirma, com razão, que «as iniciativas informativas de carácter local são peças básicas e necessárias nesta universalidade».

A questões globais, como a concernente ao ambiente, havendo possibilidade de comunicação global, não pode deixar de corresponder um acesso, intermediado ou não, de todas as informações.

Como comenta BEL MALLEN «a necessidade de comunicar do homem nasceu com a sua própria existência». E foi-se desenvolvendo conforme a «sua sociabilidade se foi pondo de manifesto até chegar aos nossos dias, em que não se concebe o fluir diário da vida sem o contexto comunicativo».

É a informação que integra o homem socialmente, pois, comungando com o pensamento de BENEYTO, esta «conduz a uma inserção activa na vida das comunidades humanas, tanto na imediata e local, como na distante e universal».

Os meios de comunicação são, de facto, cada vez mais poderosos, num sistema de informação em revolução radical, face à aparição e agregação de meios dispersos, como o digital e o multimédia, articulando telefone, televisão, computador e internet (rede mundial de computadores, cujo êxito implica o modelo principal do futuro da comunicação). Tudo, prima facie, de uma importância superior à invenção da imprensa por GUTENBERG em 1440[95].

 

Segundo a teoria democrática, a comunicação, escalão indispensável entre a opinião pública e os governantes[96] (que pedemos apelidar de teoria democrática da triangulação potestática: jornalismo, poder e cidadãos), foi definida como uma função essencial para veicular informação livre para os cidadãos, equipando-os com instrumentos vitais para o exercício dos seus direitos cívicos, e a voz capaz de exprimir as suas preocupações (liberdade positiva da comunicação social[97]).

Mas, simultaneamente ocorre um fenómeno capitalista concentracionário da comunicação, que faz que o seu mecanismo global avance para monopólios produtores dos produtos informativos e contra-informativos, segundo os interesses dos grandes grupos económicos e também, se estes permitem por lhes ser favorável ou aos dirigentes que melhor os servem, da própria política, que tanto havia (e segue ainda), em certos países, como em Portugal, feito por os controlar a seu favor.

 

A chamada censura ‘democrática’, não necessita impor autocraticamente cortes de notícias, supressões, amputações, interdição de certos dados, pois, diferentemente, de modo discreto, ameaça, influencia a sua substituição, «compra» os profissionais com benefícios ou cria tal superabundância de dados comunicados, inundando com notícias de distracção, diversão, com saturação das redacções, dificultando a selecção e assim relativizando a importância de dados, a desvalorizar para não haver divulgação, pelo menos aprazada, velando por evitar o bloco de notícias comprometedoras e delicadas ou crises graves que se tentam esconder com silêncios, diversões ou criação de outros factos “políticos” ou “criminais”.

Ou seja, a este fenómeno da censura democrática acrescente-se o desencadear simultâneo de factos para provocar o «efeito biombo». E os assessores de imprensa governamentais, oriundos dos jornais e da TV, bem relacionados, também conseguem evitar a publicação de notícias não desejadas (v.g., relacionadas com corrupções, perigos ou danos ecológicos, etc.), pelo menos durante um certo tempo; ou dar versões branqueadoras, para desactivar os cidadãos; além de distrair, naturalmente, de outros assuntos que criariam oposição pública ou de factos que seriam desfavoráveis ao governo instalado.

O sistema empresarial e industrial moderno, de onde vêm hoje em geral os dirigentes da comunicação social, menos sensíveis à investigação da veracidade e buscando o new business neste mercado da informação em concorrência extrema, e que controlam essa comunicação, condicionando as mentalidades incluso no escalão mundial (como já previra ALDOUS HUXLEY e GEORGE ORWELL), concebe a informação como mercadoria, em prejuízo do seu papel de esclarecimento e enriquecimento do debate democrático num mundo em que a mundialização, velocidade de circulação e hipermediatização da comunicação não significa hoje nem boa nem verdadeira informação[98]. Isto é, a era da informação virtual é também a era da auto-intoxicação e contra-informação.

Cada vez menos, os órgãos de comunicação evitam publicar o pathos e as «inverdades» da contra-informação (sem se preocuparem, pelo menos, com a máxima neminem laedere), os rumores, as notícias não confirmadas. Cada vez menos, atentam exclusivamente nos factos e actos verificados, e cada vez mais não publicam os dados ocorridos, se desagradam aos titulares dos diferentes poderes instalados na sociedade.

O ethos jornalístico é, hoje, um mito, embora poderoso. Já nada se assemelha ao papel social do independente DUTTON PEABODY e seu honesto jornal Shinbone Star, na película de JOHN FORDE, de 1962 «o homem que matou LIBERTY BALANCE, pistoleiro do Far West», e que podia gritar alto: eu sou o vosso cão de guarda que uiva aos lobos[99]. Hoje, o sentido com que recentemente SERGE HALAMI escreveu o seu livro Les nuveaux chiens de garde expõe bem quanto mudou o sentido da expressão.

A questão é: será que ainda é possível refundar a ideia de responsabilidade social dos media?

Que resultados vemos, hoje, perante a criação dos Conselhos de Imprensa nórdicos (Noruega, logo em 1912, Tribunal de Honra na Suécia em 1916, por iniciativa da Associação de editores e dos sindicatos) e de Códigos Deontológicos, o primeiro nascido em França, logo seguido pela Charte du Journaliste, em 1918, pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas. Nos EUA, a Society of Profesional Journalists elaborou o Código de Ética e a American Society of Newspaters Editors adoptou em 1923, os «Cânones do Jornalismo».

Já depois da Guerra, a Comissão HUTCHINS sobre a liberdade de imprensa, constituída em 1947, fez várias recomendações fundamentais para reenquadrar legitimamente a função da comunicação social em ordem à satisfação das exigências da sociedade no plano da difusão das ideias e factos, facultando relatos verídicos, completos e inteligentes da actualidade integrados em contexto que faça sentido: fórum de debate de opiniões e críticas, retrato fiel dos distintos grupos sociais, apresentação e elucidação dos objectivos e valores da sociedade e acesso pleno a toda a informação.

Como refere RAMONET, e embora a comunicação de massas seja essencial e insubstituível em democracia, hoje os sentimentos dominantes dos cidadãos em relação à imprensa, e eu acrescentaria aos dados difundidos pelos poderes públicos em assuntos delicados como são os concernentes ao ambiente e saúde pública (mais propaganda e ocultamento total ou parcial, do que informação exacta e a tempo) são «cepticismo, desconfiança e incredulidade».

Não pode deixar de se recordar momemntos altos de nível de confiança criada nos cidadãos pela imprensa, v.g., face ao caso Watergate, que levou um simples jornalista a destituir um presidente norte-americano. Mas, depois disso, muito mudou, acentuando-se, cada vez mais, a crise de credibilidade da comunicação social.

Segundo o Pew Research Centre, em 1985, ainda só 34% dos cidadãos americanos não consideravam os media objectivos, contra 55%, que confiavam neles. Mas, em 1994, já este número negativo havia passado para 56% contra só 27% de respostas favoráveis. Segundo o jornal francês Correspondance de Presse, de 27 de Janeiro de 1999, 79% dos britânicos afirmavam que as notícias dos jornalistas não eram «dignas de confiança».

Com efeito, hoje, ex post facto, como afirma RYSZARDE KAPUSCINSKY, «O chefe de redacção ou o director de um jornal já não exigem que uma informação seja verdadeira (embora os filósofos se interroguem sobre a possibilidade da verdade, e por isso possa ser melhor falar da realidade transmitida: ex facto oritur veritas; da mihi factum, dabo tibi veritas). ANDRÉ MOUNIER considera que «la verité (…), au sens abstrait, c’est l’intelligibilité, l’aptitude à être connu par l’intelligence»[100], depois de anteriormente haver, ex rerum natura, afirmado que «ruiner la verité c’est donc ruiner tout jugement»[101]. Mas, hoje, basta que seja a “informação” interessante. Se se considera que não o é, já não é publicada. De um ponto de vista ético, é uma alteração considerável»[102].

 

No mundo actual, o poder económico está acima do político e do comunicacional (inclusive de grande parte da imprensa não integrada em grupos empresariais), obedecendo às redes empresariais e à lógica dos negócios. Isto é, este poder manda no considerado poder livre, contra-poder ou eufemísticamente quarto poder.

Basta recordar certos casos sobre encobrimento doloso de ecotoxicidade alimentar, relatados por RAMONET[103], ocorridos nos EUA, concernentes, v.g., ao tabaco ou à fruta, que resumirei atítulo meramente de exemplo.

A cadeia de televisão ABC, no programa Day One, acusou PHILIP MORRIS de manipular a percentagem de nicotina escrita nos maços de tabaco. E, encontrando-se a empresa para ser vendida à Disney, perante uma ameaça de processo indemnizatório de 15 mil milhões de dólares, receando a diminuição do seu valor, a cadeia televisiva apressa-se a retratar-se publicamente, contra a verdade. E, pior, assim convencendo a opinião pública da inocência do fabricante. Três meses depois, a cadeia CBS não deixa transmitir um documentario dos produtores da emissora, denominado 60 minutos, denunciando as empresas de tabaco. Nele demonstravam que os produtores enganavam nessa percentagem de nicotina anunciada, para favorecer uma maior dependência dos consumidores. A interdição foi imposta para não ter processos judiciais perturbadores das suas acções no mercado de valores e, além disso, uma das suas filiais, a Loews Corporation, era proprietária da fábrica de tabaco Lorillarde Society.

Outro caso sintomático foi o da publicação, em 3 de Maio de 1998, no jornal americano Cincinatti Enquirer, de um texto («Os segredos de Chiquita postos a nu»), com uma investigação séria, «rigorosamente exacta»[104], do conceituado jornalista MICHAEL GALLAGHER, sobre a produção de bananas pela Chiquita Brands International (ex-United Fruit). Esta sociedade é a maior sociedade bananeira do mundo, que interfere nos regimes políticos latino-americanos e foi criando dezenas de sociedades fictícias, para usar na guerra comercial com a UE. O jornal acusa-a de abusos na utilização de pesticidas. CARL LINDER, proprietário da Chiquita e antigo accionista maioritário do diário, pressionou o Grupo Gannet, que havia comprado a sua participação, o jornalista foi despedido e o artigo retirado do sítio da internet. Foi, ainda, feito um pedido de desculpas públicas aos leitores, com o anúncio de que o jornal pagou uma indemnização de 10 milhões de dólares. Res ipsa loquitur.

 

Não será que, neste novo século, embora cheio de informações, circulando a um ritmo cada vez mais veloz, não «em termos monológicos ou através de um fluxo de ‘pirâmide’, mas sim em fluxos network media», o novo, ou pelo menos principal media para a defesa da democracia, terá que ser o próprio homem, o cidadão[105]?

 

1.1.7. Liberdade de comunicação social e segredo de justiça

Quanto à questão da liberdade de informação e segredo de justiça, dizia-se num Congresso, realizado em Avignon, há vários anos, que a regra fundamental é a de que deve haver tanto segredo quanto necessário e tanta liberdade de informação quanto possível. Esta solução de compromisso deve passar não só pela «possibilidade informativa sobre o desenvolvimento do processo», mas também pelo acesso à informação judicial sempre que não haja motivos fundados em valores constitucionais, que imponham a reserva para pessoas alheias ao processo.

Diz-se que há segredo de justiça quando todos os sujeitos processuais, participantes processuais e outras pessoas que, por qualquer título, tenham tomado contacto com o processo ou tenham conhecimento de elementos incorporados nele, estão vinculados a não dar conhecimento do que sabem acerca dele ou das suas partes declaradas confidenciais. E, além disso, havendo segredo de justiça, as pessoas em geral ficam sujeitas a proibições de assistência à prática, ou tomada de conhecimento do conteúdo, de actos processuais, a que não tenham o direito ou o dever de assistir. E sujeitas à interdição de divulgação da ocorrência de actos processuais ou de seus termos, independentemente do motivo que nortear tal divulgação.

Isto não impede que a autoridade judiciária, fundamentadamente, faculte, ordene ou permita que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento. Tudo depende de, não prejudicando a investigação, tal conhecimento se mostrar conveniente ao esclarecimento da verdade. Ou ele for indispensável ao exercício de direitos por parte dos interessados, que ficam sempre obrigados à sua não comunicação nem uso para fins distintos daqueles que justificaram o seu pedido de acesso.

Para ajuizar sobre o regime do segredo de justiça, importa saber se ele serve realmente os valores que doutrinalmente é suposto tutelar, para ver se, em coerência, ele se justifica ou, pelo menos, se justifica como tem sido concebido.

Certos Códigos do Processo Penal, como acontecia em Portugal nas anteriores versões do diploma, impõem o segredo de justiça, desde o início do processo de inquérito até à decisão acusatória (ou até ao momento em que esta podia ser requerida), só ficando o processo aberto, de acesso público, nos momentos restantes (que não só no julgamento). Mas isto, além disso, com uma excepção: se o arguido não se opuser à publicidade, e, em geral, de qualquer maneira, nunca a publicidade abarcando os dados relacionados com a reserva de vida privada, que não constituam meios de prova, mesmo que não tenham sido desentranhados do processo. Embora, neste caso, resultando de tarefas de investigação pela Administração policial (ou, de qualquer modo, mesmo que oriundos de entidades não integrantes da Administração), sendo documentos com conteúdos não meramente da vida íntima das pessoas e tratando temas sobre questões de administração pública, devam ser entregues à entidade pública que os possuía ou que os elaborou e ficam sujeitos ao acesso público, nos termos da legislação de acesso aos documentos administrativos. Caso contrário, considerando-se que é como se não estivessem no processo penal, se não tiverem conteúdo de interesse administrativo público, podem inclusive ser destruídos ou entregues à pessoa a quem respeitam.

Inaceitáveis são as situações em que, para proteger os titulares de altos cargos do Estado, se coloca nas mãos de uma só pessoa, mesmo que juiz, v.g., o Presidente de um Supremo Tribunal, a decisão de mandar destruir suportes de informação constantes de processos investigatórios criminais. É inaceitável que, como aconteceu, recentemente, em Portugal, perante uma alteração legislativa recente, cujo sentido era tentar contar com alguém, “compreensível” e incontrolável, para eliminar meios de prova comprometedores, com todo o desprestígio irreversível que isso acarreta para o poder judicial, após o governo ter de facto levado a mudar a lei, dando tal poder a uma só pessoa, o Presidente do Supremo Tribunal, que corresponde a uma figura publicamente considerada próxima do partido do governo, tenha podido mandar eleminar tais registos, em vez de tal decisão caber ao colectivo de juízes, e, aliás, “desconhecendo” a legislação administrativa (segundo a anacrónica jurisprudência e doutrina unânimes, mesmo na actualidade, com um Estado de hipertrofia normativa, nem o cidadão pode dizer que desconhece a lei, passada a vacatio legis), tenha considerado tais informações como particulares, quando, mesmo que não contivessem matéria criminal (face a esta possível interpretação “contra legem”, importa aclarar a lei sobre a responsabilidadde criminal dos titulares de cargos poúblicos) são referentes a temas de gestão pública (ataques à comunicação social, corrupção, compra de empresas, etc, pelo Estado) e, portanto, devolvíveis às entidades que as registaram e, por estas entidades administrativas, facultáveis a qualquer cidadão, nos termos da LADA.

Dada a importância do tema, e o silêncio geral sobre o comportamento das entidades públicas acerca dele, repete-se o quê e por quê todo o comportamento das autoridades é inaceitável: embora nessa investigação criminal haja informações de natureza pública nos termos do direito administrativo, inclusive do regime do direito de acesso à informação (LADA), por referir possíveis opções de negócios do Estado e Administrações do Estado, ou ligadas a áreas de serviço público, com intervenção de empresas públicas e comunicação social, concernentes entre outros ao primeiro-ministro e administradores de bancos, e também a outros intervenientes em processo de investigação, assiste-se a um comando do Presidente do Supremo Tribunal (e outros opacitantes do dirigente máximo do Ministério Público, inclusive perante os Parlamentares, em situações temáticas em que nem sequer era possível invocar a Lei de Segredo de Estado), de eliminação dos suportes dessa informação, juntos ao processo, com o argumento de que não importam para essa investigação. E, além disso, invocando, mentindo, que contêm dados meramente pessoais, em termos claramente perceptíveis do intento de ocultar actos que, para além da natureza administrativa, até já haviam sido já considerados pelo juiz de instrução como presumidamente criminosos. E, de qualquer modo, se libertados do processo-crime, dado que os seus actores detêm cargos públicos e o seu conteúdo tem que ver com actos, reflexões ou opções ligadas a actos de gestão pública e não da vida íntima pessoal ou familiar, e assim sujeitos à LADA, deveriam os referidos documentos ser devolvidos aos investigadores. E, logo, mesmo que, de facto, não interessassem ao processo penal, uma vez que estão fora do regime do segredo de Estado (como se sabe face ao conteúdo, constante da sua reprodução posterior na imprensa), seriam automaticamente acessíveis ao público em geral, precisamente enquanto informações de conteúdo administrativo no sentido da Lei n.º46/2007, de 24 de Agosto.

Dura Lex, sede Lex? Estado de Polícia do Ancien Régime ou Estado de Direito?

E como é possível que se tenha chegado a esta tão profunda degradação da classe política e judicial?

E como é possível que se esteja retrocedendo, tanto na vivência de valores de igualdade, liberdade e fraternidade, nas conquistas históricas do Estado de Direito, na ética política dos altos cargos, em desprestigio do jurisdicional a todos os níveis, inclusive nos Supremos Tribunais e ataques telecomandados pelo poder económico e político à Comunicação Social?

Portanto, é inaceitável que uma qualquer autoridade, administrativa ou não, mande eliminar quaisquer suportes de informação envolvendo titulares de entidades públicas, sejam escritos por elas ou gravados, v.g., agendas pessoais ou cassetes de diálogos privados por meios de telecomunicações ou correio, existam onde existirem, designadamente em processos judiciais, mesmo que inúteis para estes processos, se não contêm apenas referências a assuntos de vida íntima ou além disso dão informações sobre actuações ou intenções em matéria política ou administrativa, dado que devem ser considerados pertinentes para o julgamento público da sua actuação e estão abrangidos pelo regime de livre aceso ao conhecimento do público, em nome do princípio da transparência política, legislativa, judicial ou administrativa, tendo aliás já enquadramento, mesmo que ainda deficiente, na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e na ampla doutrina que, desde 1995, tem vindo a ser fixada pela respectiva Comissão independente, a quem cabe, por si ou provocadamente (queixa dos interessados), zelar pela sua aplicação.

 

Neste modelo de segredo de justiça, há actos automaticamente fechados e actos processuais públicos, como as audiências (embora possa ser afastada a assistência das pessoas em geral por apreciação casuística do juiz, v.g., actos processuais envolvendo ofendidos por crime sexual a menores).

Quanto aos meios de Comunicação Social, permite-se a «crónica judiciária» (narração circunstanciada do conteúdo de actos processuais fora da fase do segredo, no momento em que o público em geral possa assistir), embora com limitações, com sujeição a autorização quanto à reprodução de peças processuais ou de documentos do processo, até à sentença na primeira instância, ou referente à transmissão de imagens ou de sons (a menos que a pessoa envolvida não se oponha).

Mas, perante as razões em geral aduzidas pelas autoridades, nas declarações de interdição, constata-se que em causa não estão preocupações com a vida privada, o bom nome, em geral os direitos de personalidade constitucionalizados, que aparecem acauteláveis caso a caso, em qualquer fase do processo e, por vezes, pelo próprio. E nem a presunção de inocência aparece a dar relevo ao instituto do segredo de justiça. Se, na verdade, esta é um bem a proteger, existindo mesmo o direito à presunção de inocência (n.º2 do artigo 32.º da CRP; corpo do n.º 2 artigo 6 da CEDH e n.º2 do artigo 14.º do PIDCP), em geral não é o regime do segredo que a serve. E, aliás, existe também o direito a um processo público (n.º 1 do artigo 14 do PIDEP).

O segredo, se imposto indiscriminadamente, genericamente, de plano, na fase inicial, como acontecia anteriormente em Portugal, é completamente inaceitável, por não servir nenhum interesse que mereça protecção, se a publicidade, com a sanção de nulidade do processo, somente brota com a simples acusação, ou seja, antes do julgamento e não depois da sentença transitada em julgado. Com efeito, se o segredo dependesse da preocupação com a presunção de inocência, terminando esta só com a condenação em julgamento e não com a acusação, então o segredo continuaria sempre em todo o decurso do processo.

Com a acusação, deixa então de haver presunção de inocência? Tal como o segredo aparece regulado em certas legislações, como as anteriores normas portuguesas, com a acusação deixaríamos de ter presunção de inocência. E, com isso, passaríamos, num novo e estranho conceito, atentatório dos direitos fundamentais, a ter presunção de culpa, dado que então já não se impõe em geral o segredo de justiça?

Tudo visto, há que considerar que o critério do segredo imposto em certas fases e não independentemente destas, caso a caso, quando justificado, visaria, quando muito, tutelar a qualidade da investigação, embora de facto normalmente, com prejuízo dos cidadãos, inclusive dos inocentes, favorecendo, nos silêncios funcionais propiciados, a ineficácia e atrasos do aparelho investigador (sobreocupado com excessos de processos e pessoal insuficiente).

Nas construções legais do segredo, isso é o único bem realmente protegido por uma regra de segredo automático em certas fases do processo, como um mero instrumento de espera para o labor da prova, tal como não só mas essencialmente vai ocorrendo com a prisão preventiva. Ou seja, estamos perante configurações de interesses ou desinteresses estritamente públicos.

Não se pode condenar a imprensa por dar informação obtida antes ou não obtida na investigação (o segredo vive no processo e dele, não antes ou ao lado dele, pelo que a Informação pode servir para o processo e, assim, levar a posterior segredo, onde nem sequer havia processo sem a imprensa e a investigação pré-oficial que a motivou).

Mas, pode condenar-se a Informação, que retira o monopólio do saber aos agentes de investigação, obrigando que estes tenham de ir atrás da realidade (como faz a comunicação social, para poder noticiar), em vez de tantas vezes aguardarem que a realidade vá detrás deles?

E o recurso «sistemático» à prisão preventiva não tem sido o interruptor «paradiscricionário» para as instâncias oficiais encontrarem a «sua» luz, passando o segredo a funcionar essencialmente como a prisão preventiva da liberdade de imprensa?

E, onde é que, em geral, o segredo melhora a qualidade da investigação, quando a Comunicação Social investiga mais rápida e mais profundamente, mesmo «sem» os meios financeiros dos contribuintes e sem poderes de autoridade policial ou judicial?

Quantas vezes, não foi a investigação jornalística que obrigou a iniciar ou prosseguir os processos, não tendo sido aberta investigação pelas instâncias oficiais de controlo, por dificuldades de investigação ou «esquecimento» (v.g., caso de ofensas ao anterior Chefe de Estado, em carta anónima, só mandadas investigar muito tempo depois do processualmente devido, apenas por pressão da Comunicação Social e dos meios políticos e jurídicos, exteriores às instâncias de investigação ou caso da pedofilia e casos relacionados nos últimos anos com questões de corrupção)? Afortunadamente, porque ainda não há segredo sem processos jurisdicionais, sem o início desses processos!

Quantas vezes, a investigação jornalística não acelera ou melhora a investigação, levando a investigação oficial a ir atrás dela? E não pode ajudar a descobrir paradeiros, capturar criminosos, libertar vítimas em perigo, etc.? E isto não significa que nem sempre os segredos são bom instrumento da investigação no seu desencadear minimamente consistente e obtenção de provas, sendo certo que eles só não estariam guardados contra os seus guardadores? Por isso, perante um regime rígido e não meramente casuístico de segredo, eu perguntava em Conferência crítica, realizada na Gulbenkian, com o título Democracia contra a Democracia, em 11 de Novembro de 2004, no Congresso das Comemorações dos 30 anos da Democracia, porque não inverter a regra do segredo por fases, para decisões casuísticas sobre ele, como finalmente, a seguir, a legislação veio a consagrar.

*

É inaceitável argumentar com a afirmação de uma capitus diminutio intelectual de que os agentes de investigação ou os juízes não estão preparados para não se deixarem influenciar com a Comunicação Social.

Numa Europa sem “prosecutor” ou investigadores eleitos, nem “plea bargaining” do sistema de justiça norte-americano, eles, embora não seham independentes das informações e mesmo pressões dos eleitorados, da opinião pública, a verdade é que, se quiserem ser imparciais, podem sê-lo e sabem resistir à informação que passa em extra-instâncias oficiais, apenas efectuando recolhas e fazendo selecções aceleradoras da investigação que considerem adequadas. Como dizia o juiz SÉRGIO BETÍCIO, do Conselho Superior de Magistratura italiana, o repetido argumento da pressão, da influência maléfica sobre os juízes não é aceitável, pois o Juiz não se deixa instrumentalizar por fins estranhos à Administração da justiça.

E a comunicação social «julga» antes do julgamento?

Continua sempre a julgar, ainda antes dos julgamentos, antes e depois da simples acusação, sendo certo que os julgamentos, decorrido tanto tempo depois das acusações, irão passar desapercebidos da imprensa e do grande público, sem que o legislador se empenhe verdadeiramente em atacar os seus silêncios ou a discrição generalizada da informação social no momento do veredicto, muitas vezes ilibatório ou relativizador da acusação[106]. Aqui é que haveria que regular cuidadosamente, diferentemente, a notícia correctora: é inadmissivel que se construam parangonas iniciais de primeira página, anunciando e repetindo as notícias sobre as suspeitas e, no final, no interior do periódico, algumas linhas sobre a absolvição ou mesmo nenhuma notícia, em nome de conhecimento já atrasado da sentença, que por isso já não seria notícia.

 

Mas, não pode esquecer-se que a Comunicação Social de investigação também propõe e impõe que os tribunais julguem.

O direito a receber directamente informação exerce também uma função de controlo social da própria Administração da Justiça, quando inerte, ineficaz ou corrupta. É uma função social a considerar como regra, mesmo no âmbito da investigação nos domínios de ordem pública e do fenómeno criminal, desde que implique a obrigação do proporcionar um debate contraditório sério, a exercer pelos agentes de defesa.

O que está em causa é o enquadrar em termos mais eficazes o regime do direito geral de resposta ou de correcção, que, em geral, não está redigido em termos adequados à matéria processual judicial.

O critério só pode ser o da publicidade, sob pena da nulidade do processo, sempre como regra, porque o segredo, mesmo que funcionasse - e não funciona onde, por ser mais difícil mantê-lo, mais necessário era garanti-lo -, gera menos vantagens que benefícios. Também a Administração da Justiça deve ser conhecida, transparente, exigindo-se, pois, um direito à informação sobre a própria Administração da justiça.

Só é aceitável um segredo de investigação policial e judicial traduzido na discrição dos agentes da investigação, com eventuais infracções administrativas disciplinares, mas não na perseguição criminal dos agentes da Comunicação Social.

Não um segredo (com distinções pouco eficazes, de conhecimento, apenas interno, dos agentes), nas fases de investigação oficial (em que melhor seria, instalando uma lógica de duplo processo, este ficar por simples processo administrativo, a que nem o tribunal deveria ter acesso, evitando não só a difusão do seu conteúdo na opinião pública em qualquer momento procedimental e processual, como técnicas policiais ilegais de influência sobre o poder judicante, muito mais eficazes que as crónicas da imprensa, em situações em que se prevê que este não venha a ter ou a aceitar provas decisivas; ou de conhecimento externo, mas restringido aos agentes processuais, na fase de instrução.

 

O segredo não pode estar ligado a momentos processuais pré-fixados ou fases processuais, indiscriminada e incondicionalmente declarados ex lege, em todo e qualquer processo e assunto. Só perante reais riscos, objectivos, ponderados caso a caso e sempre limitado, particularmente pelo princípio da proporcionalidade, segundo a clássica tríade de juízos de idoneidade, necessidade efectiva da protecção da investigação e equilíbrio entre os interesses em conflito, face aos fins da investigação e os riscos da desinformação.

Há que dizer, além disso, que, nas situações em que o segredo tem sido uma solução excessiva, não necessária -e mesmo que idóneo, pode não ser necessário, se houver outros meios de garantir o mesmo objectivo- ferindo o princípio da proporcionalidade, não pode deixar de se entender que estamos perante uma agressão ao n.º2 do art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E isto, mesmo que o dissesse a Constituição, dado o princípio do primado do direito internacional dos Direitos do Homem (independentemente de se considerar que esta os recebe pela via de uma norma da Constituição ou mesmo que, perante a sua natureza transcendente à positividade nacional, não exista norma alguma). De qualquer modo, em Portugal, ele está constitucionalmente admitido, mas não imposto e não regulado aí.

Como refere EDUARDO ESPÍN TEMPLADO, jurista do Tribunal Constitucional espanhol, acerca do Acórdão deste Tribunal n.º13/85, uma lei sobre confidencialidade automática ou por fases não respeita este princípio constitucional, atentando assim contra o direito à informação. Por isso, acrescenta este autor, deve ser o tribunal, casuisticamente, a decidir, considerando que, praeter legem, é isso que na prática ocorre: ou porque o segredo não é respeitado, ou porque o tribunal dá informação sobre certos actos judiciais de modo mais ou menos oficioso, ou porque não se sancionam as violações pelas partes e pessoas ligadas ao processo. Mas, então, esta constatação, se generalizável, não mostra que algo está legalmente errado na ideia de segredo de justiça, na generalidade das situações? E estas práticas informativas oficiais contra o regime estabelecido do segredo não revelam portas de arbitrariedade e espaços de gestão com possíveis fins alheios à lógica do segredo-informação?

Não é precisamente isto que tem criado a polémica e exige que se elimine a clandestinidade da ponderação destas «razões de Estado», que, porque desreguladas no hábito continuado da prática do incumprimento impune, podem funcionar precisamente contra os interesses do processo penal e do Estado?

 

Por quê a criminalização dos jornalistas pela difusão de informações, tanto em processos de homicídio ou de colarinho branco, como em processos de trânsito ou de furto-uso de uma bicicleta? Ou por meras infracções contra-ordenacionais ou em processos de averiguações e inquéritos pré-disciplinares?

Como justificar segredos informativos onde estes não se imponham, por não servirem nenhum fim instrumental, pelos factos se considerarem investigados, se tratar de factos-evidência, de provas já recolhidas ou de provas periciais com dados guardados. Isto é, em geral, em situações sem riscos para a investigação ou sem danos previsíveis para qualquer direito individual ou para a independência do tribunal.

Quantos segredos sobre o segredo não são uma muralha sem nada dentro. Só é defensável um critério material, instrumental, excepcional, de acordo com os interesses e direitos em conflito nos actos processuais, sem fases-padrão e não o critério formal, cego, com faseamento processual rígido, alheio aos interesses desligados da sua ratio legis, como o que existia em Portugal ainda neste século e mereceu a nossa mais frontal crítica no já referido Congresso de Lisboa sobre os 30 anos da democracia, e concomitante proposta de alteração, depois seguida na nova legislação, embora ainda passível de melhoramentos.

Em conclusão, um regime adequado impõe que o processo penal deva ser, em geral e sob a pena de nulidade, público, salvo excepções casuísticas adequadas, devidamente justificadas, temporalizadas, eventualmente pontualizadas, e sujeitas a contraditório das partes interessadas, as partes processuais e a comunicação social, que, em democracia, também desempenha uma função pública essencial, com decisão final do juiz de instrução.

 

A publicidade do processo tem que implicar não só o direito de assistência pelo público em geral à realização dos actos processuais, como também o direito da comunicação social à narração dos actos processuais, reprodução dos seus termos, consulta dos autos e obtenção de cópias, extractos e certificações de qualquer das suas partes. Só não tem de abarcar dados relativos à reserva da vida privada, que não constituam meios de prova, questão que a autoridade judiciária decisora sobre o acesso à informação ou o segredo deve especificar por escrito, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, assim como quaisquer outros elementos específicos do processo relativamente aos quais se decida ser de manter o segredo de justiça.

 

Naturalmente que o direito de livre assistência aos actos processuais, particularmente às audiências de julgamento e leitura das sentaças, que deve aplicar-se a qualquer pessoa, não pode impedir que haja certos actos com exclusão da publicidade, desde que abarquem a leitura da sentença, que sempre terá de ser aberta ao público em geral e comunicável pela imprensa. Com efeito, inclusive não declarado o segredo de justiça, o juiz só em certos processos específicos (v.g., por crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual), deve poder excluir a publicidade ou decidir restringir a livre assistência do público ao acto ou parte dele, e unicamente motivado em facto ou circunstâncias concretas que façam presumir que a publicidade possa causar grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto. Esta decisão deve ser revogada logo que cessem os motivos invocados. E se excepcionalmente o acto se processa sem publicidade, para além das pessoas que tenham de intervir, o juiz não deve impedir a assistência de certas pessoas portadoras de razões atendíveis, particularmente de ordem profissional ou científica.

Os órgãos de comunicação social devem sempre poder efectuar a narração circunstanciada do conteúdo de actos processuais (não cobertos por decisão firme de aplicação do regime do segredo de justiça), a cujo decurso seja permitida a assistência do público em geral.

As legislações não devem interditar a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, em qualquer fase do processado, a menos que haja razão declarada para isso, em todo o caso devendo prever-se excepções através de autorização expressa da autoridade judiciária que dirigir o processo nesse momento. Deve sempre permitir-se à Comunicação Social a transmissão ou registo de imagens ou de gravações de voz, relativas à prática de qualquer acto processual, particularmente da audiência. Excepto se a autoridade judiciária, que presidir ao acto, não o autorizar, com justificação aceitável, legalmente prevista, como será o caso da interdição de publicação, por qualquer meio -a menos que o crime tenha sido cometido através de órgão de comunicação social-, de crimes de grande sensibilidade ou estigma cujo prejuízo social seja maior, pelo menos para certos extractos da população, que o beneficio do seu conhecimento e prevenção colectiva. Deve ser sempre permitida a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações, transmitidas livremente ou mesmo interceptadas em investigação criminal, actuem ou não no âmbito de um processo, que não estejam ou já não estejam sujeitas a segredo de justiça, sobretudo se em causa estão figuras públicas sujeitas a sufrágios de corpos eleitorais e não se referem a dados concernentes estritamente à sua vida íntima.

Uma pessoa, e desde logo a imprensa, que demonstre um interesse legítimo na consulta do processo ou na obtenção de cópia (certificada ou não), deve poder obtê-lo. Aqui cabem situações em que o desconhecimento ou a impossibilidade de comprovação sobre os elementos constantes do processo que envolva terceiros possam causar a estes prejuízos ou a interesses públicos superiores, constitucionalmente enquadrados, ou desse conhecimento e posse de elementos probatórios possa advir benefícios legalmente protegidos. Nestes casos, deve dar-se consulta do auto ou facultar-se cópia, extracto ou certificação do auto ou de parte dele. Deve caber à autoridade judiciária, que então seja responsável pelo processo ou que nele haja proferido a última decisão, apreciar e decidir de imediato, sobre a solicitação. Se este regime não é cumprido pelos responsáveis da investigação, tal como se o Ministério Público se opõe ao exame ou à obtenção desses elementos, a solicitação do interessado deve ser decidida em última instância por um juiz.

O auto ou suas partes, a que o arguido, o assistente, o ofendido, o lesado e o responsável civil possam ter acesso devem ser facultados por fotocópia, sem prejuízo da prossecução do processo.

De qualquer modo, logo que termine a investigação policial ou os prazos da sua duração, mesmo se ocorreu com decisão de confidencialidade, qualquer pessoa deve poder examinar todos os elementos do processo. Salvo se continuarem a existir motivos relacionados com segredo de justiça e pelo período marcado a quando da sua declaração, de acordo com a legislação específica. Por exemplo, em casos de criminalidade relacionada com condutas que integrem os crimes de organização terrorista, terrorismo e terrorismo internacional; criminalidade violenta ou criminalidade especialmente violenta (condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas, se puníveis com penas significativas de prisão) e criminalidade altamente organizada (condutas que integrem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influências ou branqueamento), pode justificar um certo prazo de dilação comunicacional, se objectivamente indispensável à conclusão dessa ou de outras investigações daí derivadas.

Em geral, a autoridade responsável pelo segredo de justiça, o juiz de instrução ou o Ministério Público (provisoriamente), devem restringir a opacidade a um tempo estritamente necessário ao fim legal visado, sem prejuízo de sempre se facultar suportes informativos mínimos.

O segredo de justiça não deve ser obstáculo à prestação de esclarecimentos públicos pela autoridade judiciária, se solicitados ou necessários ao restabelecimento da verdade e em termos que não prejudiquem a investigação, particularmente para garantir a tranquilidade pública ou a segurança de pessoas e bens. Mas uma coisa é o direito de acesso da Comunicação Social ou individualmente ao processo, outra o escândalo, cada vez mais generalizado, dos advogados de processos, em segredo de justiça ou não, em curso ou findos, propagandearem livremente as suas convicções e teses de defesa ou acusação, em processos em que actuaram ou actuem, fazendo operações de marketing pessoal, à custa do desprestígio do aparelho judicial, designadamente tentando na Comunicação Social o que não conseguiram nos tribunais: uma ilegítima absolvição pública.

 

E, no concernente ao aceso a qualquer informação detida pela Administração Pública, ela não pode ser recusada com invocação do segredo de justiça com base em participações às autoridades de investigação ou decurso de processo em tribunal em momento interditado por este, a menos que a Administração demonstre que a informação solicitada se encontra efectivamente declarada, pela autoridade judiciária, em segredo de justiça, nos únicos e devidos termos da legislação processual penal. Mas, importa acrescentar que os dados referentes a uma investigação administrativa em matéria passível de actuação criminalizadora, fora de processo judicial (processos de averiguações, de sindicância, disciplinares), em princípio devem ter protecção excepcionatória, legalmente prevista na LADA, através de uma sua cláusula geral legal de aceso condicionado a documentos em procedimento não finalizado, a menos que o processo administrativo tenha ou o documento solicitado não esteja elaborado há mais de um ano (necessidade de investigação ou privilégio de um certo tempo de trabalho na “intimidade” da Administração, com um limite máximo, para evitar atrasos “dolosos”, que visam não permitir a transparência administrativa em tempo minimamente útil).

Qualquer que seja o regime estipulado no direito processual penal, para que o segredo possa ser invocado pela Administração é necessário que esta prove ao cidadão que pretende aceder a um documento, que se verificam os respectivos requisitos.

Recapitulando, quid juris, no que se refere ao segredo de justiça ou procedimento de investigação criminal, caso se peçam fotocópias de um documento e a Administração Pública se limite a contestar que não as pode comunicar porque contêm referências a um funcionário que foi objecto de processo disciplinar e que, nesse âmbito, o documento também foi enviado ao Ministério Público para procedimento criminal? Ou se, v.g., um presidente de uma Câmara Municipal recusa comunicar um documento com motivo de ele formar parte de um processo com informações enviadas ao tribunal para efeitos de investigação criminal e, perante este envio, invocar que ele está coberto pela excepção do secreto de justiça, quid juris? Estas negações só podem ser inaceitáveis. A menos que a Administração Pública comprove que ele está e continua efectivamente sujeito a segredo (eventualmente em fase de investigação judicial ou noutra fase) e que o processo não havia ainda terminado por encerramento, nos termos do Código de Processo Penal.

 

Dito tudo isto, concluo que, na minha perspectiva, os normativos seja de prisão preventiva seja de segredo de justiça, são em geral incorrectos.

Há que reconhecer, com as opiniões públicas, que estamos perante soluções que, em muitos aspectos, procedimentais, institucionais, particularmente ao nível dos investigadores e mesmo da judicatura, continuam a não viabilizar de facto que eles se revelem com o devido acerto principiológico que os deveria orientar, uns devido ao modelo dos próprios regimes jurídicos, outros, embora apenas em aspectos colaterais, porque estes são importantes em termos da eficácia global do instituto.

Nos regimes democráticos, impõe-se uma reflexão aberta a alterações essenciais, sem o que sempre se colocará a questão da própria bondade das soluções vigentes ou outras a consagrar.

Umas vezes, funcionam mal porque incongruentes com os seus objectivos, outras não funcionam bem porque não basta decretar alterações mais ou menos acertadas num instituto quando há intervenientes fundamentais aculturados em sentido diferente e a própria alteração do xadrez legislativo se revela, em aspectos conexos, omissa ou insuficiente ou o aparelho do Poder global introduz elementos de politização e disfunção.

Com efeito, se o segredo é o que é, questão diferente é a da gestão do regime do segredo de justiça, qualquer que seja o seu enquadramento jurídico concreto, se reiteradamente desrespeitado pelos seus guardiães, o que ocorre por motivações políticas ou de lutas intestinas das polícias ou investigadores. Facto chocante deste fenómeno de concubinato entre os criminosos bem colocados (designadamente em escalões do poder político ou económico), e os guardiães do segredo, ocorre, no que se refere à comunicação social, com a constatação de jornalistas que, naturalmente não querendo saber do valor jurídico das gravações resultantes de escutas, as analisam devidamente como factos, ética e politicamente relevantes, em termos de matéria da política e da Administração, mesmo que indiferentes para o âmbito jurisdicional, e, nas suas versões iniciais, de verdadeira intencionalidade, condenam e denunciam os erros e ilegalidades dos poderes políticos e dirigentes empresariais nomeados por esse poder político. Depois, assiste-se a que, devido a versões de escutas posteriores, avisados os intervenientes por investigadores de que estão a ser escutados, produzam versões diferentes do seu comportamento, “combinadas”, branqueadoras, desfazendo o dito, o que tudo leva a não poder deixar de se condenar as altas magistraturas, ao serviço activo ou passivo, dos poderes partidário-governamentais.

Só se sai deste círculo vicioso com uma normação de flexibilização da substituição dos dirigentes máximos das polícias e ministério público e a criação, quando necessário em situações não controladas, pelo Parlamento, de uma Comissão independente de Investigação, a integrar por figuras de grande relevo moral, não ligadas no momento a cargos públicos, que, sem dependência de nenhum órgão e com total liberdade de movimentos de interrogatório e de exame dos processos, elabore um parecer construtivo e esclarecedor de responsabilidades pessoais.

Há que libertar as entidades investigatórias do peso de serem cada vez mais um Estado e um Estado não democratizado, opaco, sem lei nem governo, dentro do Estado.

***

Tudo isto nos conduz à questão da importância do controlo independente da actuação dos poderes públicos, aqui especificamente do Ministério Público e investigadores em matéria de alta criminalidade ou de criminalidade de pessoas altamente colocadas. Isto é, falar de meios de controlo não pode ser só falar de controlos estatais, dependentes dos membros dos governos ou dos grupos parlamentares, controlados pelos partidos, e comissões de investigação do Parlamento, paralisadas pelo partido do governo (maioria de membros e presidente da comissão), em cujos resultados pré-fabricados já ninguém acredita.

Há que caminhar mais no sentido da exigência de controlo por entidades de natureza independente (Entidades Públicas Independentes, com estatuto pessoal e institucional parajudicial, só sujeitas na sua actuação concreta à lei e, caso tenham poderes deliberativos, aos tribunais), sobretudo em procedimentos de reapreciação de actividade pública contestada ou sob polémica ou suspeita. Como seria, v.g., o caso de uma polémica acerca do comportamento das magistraturas, no caso da gestão (pública e política) do segredo de investigação criminal ou de justiça.

 

1.2. Importância das autoridades públicas independentes

 

A ideia da criação de entidades ou mesmo autoridades públicas independentes de natureza administrativa tem vencido na Europa, a uma grande velocidade, inclusive em países sem tradições neste tipo de organismos, como acontece com Portugal.

Em alguns países, como a França, este fenómeno começou inclusive por implicar problemas constitucionais, aliás só resolvidos pelo consenso do silêncio, perante a sentida utilidade e comprovada eficácia destas fórmulas de controlo da Administração Pública, normalmente apadrinhadas, por princípio, pelos Parlamentos.

O seu êxito inscreve-se numa lógica de administração sem interferências de qualquer tipo de direcção da Administração e dos governos[107], numa época em que a credibilidade e os métodos de actuação tradicionais do Estado são postos em questão e sob suspeita de parcialidade.

Elas traduzem uma resposta diferente a exigências dos complexos temas e tempos, que não deixa de ser a prova da insuficiência das estruturas que tradicionalmente vinham respondendo aos problemas da sociedade, segundo abordagens de representatividade e controlo, hoje considerados em crise, como resulta de tudo quanto expusemos na parte inicial deste livro.

Intervêm em domínios diversificados. Têm de comum a sua inserção em sectores de actividade sensíveis, que mexem sobretudo com as liberdades dos cidadãos. E daí a repercussão da receptividade da sua independência em relação à Administração formal, no plano da sua composição, e em relação aos governos, no âmbito do seu funcionamento.

 

Os mecanismos legais e estatutários devem garantir-lhes a independência em relação ao governo, aos partidos políticos e aos grupos de pressão[108].

Num estudo de 1983, do Conselho de Estado francês sobre o futuro das autoridades administrativas independentes, indicava-se já a bondade da criação destas entidades quando haja o objectivo de «assegurar o jogo regular dos mecanismos democráticos, controlar o financiamento dos partidos políticos ou apreciar os méritos e aptidões das entidades colocadas debaixo da tutela governamental». Estao sobretudo em causa domínios em que a complexificação da vida social, devido à aceleração dos progressos técnicos, juntamente com o contínuo crescimento matterialemnet hiperbolizador, nos últimos tempos, do poder administrativo, devido à intervenção da Administração em todos os domínios da vida social, e com o reforço dos poderes económico, científico e mediático e de opacidades teledirigidas dos partidos, perante o poder político e administrativo. Isto implica novos controlos e novas e revolucionárias formas de transparência na defesa das liberdades individuais e de um real Estado de Direito Democrático.

Estas entidades devem ser dotadas de funções a cumprir com prontidão, mas também grande flexibilidade. A sua eficácia resulta também da multiplicidade dos métodos de actuação de que podem dispor. Elas, ao neutralizarem, a “mítica”, mas na prática corrompida, lógica da separação de poderes, ficando «acima» de todos que tenham base partidária, desempenham uma função sociológica de regulação, conceito que se insere numa visão sistémica da sociedade e das suas relações com o Estado, em que o valor do respeito pela Lei, a que estas entidades também estão obrigadas, se concilia com a busca de soluções que se estabilizam em tipos de equilíbrio que satisfaçam simultaneamente, em termos dialogados e casuisticamente verificados, o exercício dos direitos de uns e o cumprimento das obrigações de outros.

A sua ideia-força relaciona-se com a sua independência em relação ao poder executivo-administrativo e inclusive parlamentar, suspeitos de propensões liberticidas. Ou, talvez mais, de partidarismo, «sectarismo», corporativismo. O que exige, através da recorrência semântica ao vocábulo independência e ao próprio estatuto do órgão e dos seus titulares, que apreciam as reclamações e queixas, a busca de novos modos de compor os conflitos com a Administração e de conseguir uma nova legitimidade, actualizada, para o próprio Estado.

A sua existência e proliferação parte da ideia de que o Estado não tem de ser concebido através de um modelo orgânico em que o desenvolvimento de actividades administrativas é determinantemente efectuado por um corpo administrativo de tipo hierarquizado e centralizado ou mesmo assente numa estrutura sem hierarquia, de tipo horizontal, como a Administraçao estadual sueca, que aliás complementar e umbilicalmente convive com muitas outras entidades que lhe preparam e executam as suas decisões administrativas.

A generalizada proliferação actual destas organizações resulta de uma crise profunda do Estado e do seu modelo jusadministrativo tradicional, levando à procura de novas formas de administração, através de técnicas de consulta e participação[109].

De qualquer modo, criadas pela Constituição ou permitidas por esta e criadas casuisticamente pelo poder constitucionalmente instituído, mas independentes dos poderes tradicionais existentes, comungam destes em muitas das suas funções, no âmbito normativo, da aplicação das leis, e executivo, quase como um outro poder do Estado, institucionalizado nos tempos modernos, para evitar as parcialidades e ineficiências previsíveis ou evitar as suspeitas e, assim, ajudar, a relegitimar os outros Poderes.

 

Em resumo, a sua independência deriva essencialmente de regras de ordem orgânica e funcional. Não se sujeitam a qualquer poder de direcção, superintendência ou tutela, apenas submetidas, quando dotadas de competências de autoridade (e não apenas de pronúncia sem vinculatividade), ao controlo dos tribunais.

E como a independência exclui a subordinação dos seus membros, não estão sujeitos a qualquer poder hierárquico, particularmente, o seu principal componente, que implicaria acatar comandos concretos, instruções ou sujeição disciplinar. Trata-se de autoridades independentes dos poderes tradicionais, e que, por isso, admitem na sua composição a participação de pessoas indicadas pelos diferentes órgãos de soberania, com a garantia estatutária de que, uma vez empossados, podem actuar sem sujeição a orientações, instruções, nem a ordens, comandos, de ninguém.

Elas não pedem autorizações. E as suas decisões não dependem de aprovações. E, se vinculativas, não podem ser questionadas pela Administração activa, a quem resta a impugnação jurisdicional.

A sua independência garante ao cidadão uma actividade administrativa exercida com neutralidade, um tratamento de igualdade e objectividade, retirando ao poder público a suspeita de arbitrariedade ou parcialidade. Isto, sem deixar de assegurar uma efectiva intervenção nos sectores em que actuam, em caso de se tratar de entidades reguladoras. Os seus membros têm um mandato determinado, eventualmente não revogável e quando originários de normeaçao governamental ou de qualquer AP ou organização representativa destas, desejavelmente não renovável. Estão sujeitos a inelegibilidades e incompatibilidades. São, em princípio, recrutados no alto professorado técnico-científico ou oriundos da alta função pública jurisdicional. Preferentemente, de entre personalidades jubiladas ou no fim da sua carreira, por se presumir que tal permite resistir melhor a todo tipo de pressões políticase apetites de crescimento do património pessoal, da administração pública ou de destinatários particulares, supondo-se que nesta fase as ambições pessoais de tipo político e administrativo decrescem enormemente.

 

Para concluir, consideramos que se está perante uma fórmula de Administração ou de ajuda à composição pré-contenciosa ou apolítica de conflitos. São criadas em termos casuísticos, sem obedecer a uma política de conjunto sobre o seu papel e seus poderes, dentro da organização futura dos Estados, sobretudo nas matérias sensíveis de aplicação de leis sobre liberdades individuais ou controlo de sectores-vhave da economia, designadamente implicando o direitos económicos, sociais e culturais.

Traduzem uma reorientação dos modelos administrativos e do estilo de Administração, que se quer não só menos opaca, menos corporativa, menos partidarizada, menos bloqueada às reformas e em constante adaptação e modernização, mas também mais participada do exterior e com garantias de ser dotada de especialistas nas distintas matérias, independentemente das suas ideologias ou ligações partidárias, desde que pela sua responsabilidade académica ou em geral intelectual garantam posturas de actuação com independência das entidades que os nomeiam.

 

 


II – DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA EM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. HIPERTROFIA NORMATIVA E ADEMOCRATICIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. DA DEMOCRACIA, TRANSPARÊNCIA E LEGITIMIDADE FUNCIONAL

 

2.1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍTICAS PÚBLICAS E GOVERNANÇA EM ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO. HIPERTROFIA NORMATIVA E ADEMOCRATICIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

 

Antes da afirmação dos regimes democráticos da época moderna, havíamos vivido com monarquias absolutistas, no comummente chamado “Estado de Polícia”, não no mero sentido de Estado de Política (de πολίσ, polis; governo da cidade), mas de aparelho administrativo actuando livre de condicionalismos legais. Só dependente da vontade casuística dos governantes, que a si próprios se isentavam da submissão às regras criadas por eles para os cidadãos.

Ou seja, num sentido distinto do “Estado de Direito”, que seria imposto, posteriormente, pelas revoluções liberais, em que a todos se reconheceram direitos, liberdades e garantias, com a Administração pública quotidiana submetida a um direito administrativo substantivo relacional, criado prévia e paulatinamente e aplicado em sistema representativo e com poderes relativamente separados e interdependentes.

Mas, hoje, ocorre a hiperbolização do direito escrito e das políticas públicas e da sua consequente deficiente aplicação, com o incremento generalizado da intervenção material e da tipologia formal da Administração em todos os aspectos da vida em sociedade, a multiplicação e predomínio dos poderes económicos e extra-estatais num mundo globalizado, com deficit ou confisco do poder político representativo.

Com efeito, este, de facto, por inércia ou impotência real, controla cada vez menos a formulação da vida em sociedade, pese a uma contínua hipertrofia legislativa e a evolução para um “Estado de Direito das Políticas Pansectoriais”, agregadas (ou não, a nível nacional e infra-estatal, muitas vezes, de modo apressado, rígido e sem correcta avaliação periódica), desde logo no conceito de ordenamento do território e de regulação sobre política regional, quando não com a renúncia à regulação, tudo num ambiente de ameaça generalizada no âmbito do ambiente, da alimentação-saúde e a corrupção do sistema e dos seus servidores.

Segundo a politologia actual, a questão da formulação das políticas públicas pelo poder representativo eleito é uma pedra essencial da definição do conceito de democracia moderna, ao ponto de alguns desclassificarem todos os regímenes democráticos do século XIX e mesmo grande parte dos do XX, que seriam denomináveis como liberais em contexto autocrático e assim não democráticos, em função de vários critérios de exigência que partem da teorização de R. DAHL, etc., sem deixar de considerar os regimes peninsulares democráticos neste sentido moderno[110].

Mas, se este elemento é essencialista, sin qua non, então importa analisar a questão da duvidosa democraticidade dos processos de produção de políticas públicas.

Como é referido pela maioria dos especialistas, as Políticas Públicas habitualmente são elaboradas e controladas por intervenientes singulares e colectivos sem nenhum mandato eleitoral, sem responderem pelas suas escolhas e actos perante os cidadãos.

Os influentes sistemas de redes temáticas de produção de políticas públicas são fundados ou pretensamente fundados no saber, o que tende a dificultar a política democrática.

A responsabilização política depende do modelo de produção prevalecente: no raramente vigente party governenment, cabinet government, a responsabilidade poderia ser clara, rápida e periodicamente imputada; no corporativo, ainda se pode responsabilizar os governos pelos acordos feitos com os parceiros sociais (sindicatos, empresários), que têm de responder perante os seus associados, com possível repercussão na opinião pública; mas, com acontece correntemente, em qualquer outro modelo, a atribuição da responsabilidade política democrática é substancialmente quase impraticável.

A multiplicidade de actores, constatável nos triângulos de ferro ou nas redes temáticas ou na policy communnities, não responde perante nenhum público pelas suas decisões, opções, opiniões, pressões. Em verdade, o aumento do número de intervenientes, traduz-se em aumento de dificuldade na atribuição de responsabilidades.

 

Uma visão geral realista dos sistemas políticos contemporâneos sobre as políticas públicas parece indicar que a totalidade ou quase totalidade de Políticas Públicas são formuladas, escolhidas e executadas essencialmente de forma ocasional, episódica e ademocrática.

Ou seja, isto é um domínio em que, em todo o “mundo”, o poder costuma encontrar-se noutro mundo. Embora não possa negar-se conexão entre políticas públicas e participação ou pelo menos satisfação dos cidadãos, a sua avaliação muito dificilmente se poderá fazer em termos de produção de Políticas Públicas responsabilizantes dos representantes eleitos pelo povo.

 

Vivemos em Estado de Direito necessitado de ser relegitimado, rebaptizado, com apego também ao conceito de governança[111], em desenvolvimento de tarefas já fixadas nas constituições programáticas da actualidade.

Sendo de Direito, ou é não só de uma pluralidade de fontes, mas também com muitas fontes não impositivas: prospectivas, “pedagógicas”, flexíveis, criadoras de uma normatividade de enquadramento ou meramente soft. Já não só de hard law. Dentro de um poder estatal, já não de government, com exercício pleno de autoridade, comando e controlo, e antes de governança, orientação, incentivo, promoção, negociação, concertação, racionalização. Menos de imposição e mais de pilotagem de um modelo de sistema que partilhe a autoridade, ao reconhecer que não a pode exercer ou já não a está devidamente controlando nem administrativamente nem jurisdicionalmente. Mas, também, de maior exigência de responsabilização e, portanto, de transparência, informação, participação. Isto impõe novos institutos perante a afirmação de uma democracia de factopararepresentativa, e, por isso, necessitada, complementarmente, de uma Administração mais democratizada, mais participativa e mais aberta ao conhecimento do seu funcionamento.

 

2.2. DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE FUNCIONAL E TRANSPARÊNCIA

 

2.1.1. Hegemonização partidária e degradação da democracia representativa

 

A plena realização do regime democrático levanta hoje algumas questões que, ultrapassando a mera divisão e legitimação originária dos poderes, exigindo também e cada mais mais uma legitimaçao funcional (o bom exercício dos cargos), questão que os controlos institucionais clássicos hoje não resolve, implicam a procura de novos caminhos.

Com efeito, a democracia representativa, ao deparar-se com o sistema de hegemonização partidária da actual vida política, revela limites insuperáveis que, para não destruir os fundamentos da construção representativa, impõe alternativas de controlo directo pelos cidadãos em áreas importantes de sua vida quotidiana.

Tudo isto, agravado pelo facto dos próprios agentes administrativos, colaboradores mais próximos dos dirigentes eleitos (directores de serviços ou gestores públicos, etc.), numa Administração que ocupa, cada vez mais, espaços de interferência social (embora teoricamente dependentes da orientação do poder político), permanecerem nos lugares do exercício do poder administrativo, por direito próprio «laboral-público», o que dá a ideia de um aparelho burocrático que comanda os destinos do país. E isto independentemente da rotação dos governos, a que resistem e inclusive bloqueiam, quando, pela experiência derivada da continuidade prolongada de funções, não chegam ao ponto de «aconselhar», «propor», «dirigir» ou “boicotar”.

De qualquer modo, estes fenómenos conjugados dão a noção de que o poder do Estado está só no duo-uno Governo-Administração, articulado de modo a distribuir os poderes político e administrativo.

Portanto, se, nos parlamentos, os representantes do povo não são capazes de efectuar o devido e oportuno controlo da Administração Pública, quê poder exercem os cidadãos, face a esta inadequação dos tradicionais canais de representação e agregação de interesses, acompanhada pela necessidade crescente do contacto directo entre o sistema social e o sistema político-administrativo?

Com a complexificação e banalização da intervenção administrativa, hoje de natureza não só policial (circunscrita dos espaços de iniciativa dos cidadãos), mas também incentivadora, programadora, planificadora, sancionadora, conciliadora, produzem-se permanentemente fenómenos de problematização das decisões da Administração, especialmente das unilaterais, e de desrespeito pelo sistema legal, designadamente sancionador.

Tal aponta para uma necessidade urgente de novos instrumentos de adesão do cidadão aos actos singulares e normativos desta e crescentemente da via contratual. Mas isso, implica a afirmação do princípio do mais amplio conhecimento de sua actividade, traduzido em direitos ao saber, o que as novas tecnologias da informação permitem que a Administração moderna satisfaça facilmente.

A onda crescente de interesse pelo conhecimento da actividade administrativa e pela organização do poder a todos os níveis leva a reconsiderar a acção dos poderes públicos E, em particular, da Administração Pública, em ordem a concretizar, finalmente, uma ideia basicamente democrática de Administração como actividade dirigida a um fim, como função orientada a fins sociais.

Esta reconsideração da Administração está confirmada pela evolução das relações Administração-cidadãos, reconformados pogressivamente numa tendencial posição de paridade, fenómeno que começou a ter repercussão sobre o mecanismo do procedimento administrativo e mesmo do processo nos tribunais administrativos. O procedimento aparece, hoje, concebido como técnica de composição dialéctica e paritária dos múltiplos interesses em jogo e como técnica de redistribuição do poder, em clara desvalorização da actividade administrativa autoritária do acto administrativo como centro de avaliação do seu processo de formação, ao ponto de o procedimento administrativo, originário ou derivado, de prolacção das decisões do poder passar legalmente a procedimento contratual (para agilizar e melhor conformar as soluções e não, como por vezes ocorre, para frustar os condicionamentos e ultrapassar os requisitos da legalidade decisória da Administração).

Aqui se situa o discurso da actuação dos mecanismos de “participação” (relacionados com os da informação, actuando como propulsora da actividade prepositiva) e de controlo dos cidadãos perante a Administração Pública, com a realização do ideal da democracia como um poder visível.

A Administraçao Pública é uma função por conta do povo. E, por isso, há um direito ao conhecimento do exercício das suas actuações.

Mas o movimento político-cultural ocidental que o tem imposto, e que resulta da crise do Estado representativo, de democracia representativa, exigindo uma devolução dos poderes de controlo directamente ao povo, só há pouco começou a influir nos diferentes Estados do Sul da Europa, prefigurando o desmoronamento do modelo relacional, em que se baseou a Administração Pública ao longo dos séculos, inclusive em regime democrático.

Há muito que, no plano do exercício do poder político, os súbditos passaram a cidadãos. Mas, no plano administrativo, estes apenas foram sendo considerados administrados (mero sujeito passivo da actividade autoritária da Administração) e, mais recentemente, utentes de uma Administração que quer dar uma imagem positiva de entidade prestadora de serviços.

No entanto, seja para supervisionar e responsabilizar directamente a Administração, que interfere nos problemas correntes, ou enquanto administrados e utilizadores, ou como meros membros da sociedade a quem o actuar dessa Administração não pode ser indiferente, estes conceitos de administrado ou utente não podem substituir o de cidadania perante todos os poderes do Estado, incluindo o poder administrativo.

 

2.2.2. Crise da prática democrática

 

Quanto à crise da prática democrática, estamos num impasse, numa espécie de eclipse, pois as instituições tradicionais e fundamentais da democracia liberal não funcionam com eficácia para canalizar as preocupações da cidadania para políticas públicas legitimadas.

Num momento em que a agenda da vida pública se centra na participação dos cidadãos e no controlo da actividade dos agentes públicos, a informação esclarecedora, verificável e adequada tem que ser facultada, o que implica que a regra seja a publicidade e o segredo a excepção.

Como se tem afirmado generalizadamente, no modelo de Administração hierarquizada e fechada sobre si mesma, a falta de transparência sobre o seu funcionamento e as suas actividades, a opacidade sobre a informação possuída, foi ilegitimamente mesmo em democracia concebida como uma fonte de poder.

Só com a abertura ao meio social de uma Administração Pública centrada na ideia de serviço ao cidadão, em vez de a situar em termos de organização exclusiva de um Estado, separado da sociedade, e na medida em que se reconheça a condição activa de cidadãos, em vez de serem tidos como meros súbditos ou administrados, a situação pode começar a modificar-se.

A informação é um requisito para o controlo público, político e jurídico, que cabe exercer em relação a todas as instituições públicas.

Já nos anos trinta, LOUIS BRANDEIS, juiz do Tribunal Supremo norte-americano, entre 1916 e 1939, afirmava que a publicidade se impõe como uma terapia para as enfermidades sociais, pois a transparência é o seu melhor remédio e o polícia mais eficiente[112].

Este princípio da liberdade de acesso às informações, referentes aos assuntos públicos, vigente desde o século XVIII na Suécia[113], não só há marcado aqui toda a Administração Pública, mas também influiu na mentalidade geral e no sistema de valores da sociedade.

O simples facto de se saber que existe a possibilidade de um controlo directo e casuístico dos cidadãos incita as autoridades a actuar com prudência e circunspecção. E conduziu, também, a que os rumores e as alegações infundadas de abuso de poder deixassem de ter acolhimento social[114].

 

Se, desde o início do século XIX, o segredo vai desaparecendo nos domínios da acção legislativa e judicial, por quê este privilégio histórico da opacidade da Administração?

Só o Poder Executivo do Estado, ou em geral os distintos poderes administrativos resistiram à publicidade do seu funcionamento, mantendo a regra do silêncio, protegendo o poder executivo de «qualquer» controlo directo por parte dos cidadãos. Apesar de que, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o controlo público da Administração já tem honras de cidadania. Aí, se diz, no art.º 15.º, que «a sociedade tem o direito de solicitar contas a todo o agente público acerca da sua administração».

O modelo clássico da relação Cidadão-Administração Pública está não só em crise, mas também a terminar, porque esta relação está em processo de mudança num sentido diferente, sem retorno possível.

Os governos, corpos políticos mais pequenos e funcionais, concentradores do poder partidário, desvalorizaram excessivamente, nos países europeus, o papel representativo dos parlamentares. E isto, tanto no plano legislativo, a que a Administração deve execução (mas, no caso português, cada vez mais execução das normas criadas pelos governos e não pelos representantes directos dos cidadãos), como desvalorizaram o da supervisão parlamentar, cuja visibilidade em relação com a Administração escapa completamente ao cidadão.

 

A abertura da Administração deve-se ao fenómeno da generalização actual de uma crise da representação política, vinculada ao conhecimento da deficiente fiscalização dos executivos por parte dos parlamentares, devido à perda de autonomia do deputado, cada vez mais obrigado a ajustar-se aos aparelhos directivos partidários, controladores dos titulares de todos os órgãos do Estado.

Tal retira valor prático à doutrina da separação dos poderes. Pelo que a evolução democrática recente, embora mantendo o legislativo e o executivo separados, deixou-os com uma direcção única, no caso de governos sustentados por maiorias parlamentares baseadas nos partidos constituintes do governo, em que, em princípio, estão as direcções políticas, o que se traduz na submissão dos parlamentares às orientações do Executivo e assim impede o questionamento, por princípio, da actuação do governo e da Administração.

A necessidade de organização, a importância dos gastos eleitorais[115] e a própria legislação situaram os parlamentares em geral na dependência eleitoral e funcional das, cada vez mais, eficazes máquinas partidárias, que aliás decidem periodicamente da sua colocação nas listas eleitorais. E, quando são listas fechadas (como é o caso de Portugal, apenas acompanhado por Espanha), podem anular as suas carreiras políticas. O que, para alguns implica a crise da representação política. E cremos revelar decisivamente os limites da representação, justificando a procura de outros caminhos de participação directa ou indirecta dos cidadãos.

Daqui, a aparição do termo transparência no discurso político-sociológico, correspondente à imagem toglatiana da casa de vidro, onde tudo se veria.

 

2.2.3. Financiamento partidário e transparência na sua utilização

 

Os partidos têm gastos significativos. E, por isso, a questão do financiamento, que é importante em termos de disfunção e corrupção funcional do sistema político, merece-nos um prévio, embora breve comentário, sendo certo que há, em geral, uma informação deficiente sobre aquilo que verdadeiramente está em jogo.

O tema não seria relevante em regimes de partido único, em que este é um órgão do Estado ou, pelo menos, há identificação entre o partido e o Estado e, por isso, o partido dispõe de privilégios no Estado.

Mas, é de uma importância fundamental, no plano politológico, em países de regime democrático, com pluralismo efectivo. Em questão, está a natureza e o papel dos partidos, as igualdades de oportunidades em termos de influência na formação da vontade popular e o comportamento do Estado na criação de condições de acesso ao poder ou bloqueamento de alternâncias.

Uma coisa é certa, como dizia, já no século passado, LAMENNAIS, «é preciso, hoje, dinheiro, muito dinheiro, para ter direito a falar».

E, se os gastos são enormes, onde se obtêm as receitas?

Esta é uma questão fulcral, que pôs os partidos à prova e os seus dirigentes, em muitos países, no descrédito (Alemanha, Espanha, Grécia, Portugal), quando não em Tribunal (França, Itália, Espanha, Grécia), ou inclusive na prisão (Itália e Grécia).

Os partidos encontram-se, aqui, sujeitos à «prova da verdade», na medida em que, por influência directa dos acontecimentos sentidos nacionalmente, internacionalizados pela imprensa ou nacionalizados por certos meios, todos os países europeus se viram nas duas últimas décadas submergidos numa reflexão inovadora.

Os cidadãos exigem conhecer a origem dos dinheiros recebidos pelos partidos, para efectuar os seus juízos ético-políticos sobre essa origem, os seus circuitos e as consequências do seu recebimento.

Hoje, nos distintos países, constatamos que há receitas publicadas. E, portanto, conhecidas, e outras ocultadas. As doações, em geral, são as mais significativas. E são ocultadas ou para encobrir o desrespeito da lei ou para evitar o choque eleitoral perante as exorbitâncias praticadas, sobretudo em países ou regiões menos desenvolvidas ou em períodos de crise económica.

O financiamento dos partidos não põe apenas um problema de relações entre a política e o dinheiro. Ou seja, um problema de interacção ao nível do circuito cibernético.

Desde logo, implica um problema de relações e influência entre o sistema político e o sistema económico, em termos analisados pela politologia moderna, sobretudo americana, segundo o modelo eastoniano e na linha das construções teóricas de TALCON PARSONS.

Porque é que, com DE GAULLE, houve um oásis de popularidade neste domínio, num país ancestralmente desconfiado desta relação incestuosa?

Na medida em que se estabelecem relações entre o haver dos recebimentos dos subsídios para compensações eleitorais em função dos votos obtidos, e entre os subsídios até às eleições seguintes pelos partidos ou seus grupos e estes mesmos votos ou o número de membros eleitos para o Parlamento, inclusive sem chegar a impor, em termos absolutos, limites globais de financiamento público e privado, relativamente diferenciado em termos absolutos, tal põe um problema sobre o próprio funcionamento da democracia e os limites da merecida real alternância dos partidos existentes e da capacidade de modificação do sistema partidário instalado.

O financiamento dos partidos não é uma questão neutra em termos de enquadramento democrático dos distintos Estados. Mas, a questão das relações entre o dinheiro e a política ultrapassa-o.

O financiamento condiciona a vivência ou vicia inclusive a possibilidade de afirmação ou de vitória de novas ideias e forças.

Mas, mesmo que a questão do financiamento esteja «bem» solucionada, as exigências da democracia continuarão a fazer-se sentir, ao nível da transparência da classe política, do fim de toda a opacidade, não só dos aparelhos partidários, mas também dos próprios políticos.

Isto reenvia tudo para a questão do regime de controlo do seu património, rendimentos e interesses. Independentemente da sua importância relativa em termos substantivos, qualquer aspecto da temática da transparência da vida pública, uma vez focalizado seja por quem for, numa dada sociedade, já não admite retornos ocultadores defensivos, sob pena de todos os políticos e toda a política ficarem debaixo de suspeita. Quem pode afirmar que nunca ouviu, numa mesa de cafeteria ao lado da sua, conversas sobre suspeitas acerca de uso de fonte irregular de dinheiros, em geral por manobras corruptas de “agilizaçao” de contratos públicos, para campanhas eleitorais dos nossos partidos, Presidente, titlares de Governos e executivos autárquicos, etc.? Ou apontar nomes de homens cuja fortuna aparece ou aumenta exponencialmente nos anos de serviço público ou político? Ou, após estes, por força de favores concedidos ao mundo económico, sem antes terem tido qualquer função ou experiência empresarial, pagos em administrações e outros cargos de chorudos rendimentos, indemnizações ou “reformas” de carácter astronómico para o cidadão comum?

É que há questões que não se resolvem com bons argumentos, mas sim com a transparência, única forma capaz de desmitificar o tema.

DE GAULLE seduzia o eleitorado ideologicamente à esquerda, porque também sabia afirmar, neste domínio, uma imagem de distanciação ideológica entre o dinheiro e a política, que seguia na continuação de posturas que, ao nível do Estado, resumia com uma frase lapidar: «a política de França não se faz no mundo da Bolsa», numa alusão ao desejo de autonomia do Estado em relação aos interesses financeiros. Esta posição, não contrariada no seu tempo ao nível micro-político das forças e homens adeptos, davam-lhe e à classe política uma popularidade que nem um POMPIDOU à direita, mais tarde, ou os socialistas, à esquerda, no pós-Giscard d’Éstain, conseguiram repetir.

E isto, apesar de DE GAULLE nunca ter necessitado de chegar a gritar, como FRANÇOIS MITTERRAND, discursos tão fortes de denúncia do poder e da influência do dinheiro, como este Presidente francês, que afirmava: «o dinheiro que corrompe, o dinheiro que compra, o dinheiro que destrói, o dinheiro que mata, o dinheiro que arruína, o dinheiro que apodrece inclusive a consciência dos homens».

Para DE GAULLE, o dinheiro não era mau. O sistema, que se submete a ele, é que é denunciável.

FRANÇOIS MITTERRAND atacou o indefeso e necessário dinheiro para poder esquecer as vias e meios que os políticos usam, para com ele se «financiarem» pessoalmente e financiarem as campanhas eleitorais, de modo oculto, pois contra a transparência da vida pública “há” sempre o (inaceitável) argumento civilista da reserva legítima da vida privada das pessoas[116].

Já o grande economista e sociólogo, de renome na mudança do século XIX, VILFREDO PARETO, autor da teoria da circulação das elites, acentuava, como meios de manutenção do poder, aplicável à classe política contemporânea, as «corrupções políticas de eleitores, de candidatos eleitos, de governantes, de jornalistas, a que se assemelham, durante os governos absolutos, as corrupções de cortesãs, favoritos e favoritas, governantes, generais, etc., que aliás nem sequer ainda desapareceram completamente»[117].

Quantas vezes, em nome dos interesses do Estado, da democracia e do partido, se distingue os fins e os meios, prosseguindo na esteira de MAQUIAVEL: a política é um fim nobre, logo são permitidos meios condenáveis ou repreensíveis para a actuar.

Nos processos franceses das duas últimas décadas do século XX, de investigação às ilegalidades financeiras dos homens dos partidos, não se tentou dirigir a censura para os homens políticos, que enriqueceram pessoalmente de modo oculto, mas sem condenar, em nome do bem dos partidos, o financiamento oculto destes, que viabilizara parte das condutas daqueles?

Como diz G. SARTORI[118], estas «pseudo-nuances» conduzem ao impasse na solução do problema, porquanto «a política e a ética não são nem idênticas nem isoladas uma da outra em compartimentos estanques».

A origem histórica dos regimes democráticos modernos está num problema de dinheiro, tendo levado a impor ao Rei o prévio consentimento dos representantes das sociedades, no Estado estamental medieval inglês, para poder lançar impostos.

E esta limitação do poder sobre o dinheiro funcionou como uma limitação do próprio poder e dos seus excessos.

E a elaboração progressiva dos modelos democráticos não passou por um afastamento progressivo do dinheiro, substituído pela cidadania, na atribuição da soberania? Do voto censitário, que permitiu a conquista do novo Estado liberal do século XIX pela burguesia endinheirada, para o voto universal, a que a cada homem e, depois, a cada mulher e, mais recentemente, a cada jovem cabe pronunciar-se. Com efeito, o voto deixou de assentar sobre a fortuna (voto censitário) e o sistema político democrático, afirmando os seus valores próprios, recusa o dinheiro como fonte de regulação, de acesso ou de distribuição das prestações do Estado, e proclama o ideal da construção da política sem referência a bens não políticos (armas e barões assinalados»), fixando, portanto, o princípio de «um homem, um voto», passando a tratar todos por igual, o que não admite o dinheiro, nem para legitimar diferenças, nem para comprar ou influenciar privilégios, corrompendo o sistema político.

 

2.2.4. Controlos institucionais sobre a Administração e sua inoperância. Longo caminho para a transparência total de todos os poderes e actores públicos

 

Os modelos administrativos clássicos, desde o liberal, ao marxista e ao weberiano, conceberam a Administração como uma organização unida, centralizada, autocrática e hierarquizada, simultaneamente instrumento do poder político e de dominação da sociedade, implicando a defesa natural da manutenção dos administrados à distância. Para WEBER, uma administração democratizada, transparente ou participada, seria um contra-senso, porque aparelho ao serviço da execução das ordens do governo, que responde perante o Parlamento, tal só fica garantido se obedecer cegamente às mesmas, ou seja, ao interesse público sem perigo de interferência ou influência dos interesses particulares, exteriores, da sociedade. Acontece que o interesse público e os interesses dos cidadãos não são categorias à parte.

E é isto que se está questionando hoje. Na situação actual, começam a interconectar-se as ideias de democracia, cidadania, respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, participação, colaboração, desburocratização, eficiência, prestação de informações[119] e esclarecimentos, apoio e estímulo às iniciativas dos particulares, recebimento de sugestões, informações e transparência.

A ideologia da transparência administrativa enfoca-se como concretização da ideia democrática e da realização simultânea de objectivos importantes no plano da prossecução dos interesses públicos e dos cidadãos.

Mas, qual é o fundamento e o conteúdo preciso do princípio da Administração aberta, sem o qual se começa a questionar a própria legitimidade administrativa? Sobretudo porque os restantes poderes há muito que se abriram (embora, por vezes, com argumentos vários, v.g., necessidade de grande alteração no ordenamento jurídico na pós-guerra - já foram e se vão fechando; também em Portugal, a aprovação definitiva de normas legais (apelidados decretos-leis) pelo Governo e mesmo de certas normas legais de origem parlamentar, na especialidade - não no plenário do parlamento - em comissões restritas e fechadas ao público, ou apenas com alguma imprensa, que aliás não entra em comissões de audição dos membros do governo ou de fiscalização de actos da Administração; ou seja, a prática do funcionamento à porta fechada de comissões em alguns parlamentos ou de algumas reuniões de executivos de entes territoriais infra-estatais, não só em decisões concretas como também em matéria normativa). Incompreensivelmente, há reuniões de Câmaras Municipais que legalmente podem funcionar à porta fechada, segundo estranhos critérios de alternatividade das reuniões e nem sequer assentes em razões de importância dos temas a tratar, com total transparência no debate de todos os assuntos importantes para a comunidade e as pessoas, ou seja, não meramente de expediente.

Actualmente, questiona-se o tradicional hermetismo administrativo, resultante de uma invocada necessidade de opacidade da técnica organizativa da Administração.

Há sintomas de crises profundas na vivência em sociedade, o que obriga a encontrar soluções novas.

A Administração durante o século XX, começou a estender paulatinamente a sua actividade a todos os domínios da vida quotidiana dos cidadãos. Se a actividade dos órgãos públicos se refere a todos os cidadãos e à sua vida quotidiana, então requer-se que as autoridades informem amplamente os cidadãos em geral dessas actividades, numa sociedade democrática.

Esta ideia de visibilidade das actuações implica que os documentos e informações referentes às actividades públicas estejam acessíveis não só aos meios de comunicação social, mas também aos cidadãos em geral. Para que possam escolher livremente em cada momento, as informações que pretendem, nas diferentes matérias, independentemente das que as autoridades ou os media decidam comunicar por sua própria decisão.

 

2.2.5. Democracia e conhecimento da vida pública. Enunciação perfunctória acerca do debate geral sobre a importância e utilidade da informação detida pelas entidades públicas

 

A ideia de transparência no exercício do poder começa a aparecer como uma ideia-chave, nos textos legais e de orientação política, no âmbito dos processos de reforma e modernização das Administrações Públicas, embora esta ideia, por vezes, seja mero objecto de propaganda e manipulação.

Às vezes, o discurso sobre a transparência serve conjunturalmente ao discurso eleitoral da classe dirigente, pelo que pode não passar, na linguagem de J. SCHUMPETER, de um subproduto da concorrência entre as «empresas políticas», orientando-se unicamente para a manutenção ou a conquista de posições de poder.

A transparência difunde-se, cada vez mais, a propósito de tudo.

Tem um espaço destacado no discurso político e administrativo. E, por isso, requer um esforço de clarificação, que elimine conteúdos não aceitáveis ou equívocos de mero aproveitamento político, relacionados com a sua grande energia simbólica.

Estamos perante um polissémico, semelhante à expressão «desenvolvimento autosustentável» (onde pode caber tudo, até conteúdos desviantes do pretendido), pelo que, para o usar no raciocínio científico, é necessário densificá-lo devidamente, tendo presentes os textos normativos que o utilizam (mas não propriamente as noções legais, de valor muito relativo) ou a doutrina que o adopta para interpretar os textos pertinentes.

Trata-se de um conceito que se difunde como uma referência valorativa essencial imposta à Administração e que deseja transformar-se num eixo privilegiado de abordagem reformista da Administração. Ambiciona conduzir à aparição de uma Administração nova, nas palavras de JACQUES CHEVALIER, «en phase avec la societé et travaillant en permanence sous le regarde du public».

Perante o modelo administrativo tradicional do segredo, agora, por razões de descrédito, obrigado a retroceder para muito restritas áreas de excepção, o valor que se pretende realçar é o da figura antitética da transparência. É proclamar um conceito adequado a criar a ideia de oposição aos traços característicos do conceito de segredo, que passaria a combater. Seria um conceito integrado, no domínio administrativo, em luta contra o que estava escondido, o desconhecido, o misterioso, o impenetrável, o opaco. E, assim, modificando os princípios orientadores do funcionamento da Administração e dos seus modos de contacto com os administrados, para restaurar a legitimidade do poder, cada vez mais questionada, transformando-a de facto não só numa casa para todos (princípio da igualdade e solidariedade) mas também uma casa de todos (questão de “propriedade”).

 

Feitas estas considerações, já se entende que este debate sobre o aceso à informação se situa meramente por cima dos escombros do segredo não justificado. É para o fazer recuar, legalizando-o à mínima expressão historicamente possível, que se construiu a ideia de transparência. Ou saído da ideologia da democracia administrativa, sem a qual se deteriora a democracia tout court; ou em conexão com a defesa do fim de qualquer segredo, embora se entenda que se continua aceitando muito segredo indevido. Por exemplo, no campo das relações interestatais, onde o próprio direito internacional, depois da primeira grande guerra (para evitar os pactos bélicos, de que os povos discordariam), há muito impõe o seu registo (vide actual normação da ONU).

De qualquer modo, para demonstrar que este aceso à informação não coincide com a afirmação da transparência basta considerar que o seu regime, onde existe, abriga certas áreas de confidencialidade, mesmo que temporalmente limitada. Ou seja, obriga inclusive a sacrificar a transparência quando esta possa levar a excessivas pressões sobre o interesse colectivo ou, justamente, ponha em questão as liberdades públicas, base fundamental de qualquer sociedade democrática e direitos fundamentais. Embora, normalmente, em termos ainda excessivos, no campo dos secretos por “interesse público” -certas cláusulas sobre segredo de Estado ou imposição automática de segredo de justiça e alguns por interesse particular -como ocorre onde a transparência faz mais falta: grande parte dos segredos de informações económicas e contratuais administrativas-)

Uma das motivações objectivas deste estudo, que também sustenta a nossa mobilização subjectiva, reside na importância quantitativa e qualitativa das informações detidas hoje pelas Administrações Públicas em geral, unionistas e ibéricas (a que circunscreveremos a seguir, geográfica e normativamente, em edição autónoma, uma outra abordagem fundamental sobre a teoria da transparência e sua incorrecta concretização a nível europeu e nacional) e a necessidade de que as instituições públicas funcionem com total transparência, para que os cidadãos, as organizações não governamentais e inclusive outras Administrações alheias às que têm atribuições directas nas distintas matérias, possam saber e participar, denunciar ou actuar, administrativa e jurisdicionalmente, na defesa dos interesses dos cidadãos.

O direito de acesso, até há pouco um tema novo na generalidade das legislações, com excepção da sueca (em que remonta ao século XVIII), assume hoje contornos supranacionais e aplicações vastas e complexas, existindo já em muitos países europeus e americanos, não só em matéria ambiental, mas mesmo com carácter geral.

Mas, com diferenciações de eficácia muito distinta. E todas necessitando de ser revistadas e reformadas em sentido não só de um regime mais transparente, mas também de um acesso mais rápido e melhor garantido.

Uma coisa é certa, em geral são muito amplas as informações recolhidas e usadas pelos Estados (vistos como «máquinas informacionais»[120]), reclamadas para fazer frente a inumeráveis tarefas. E esta Administração Pública dos dados coloca, hoje, em geral, o problema do «espectro das responsabilidades informacionais do poder público».

Mas, como havíamos referido anteriormente, há que fazer uma distinção entre difusão da informação e o acesso à mesma. Serão duas nações de transparência separadas[121], dado que o direito legislado de acesso não fundamenta a difusão e a comercialização dos dados administrativos.

Há que entendê-las, sobretudo, como noções complementares: a difusão administrativa dando maior amplificação à transparência no novo contexto tecnológico, embora falte superar certas questões para realizar a transparência interessada[122], por esta via, que necessita enquadrar o problema das taxas deste serviço. Sendo informação que já se pagou, porque se recolhe e elabora com fundos públicos, não é concebível lucrativamente para o regime do acesso. Para efeitos de exercício do controlo da dos poderes públicos pelos cidadãos, deve ser gratuito dentro de certos montantes limitados. E, mesmo além desses limites, nunca deve ultrapassar os custos dos materiais usados na reprodução dos substratos da informação (tal só é concebível para comunicações de informação com fins de utilização comercial[123], matéria que, na península ibérica, está já bem regulada pelas Lei espanhola n.º37/2007, de 16 de Novembro, e na segunda parte da LADA portuguesa, a Lei n.º46/2007, de 24 de Agosto[124]).

 

2.2.6. Objectivos e funções em geral da transparência administrativa

 

A exigência de transparência aprofunda-se também na ideia, doutrinalmente difundida, de que «a publicidade faz ganhar a confiança nas autoridades[125].

Os objectivos da transparência administrativa, tal como têm sido historicamente explicitados na multisecular doutrina sueca, perseguem três funções principais, no campo da eficácia, da participação e da legitimidade funcional da Administração Pública.

Concretizando-as, podemos dizer que:

 

1.º-Potencia a eficácia, a racionalidade e a qualidade da prestação dos serviços públicos, permitindo aos cidadãos supervisionar as autoridades públicas para prevenir ou denunciar decisões ilegais, arbitrárias, parciais, inoportunas, corruptoras.

A sua originalidade em relação com os instrumentos garantísticos geralmente consagrados está no facto de prevenir, não só o controlo a posteriori, correctivo, mas também permitir a vigilância continuada, inclusive com relação a assuntos em curso, detectando erros, a tempo de rectificar comportamentos ou conformar decisões.

 

2.º- Incentiva a participação dos cidadãos, contribuindo para a formação da opinião pública e dando os meios de debate sobre as opções políticas e administrativas.

Portanto, é fundamental fazer uma distinção entre a difusão interesseira, propagandística, e portanto seleccionada por quem a dá ao conhecimento, da informação correcta, contextualizada e de livre opção do cidadão, ou seja, do livre acesso à informação.

São duas noções de transparência separadas.

O direito legislado de livre acesso não fundamenta directamente a difusão e a comercialização dos dados administrativos. Há que considerá-las como noções complementares, mas não equivalentes. E se hoje, por imposição da EU, os Estados têm obrigações de difusão oficiosa, o interesse relativo desta imposição deriva de a sua nomeação ununciar formalmente a tipologia documental e informativa a difundir, retirando alguma margem de arbitrariedade à Administração.

De qualquer maneira, o acesso à informação, nesta perspectiva, é instrumental de uma participação activa e eficaz, sendo certo que para escolher é necessário primeiro conhecer.No entanto, os sistemas jurídicos que só dão acesso à informação na medida em que ela se prenda com o direito à participação em certos procedimenos ou elaboração de opções ou políticas, não a concebem como um direito fundamental geral, pois aqui estamos perante um acesso coonrolado, instrumental de um exercício concreto a ocorrer na Administraçao, por sua iniciativa, e não uma acesso a qualquer matéria e documento, selecionados livremente pelo cidadão.

 

3.º- Reforça a legitimidade funcional, pela via da confiança nas autoridades, ao viabilizar o controlo normal sobre as suas declarações e actuações.

Quanto à função legitimadora da transparência no regime democrático, há que recordar que a ideia da necessidade de transparência aparece já no art.º 15.º da Declaração dos Direitos do Homem, de 26 de Agosto de 1789, declaração solene de que só a Suécia foi precursora em 1766.

*

Mas, o princípio não foi originariamente transcrito no direito positivo dos Estados democráticos. Pelo contrário, o segredo continuou a ser uma constante da acção administrativa. Regra de ouro do antigo regime, resistiu durante os séculos seguintes aos princípios da nova ordem revolucionária, qual arcana regni, como se a transparência fosse incompatível com os princípios e as necessidades das democracias modernas, que implicam a democracia administrativa.

Enquanto, por um lado, a acção do Estado se vai estendendo a todos os sectores da vida em sociedade, por outro, a crença democrática no papel fiscalizador dos parlamentos desvanece-se, sem superação possível, com as barreiras crescentes dos limites dos mecanismos democráticos institucionais.

A função legitimadora deriva da transparência para permitir compreender as soluções correctas e ajudar à sua aceitação.

A legitimidade pode reforçar-se, como diz o parlamentar belga JEAN-MARIE DUFFAU, «pelo sentimento que os administrados têm de que a acção administrativa é boa, bem motivada e honesta». Por isso, as leis, que começam a despontar sobre a transparência administrativa, contribuem indubitavelmente para dar à Administração uma credibilidade questionada ou, pelo menos, perturbada, desde logo devido à síndrome da crença que, em 1938, JAMES M. LANDIS expressava bem, ao afirmar que as necessidades em especializações são muito maiores e os especialistas sempre têm razão.

 

Esta crença atemoriza os cidadãos, cada vez mais propícios a meditar sobre as palavras do mais intelectual dos presidentes americanos, WOODROW WILSON: o que mais receio é um governo de especialistas. Se vivesse hoje, não deixaria de estar a pensar, v.g., na governação efectivada pelo Banco Central Europeu.

Com isto, a transparência contribui para legitimar a actuação administrativa.

Aliás, a transparência, complementada pelo diálogo no procedimento ou na decisão (mesmo no caso de ser mudada em processo contratual, como o actual direito administrativo, cada vez mais, vai viabilizando), em termos de permitir a ponderação de interesses menos gerais (situação em que deverá estar em questão menos um direito de participação, integrando a co-decisão, que um direito à exigência da co-ponderação dos diversos interesses e soluções no procedimento administrativo antes da tomada de decisão), é condição para um desejável aprofundamento da abertura e eficácia da actividade administrativa.

Isto não deixa de viabilizar a defesa do interesse geral, complementado pela integração ponderada de todas as realidades sociais.

E tudo isto tem que ver com o interesse público, cuja prossecução deixa de ser presumida para passar a ser constatada e, mais importante ainda, constatável.

 

Concluindo, entre as técnicas de controlo da actividade e da promoção da eficácia e imparcialidade na Administração Pública, frustrada a do controlo parlamentar sobre os governos (que dirigem, orientam –superintendem- ou tutelam as suas diferentes instituições), no actual debate doutrinal, além da avaliação das políticas, a outra que merece especial destaque é a da transparência na actividade das Administrações perante os cidadãos.

 

 

 


IV – PRINCIPAIS CONCLUSÕES GERAIS ACERCA DA ACTUAL SITUAÇÃO POLÍTICA, ECONÓMICA  E SOCIAL DE CRISE GENERALIZADA, PROPOSTAS DEMOCRATIZADORAS NO PLANO INSTITUCIONAL E SÍNTESE DA SUA FUNDAMENTAÇÃO

 

Portugal vive, actualmente, uma crise profunda, que chegou tão longe devido a políticas erradas com ocultamento sistemático de dados, por parte do governo, sobre o endividamento exponencial do país nos últimos anos, agravado e facilitado pelo facto de esse governo ser minoritário e naturalmente não garantir estabilidade.

É urgente ultrapassá-la, criando as condições que, num plano interno e institucional, não só permita vencê-la, como evitar a sua repetição recorrente, mesmo que com menor intensidade.

Esta crise é também e na sua origem, criadora ou permissiva, fruto de décadas de ausência de verdadeiras reformas globais de um Estado que se revela organizado em termos esclerosados, dada a incapacidade e falta de competência dos muitos governos e muitos governantes, formados ou pelo menos dominados essencialmente por critérios de ascensão de quadros partidários, de modo que mereceria um quadro de acção que possa viabilizar uma recomposição profunda da classe dirigente, no sentido de uma representatividade e meritocracia, governando-se com base em linhas claras e consensuais de orientação, que teriam que passar, desde logo, por aspectos contrários às medidas oficialmente promovidas na actualidade, que ou já estão ou que irão estar ainda mais entre as causas próximas ou remotas da actual crise e suas contra-soluções.

Impõe-se uma profunda Reforma do Poder Judicial, a Reforma do Modelo de Sistema legitimante de Governo, a Reforma do Sistema Eleitoral Geral e de legitimação do papel dos Deputados e do parlamento do país (ou seja, a Reforma do enquadramento da função do Deputado e do Parlamento), a reforma do regime funcional do sistema partidário, com democratização e perda da sua hegemonia na vida política e administrativa nacional, sem pôr em causa a imprescindibilidade da sua existência nas sociedades democráticas modernas.

 

4.1.Erros e princípios agredidos

 

Basta ver que os dirigentes das últimas duas décadas, apesar de responsáveis pelo estado a que o país chegou, e se mostrarem incapazes de atacar as suas reais origens, podem “estavelmente” manter-se em funções, sem qualquer voto positivo do Parlamento, nem na investidura original nem no decorrer do seu exercício em funções, por mais impopulares e polémicas que sejam, continuando com políticas de concepção minoritária, em nome de uma crise de que, em maior parte, são responsáveis e o actual panorama internacional apenas veio mais facilmente permitir evidenciar, ao dificultar o seu ocultamento, podendo mesmo chegar ao ponto de se julgar com direitos a comprometer, em nome de falsas estabilidades, aquelas forças que deviam ser de oposição e que não concordam com elas.

Ao que chegou este “simulacro” de democracia (constitucionalmente possível no plano orgânico, embora rasgando a Constituição dos Direitos), presidencialmente permitido em termos impunes, como o revelou as últimas eleições presidenciais!

 

Os governantes do país, mentindo ao eleitorado, insistindo nos erros, atolados no ambiente de inépcia e de corrupção, têm avançado com falsas medidas “anti-crise”, que só teriam sentido se o problema fosse conjuntural, derivado de meros revezes oriundos do âmbito exterior, quando de facto é estrutural, sistémico, fundamentalmente derivado de excessos de endividamentos públicos continuados a todos os níveis, vindos do passado (mais aceleradamente sobretudo desde o final do século anterior, na fase pós-Sousa Franco, criadora de endividamento público que nos tem imposto restrições e sacrifícios desde há cerca de uma década, que nada têm que ver com a sempre invocada crise internacional, ocorrida há cerca de três anos, como se constata pela superação dos problemas e recuperação económica de outros países).

E também derivado de políticas erradas no plano do desenvolvimento económico-social, que naturalmente, quer a situação financeira do Estado, quer a crise económica “internacional”, não permitem ajudar a melhorar sem uma mudança nacional, em termos de criação de confiança e capacidade de alteração radical, regeneradora, no rumo da governação do país, necessariamente com amplo apoio maioritário do Parlamento e com garantia de consensualidade de medidas, estabilidade e condução pelos cidadãos escolhidos entre os mais capazes, e mudança consequente das políticas públicas.

E os erros e medidas de recuperação financeira do Estado, apesar de serem excessivamente sacrificadoras dos cidadãos em geral, sobretudo dos mais necessitados, eliminadoras das classes médias e destruidoras do tecido empresarial e do emprego, são impostas uma e outra e outra vez, repetidamente atacando direitos sociais historicamente adquiridos e constitucionalmente consagrados.

E, além disso, autores recalcitrantes de medidas erradas para o futuro colectivo, que estão a comprometer nas próximas décadas, diminuindo de imediato a capacidade de investimento, de consumo, de poupança, de emprego e consequentemente de regeneração do sistema económico e, portanto, também do de segurança social e da fiscalidade.

Ou seja, também comprometendo a capacidade do Estado aprofundar ou manter políticas sociais e de desenvolvimento do país, pela diminuição da força empresarial-laboral, não aumento de exportações nem substituição de importações, não aplicação pelas actuais gerações, cada vez melhor preparadas, dos seus conhecimentos na criação de riqueza e bens de alto valor acrescentado. E, por isso, no presente como no futuro, uma contínua diminuição de receitas e de capacidade de responder às necessidades do Estado Social, que está a ser desmantelado rapidamente, peça a peça.

Importa dizer que, quando os problemas começaram a acentuar-se, com o definhar da competitividade do tecido empresarial, a contínua perda da competitividade nacional e o acentuar cego do endividamento do Estado e da sociedade em geral, a preocupação maior era evitar mais endividamentos e fazer crescer a competitividade.

E dizer em geral que o caminho devia ser outro, totalmente diferente, e buscando simultaneamente a montante as origens da crise, no próprio sistema social e designadamente no político e económico.

Nunca poderia passar pelo rasgar da Constituição. Não pode aceitar-se o actual ataque aos direitos adquiridos e ao Estado Social. Nem a descidas formais de remunerações. Nem a aumentos de impostos. Nem o questionamento da segurança social.

 

4.2.Empréstimos de instituições de estabilização financeira.UE-FMI

 

Chegados à actual situaçao, que só pode ter sido o resultado da inconsciência prolongada e de megalomanias de quem nos governa, que não defendeu o país disso e ainda por cima contribuiu e continuaria a contribuir, directa e largamente, para esta crise, impunha-se enqaudrar melhor o presente e preparar o futuro. O que tudo, nos impôs, como mal menor, não só eleições legislativas, como desde já as medidas de devedor sem meios normais de pagamento, implicando o depauperamento individual e empresarial, próprio das medidas exigidas pelo FEEF/MEEF-FMI, agora e posteriormente pelo MEE. E, como mal menor, a sua ajuda (embora já bastante tarde, porque devia ter sido, se houvesse verdade e a devida atenção dos poderes de controlo e denúncia pública do governo, desde logo por parte do Presidente da República e Banco de Portugal). Após medidas parcelares e incosequentes no último ano, que nada trazem, antes mais comprometem o crescimento da economia e, portanto, mais acentuam as dificuldades para ultrapassar a situação, a não ser após um longo período de sacrifícios geracionais, se não mesmo da colonização futura do país.

Esta crise chegou a este extremo que põe indevidamente em causa o respeito por direitos protegidos constitucionalmente, que o próprio presidente, apesar de ter jurado a constituição, deixou impunemente agredir, porque faltou transparência dos poderes públicos: o governo não informando, o presidente não denunciando nem demitindo os irresponsáveis perdulários, conestando.

Perdeu-se tempo demais pagando juros altíssimos no mercado bancário. Mas já que deixamos chegar a tanto, agora é necessário ter coragem de encarar os interesses nacionais, pois no mundo em que vivemos cada um tem de defender devidamente os seus interesses, sob pena de estar a hipotecar-se ao dos outros. Importa reparar no exemplo da Islândia.

Após o acordo imediato, intercalar ou “definitivo” com o Mecanismo Europeu de Estabilização (não só quanto à soma a atribuir e que deve ser a necessária (nem menos nem mais), a duração da operação, número e escalonamento das prestações e negociação das condições do empréstimo, mas também, o que é fundamental - e negociável duramente como se constatou com o caso deste país-, quanto ao nível dos juros).

E face ao nível proibitivo dos juros pagos pelo Estado português, nestes últimos tempos, face ao irresponsável atraso no desencadear do mecanismo de apoio europeu, há que passar de imediato à recuperação da capacidade de crescimento da economia nacional e criação de condições de manutenção do nosso Estado social, o que exige não esperar pelo funcionamento futuro do MEE, a erigir para o pós-2013, mas exigir já a renegociação global da dívida, com os bancos credores, reconduzindo-a designadamente aos níveis de juros do FMI de que hoje beneficia a Islândia, o que aliás deve orientar o próprio acordo com o Mecanismo Europeu, a nível do Conselho de Ministros da UE e FMI.

A RFA, depois da guerra, pode progredir porque renegociou a dívida soberana, em duas vertentes; por um lado, obteve o perdão de 65% da dívida; em segundo lugar, os juros, começaram a ser claculados segundo uma percentagem móvel fixada anualmente a partir da taxa real de crescimento da sua economia. Mas os alemães, que têm beneficiado do mercado comum europeu, já se esqueceram como se pode ajudar não a “enterrar” mas a levantar um país. E a UE, sem criar agência credível de rating que não se politize, ficando nas mãos dos interesses financeiros americanos, e sem criar políticas, não meramente tecnocráticas mas democráticas e europeias, nos âmbitos económico, financeiro e fiscal, com um enquadramento uniformizado mínimo e com limitações, balizas e fiscalização europeia, supranacional, dos endividamentos e orçamentos, pensa ir até onde?

Numa Europa, com tanta assimetria de desenvolvimento económico, de rendimentos e de capacidades de gerar riqueza, importa mudar os comportamentos a nível europeu, sob pena de não ser possível qualquer recuperação económica de países hooje em dificuldades. Ou seja, houve um nível que os juros não deveriam ter ultrapassado e portanto já em 2010 se devia ter pedido ajuda da UE-FMI, e agora exige imediatamente renegociar os juros da dívida e, aliás, agora com a UU também não podia deixar de haver um nível de juros acima do qual o próprio acordo de “resgate” (num montante suficiente, não só para pagar o endividamento, mas também propiciar investimentos para o desenvolvimento económico), não devia passar, no financiamento acordado.

Dado que teve de se introduzir o mecanismo de apoio europeu, então não pode aceitar-se agora pagar os juros altos que nos impuseram (cautelarmente), julgando que não tínhamos capacidade de pagar a totalidade da dívida, pois com tal iríamos engordar o sistema financeiro, que, já contando com a dificuldade de pagar, por isso precisamente exigiu juros excessivos na perspectiva da incontornabilidade da renegociação, com previsíveis cortes substanciais deste juro, senão mesmo da mesma dívida, caso o actual governo saído das eleições falhe na gestão do país.

Aliás, tendo presente a grande concentração de compromissos, a juros altos, assumidos para o curto prazo por este governo, para 2012, iríamos dar a ganhar nestes quase três anos o que depois a banca, já recompensada, aceitaria não receber nos anos seguinte, numa tardia renegociação (o que só já teria um ganhador, o de sempre, os bancos, designadamente alemães). Só renegociar depois de 2013 é iníquo na lógica do processo e da lógica do mercado em fases de perigo de endividamentos que possam de reescalonamentos da dívida e traduziria um “inocente” hipotecar do país em termos de prolongamento da dificuldade de acelerar a recuperação da crise. Cada ano e cada euro conta, e muito, para a dimensão e duração dos sacrifícios exigidos aos portugueses.

 

Quanto ao alarido negativo e irracional, desde logo por parte de quem nos governou e endividou exponencialmente nestes últimos anos e jogou acusações e exigências a uma oposição que nenhuma responsabilidade tinha nem na feitura da dívida, que aliás foi denunciando, nem tinha que ter na sua solução, porque não era governo, importa dizer ainda algo, comparando diacronicamente comportamentos políticos.

Em situação muito menos grave e com mais instrumentos de reabilitação da economia, como era a detenção nacional da política monetária, que permitia a solução dos problemas com relativa facilidade, mesmo assim, para acelerar a recuperação financeira e económica, os então primeiro-ministro Mário Soares e vice-primeiro-ministro Mota Pinto, por pressão do então Ministro das Finanças e concordância dos líderes parlamentares da maioria apoiante do governo, entre os quais me contava, então líder parlamentar, numa altura em que os grupos parlamentares não eram meras correias de transmissão das vontade dos lideres partidários, avançou para um pedido de ajuda do FMI, em termos calculados e preparados.

 

Tendo presente a relatividade da produção anual da riqueza gerada pela economia do país, face ao nível de endividamento crescente (cujo montante e momentos de pagamento impunha ao governo não só que tivesse que evitar acentuar como devia conhecer com exactidão e dar a conhecer com verdade, o que só começa a permitir que se perceba, e mesmo assim parcialmente, em 2010 e 2011), tudo devia estar preparado e negociado para se recorrer ao FEEF-FMI há muito. Tal devia ter ocorrido no preciso momento em que os juros ultrapassassem os 5%, ou seja, logo em 2010, nunca já com corda ao pescoço e após admissão de juros comprometedores em termos de pagamentos ou da economia do país.

Hoje, para o país não entrar em “falência nacional” e, mesmo assim, comprometendo excessivamente o desenvolvimento económico nos próximos anos, iremos pedir ajuda, recorrendo ao FEEF-FMI, desnecessariamente pagando mais em juros comprometidos no mercado muito para além do objectivamente razoável e sobretudo das próprias possibilidades reais da nossa economia, negociando na UE em piores condições e até já, perante o nível insuportável dos juros, o abuso de recurso à banca portuguesa para os refinanciamentos (à custa do endividamento desta no exterior ou do corte de dinheiro na nossa economia) e o jogo governamental de concentração de pagamentos no próximo ano (tudo já sem poder evitar a necessidade de impor uma reestruturação dos pagamentos e juros, ou seja, da dívida portuguesa).

 

4.3. Presidente da República

 

Como é possível que um Presidente da República não siga a evolução dos défices orçamentais e dívida do país, durante todo um mandato inteiro, em que se processou a maior parte do endividamento actual (passando para o dobro), sem travar o fenómeno ou, pelo menos, denunciando-o no parlamento, na opinião pública, recusando-se a empossar um governo minoritário e com continuidade dos responsáveis pelos erros anteriores, ou demitindo-o face ao agravar da situação, que se constatava que iria por em causa a solvabilidade financeira, a economia do país e o respeito pela Constituição e direito dos cidadãos aí consagrados?

Para que serve um Presidente, universalmente sufragado, durante o primeiro mandato, se, no desejo de fazer um segundo mandato presidencial, se demite dos seus poderes e se cala face a erros graves e mesmo insuportáveis dos governos instalados, por mera ambição de poder captar alguns votos no seu campo partidário em ordem a melhor garantir a reeleição? Um presidente, cuja maior preocupação foi fazer esquecer os desvios financeiros de colaboradores próximos, evitar um governo do seu partido antes da sua recandidatura (o que poderia comprometer a sua popularidade, face à situação em que o governo de então estava a colocar o país, e assim apoiar um governo do campo partidário que lhe era menos favorável para tentar captar votos nesse espaço eleitoral.

O anterior Presidente português, logo que percebida a sua impopularidade, acabou com um governo com mera invocação oficiosa de questiúnculas orgânicas de natureza pessoal, sob pressão do discurso interesseiro da boa e da má moeda do então perfilado candidato ao lugar, demitindo o Parlamento, apesar de o mesmo governo manter apoio partidário com maioria parlamentar, E este actual presidente não consegue (ou não teve interesse pessoal, no seu primeiro mandato), mudar nem um mero governo minoritário, fonte dos desastres financeiros do Estado, que comprovadamente nem sequer consegue minimamente suster. E por quê os meros actuais e atrasados lamentos sobre os limites dos sacrifícios ou os fortes apelos à revolta da juventude, quando o é ao Presidente da República que cabe alterar a situação de degradação político-económico-financeira a que se assiste diariamente. Ele pode (eventualmente, até sem dissolução do Parlamento, se entendido como inconveniente, no actual contexto da problemática da evolução da dívida pública e relacional europeu), limitar-se a demitir o Governo, para assegurar o urgente e regular funcionamento com êxito da uma governação anti-crise e contrariar o rasgar da Constituição (que jurou cumprir), pelo actual elenco governativo, dada a impossibilidade de entendimentos estabilizados e a inadiabilidade da criação de um governo de maioria ou mesmo mais ampla coligação, que esteja em condições de seriamente poder defender o regular funcionamento futuro dos direitos dos cidadãos e concomitantemente das instituições democráticas.

Até às eleições presidenciais, venceu a política dos interesses, em vez da política do país? E, agora, para que serve um Presidente?

 

4.4.Norma-travão governamental para as despesas públicas

 

Hoje, o perigo de criação de despesas incontroladas não vem do parlamento mas do governo do Estado e doutras Administrações indirectas, institutos e empresas públicas, e administrações autónomas.

Por isso, importa acrescentar também uma norma-travão na actuação destas entidades. E impedir juridicamente políticas de alcatrão e betão que criem endividamentos não só exteriores excessivos, devendo a gestão pública tender para o equilíbrio e, pelo menos, em geral em níveis nunca superiores a uma dada percentagem do PIB, calculado legalmente dentro de um quadro de referência que tenha presente, por um lado, a realidade económica e receitas fiscais normais do país e, por outro, as taxas de juros praticadas. E, de qualquer modo, parece razoável o impedimento da ultrapassagem de 30% face às receitas normais da média dos últimos três anos e com perspectiva da garantia de pagamento dentro do mandato em curso, para não hipotecar a aplicação dos programas e gestores que se lhe seguem. E sempre se em causa estiverem investimentos públicos altamente reprodutivos na economia nacional, regional ou local.

Esta norma-travão deve ser constitucionalizada em ordem a permitir tirar consequências constitucionais da sua infracção. Deve haver estipulação de um máximo de endividamento, com garantia de ampla transparência pública no processo e exigência co-responsabilização com aprovação formal dos vários órgãos de soberania, face às propostas governamentais, e ficar o seu cumprimento garantido ainda com possibilidade de demissão de quem não cumprir com as regras constitucionais e legais sobre a matéria: do governo pelo presidente, de outros dirigentes públicos de Administração indirecta pelo governo e dos de Administração autónoma pelos tribunais, em processo urgente.

Nesta perspectiva, o artigo 195.º da Constituição deve ser reformulado do seguinte modo: “2.O Presidente da República pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado, e sempre que os níveis de endividamento público, que lhe cabe preservar ou impedir, ultrapasse o disposto na Constituição e leis complementares sobre a matéria”. A este normativo, deveria, ainda, acrescentar-se outro n.º3 que permita tornar menos oneroso e eventualmente inútil o processo de substituição do governo, evitando um novo processo eleitoral.

Ou seja, que, permitindo esta demissão-sanção do primeiro-ministro, corrija a situação anómala, mas sem necessidade de eleições antecipadas, dando ao Presidente da República a possibilidade de optar entre a dissolução simultânea da Assembleia da República ou a exigência de os partidos, designadamente o maioritário, existindo, apresentarem um novo nome para presidir ao governo, a constituir num curto espaço de tempo após a demissão do anterior primeiro-ministro.

 

4.5.Sistema de governo

 

O sistema político vigente, apesar da profunda revisão que sofreu constitucionalmente em 1982, preso ainda quer à necessidade de sedimentar o sistema partidário recente quer às raízes originais do período revolucionário e dos compromissos aí assumidos, sem prejuízo dos avanços institucionais e mesmo programáticos que então mereceu, não permite evitar soluções e situações indefensáveis ou que permitam facilmente ultrapassar os problemas.

Pelo contrário, em vários aspectos, favorece estabilidades com sentido de continuidade desestabilizadora, corruptora, personalizante dos poderes e confiscadora das representatividades.

Há um deficit democrático no modelo vigente, não só no âmbito funcional, como mesmo no legitimador ou relegitimador, que as várias revisões constitucionais, presas a matrizes anteriores, não conseguiram ultrapassar.

 

Só um governo de grande expressão nacional, considerado responsável e amplamente relegitimado, com figuras novas, não desprestigiadas neste processo de endividamento descontrolado, ou seja afastando as caras do passado recente, como aconteceu na Islândia, que englobe (organicamente e não apenas em termos de compromissos) pelo menos os “partidos do arco das governações”, pode dar confiança externa e, por isso, ter capacidade de renegociar firmemente, em termos devidos, com a UE-FMI e os credores do mercado financeiro.

 

E Portugal tem que potenciar o crescimento económico e evitar investimentos públicos com empréstimos para poder pagar o endividamento da década anterior. Mas, em vez disso, vai ter de (e com um escandaloso acentuar permanente de despesas em grandes projectos, por parte deste governo, em contratos assinados até ao último dia antes da aceitação da demissão), pagar, cada vez mais com decréscimo acentuado do seu desenvolvimento económico.

Após quase quatro décadas de vivência democrática, segundo o modelo experimentado com base na formulação constitucional saída da Revisão de 1982, a solução passa hoje pela procura urgente de um governo maioritário (contra a anacrónica concepção de que um governo, representando uma parte menor do eleitorado, é aceitável trasverti-lo como representativo da maioria e portanto democrático).

E, aliás, nesta situação de crise radical e insuperável por muitos anos, urge a procura de um governo capaz de fomentar um amplo consenso de todas as forças políticas no sentido de uma grande Reforma Global do Estado, Democratização dos Partidos e da Representatividade dos Deputados e portanto do Parlamento, revisão do sistema jurisdicional, Dinamização Interna da Economia e luta sem complexos pela revisão dos termos da nossa relação com a União Europeia.

 

4.6.Políticas de desenvolvimento global

 

No âmbito das políticas de desenvolvimento para uma maior competitividade e maior coesão económico-social, designadamente do desenvolvimento sustentável, nacional, regional e local, e seu planeamento estratégico e territorial, importa avançar regionalmente com planeamento integral, articulando o planeamento físico e o estratégico, e apoios à programação e aos investimentos, com tomadas de medidas decisivas, especificamente em relação com as regiões fronteiriças e regiões rurais. Estas necessitam de uma acção muito activa, sem o que não se mantém o actual já mínimo de 25% de ocupação humana, lutando contra o contínuo despovoamento destas últimas décadas, para não deixar destruir o mundo rural-humano tradicional, o que exige evolução em termos de bem-estar e qualidade de vida das populações aí residentes.

 

Impõe-se, naturalmente, uma corajosa reforma do enquadramento funcional dos sectores económicos e financeiros, conotados com a crise, e centrar o apoio financeiro das entidades públicas ou de sub-fiscalidade prioritariamente nos sectores de exportação, de substituição de importações, de criação de alto valor acrescentado, e para efectivar projectos públicos apenas sem acréscimo de endividamentos externos e sobrecarga orçamental, projectos de inovação enriquecedora do país e, sobretudo, a situar ou situadas em regiões com mais assimetrias de desenvolvimento.

Portugal tem que se afastar decididamente do apoio ou recepção de políticas europeias de pagamento de desinvestimentos em sectores de produção em que há experiencia e tradições, condições naturais e vantagens comparativas passíveis de dinamizar, e inversamente caminhar no sentido de reforço do tecido produtivo e diminuição de aquisições ao estrangeiro com consequente desequilíbrio nas balanças financeiras, no sector primário em ordem a uma maior auto-abastecimento e redução de importações, no das pescas, no secundário sobretudo onde o consumo interna pesa excessivamente na balança de pagamentos e no terciário, seja no turismo seja em áreas de massa cinzenta.

No âmbito da sua tradução territorial, das políticas de desenvolvimento situado, ao Estado deve caber apenas o Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território, e articuladamente com os órgãos regionais, os Planos Sectoriais de Intervenção Territorial. Os Planos Especiais de Ordenamento do Território, enquadrados pela legislação supranacional e nacional pertinente, devem caber a os órgãos regionais, tal como os Planos Regionais de Ordenamento do Território; e, com substituição dos Planos Intermunicipais de Ordenamento do Território, quando tal possa ser útil, pela figura de Planos Regionais de Ordenamento do Território Parciais (planos sub-regionais), uns e outros em articulação com os municípios.

 

No âmbito das soluções para a crise financeira, impõe-se a promoção da qualidade de vida e bem-estar em todos os domínios da vida do indivíduo e da sociedade e da própria sustentação futura do Estado, o que impede qualquer medida facilitadora imediata de corte do nível de rendimentos das classes trabalhadoras ou reformados, assim como impede aumentos de impostos, o que dificulta a vida económico-empresarial, o consumo, o aforro e o investimento. E isto, a prazo, acaba por também deteriorar a própria receita do Estado.

É claro que as actuais soluções oficiais, ditadas ou apadrinhadas pelo Poder, e, muitas por pressão exterior, são questões fundamentais que afectam a vida dos cidadãos.

Tal coloca a necessidade de defender alternativamente a resolução dos problemas financeiros do Estado sem pôr em causa as conquistas do Estado Social, os direitos sociais adquiridos, como o do acesso à saúde, educação, segurança e trabalho e outros consagrados na Constituição e normas internacionais.

Hoje, constata-se que a situação de crise (e medidas avançadas pressupostamente contra ela, apenas no imediato, e com efeitos desastrosos no futuro) convive com deficits de representatividade popular da classe política, da legitimidade originária e funcional dos Poderes, desde o poder governativo ao judicial e de democraticidade interna dos partidos, com a erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos.

Impõe-se uma mudança nacional, em termos de criação de confiança e capacidade de alteração radical, regeneradora, no rumo da governação do país, que terá de assentar em soluções de representação necessariamente maioritária e com garantia de consensualidade nas medidas, estabilidade e condução pelos cidadãos escolhidos entre os mais capazes, e mudança consequente das políticas públicas.

 

 

4.7. Reforma da organização global da Administração Pública

 

No âmbito da reforma da organização global da Administração Pública portuguesa, importa repensar quase tudo:

-pensar na eliminação substancial das dezenas de milhar de administrações indirectas (institutos públicos e empresas de entidades públicas), através da reintegração nos organigramas ministeriais (sem personalidade jurídica do Estado e dos municípios) ou de concentrações generalizadas, quando tecnicamente eficaz;

-redução a um único órgão deliberativo (v.g., modelo Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos), sem personalidade jurídica, no que se refere às entidades administrativas independentes;

-sujeição à aprovação ministerial de todos os orçamentos das entidades que devam continuar;

-publicação de una sunshine law geral segundo o modelo dos EUA para os órgãos colegiais, abrindo à assistência do público e comunicação social todas as reuniões dos órgãos dirigentes de entidades públicas não empresariais e empresariais de serviço público;

-a fixação legal de critérios de remuneração, incluso com tectos máximos e prémios de produtividade, de todos os dirigentes das Administrações Públicas e organismos de sua propriedade, incluindo institutos e empresas do Estado e entes infra-estaduais;

-a existência das “freguesias”, a eliminar como figura autárquica e a reenquadrar no conceito de municipalidade, com reponderação do mapa dos municípios[126];

-fazer coincidir em general as circunscrições regionais do Estado com os territórios das novas regiões autárquicas, representativas;

-atribuir a coordenação de estes organismos das circunscrições dos distintos ministérios fora da capital aos representantes do Governo, convolados em cargos de Administração altamente qualificados e não mais partidários, com o Estatuto de Governador Civil Regional semelhante ao do modelo do Prefeito francês.

 

As figuras de associações intermunicipais de interesse geral nada resolvem, sendo uma mera estratégia inconstitucional, teledirigida a partir de cima, do Estado, criando estruturas orgânicas de pseudo-substituição, cuja ineficácia promocional do desenvolvimento e competitividade tem sido nula.

E isto, naturalmente, ausência de representatividade directa e, portanto, de órgãos e eleitorado próprio, e da sua submissão total a uma lógica agregadora dos meros interesses municipais, contrariando um conjunto de princípios constitucionais (tipicidade, especialidade, falta de representatividade directa dos seus órgãos, atribuição de poder regulamentar exterior de Administração territorial) e, portanto, a assunção de poderes de ente territorial menor contra a tipologia constitucionalmente imposta[127].

 

Há muito que defendemos, não um conceito de autonomia regional ou municipal baseado em poderes exclusivos, mas sobretudo na interadministratividade, com intervenção geral, cooperativa ou integrativa, na línea da concepção burmeisteriana de autonomia local[128], a única que permitirá não deixar depauperar o real poder dos municípios e ajudará a criar um complexo Estado-Regiões e municípios fortemente cooperativos.

 

Como afirmava a comissária Hübner, no relatório Barca, de 27 de Abril de 2009, a «política de coesão é um pilar central do processo de integração europeia», devendo todas as regiões «poder realizar plenamente o seu potencial em termos de desenvolvimento económico» e todos os cidadãos poderem «beneficiar das reformas políticas, independentemente do lugar onde vivam»[129].

 

Ou seja, quanto à reforma do Estado-Administração, no plano regional e do desenvolvimento regional e local, haverá que, no âmbito da organização da Administração territorial do Estado, voltar (em simultâneo com a eliminação da estrutura das freguesias, a maior parte dos institutos dependentes do Estado e das empresas públicas - ou seja, em geral das entidades de administração indirecta- e redução generalizada de serviços públicos concentráveis e despesas em bens de consumo evitáveis efectivadas por estes), a um novo projecto de concretização política da regionalização, que é algo ínsito ao repto de desenvolvimento de todas as partes do território nacional e a um correcto planeamento estratégico e territorial regional (factor de desenvolvimento endógeno próprio e colchão de esbatimento das consequências dos erros das políticas da Administração nacional), que potencie níveis iguais de qualidade de vida dos cidadãos, vivam onde viverem.

As regiões administrativas, de natureza meramente autárquica e não política, estão mais vocacionadas para a afirmação proactiva de lideranças e governações dinamizadores dos distintos territórios e para actuar essencialmente nos domínios do planeamento e da definição das prioridades de actuação do sector público em cada uma delas, da programação das políticas públicas e da afirmação das potencialidades regionais, endógenas, com acréscimos de eficiência, com decisões mais céleres, mais participadas e mais próximas dos destinatários. Uma reforma eficaz e de poupança de despesas públicas só pode concretizar-se através da regionalização do país. Não é por acaso que os grandes problemas actuais de endividamento se passam nos três países não regionalizados, pese embora a especificidade da Irlanda, e que o FMI imporá à Grécia uma reforma do Estado no sentido da criação de regiões administrativas. Tudo para impedir novas derrapagens do poder central. E tal deve mesmo funcionar como uma condição de regeneração da política portuguesa, pelo que devia também ser uma das exigências, por parte da UE-FMI, integrantes da reforma administrativa do Estado, no actual processo de resgate financeiro para garantir, no futuro, a divisão das decisões de investimentos e multiplicação do controlo no campo dos gastos futuros.

 

Há uma Administração Pública com excessivo centralismo, afectando negativamente a rapidez aplicativa e adaptativa, ou seja, a eficácia das políticas públicas e o desenvolvimento harmonioso dos seus territórios, objectivo primordial de uma necessária instituição de regiões autárquicas, vocacionadas para a afirmação proactiva de lideranças e governações dinamizadores dos distintos territórios, embora limitada a actuações essencialmente nos domínios do planeamento e da definição das prioridades de actuação do sector público em cada uma delas, da programação das políticas públicas e da afirmação das potencialidades regionais, endogenizantes, com acréscimos de eficiência, com decisões mais céleres, mais participadas e mais próximas dos destinatários.

 

Urge concretizar este projecto constitucional da regionalização, que é algo ínsito ao desafio de desenvolvimento de todas as partes do território nacional e a um correcto planeamento estratégico e territorial regional que potencie níveis iguais de qualidade de vida, em que se exige novos enquadramentos e procedimentos que a viabilizem.

O seu enquadramento deve processar-se em novos moldes e só tem real sentido numa visão reformista global do Estado.

Assim:

a)-no âmbito do quadro constitucional da regionalização, exige-se uma revisão constitucional, eliminando a exigência da criação simultânea das regiões e a imposição do referendo nacional. Um referendo, a existir, só teria sentido quanto à criação em concreto de cada região e em consulta apenas ao eleitorado da respectiva região, não sendo aceitável que regiões já existentes ou em formação possam pronunciar-se pelo bloqueamento de outras que se pretendem também instituir;

b)- no seu âmbito procedimental, quer se parta em termos reformistas de actuais realidades associativas quer não, a conformação geográfica final deve resultar da pronúncia dos poderes locais implicados no processo. E não de qualquer referendo-ratificação de um mapa nacional, pré-decidido pelos poderes nacionais e partidários ou referendo inicial de qualquer projecto quanto ao sentido, tempo construtivo, territórios e capitais ou atribuições. Aceitando-se ritmos diferentes do projecto de reenquadramento georegional, método já adquirido nas experiências associativas alargadas desta década. A aprovação final de cada território regionalizado deverá depois passar por Lei da Assembleia da República, e consequente marcação de eleições para os novos órgãos da Região em substituição dos órgãos associativos e dos das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (representatividade directa);

c)- no âmbito da estrutura orgânica, poderes e atribuições destas autarquias supranacionais, deve aceitar-se a aplicação da actual Lei-Quadro das Regiões Administrativas, aprovada por unanimidade em 1991, sem prejuízo de futuros aperfeiçoamentos, aliás exigíveis em todas as entidades territoriais infra-estatais, não tanto no plano macro-orgânico ou material, mas da interadministratividade, cooperativa ou integrativa, substituindo poderes de intervenção excessiva, por partilha de poderes de pronúncia ou decisão.

 

É urgente avançar com modificações no sentido da Reforma da Organização da Administração Pública com a racionalização dos seus gastos, através da reorganização e extinção ou concentração de milhares de entidades institucionais e empresariais dos poderes públicos, uniformização das circunscrições de Administração regional do Estado e reformulação dos entes autárquicos já existentes, freguesias e municípios.

 

4.9. Défice de representatividade do Parlamento e reformas do sistema eleitoral e do funcionamento dos partidos

 

Quanto à reforma dos partidos e da representatividade do Parlamento, no que concerne à concretização de um mais adequado sistema das representatividades, deve reenquadrar-se todo o sistema eleitoral no plano global, contando, segundo o método de conversão proporcional, com o novo nível regional de poder territorial, dando-lhe também e simultaneamente expressão mesmo para o Parlamento nacional (em vez do artificial nível distrital). E instaurando o nível uninominal de base municipal.

Quanto ao sistema partidário, há que criar, embora com alternativas de livre escolha técnica, um enquadramento uniformizado sempre que estejam em causa valores e princípios democráticos de funcionamento interno da vida partidária, ínsito ao modelo de sociedade inscrito na própria Constituição.

 

4.10. Reforma do sistema judicial e segurança

 

Quanto à reforma do sistema judicial, especificamente sobre a reforma da organização global do Estado-Jurisdição, importa, desde logo, acabar com o incumprimento generalizado do direito a um processo ou decisão judicial sem dilações indevidas (n.º2 do artigo 32 da CRP e alínea c) do n.º3 do artigo 14 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos). Com efeito, a ideia de Justiça implica o respeito pelo direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas (prazo previsto na lei, com um lapso temporal proporcional à complexidade do processo), o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso de direitos cujo exercício fique comprometido se não se desencadearem logo medidas expeditas para o reintegrar (v.g., direito de habeas corpus, do artigo 31.º da CRP, providências cautelares), o direito a um processo de execução rápido e eficaz (n.º3 do artigo 208.º), o direito à existência de recurso (duplo grau de jurisdição) em qualquer situação em matéria penal[130] e de direitos fundamentais, mesmo fora do âmbito penal, não podendo a regulação legal sobre os graus de jurisdição ser eliminada, mesmo que estejam em causa titulares de poderes públicos.

Em geral, há que repensar as carreiras do Ministério Público e dos Juízes, valorizando os valores do mérito, maturidade e rapidez de soluções, o que implica reordenar consequencialmente a magistratura de maior responsabilidade, porque decisória, a jurisdicional, com relação à investigatória e promocional dos processos, voltando ao sistema de carreiras sucessivas, anterior a 25 de Abril, sem prejuízo quer da integração de especialistas de mérito nos tribunais superiores quer do valor acrescido do estágio no CEJ para as categorias de ingresso e incremento da formação contínua. Há que criar soluções de transparência no exercício das magistraturas, obrigando à publicitação do conhecimento de cargos, interesses e filiações anteriores, com impedimento de intervenção (sem comprometer em geral o princípio do juiz natural), em processos em que possa estar em causa a sua imparcialidade, mesmo em julgamentos implicando titulares dos poderes instituídos. Há ainda que efectivar a concentração das organizações policiais e das de investigação criminal; e evoluir para dinâmicas de redução-eficácia dos empolados serviços de informações.

 

4.11. Integração na União Europeia e na União Monetária

 

No que concerne à nossa integração na União Europeia e na União Monetária, importa acabar com subserviências aos interesses dos países fundadores do Norte e efectivar uma frente dos Estados mais pequenos e sobretudo do Sul da Europa, no sentido de impor uma autêntica federação europeia, com tudo o que isso implica, no âmbito da melhor distribuição dos poderes, apoios e institucionalização das solidariedades, assim como pugnar pela imposição de políticas concebidas não só segundo os interesses do Norte mas também dos países do Sul, com democratização das políticas do Banco Central, concebido não apenas para servir os interesses dos países mais desenvolvidos, como a Alemanha, mas para se adaptar aos diferentes problemas dos vários países e controlado segundo lógicas plurinacionais e representativas dos vários interesses europeus.

Se o peso dos votos dos representantes dos povos dos Estados podem ser diferente no Parlamento segundo a dimensão do eleitorado, já é inaceitável que, na lógica federal da igualdade de todos os Estados, porque soberanos, o voto no Conselho de Ministros (de facto, a mais decisiva Câmara legislativa, mas a transformar num verdadeiro Senado à americana com membros eleitos ou Bundesrat à alemã, com representantes permanentes dos governos), não seja estritamente igual e com poderes passíveis de questionar e impor reapreciações das decisões dos outros órgãos, seja em termos de políticas internas europeias seja de política externa.

 

4.12. Transparência dos poderes públicos

 

No que respeita ao funcionamento em geral dos órgãos nacionais, dotados de poderes em relação à sociedade, urge uma revisão do ordenamento jurídico e institucional que imponha o conhecimento generalizado e atempado do seu funcionamento, por parte dos cidadãos, em termos de transparência total no exercício das respectivas funções (com o mínimo de excepções, devidamente fundamentadas e controladas, que o exercício das funções possa implicar durante um certo tempo), e com novos poderes das entidades administrativas independentes que garantam plena e rapidamente a ultrapassagem da opacidade que ainda reina generalizadamente, designadamente nas Administrações públicas.

 

***

 

A democracia não se esgota nos actos eleitorais, tantas vezes viciados por técnicas de marketing, volumes escandalosos de montantes gastos nas campanhas eleitorais, empatia ou discursividade fáceis e desesperanças, que levam a enganos ou abstenções significativas.

A soberania está no povo, não nos titulares dos órgãos que o representam e que do seu exercício têm que permanentemente dar informação e prestar contas.

São muitas as parcelas dos sistemas sociais a recriar, a reformar ou a regenerar, pois Portugal vive uma crise generalizada, que no fundo tem como factores mais profundos tudo o que está antes dessa crise e também na base da dificuldade da sua ultrapassagem e seguramente de outras futuras, se não for corajosa e rapidamente alterado.

Os actuais poderes públicos têm que apontar os caminhos e criar as condições viabilizadoras desta reforma urgente, cujo enquadramento se deve processar em novos moldes e com uma visão reformista geral do Estado, adequada às realidades em que o país se insere neste novo século, que nem é a do liberalismo revolucionário do início do século XIX, nem do modelo instalado no período pós-monarquia nem no pós-25 de Abril, no início do último quartel do século XX.

O Mundo e a Europa mudaram e continuam a mudar cada vez mais rapidamente, e Portugal quis agarrá-los, mas com soluções do passado em vez de ter a coragem de se aceitar ter de se repensar e repensar, como fizeram, umas vezes melhor, outras menos bem, mas fizeram, os revolucionários e reformistas que a história regista.

 

 

 

 


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(Contracapa)

 

Este livro do antigo líder parlamentar do PSD, deputado europeu, co-fundador do PPD, em Maio de 1974, e actual catedrático de Ciência Política e Direito Público, Fernando Condesso, versa sobre os défices do modelo concreto de democracia em que vivemos, tema que está antes dos temas das crises, que ciclicamente aparecem como a sua epiderme, consequência e logo também causa desse modelo.

A democracia na sua concretização histórica é e será sempre um ideal de realização inacabada, com avanços e retrocessos. E, por mais avançada que pareça, não evita que todo o governo, inclusive “representativo”, se não devidamente controlado, tenda a combinar elementos democráticos com uma dimensão oligárquica, ou mesmo à criação de contextos propiciadores de atitudes autocráticas.

Hoje, em Portugal, constata-se que a situação de crise e medidas avançadas pressupostamente contra ela (concebidas apenas para resultados no imediato e visibilidade exterior, e com efeitos desastrosos internos, no futuro, só explicáveis por deficits de representatividade popular da classe política), convivem com faltas de legitimidade originária e funcional dos Poderes, desde o poder governativo ao judicial e de democraticidade interna dos partidos, com a erosão acelerada da confiança nos dirigentes políticos.

Os caminhos que defendemos são diferentes. Não passam pelo ataque aos direitos adquiridos e aos elementos fundamentais do Estado Social. Nem a descidas de remunerações. Nem a aumentos de impostos. Nem ao questionamento da segurança social.

Após quase quatro décadas de vivência democrática, segundo o modelo experimentado com base na formulação constitucional saída da Revisão de 1982, importa hoje a procura urgente de um novo quadro de referência para a vida política que aponte para a formação de governos de apoio maioritário.

São muitas as parcelas dos sistemas sociais a recriar, a reformar ou a regenerar, pois Portugal vive uma crise generalizada, que, no fundo, tem como factores mais profundos tudo o que está antes desta crise e também na base da dificuldade da sua ultrapassagem e seguramente de outras futuras, se tudo não for corajosa e rapidamente alterado.

Os futuros titulares de poderes públicos têm que apontar os caminhos e criar as condições viabilizadoras de uma reforma, radical e urgente, cujo enquadramento se deve processar em novos moldes, não para continuar a rasgar a Constituição, sacrificar o Estado Constitucional Democrático Social de Direito, mas com uma visão reformista geral do Estado, adequada às realidades mundiais e europeias, em que o país se insere, neste novo século, que nem é a do liberalismo do início do século XIX, do modelo instalado no período pós-monarquia do início do século XX, do período pós-25 de Abril, nem a da Revisão Constitucional de 1982.

O Mundo e a Europa mudaram e continuam a mudar, cada vez mais rapidamente, e Portugal quis agarrá-los, mas com soluções do passado, em vez de ter a coragem de aceitar ter de se repensar, como fizeram, umas vezes melhor, outras menos bem, mas fizeram, os revolucionários e reformistas que a história regista.

 



[1] MANIN, Barnard -Principes du government representatif. Paris : Calmann Lévy/Fondation Saint-Simon, 1995, p.305.

[2] Do Contrato Social, 1762.

[3] MICHELS, Robert –Los partidos politicos 1.: Un studio sociológico de las tendencias oligárquicas de la democracia moderna. Tradução de Enrique Molina de Vedia. Buenos Aires:Amorrortu editors,1991.

[4] BOURDIEU, PIERRE  –Homo Academicus. Paris: Les Éditions de Minuit, 1984, 2001.

[5] HARDT, M., e Negri, A. -Empire, Cambridge,Mass: Harvard University Press, 2002.

[6] CORCUFF –Las Nuevas Tecnologías. Madrid: Alianza Editoral, 2008, p.159.

[7] HORKHEIMER, MAX – Teoría Tradicional y Teoría Crítica, 1937.

[8] RICOEUR, PAUL -Lectures on ideology and utopia.Columbia Univ. Press, 1986.

[9] RANCIÈRE, Jacques -Mésentente: Politique et Philosophie, p.37.

[10] RONFEL, David e ARQUILA, JOSEPH -The promise of Noopolitk, First Monday, Aug.2007; GRANT, RICHARD -The democratization of Diplomacy: Negotiating with the internet, Clingendael Discussion Paper 2005.

[11] DOS RÍOS, Nagore -xXX, p.188.

[12] CASTELS, M. –Comunicación y Poder. Madrid: Alianza, 2009.

[13] CALDERÓN, César; LORENZO, Sebastián –Open Government: Gobierno Abierto. Alcalá la Real: Algón Editores, 2010, p.13.

[14]Vide, nesta linha de actuação, v.g., Obama:www.whithehouse.gov/the_press_office/ TransparencyandOpenGovernment): a transparencia radical.

[15] A. e o.c., p.16.

[16] SUETÓNIO -Claudius, 21, apud RUDDER, Orlando de –Cogito, ergo sum, p.37.

[17] Veja-se as actas com a proposta do autor e o debate na Comissão de Revisão Constitucional do Parlamento português, na primeira metade da passada década de noventa; revisão abortada pela cessação de funções da Assembleia da República. A sua importância mede-se, desde logo, pelo volume de processos e percentagens de desfechos positivos dos mesmos, ocorridos nos Tribunais Constitucionais de outros países, e que demonstra também que as próprias judicaturas podem ser liberticidas e a inconstitucionalidade surgir em instâncias finais, sem prossibilidade de recurso na mesma ordem jurisdiccional ou no Tribunal Constitucional, a inexistir tal tipo de recurso directo, com decisões subitamente inconstitucionais, desde logo desprezando, v.g., a interdição de indefesa (CONDESSO, F. -Regime Administrativo e Justiça Administrativa. Autonomia do Direito Administrativo e Jurisdição Administrativa. Princípio constitucional da tutela judicial efectiva e de interdição de indefesa. Noções fundamentais sobre direito judiciário e processual administrativo. Texto policopiado, Lisboa: ISCSP, 2007, 201 páginas).

[18] Corrupção e tráfico de influências: corrupção em sentido amplo.

[19] E, em Portugal, quanto ao presidente, ao contrário, estamos perante um cargo, que, tendo - por ser de sufrágio directo universal - uma legitimidade excessivamente anormal para as funções quotidianas que, em parte por disposição constitucional, em parte por demissão funcional, mesmo em períodos de crise e de governos minoritários, vem desempenhando na prática destas décadas.

[20] CONDESSO, 2004; 1998, p.15-19 e 259-265.

[21] Vide, CONDESSO, F. -«Segredo de Estado».In Direito da Comunicação Social.Coimbra: Almedina, 2005, p.270 e ss.; –O direito de acesso à documentação detida pela administração pública portuguesa. (Lição proferida em Provas de Agregação em Ciências Jurídico-Políticas). Lisboa, 2005.

[22]  CALDERÓN, César; LORENZO, Sebastián –Open Government: Gobierno Abierto. Alcalá la Real: Algón Editores, 2010, p.57.

[23] L’Ère des Organizateurs, 1942.

[24] Power elit, 1956.

[25] BAUDOUIN, J.- o.c., p.94.

[26] MIRANDA, Jorge -«Sistema eleitoral e democracia interna a nível dos partidos». In Direito dos Eleitores, Seminário Internacional, Lisboa, UML, 1998, organizado pelo autor e pelo Dr. Luís Nunes de Almeida, juiz do TC e posteriormente seu presidente.

[27] Questão que havia merecido alterações ão Regulamento do Parlamento português na primeira metade da passada década de noventa, cuja essencia global resulta do conjunto de alterações apresentadas pelo autor (então deputado nacional, recém chlegado de funções como deputado europeu), particularmente a mudança dos dias de reuniões do Plenário durante a semana: deixando as segundas e terças-feiras como dias livres para contactos com o eleitorado.

[28] Quanto a estes temas, vide o debate, com os maiores especialistas estrangeiros (MASSIMO LUCIANI, DIETER NOHLEN, MIGUEL MARTÍNEZ CUADRADO, LESZEK LECH GARLICHI, MICHAEL KRENNERICH, LOUIS FAVOREAU, ANDRÉ ROUX, PABLO LUCAS VERDÚ), efectuado em 27 e 28 de Fevereiro de 1998 (publicado em Direitos dos Eleitores. Lisboa: UML, 1998, 292 páginas), e em que também expuseram as suas posições o Presidente da República de então, JORGE SAMPAIO, o Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, LUÍS NUNES DE ALMEIDA, Professores VITAL MOREIRA, JORGE MIRANDA, MARIA LUÍSA DUARTE, BRAGA DA CRUZ (actual reitor da Universidade Católica), MARGARIDA SILVA PEREIRA, LUÍS CABRAL DE MONCADA, o Ministro dos Assuntos Parlamentares, ANTÓNIO COSTA e representantes dos partidos (ANTÓNIO VITORINO, PAULO PORTAS e LUÍS DE SÁ) e o organizador, FERNANDO CONDESSO.

[29] Então professor do Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa, no Seminário Internacional Direitos dos Eleitores, 27 e 28 de Fevereiro de 1998, CEJ-UML. Vide, ainda, a sua exposição nesse Congresso sob o tema “A reforma eleitoral: que perspectivas?”, p.267 e ss.

[30] Os processos urgentes de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 109.º e ss. do CPTA), que já podem ser requeridos nos tribunais administrativos, são outra coisa bem distinta, estando em causa, não actos processuais em geral, dos tribunais, mas actuações ilegais da Administração Pública ou particulares incumbidos de tarefas da Função Administrativa, no âmbito do exercício em concreto dos direitos fundamentais, quando seja necessária “a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar. Sobre o princípio da interdição de indefesa, vide, CONDESSO, F. -Regime Administrativo e Justiça Administrativa. Autonomia do Direito Administrativo e Jurisdição Administrativa. Princípio constitucional da tutela judicial efectiva e de interdição de indefesa. Noções fundamentais sobre direito judiciário e processual administrativo. T.Polic.ISCSP. Lisboa, 2007, 201 páginas.

[31] A ideia de interdição de indefesa tem uma relação estreita com os princípios essenciais do processo, porque estão no âmago da defesa processual, os princípios da audiência, da contradição e da igualdade das partes. É um aspecto importante do direito de defesa que se prende com a possibilidade de apresentar alegações e provas. Exige que o litigante as veja consideradas pelo órgão judicial, que não tendo que as aceitar, as tem que ponderar e valorar, para as aceitar ou rejeitar, não livremente, mas com os fundamentos que entenda oportunos, sendo a devida fundamentação uma exigência do direito de defesa e direito à obtenção de uma apreciação judicial dos factos, na medida em que o órgão judicial deve usar as fontes probatórias para a resolução da litis (vide, v.g., nesta linha temática, Tribunal Constitucional português, Acórdão n.º 100/1994, de 11 de Abril. E, no sentido estrito: Acórdãos do Tribunal Constitucional Espanhol n.º 114/1986, de 2.10. 52; 147/1987, de 25.9; 154/1951, de 10.7; 226/1988, de 28.11; 33/1992, de 18.3; 48/1986, de 23.4; 48/1986, de 29.4; 87/1992, de 8.6; 89/1985, de 6.6; 96/1987, de 10.6; 156/1985, de 15.11).

[32] Vide CONDESSO, F. «A Democracia contra a Democracia». In Congresso 30 anos de Democracia. Organização Associação 25 de Abril, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 11 de Novembro de 2004.

[33] DAHL, 1953, 1977, RAMIREZ, 1985; FOX, C .J. e MILLER, H. T. -Postmodern Public Administration: Towarde Discourse. Thousande Oaks: Sage, 1995, apude VILLORIA MENDIETA, p.99.

[34] Government, evaluation ande change. Londres:Jessica Kingsley, 1991.

[35] BEATO ESPEJO –o.c., 1993, p.24 e 25; VILLORIA MENDIETA - .o.c.., p.22. Sobre a evolução da noção de modernização, vide VILLORIA MENDIETA, Manuel –o.c., p.23, nota 8; BAÑON, R. –«La modernización de la Administración Pública Española:Balance y Perspectivas». Política y Sociedad, n.º13, 1993.

[36] KEANE, J. –Democracia y Sociedade Civil. Madrid: Alianza Universitaria, 1992, p.32.

[37] PÉREZ. DÍAZ, -La primacía de la sociedad civil. Madrid: Alianza Editora, 1993 ,p.77. Vide, também, em geral, «La sociedad civil como posibilidad».In Claves de la razón práctica, n.º50, marzo de 1995.

[38] VILLORIA MENDIETA, MAIOR. –o.c., p.25.

[39] DRYZEK j. ; RIPLEY, b. -«The ambitions of policy design». Policy Studies Review.Summer, vol.7, n.º4, 1988, p.705-719.

[40] FOX, C.J. e MILLER, H.T. –Postmodern Public Administration: Toward Discourse. Thousand Oaks: Sage, 1995.

[41] VILLORIA MENDIETA –oc, p.25.

[42] Sobre a transformação dos partidos em poderes públicos: GIANNINI, Severo Máximo –El Poder Público: Estados y Administraciones Públicas. Prólogo e Tradução de Luis Ortega. Madrid: Civitas, 1991, p.82).

[43] MONTERO, J.R. -«Sobre la democracia en España: legitimidad, apoyos institucionales y significados».In Working Paper, n.º39. Madrid:IJMEI, abril de 1992.

[44] DEL ÁGUILA, R. -«Crisis of parties as legitimacy crisis: A view from political theory». In Working Paper, n.º 39. Madrid:IJMEI, setiembre de 1995.

[45] KEANE, 1992, p.33; PÉREZ DÍAZ, 1993, p.77-.78.

[46] Como bem diz VILLORIA MENDIETA –o.c., p.41.

[47] Sobre a crise dos valores democráticos representativos, BOBBIO, 1987.

[48] VILLAVERDE MENÉNDEZ-o.c., 1994, p.367; NACCÍ-o.c., 1983, p.163; OTTO e PARDO-o.c.,1987, p.99.

[49] FJ 6.º e 8.º da STC 159/86, de 12.12.

[50] A. e o.c., p. 368.

[51] Ibidem.

[52] ROMERO COLOMA, Aurelia María –o.c., 1984, p. 28.

[53] VILLAVERDE MENÉNDEZ, Ignacio –«El estado como fuente de información y como medio de difusión de información». In Estado democrático e información: el derecho a ser informado. Tese doutoral Oviedo: Junta General del Principado de Astúrias, 1994, p.368, nota 445; ZUANELLI, Elisabetta –Communicazione istituzionale e diritto all’informazione. In Il diritto all’informazione in Italia. VVAA. Roma: Presidenza Consiglio dei Ministri, 1990.; BERMEJO VERA, J. –«El derecho a la información de los consumidores y usuarios». In Estudios sobre Consumo: Comentarios a la Ley General de defensa de los Consumidores y Usuarios, n.º3, 1984, p.83 e ss.; ROSSI CARLO, Liliana –«Il diritto all’informazione nei suoi aspetti privatistici». In Rivista di Diritto Civile II, 1984, p.128 e ss, 149 e ss e 152 e ss, apud, p.370, nota 447; PACE, Alexandro –Stampa, Giornalismo, radiotelevisione, Problemi Costituzionali e indirizzi di Giurisprudenza. Padova: CEDAM, 1983, p.247. También citado por VILLAVERDE MENÉNDEZ  -o.c., pág. e nota anterior, KEMPEN, Otto E. -Grundgesetz, amtliche Öffentlichkeitsarbeit unde politische Willensbildung:Ein Aspekt des Legitimationsproblems in Verfassungsrecht, Verfassungspraxis unde Verfassungstheorie. Berlin: Duncker & Humblot, 1975, p.103 e ss.

[54] VILLAVERDE MENÉNDEZ, Ignacio –«El Estado como fuente de información y como medio de difusión de información». In Estado democrático e información: el derecho a ser informado. Oviedo: Junta Geral do Principado de Astúrias, 1994. p.369.

[55] Acórdão do Tribunal Constitucional português, de 15.9.1992.

[56] Ligada também à ideia de transmisão de cultura: EAGLETON, Terry -A Ideia de Cultura. Colecção Memórias do Mundo. Tradução de Sofia Rodrigues. Lisboa: Actividades Editoriais, 2003, especialmente p. 11-24.

[57] Embora a doutrina politológica, começando por GIOVANNI SARTORI (-Homo Videns: La sociedad teledirigida. Madrid: Taurus, 1998, p.17), tenha destacado que «a televisão modifica radicalmente e empobrece o aparelho cognoscitivo do hommo sapiens» (Línneu, in Sistema da Naturaleza, 1758).

[58] ALBERGANTI, Michel -À l’école des robots, línformatique, l’école et vos enfants. Paris: Calmann-Lévy, 2000, apud FINKIELKRAUT, A. e SORIANO, P. –Internet: O Êxtase Inquietante. Tradução de Miguel Serras Pereira.Lisboa: Fim de Século, 2002, p.19.

[59] Como refere DÍAZ BARRADO, «Duas terças partes do negócio do audiovisual a nível mundial (já) pertence (...) a Time Warner, agora fundida com AOL, Microsoft, etc., e 80% dos direitos de exploração visuais. (...). Todos os desesenvolvimentos audiovisuais, embora provenham de outras culturas, submetem-se ao dictat dos valores made in USA» (DÍAZ BARRADO, M..P. –o.c., p.22-23)

[60] De telecracia falava já JAVIER ECHEVERRÍA a propósito da televisão (–Telépolis. Barcelona: Ed.Destino, 1994, apud CADIMA, Francisco Rui -Desafios dos novos media: a nova ordem política e comunicacional. Lisboa: notícias ed., Março de 1999, p.54.

[61] CASTELS, Manuel –L´Ère de L’Information: La societé em réseau.Vol. I, Oxford: Blackwell Publishers, 1996.

[62] De que beneficiam as multinacionais e os Estados, como referem FINKIELKRAUT e SORIANO (FINKIELKRAUT, A. e SORIANO, P. –Internet: O Êxtase Inquietante. Tradução de Miguel Serras Pereira.Lisboa: Fim de Século, 2002, p.13.

[63] BERA, Michel e MÉCHOULAN, Éric -La machine internet. Paris: Odile Jacob, 1999.

[64] COVAS, António -«O desafio da ditadura globalitária» (no capítulo sobre «Os grandes desafios do século XXI»). In A União Europeia: Do Tratado de Amesterdão a um projecto de Carta Constituinte para o Século XXI. Oeiras; Celta, 1999, p.7-9.

[65] FINKIELKRAUT, A. e SORIANO, P. –o.c, p.38.

[66] DÍAZ BARRADO, Mario Pedro. –Humanismo y Sociedad de la Información. Lección inaugural, Curso Académico 2002-2003. Universidad de Extremadura, Cáceres 2002, p.14.

[67] CADIMA, Francisco Rui –Desafios dos Novos Media: a nova ordem política e comunicacional. Lisboa: notícias editorial, 1999, p.9-10.

[68] CLAISSE, Alain -«Présentation synthétique». In L’Evolution des Rapports entre l’Administration et les Usagers: Étude Comparative sous la direction de WIENER, Céline. Avant-propos de COSTA, Jean-Paul. VVAA. Paris:Economica, Institut des Sciences  Administratives, p.197-198.

[69] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo e FERNÁNDEZ RODRÍGUEZ, Tomás-Ramón -Curso de Derecho Administrativo. Vol II, MAdrid: Civitas, 1991, p.453

[70] SÁINZ MORENO, Fernando –«Un caso de aplicación directa de la Constitución: el acceso de los ciudadanos a los archivos y registros administrativos». REDA, n.º24, 1980.

[71] GARCÍA DE ENTERRÍA, E. e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón -Curso de Derecho Administrativo. Vol II, Madrid: Civitas, 1993, p.466-469.

[72] Sobre o tema da reforma e modernização da Administração, vide, v.g., BEATO ESPEJO, Manuel –«Tratamiento Jurídico de los Derechos Reconocidos a los Ciudadanos en el Artículo 35 de la Ley de Régimen Jurídico de las Administrações Públicas y del Procedimiento Común por la Administración de la Comunidad Autónoma de Extremadura. In Anuario de la Facultad de Derecho, Vol. 11, Cáceres: Universidad de Extremadura, 1993, p.24-29.

[73] BRACHET, Ph. -«Interventions». In Colloque sur la Transparence Administrative. Publicado com o tema Information et Transparence Administratives, Centre universitaire de recherches administratives et politiques de Picardie (C.U.R.A.P.P.). Paris: PUF, 1988, p.168.

[74] COUTURE, Eduardo –Fundamentos del Derecho Procesal Civil. Apud PEDRAZ PENALVA, Ernesto – «Notas sobre Publicidad y Proceso». In Poder Jidicial, n.ºXI, especial, p.123.

[75] Vide, v.g., RIBEIRO, Maria Teresa de Melo -O princípio da Imparcialidade da Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1996, com resumo das posições defendidas pela doutrina portuguesa mais significativa a p.98-109.

[76] MENDIETA –o.c., p.98.

[77] ALMOGUERRA GÓMEZ et alteri –Temas de Derecho Público. Madrid: Dykinson, 1999, p.53.

[78] ADAMOELKUN, Lapido –«A Note on Civil Service Personal Policy Reform in Sub-Saharan Africa». In International  journal of Public Sector Management, n.º 6 (p.38-46) , 1993, p.43-44.

[79] O rent-seeking é a designação dada a uma transferência de bens (ou de serviços), pertencentes a uma pessoa ou pessoas em relação administrativa, para o património do próprio funcionário em compensação por uma decisão favorável formulada por este, em qualquer âmbito material de actuação.

[80] O fenómeno de self-dealing traduz o facto de uma pessoa, neste caso com funções públicas, aparecer situada nos dois lados intervenientes de uma operação financeira.

[81] Os custos da corrupção são bem conhecidos, embora nem sempre cientificamente analisados: v.g., vide ACKERMAN,  Bruce e STEWART, Richard –Reforming Environemental Law: The Democratic case for economic Incentives, In Columbia Journal of Environmental Law, n.º13, 1988, p. 171-190; ENVIRONMENTAL INVESTIGATION AGENCY –Corporate Power, Corruption and Destruction of the World’s Forests: The case for a New Global Forest Agreement. London, Washington DC: EIA, 1996; DEACON, Robert T. -«Deforestation and the Rule of Law in a cross-Section of Countries. In Land Economics, n.º70, 1994, p.414-430; KURER, Oscar -«Clientelism, Corruption and Allocation of Resources». In Public Choise, n.º77, p.259-273; HAMILTON, Clive –«The Sustainability of Logging in Indonesia’s Tropical Forests: A Dynamic Input/Output Analysis». In Ecological Economics, n.º21, 1997, p. 183-195; MANZETTI, Luigi –Regulation in Post-Privatization Environments: Chile and Argentine in Comparative Perspective. North-South Center Agenda Papers. Miami: University of Miami, 1997; ROSE-ACKERMAN, Susan –Controlling Environmental Policy: The Limits of Public Law in The United States and Germany. New Haven: Yale University Press, 1995, e –Public law versus Private Law in the Environmental Regulation:European Union Proposals in the Light of United States Experience». In Review of European Community & International Enviroenmental Law, n.º4, p.312-320; LEVINE, David I. e TSON, Laura D’Andrea -«Participation, Productivity and the Firm’s Enviroenment». In Paying for Productivity: A look at the Evidence. Washington DC: The Brookings Institution, 1990, p. 183-244). Implica também ineficácia, neste e noutros domínios materiais  da actuação da Administração Pública (v.g., Annechiaro, Frank  e Jacobs, James B. –The Pursuit of Absolute Integrity: How Corruption Contrai makes Government Ineffective. Chicago; University of Chicago Press, 1996; DONATELLA, Porta della, e VANNUCCI, Alberto -«The Perverse Effects of Political Corruption». In Political Studies, n.º 45, 1997, p.516-538; -«The resources of Corruption: Some reflections from the Italian case». In Crime, Law and Social Change, n.º7, 1997, p.1-24; GUINIER, Lani –The Tyranny of the Majority. New York: Free Press, 1994; MAY, Randolph -«Reforming the Sunshine Act». In Administrative Law Review, n.º 49, 1997, p.415-419; VERMEULEN, Gert –The fight Against International Corruption in the European Union. In Corruption: The Enemy Within. The Hague: Kluger, 1997, p.333-342; LIEN, De la -Hsiang Donalde -«Corruption ande Allocation Efficiency». In Journal of Development Economics, n.º33, p. 153-164; MAURO, Paolo –«Corruption ande Growth». In Quarterly Journal of Economics, n.º 110, p.681-712; ROSE-ACKERMAN, Susan –«Democracy and Grande Corruption». In International Social Science Journal, n.º48, p.365-380; -«Corruption and Goode Governance». Discussion Paper 3. New York: United Nations Development Programme, Management Development and Governance Division, Bureau for Policy and Programme Support, 1997; -«Corruption, Inefficiency and Economic Growth». In Nordic Journal of Economic Literature, n.º34, p.701-728; -«Una Administración Reducida Significa una Administración Más Limpia?». (original: «Is Leaner Government cleaner Government?»). In Nueva Sociedad, n.º145, Septiembre-Octubre 1996, p.66-79; -«Managerial Morality and behavior:The Questionavel Payments Issues». In Journal of Business Ethics, n.º6, p.23-36; -«Corruption and Development». In Annual Worlde Bank Conference on Development Economics 1997. Boris Pleskovic e Joseph Stiglitz (Ed.s). Washington DC: Worlde Bank, p.35-57; MONTINOLA, Gabriella R. –«The Efficient secret Revisited». Paper Presentede at the Latin American Studies Association. Guadalajara: Mexico, 1997; SCHIESL, Martin J. –The politics of Efficiency: Municipal Administration and reform in America 1800-1920. Berkeley: University of California Press, 1977; VVAA –Democracy and Corruption in Europe. Donatella della Porta e Yves Mény (Ed.s). London: Pinter, n.º55, sobretudo SEIBEL, Wolfgang –«Corruption in The federal Republic of Germany Before and in the Wale of Reunification», p.777-792; SHLEIFER, A. e VISHNY, R. -«Corruption». In Quartely Journal of Economics, n.º108, 1993, p. 599-617; Mexico, Federal Executive Power -Program for the Modernization of Public Administration 1995-2000. Mexico City, 1996; MOE, Terry -«The Politics of Structural Choise: Towards a Theory of Public Bureaucracy». In Organization Theory: From Chester Banarde to the Present and Beyond. Oliver Williamson (Ed.). New York, Oxford University Press, p.116-153; MOODY-STUART, Georg –Corruption in Thirde Word Development. Oxford: Wordview Publishing, 1997). E implica pobreza, com endémica desigual distribuição do rendimento. E, ainda, má Administração, medindo-se, hoje, a qualidade dos governos combinando, segundo defende PHILIP KEEPER e STEPHEN KNACK, vários elementos, em que entra o desvalor corrupção: v.g., «índices de corrupção com riscos de expropiaçoes, força de lei, risco de quebra de contratos pelo governo e qualidade da burocracia» (KEEPER, Philip e KNACK, Stephen –«Institutions and Economic Perfomances: Cross- Country Tests Using Alternative institutional Measures». In Economics and politics, n.º7, 1995, p.207-227). Em geral, destaquem-se as obras de uma das principais investigadoras sobre a corrupção nas administrações nacionais e internacionais, SUSAN ROSE-ACKERMAN, sobre todo –Corruption: A Study in political Economy. New York; Academic Press, 1978; e a ultima obra: -Corruption and Government, Cambridge: Cambridge University Press, 1997.  (Tradução portuguesa de A. Mata: ROSE-ACKERMAN, Susan –Corrupção e Governo. Prefácio de Ricardo Sá Fernandes. (Colecção Estudos e Controvérsias). Lisboa: Prefácio-Edição de Livros e Revistas. Janeiro de 2002). E ainda PICKHOLZ, Marvin G. -«The Unitede States Foreign Corrupt Practices Act as a Civil remedy». In Corruption: The Enemy Within. Barry Rider (Ed.). The Hague: Kluger, 1997, p.231-252; ROHR, John A. -«Ethical Issues in French Public Administration». In Public Administration Review, n.º51, p.283-297; MORENO OCAMPO, Luis Gabriel -«Hyper- Corruption: Concept and Solutions». Paper presentede at the Latin American Studies Association. Washington Dc, n.º September 29, 1995; OLSON, Mancur –The rise and the decline of Nations. New Haven; Yale University Press, 1982; KAREN, Paul; Pak, Simon; ZDANOWICS, John e CURVEN, Peter –«The Ethics of International Trade: Use of Deviation from Average Worlde Price to Indicate Possivel Wrongdoing». In Business Ethics Quartely, n.º4, 1994, p.29-41; PARRIS, Henry –«Constitutional Bureaucracy: The development of British Central». In Administration Since the Eigheteenth Century. London; George Allen & Unwin, 1969; .

[82] ROSE-ACKERMAN, Susan -«Conclusões», «O Impacto Económico da Corrupção». In Corrupção e Governo. Lisboa: Prefácio, 2002, p.48.

[83] FERNÁNDEZ RAMOS, S. –El Derecho de Acceso a los Documentos Administrativos. Madrid: Marcial Pons, 1997, p.19.

[84] Vide, Capítulo II.

[85] Vide CONDESSO, F. – Direito à Informação Administrativa. Lisboa: PF, 1995; MACHETE, Rui – Estudos de Direito Público e Ciência Política, p.376-385 (citado em SOUSA, A.Francisco de –Código de Processo Administrativo anotado.Lisboa: LusoLivro, 1993, p.209).

[86] Tendo presente a necessidade de evitar «uma aliança que não é saudável entre interesses financeiros pessoais e o exercício de um poder do Estado» (ROHR, John A. –«Ethical Issues in French Public Administration». In Public Administration Review, n.º51 (p.283-297), 1991, p. 284), o Blinde Trust, segundo a definição dada em The American Heritage Dicionary of English Language, é a técnica gestionária que passa por um acordo financeiro em que um funcionário ou pessoa eleita para um alto cargo público, para evitar possíveis conflitos de interesses, entrega os seus negócios financeiros a um depositário fiduciário, com o encargo deste fazer  a sua gestão durante o período das respectivas funções e com a permissão de comunicação pública sobre o estado do património e negócios assim geridos.

[87] ROSE-ACKERMAN, S. –o.c., p. 111, citando ADAMOLEKUN, Paul –oc, p.40 e 42.

[88] COLLINS, Paul -«Civil Service reform and Retraining in Transitional Economies: Strategiec Issues and Options». In Public Administration and Development, n.º13 (p.325-344),  1993, p.325-329.

[89] FERNÁNDEZ RAMOS, S. –o.c., p.20.

[90] Mas, em relação às elites sociais em geral e, sobretudo, à «classe» política (independentemente dos factos e da sua verificaçao ou não, o que é questão diferente), sempre contornado e com divina adivinhação pela televisão ou «bufado» para a imprensa escrita, em momentos cirurgicamente inspirados.

[91] BRET, Paul Louis –Information et Démocratie. Paris, 1954. Apud XIFRA HERAS, J.- «Información». In Nueva Enciclopedia Jurídica. Barcelona: Editorial Seix, mencionado por ROMERO COLOMA, Aurelia María –Derecho a la Información y Libertad de Expresión: Especial consideración al proceso penal. Barcelona: Bosch, 1984, p. 28.

[92] Idem, transcrito de ROMERO COLOMA (oc, p. 27), que expressa o pensamento de BRET, apud JORGE XIFRA, o.c..

[93] WRIGHT, C.–Comunicación de masas.Buenos Aires, 1963, p.9. Sobre o seu pensamento, vide já, com data posterior, WRIGHT, C. R. -«Functional Análisis and Mass Communication». In People, Society and Mass Communications. DEXTER, L. e WHITE, D.M. (Dir.). New York:Free Press, 1964, p.197-212; -«Functional Analysis and Mass Communication Revisited». In The Uses of Mass Communications: Current Perspectives on Gratifications Research. BLUMER, J.G. e KATZ, E. (Dir.).Beverly Hills: Sage Publications, 1974, p.197-212.

[94] GONZÁLEZ CASANOVA, J.A. –Comunicación humana y comunidad política. Madrid, 1968, p.39.

[95] A sua importância é facilmente medida pelo número de aparelhos existentes e a sua progressão impressionante, e pela importância da publicidade actual sobre os mesmos: v.g., RAMONET, Ignacio –Propagandas silenciosas: Massas, televisão, cinema. Porto: Campo das Letras, 2001, p.70

[96] BOYCE, G. –«The Fourth Estate. The Reappraisal of a Concept», Newspaper Histiry: from the seventeenth century to the present day. London: Constablel and Beverly Hills CA, Sage Publications, 1978, p.21.

[97] CHRISTIANS, C.; FERRE, J.P.; FACKLER, P.M. –Good News: Social Ethics and the Press. New York, Oxford, 1993, apud Nelson Traquina –Jornalismo. Lisboa: Quimera, 1998, p.133

[98] Casos Diana-Dodi Al-Fayed; a farsa da vala comum de Temisoara; Monicagate -Lewinsky-Clinton-com a sua fonte única, parcial e manipuladora do procurador Kenneth Starr, que chegou inclusive a escrever textos em substitução do jornalista que os assinava: 95% da informação difundida, como já admitiu Howarde Kurtz do Washington Post, para quem realmente a imprensa é diariamente manipulada; o assunto Sydney Blumenthal, conselheiro do presidente Clinton : EUDES, Yves -«Sexe, mensonges et internautes». Le Monde. 16 de Agosto de 1998.

[99] TRAQUINA –o.c.,, p.134.

[100] -Filosophie II. Manual de philosophie, Tomo II, Tounai : Desclée, 1956, P.459 e ss.

[101] A. e o.c.,  p.135.

[102]  No importante jornal italiano La Stampa, citado por Courrier international, de 9 de Outubro de 1997: apud RAMONET –o.c., nota 1, p.26.

[103]  RAMONET, I. –o.c., p. 130 e 131.

[104]  SABATIER, Patrick -«L’Enquirer, quotidien américain, se banane». Libération, 6 juillet 1998.

[105] CÁDIMA, Francisco Rui –Desafios dos Novos Media: a nova ordem política e comunicacional. Lisboa: Notícias editorial, 1999, p.9-10.

[106] CONDESSO, F. – Direito da Comunicação Social. Coimbra: Almedina, 2005.

[107] Num contexto global de recurso a juristas, particularmente professores e juizes (ou antigos juízes) e a especialistas em diferentes matérias: ou seja, a pessoas sabedoras e experientes em diferentes áreas.

[108] Vide, CONDESSO, F. – Introdução à Ciência Política. Lições policopidas. Ano Lectivo 1991/1992, Lisboa, 1991; - Introdução à Ciência Política I: Objecto e Fundamentos Conceptuais e Metodológicos. Lisboa, 1994.

[109] Nas experiências dos diferentes países, as entidades independentes abarcam um vasto campo de actuação do Estado, podendo inclusive entrar em domínios de tutela das entidades de direcção da Administração Pública.

[110] Arguição do autor, nas provas de André Freire, Coordenador dos Ciclos de Ciência Política de ISCSTE, IUL, no debate sobre o «Relatório de Agregação em provas públicas no ISCSP-UTL, 2010»

[111] Vide, v.g., o Libro Branco sobre a Gobernança Europeia.

[112] WARREN, S. e BRANDEIS, L. -El derecho a la intimidad. (Tradução de PENDÁS, Benigno e BASELGA, Pilar). Madrid: Cuadernos Civitas, 1995, p.61 e ss.: «publicy justly commended is a remedy sea social and industrial disease. Sunlight is said to be the best disinfectant and electric light the most efficient policeman».

[113] Sobre o direito comparado do acesso à informação, vide as obras gerais do autor: CONDESSO, F. –Direito à Informação Administrativa. Tese doutoral (Julho de 1994). Lisboa: PF, Janeiro de 1995; -La defensa del medio ambiente y el derecho a la información administrativa en las Instituciones de la Unión Europea y en la Península Ibérica. Segunda tese doutoral em Direito. Faculdade de Direito e Ciências Económicas, Departamento de Direito Público II, da Universidade Rey Juan Carlos I, Biblioteca de la URJC , Madrid ,Espanha, 2002; -Derecho a la Información: Crisis del Sistema Político y Transparencia de los Poderes Públicos. Madrid: Dykinson. 2011; - «Direito da informação e direito à informação». In Direito da Comunicação Social. Coimbra: Almedina, 2007, páginas 27-82; - La importancia y la eficacia del derecho de acceso general a la información administrativa. Trabalho de investigación. Faculdade de Direito de Cáceres, UNEX, Biblioteca da Faculdade de Direito, 2001; -«O direito à informação administrativa»  Legislação: Cadernos de Ciência de Legislação.INA, n.17 (Out.-Dez.1996), p.63-100; - El acceso a la información medioambiental en poder de las administraciones públicas portuguesa y española, Revista Observatorio Medioambiental, nº 9 .Ed. Universidad Complutense de Madrid, 2006, p.27-44; -O Direito de Acesso aos Dossiers Públicos (Lei n.º65/93, de 26 de Agosto». Revista de Direito da Universidade Moderna do Porto, Ano I, n.º1, 1998, p.255-297.

[114] COTTIER, Bertil –La publicité des documents administratifs: Étude de droit suédois et suisse. Genève: Librairie Droz, 1982,  p.4.

[115] Vide, em geral, CONDESSO, F.-Introdução à ciência política II: a transparência da vida política e o financiamento dos partidos, uma reflexão politológica, Lisboa, 1990.

[116] MENY, Yves -L'Argent et a Politique, pág. 75.

[117] PARETO, Vilfredo -Traité de Sociologie Générale, Préface de RAYMONDE ARON, Genève, Librairie Droz, 1968, p. 1454 e ss.

[118] G. SARTORI -Théorie da Démocracie, Paris, A.Colin, 1973, pág 145.

[119] O princípio do acesso dos cidadãos em geral à informação detida pelas entidades públicas apoia-se nas ideias do controlo da burocracia e do governo justo, como meio de garantir as ideias de justiça e de imparcialidade da Administração.

[120] RONAI, Maurice –«L’Etat comme Machine Informationnelle». In Séminaire organisé par le Commissariat du Plan et l’Observatoire Juridique des Technologies de l’Information.Paris: 24 de Novembro de 1992. E publicado, também, in Les Données Publiques : Un gisement a exploiter? Revue Française d’Administration Pulique. Paris: Institut International d’Administration Publique, n.º72, octobre-décembre 1994, p.571-580. Veja-se, também, em estudo encomendado pela Comissão Europeia ao professor PHILLIPE GAUDRAT -Commercialisation des Donnés Publiques: Observatoire Juridique des Technologies de L’Information. Paris:Documentation Française, 1992.

[121] V.g., PITRAT, Charlotte-Marie –«Le débat européen:un serpent de mer». In Les Données Publiques : Un gisement a exploiter ? Revue Française d’Administration Publique. Paris: Institut International d’Administration Publique, n.º72, octobre-décembre 1994, p.603-608.

[122] Vide textos pioneiros no tema, como o Plan for un information society, preparado por Japan Computer Usage Development Institute Jacudi; Nacional Information Policy, preparado por Nelson Rockfeller; Raport Nora-Minc sur l’informatization de la societé: citados em RONAI, Maurice –o.c., p.573, nota 2.

[123] Comungando da ideia de complementaridade, vide, v.g., POULLET, Y -Pour un cadre juridique d’une politique de diffusion des données détenues par le sectaeur public. DGXII, Lab 93/1, p.5 ; e MAISL, H. –«La diffusion des données publiques». In AJDA, n.º5, 1994, p.362:Em geral, vide, ainda, v.g., SUDRE, F. – « Droit communnautaire et liberté d’information au sens de la Convention Européenne des Droits de l’Homme ». In Journal européen de droit international, n.º2, 1991, p.31-57.

[124] No âmbito do direito de acesso à informação ambiental, rege a Lei n.º19/2006, de 12.6 (LAIA), complementada com a LADA.

[125] Em geral, acerca de «Los Fundamentos Históricos y Conceptuales de la Transparencia Documental e informativa », CONDESSO, F. - La defensa del medio ambiente y el derecho a la información en las Instituciones de la Unión Europea y en la Península Ibérica. (Segunda) Tese doutoral em direito. Madrid: Biblioteca URJC, 2002, sobretudo, p.173-290 e sobre a importância e eficácia da transparência, p.659-888. Ainda, COTTIER, Bertil –La publicité des documents administratifs :Étude de droit suédois et suisse. Genève: Librairie Droz, 1982, p.4. O jurista sueco NILS HERLITZ afirma que os funcionários «se tornam personalidades cuja atitude e maneira de pensar aparecem em plena luz do dia» (HERLITZ, Nils -«Le droit administratif suédois». Revue Internationale des Sciences Administratives, 1953, p.548).

[126] Não é fácil reduzir o número de municípios, sendo certo que os actuais 308 não serao excessivos e, se em zonas sujeitas a forte despovoamento, a concentração é tecnicamente desejável sem perda de eficácia interventiva, já noutras zonas impõem-se divisoes, especialmente em povoações litoralizadas e dinâmicas (designadamente por razoes turísticas e comerciais), que se desenvolveram mais do que as sedes interiores dos seus municípios (e funcionam como suas colónias), as quais se permitem preocupaçoes de segunda linha face aos seus problemas e, vivendo à custa dos recursos derivados da sua urbanização, cometem verdadeiras decisões construtivas (loteamentos, edificações) que são agressoes à estética e ambiente urbano, muitas vezes ilegais e resultantes de forte cultura de corrupção. As freguesias, mantiveram-se no pós-25 de Abril, e, contrariamete às comissoes de moradores/bairro, ganharam foros de personalizaçao jurídico-pública e representatividade, dotadas embora de parcas funçoes, dada a sua subsunçao e inserçao funcional no forte espaço autárquico municipal, apresentando-se os seus membros, na altura e durante largo lapso de tempo, como agentes com as suas profissoes ou reformados, a apoiar gratuitamente as populaçoes, em agregados muitas vezes distantes da sede municipal, para onde carreavam os respectivos problemas e com assento no órgao deliberativo desta autónoma autarquía-“mae”. Mas, depois, motivaçoes eleitorais e partidárias levaram a dotar esta instituiçao residual do poder local de fundos e membros pagos, que foram aumentando, alugando novos edificios, contratando pessoal, criando por vezes complexas estruturas de serviços, aumentando a fatia do orçamento municipal que lhe era distribuída, com tudo significando, hoje, globalmente, no conjunto das 4259 freguesias existentes, remuneraçoes dos seus presidentes e seus funcionarios, etc., uma instituiçao que pesa financeiramente em termos muitos superiores aos custos correntes de uma regionalizaçao, bem feita em atribuiçoes e dimensao territorial, sendo certo que, no plano da instalaçao inicial, em relaçao a recursos financeiros, humanos e instalaçoes, nada mais seria necessário que a deslocaçao de uma parcela daqueles que outras instituiçors públicas, a extinguir, designadamente freguesias (dinheiros e pessoal) e administraçoes periféricas do Estado (patrimonio imobiliário), libertariam.

[127] E, em Portugal, aliás, da total reforma das estruturas periféricas do próprio Estado. Sobre desenvolvimento regional, competitividade, governança, participação, liderança e inadecuação do actual modelo institucional, vide a tesis de doctorado em economía e planeamiento territorial de BRANCO, Rosa Maria Pires -Competividade e Governação: O caso da Área Metropolitana de Lisboa, FCSH-UNL (defendida a 9.3.2010). Vide, ainda, sobre o debate à volta das asociações municipais, v.g., AMARAL, D. F. –Curso de Direito Administrativo, Vol.I, Coimbra: Almedina, e sobre a Regionalização, CONDESSO, F. –«Planeamento e Qualidade de Vida: Uma visão territorial. Pela reforma global da Administração Pública». In II Congresso sobre a Qualidade de Vida. Organização INTEC-CAPP, 29 de Novembro de 2010, Lisboa, ISCSP, sítio CAPP.

[128] CONDESSO, F. -O Ordenamento do Território: Direito do Planeamento Territorial, Administração Pública do Território, Economia Regional e Políticas Europeias. Lisboa: ISCSP-UTL; -La Defensa do Medio Ambiente e o Derecho a a Informação Administrativa em las Instituções da Unão Europea e em os Estados Ibéricos. URJC, Madrid; -El desarrollo armónico da Península Ibérica: O problema da ordenação territorial. Barcelona: Erasmus Ediciones, 2010.

[129] Relatório Barca, ip/09/642, Bruxelas, 27.4.2009.

[130] Nº 5 do artigo 14.º do PIDCP e 1, 32 CRP, Acórdão do TC. 210/86.

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Autor: Fernando Condesso é catedrático e coordenador do grupo de disciplinas de direito público e de ciência política no ISCSP e de direito da arquitectura e urbanismo da faculdade de arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, ex-coordenador dos Cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento de ciência política do ISCSP, Ex-Director do CEJ-UML, Investigador do CAPP, regente de direito administrativo e de direito constitucional, políticas públicas e de desenvolvimento socioeconómico, professor visitante de política e direito ambiental do IUCA-UCM, agregado em ciências jurídico-políticas, doutor em direito, PLD em direito do Estado, doutor em planeamento e ordenamento do território (geografia humana), DEA em Direito e DEA em geografia, licenciado em filosofia (FDB) e em direito (FDUC). Efectivou estudos superiores, investigação e leccionação em Espanha (FDCS-URJC, FFL e FD-UNEX), Portugal (IPI, UM, UI, IP, ISCSP, FA-UTL), Bélgica (IEE-ULB) e Brasil (FD-UGF).

Foi co-fundador do PSD, deputado europeu, observador à UEO e vice-presidente da AP da Convenção ACP-CEE, presidente de assembleia municipal, deputado nacional e presidente de grupo parlamentar, presidente de comissões parlamentares de defesa nacional, do trabalho, de investigação em matérias ambientais, de justiça e de cooperação, etc..

Na sua carreira académica, regeu e publicou obras concernentes a várias disciplinas, sendo o autor com publicação de uma tríade de manuais sobre políticas e direitos administrativos inter-relacionados de protecção territorial (direito do ordenamento do território, direito do ambiente e direito urbanístico, com os títulos “Desarrollo e cohesión na Península Ibérica: El problema de a ordenação territorial”, "Ordenamento do Território: Administração e Políticas Públicas, Direito Administrativo e Desenvolvimento Regional", "Direito do Ambiente” e "Direito do Urbanismo”), e também lições de Direito Administrativo Geral, Direito e Governo Municipal, Direito Comunitário, "Caminhos da Europa", Direito Internacional, Direito Constitucional, etc.

Membro da Direcção da Ceditex/Fundicotex (Espanha), representante para Europa da Liga Mundial de Juristas Ambientalistas (México), membro da direcção da Rede Internacional de Cientistas e Especialistas Ambientais (Recientea), membro permanente de comissões científicas de várias revistas internacionais. http/:condesso2011.no.comunidades.net